Quando discursou na Assembleia Geral da ONU pela primeira vez desde que assumiu o poder em seu terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva reiterou o mote do seu governo na área internacional: O Brasil voltou! Um ano depois, ao falar a representantes de todo o mundo na abertura da assembleia deste ano, o brasileiro fez um discurso equilibrado, como um líder do Sul Global, de um país com aspirações de protagonismo global. Foi um tom importante e que indica o que o Brasil pensa e quer, mas não foi muito além da retórica e não tinha muito o que mostrar do ponto de vista prático.
Em um discurso contundente, Lula dessa vez tratou da situação global com foco especialmente na instabilidade internacional em termos de paz e segurança, na necessidade de reforma da governança global e na emergência climática. Em nenhuma dessas áreas, entretanto, há um avanço brasileiro que sirva para mostrar que o país passou a ter de fato uma atuação relevante no mundo desde o início do ano passado.
Na área da segurança e da paz, o Brasil não tem conseguido ser ouvido em sua tentativa de influenciar os rumos das negociações na Ucrânia e na Faixa de Gaza. O país até tem um plano de paz para o conflito na Europa, mas a relevância dessa atuação se dá mais pela parceria com a China do que pelo prestígio brasileiro. Pelo contrário, o país tem sido criticado repetidas vezes pelo Ocidente por sua neutralidade, muitas vezes apontada como apoio velado à Rússia.
No Oriente Médio a situação é ainda de menor relevância. As duras críticas de Lula a Israel, ainda que possam ser vistas como moralmente justificadas por seus apoiadores, acabam enfraquecendo o pleito de ser um negociador no conflito na Faixa de Gaza. Os pedidos por cessar-fogo têm sido repetidamente ignorados.
Isso tudo sem mencionar a timidez com que o país atuou em crises em sua vizinhança. Quando a Venezuela ameaçou invadir a Guiana, por exemplo, o Brasil teria tudo para ser a principal voz na dissuasão do caso, mas acabou como coadjuvante. Quando o governo de Nicolás Maduro convocou eleições, Lula tentou garantir a legitimidade do pleito, mas acabou assistindo a uma aparente fraude em que as atas eleitorais nunca foram divulgadas.
A questão da governança global também parece um tanto sem avanços para o Brasil. É bem verdade que o país a partir deste ano celebra sua “volta” ao palco global ao sediar a cúpula do G20 e, em seguida, a COP 30, dois eventos de peso. Mas o próprio Lula registrou na ONU a sua frustração com o esvaziamento do fórum internacional na resolução de problemas do mundo.
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O governo continua usando essas plataformas para levar adiante um discurso importante de luta contra a fome e as desigualdades, mas o mundo parece viver um momento em que o multilateralismo não consegue avançar, o que limita a capacidade de ação de países como o Brasil, por mais que ele seja proativo em eventos globais.
O terceiro foco do discurso do Brasil é o mais promissor para o país, mas também o mais crítico atualmente. A eleição de Lula em 2022 prometia um novo momento para a política ambiental brasileira, com busca de liderança global neste setor. A mudança de discurso foi acompanhada desde o início por dados positivos, com redução no desmatamento na Amazônia, mas a Assembleia da ONU ocorre justamente quando o país vive um dos seus piores momentos.
A seca recorde e ações humanas suspeitas geraram uma onda de incêndios por todo o país, o que tem projetado internacionalmente uma imagem apocalíptica do Brasil. E fica difícil falar como líder na luta contra o aquecimento global enquanto sua casa pega fogo.
O discurso de Lula neste ponto teve pontos bem corretos, mas nem sempre ancorados no mundo real. O presidente assumiu a situação crítica vivida pelo país e não fugiu da responsabilidade pelo que está acontecendo à vista do mundo, mas também teve imprecisões. Ele apresentou um cenário de transição energética que é elogiável, mas que não parece totalmente alinhado ao que o governo está fazendo na prática, o que também pode gerar problemas.
Ao avaliar o discurso brasileiro sob uma perspectiva histórica, entretanto, é importante ressaltar que a retórica é muito importante, e sua volta merece comemoração, mesmo que seja só falatório.
Durante os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro, o Brasil havia adotado um discurso internacional isolacionista e negacionista. O presidente ignorava críticas internacionais, rejeitava a responsabilidade pela destruição ambiental e fazia o país perder prestígio e ser visto como um problema na luta global contra as mudanças climáticas. E muitas das críticas à política externa da extrema direita eram justamente de que o discurso importa e precisa ser bem medido, o que não acontecia na época.
O Brasil de Lula voltou a acertar neste ponto. O país hoje fala de uma forma correta, como um ator equilibrado que quer e merece protagonismo e pode ter um papel importante no mundo. Mas ainda parece haver uma desconexão entre o que o governo diz e o que ele faz.
Esta questão tem sido apontada há anos como um problema para a projeção do Brasil como um ator relevante no cenário global. “O problema enfrentado pelos formuladores de políticas nos palácios do Planalto e do Itamaraty é que a liderança envolve mais do que convocar uma conversa onde tópicos difíceis podem ou não ser abordados. A liderança também envolve tomar posições firmes sobre questões e se envolver em ações que nem todos podem apreciar”, escreveu o professor Sean Burges.
Ao longo do último ano, o Brasil até tem tomado posições mais firmes em temas internacionais do que no passado, mas a ação concreta ainda não tem aparecido muito. Lula ainda deve discursar pelo menos mais duas vezes na Assembleia Geral da ONU antes do fim do seu terceiro mandato, e precisa ter algo mais concreto para apresentar nos próximos anos, se quiser que o Brasil realmente tenha uma atuação importante no mundo.