Como o presidente da Bolívia rompeu com Evo Morales e manobrou para afastá-lo de sua sucessão


Decisão da Justiça impediu tentativa do ex-presidente de voltar ao poder após manobra para expulsar atual mandatário do partido Movimento Ao Socialismo (MAS)

Por Daniel Gateno
Atualização:

Os anos de domínio de Evo Morales sobre a política da Bolívia estão em xeque. Longe do poder desde 2019, quando militares e policiais o derrubaram em meio aos protestos que denunciavam fraudes na eleição que lhe daria um quarto mandato, Evo apoiou seu ex-ministro Luis Arce nas eleições de 2020, quando estava refugiado no México.

A vitória de Arce devolveu à esquerda o poder na Bolívia e, com isso, Evo recuperou parte do prestígio. Nos últimos anos, no entanto, os dois se distanciariam e hoje são rivais. Agora, uma disputa judicial expõe a crise no coração do Movimento Ao Socialismo (MAS), em meio a problemas econômicos cada vez mais graves no país.

Evo foi presidente da Bolívia por três mandatos seguidos, entre 2006 e 2019 até ser substituído por Jeanine Añez, na esteira dos protestos contra o resultado da eleição. Em setembro do ano passado, Evo anunciou que gostaria de se candidatar a presidência nas eleições de 2025 e assim voltar ao poder.

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O presidente da Bolívia, Luis Arce, participa do aniversário do MAS junto com o ex-presidente Evo Morales  Foto: Jorge Abrego / EFE

Esquerda dividida

A decisão de Evo provocou uma ruptura na esquerda boliviana. No congresso nacional do MAS, em outubro, aliados de Evo expulsaram Arce do partido, que anunciou que Morales seria o candidato da legenda em 2025. A corte eleitoral do país sul-americano no entanto, anulou as duas medidas e determinou que o MAS precisaria convocar uma nova convenção.

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No apagar das luzes de 2023, o Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) anunciou uma segundadecisão que fez a classe política do país tremer: presidentes ou ex-presidentes que já tivessem sido reeleitos uma vez não poderiam disputar o cargo novamente. Com a sentença, Evo ficou inelegível e não pode participar da disputa de 2025.

Arce, no entanto, segue no páreo por não ter sido reeleito ainda. O ex-presidente boliviano classificou a decisão como conspiração e apontou que há um conluio entre os neoliberais para que a esquerda boliviana seja eliminada.

Perda de força

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O embróglio demonstra como Evo perdeu forças nos últimos anos. O cientista político e professor da Faculdade de Direito da Universidade Gabriel René Moreno, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, José Orlando Peralta Beltrán, avalia que Morales segue tendo uma força política importante dentro de seu partido, mas perdeu a postura dominante que tinha quando era presidente.

“Evo Morales era presidente do país, chefe do partido e tinha o apoio do movimento dos cocaleiros e de todas as organizações sociais. Ele tinha um controle como presidente por conta dos incentivos que podia dar e agora não consegue mais”, destaca o professor.

Beltrán aponta que quando Arce passou a exercer alguma liderança política, o ex-presidente passou a olhar para o ex-aliado com outros olhos. “Quando Morales viu que Arce também conseguia angariar apoios, passou a olhar para ele como um futuro adversário e não mais como seu sucessor transitório”.

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O ex-presidente da Bolívia Evo Morales participa de coletiva de imprensa em Buenos Aires, Argentina  Foto: Juan Mabromata/AFP

Vai e vem judicial

O imbróglio constitucional envolvendo Evo Morales e o seu direito à reeleição ocorre desde 2016. A Constituição da Bolívia estabelece que ninguém pode governar o país por mais de dois períodos consecutivos. Em fevereiro de 2016, o governo boliviano realizou um referendo para aprovar ou rechaçar o projeto de modificação constitucional para reverter esta lei e estabelecer que o presidente e o vice-presidente pudessem governar por mais períodos.

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Contudo, a população boliviana votou majoritariamente pelo “não”. Morales não desistiu e em 2017 o Tribunal Constitucional da Bolívia habilitou o então presidente a disputar por mais um mandato, alegando que negar mais uma disputa a Morales violava o seu direito humano.

A sentença publicada no final do ano passado do Tribunal Constitucional aponta que a reeleição presidencial sem um limite não existe e não é “um direito humano”. A decisão do TCP se baseia em um entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em 2021 emitiu um parecer que dizia que a reeleição não é um direito humano. A sentença não é passível de apelação.

Morales apontou que a decisão é “política” e já ressaltou em algumas oportunidades que o atual presidente da Bolívia, Luis Arce, tinha a intenção de tirá-lo da disputa presidencial de 2025. Arce, que foi ministro da Economia no governo do ex-presidente, passou de pupilo a “pior inimigo”, nas palavras de Morales.

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O presidente da Bolívia, Luis Arce, participa do dia do Masticado, em La Paz, Bolívia  Foto: José Lavayén/ AP

Analistas entrevistados pelo Estadão avaliam que se trata de uma decisão política e que os magistrados do atual TCP apoiam o atual presidente boliviano.

O cientista político boliviano Roberto Laserna, pesquisador do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social (Ceres) e presidente do centro de estudos Instituto Milênio, destaca que nenhum dos magistrados do TCP possui independência política ou jurídica. A Bolívia organiza eleições para apontar os seus magistrados, que ocorrem após uma lista de juízes ser indicada e aprovada por dois terços do Legislativo.

“O Tribunal Constitucional não é jurídico, é político. Todos os membros são elegidos por votação popular e não tem independência política, muito menos independência judicial, então todas as sentenças que eles produzem ocorrem por pressão política e os juízes são muito vinculados ao partido do governo, foi assim com Evo Morales, Jeanine Añez e é assim com Luis Arce”, pondera Laserna. “A sentença anunciada no final do ano passado favorece integralmente Luis Arce”.

Para Beltrán, já que o Tribunal Constitucional acaba sendo político e não jurídico, existe espaço para uma manobra que possibilite a participação de Morales nas eleições de 2025. “Morales ainda tem muito apoio e o TCP irá receber muita pressão política, então acredito que no final ele vai conseguir participar”.

O analista Sebastián Fernández de Soto da empresa de consultoria Control Risks pondera que o TCP só mudaria a decisão em relação a Evo Morales com novos magistrados ocupando a corte. “Precisamos de uma eleição judicial, se este panorama continuar até as eleições em 2025, não acredito que Morales conseguiria participar.

Racha entre Morales e Arce

Luis Arce venceu as eleições em outubro de 2020 para um mandato de cinco anos. Ele ganhou em primeiro turno com 55,1% dos votos e o apoio de Evo Morales e do MAS, após a renúncia de Morales, que venceu as eleições em 2019 mas renunciou e se exilou do país após denúncias de fraude. O ex-presidente voltou ao país após a vitória de Arce e sentiu que poderia continuar comandando o país, mesmo sem ser o mandatário.

Os dois entraram em rota de colisão após divergirem sobre a escolha de ministros da equipe de Arce e Morales passou a chamar o atual presidente de “traidor”. O racha entre os dois dividiu o MAS no Congresso boliviano entre evistas e arcistas e prejudicou o governo Arce, que perdeu a maioria. Desde então, os dois políticos lutam pelo controle do MAS e não está claro se um deles poderia sair do partido para concorrer à presidência.

Oposição ao presidente da Bolívia, Luis Arce, convocou protestos contra a decisão do Tribunal Constitucional de manter todos os magistrados em seus cargos mesmo depois do fim do mandato  Foto: EFE / EFE

Eleições de 2025

Segundo uma pesquisa da Fundação Jubileu, 7 em cada 10 bolivianos consideram que os políticos não estão fazendo bem o seu trabalho e que 40% prefere que um novo político seja candidato nas eleições de 2025. Luis Arce tem a preferência de 14% da população e Morales de 10%. Além da crise política, a Bolívia também passa por uma crise econômica, que é sentida pela população, mas negada por Luis Arce.

Existem muitas dúvidas sobre a disputa boliviana com a atual inelegibilidade de Morales e o racha no MAS. Para Beltrán, apesar da popularidade de Morales ser forte, o atual presidente possui apoios mais importantes neste momento no partido.

“Morales tem o apoio do movimento dos cocaleiros que dominam a província boliviana de Chapare, mas Arce possui a chancela de outras organizações sociais fortes como o chamado Pacto de Unidade, que é uma aliança nacional de organizações de base bolivianas em apoio aos direitos indígenas e agrários”, diz o analista. “Arce possui um apoio de maior relevância no partido “.

O MAS anunciou em seu congresso nacional que foi anulado em outubro que apenas militantes com 10 anos de partido poderiam se candidatar a cargos pela legenda. Se esta medida de fato ocorrer, Luis Arce não poderia concorrer pelo MAS porque não cumpre estes requisitos.

A ex-presidente da Bolívia Jeanine Añez foi presa por conspirar para um suposto golpe contra Evo Morales em 2019  Foto: Aizar Raldes/ AFP

Fernández de Soto, da Control Risks, aponta que caso Arce saia do MAS para concorrer em um outro partido contra Morales, ele não deve ter chances contra o ex-presidente nas eleições gerais. “Se Arce se lança contra Morales nas eleições primárias do MAS, acredito que ele tem mais chances porque o apoio está nivelado”.

Já a direita boliviana está fraca e não tem um candidato unificado que poderia se lançar contra Morales ou Arce. A ex-presidente da Bolívia Jeanine Añez, que poderia angariar algum apoio, está presa desde 2022 sob a acusação de ter realizado um golpe contra Morales em 2019. O governador da província de Santa Cruz, a mais rica do país, Luis Fernando Camacho, também poderia desafiar os candidatos do MAS, mas ele foi preso no final de 2022 por participar do suposto golpe contra o ex-presidente.

O analista aponta que o partido de direita Creemos (Acreditamos, em português) teria que fazer uma aliança com a legenda Comunidade Cidadã, de centro-esquerda. “A principal força política do Creemos é em Santa Cruz, que é o motor econômico da Bolívia. Para serem competitivos contra o Mas eles precisariam de uma aliança com o partido Comunidade Cidadã para quebrar esta barreira de que só ganham em Santa Cruz e criar um nome que possa se estabelecer nacionalmente”, completou.

Os anos de domínio de Evo Morales sobre a política da Bolívia estão em xeque. Longe do poder desde 2019, quando militares e policiais o derrubaram em meio aos protestos que denunciavam fraudes na eleição que lhe daria um quarto mandato, Evo apoiou seu ex-ministro Luis Arce nas eleições de 2020, quando estava refugiado no México.

A vitória de Arce devolveu à esquerda o poder na Bolívia e, com isso, Evo recuperou parte do prestígio. Nos últimos anos, no entanto, os dois se distanciariam e hoje são rivais. Agora, uma disputa judicial expõe a crise no coração do Movimento Ao Socialismo (MAS), em meio a problemas econômicos cada vez mais graves no país.

Evo foi presidente da Bolívia por três mandatos seguidos, entre 2006 e 2019 até ser substituído por Jeanine Añez, na esteira dos protestos contra o resultado da eleição. Em setembro do ano passado, Evo anunciou que gostaria de se candidatar a presidência nas eleições de 2025 e assim voltar ao poder.

O presidente da Bolívia, Luis Arce, participa do aniversário do MAS junto com o ex-presidente Evo Morales  Foto: Jorge Abrego / EFE

Esquerda dividida

A decisão de Evo provocou uma ruptura na esquerda boliviana. No congresso nacional do MAS, em outubro, aliados de Evo expulsaram Arce do partido, que anunciou que Morales seria o candidato da legenda em 2025. A corte eleitoral do país sul-americano no entanto, anulou as duas medidas e determinou que o MAS precisaria convocar uma nova convenção.

No apagar das luzes de 2023, o Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) anunciou uma segundadecisão que fez a classe política do país tremer: presidentes ou ex-presidentes que já tivessem sido reeleitos uma vez não poderiam disputar o cargo novamente. Com a sentença, Evo ficou inelegível e não pode participar da disputa de 2025.

Arce, no entanto, segue no páreo por não ter sido reeleito ainda. O ex-presidente boliviano classificou a decisão como conspiração e apontou que há um conluio entre os neoliberais para que a esquerda boliviana seja eliminada.

Perda de força

O embróglio demonstra como Evo perdeu forças nos últimos anos. O cientista político e professor da Faculdade de Direito da Universidade Gabriel René Moreno, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, José Orlando Peralta Beltrán, avalia que Morales segue tendo uma força política importante dentro de seu partido, mas perdeu a postura dominante que tinha quando era presidente.

“Evo Morales era presidente do país, chefe do partido e tinha o apoio do movimento dos cocaleiros e de todas as organizações sociais. Ele tinha um controle como presidente por conta dos incentivos que podia dar e agora não consegue mais”, destaca o professor.

Beltrán aponta que quando Arce passou a exercer alguma liderança política, o ex-presidente passou a olhar para o ex-aliado com outros olhos. “Quando Morales viu que Arce também conseguia angariar apoios, passou a olhar para ele como um futuro adversário e não mais como seu sucessor transitório”.

O ex-presidente da Bolívia Evo Morales participa de coletiva de imprensa em Buenos Aires, Argentina  Foto: Juan Mabromata/AFP

Vai e vem judicial

O imbróglio constitucional envolvendo Evo Morales e o seu direito à reeleição ocorre desde 2016. A Constituição da Bolívia estabelece que ninguém pode governar o país por mais de dois períodos consecutivos. Em fevereiro de 2016, o governo boliviano realizou um referendo para aprovar ou rechaçar o projeto de modificação constitucional para reverter esta lei e estabelecer que o presidente e o vice-presidente pudessem governar por mais períodos.

Contudo, a população boliviana votou majoritariamente pelo “não”. Morales não desistiu e em 2017 o Tribunal Constitucional da Bolívia habilitou o então presidente a disputar por mais um mandato, alegando que negar mais uma disputa a Morales violava o seu direito humano.

A sentença publicada no final do ano passado do Tribunal Constitucional aponta que a reeleição presidencial sem um limite não existe e não é “um direito humano”. A decisão do TCP se baseia em um entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em 2021 emitiu um parecer que dizia que a reeleição não é um direito humano. A sentença não é passível de apelação.

Morales apontou que a decisão é “política” e já ressaltou em algumas oportunidades que o atual presidente da Bolívia, Luis Arce, tinha a intenção de tirá-lo da disputa presidencial de 2025. Arce, que foi ministro da Economia no governo do ex-presidente, passou de pupilo a “pior inimigo”, nas palavras de Morales.

O presidente da Bolívia, Luis Arce, participa do dia do Masticado, em La Paz, Bolívia  Foto: José Lavayén/ AP

Analistas entrevistados pelo Estadão avaliam que se trata de uma decisão política e que os magistrados do atual TCP apoiam o atual presidente boliviano.

O cientista político boliviano Roberto Laserna, pesquisador do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social (Ceres) e presidente do centro de estudos Instituto Milênio, destaca que nenhum dos magistrados do TCP possui independência política ou jurídica. A Bolívia organiza eleições para apontar os seus magistrados, que ocorrem após uma lista de juízes ser indicada e aprovada por dois terços do Legislativo.

“O Tribunal Constitucional não é jurídico, é político. Todos os membros são elegidos por votação popular e não tem independência política, muito menos independência judicial, então todas as sentenças que eles produzem ocorrem por pressão política e os juízes são muito vinculados ao partido do governo, foi assim com Evo Morales, Jeanine Añez e é assim com Luis Arce”, pondera Laserna. “A sentença anunciada no final do ano passado favorece integralmente Luis Arce”.

Para Beltrán, já que o Tribunal Constitucional acaba sendo político e não jurídico, existe espaço para uma manobra que possibilite a participação de Morales nas eleições de 2025. “Morales ainda tem muito apoio e o TCP irá receber muita pressão política, então acredito que no final ele vai conseguir participar”.

O analista Sebastián Fernández de Soto da empresa de consultoria Control Risks pondera que o TCP só mudaria a decisão em relação a Evo Morales com novos magistrados ocupando a corte. “Precisamos de uma eleição judicial, se este panorama continuar até as eleições em 2025, não acredito que Morales conseguiria participar.

Racha entre Morales e Arce

Luis Arce venceu as eleições em outubro de 2020 para um mandato de cinco anos. Ele ganhou em primeiro turno com 55,1% dos votos e o apoio de Evo Morales e do MAS, após a renúncia de Morales, que venceu as eleições em 2019 mas renunciou e se exilou do país após denúncias de fraude. O ex-presidente voltou ao país após a vitória de Arce e sentiu que poderia continuar comandando o país, mesmo sem ser o mandatário.

Os dois entraram em rota de colisão após divergirem sobre a escolha de ministros da equipe de Arce e Morales passou a chamar o atual presidente de “traidor”. O racha entre os dois dividiu o MAS no Congresso boliviano entre evistas e arcistas e prejudicou o governo Arce, que perdeu a maioria. Desde então, os dois políticos lutam pelo controle do MAS e não está claro se um deles poderia sair do partido para concorrer à presidência.

Oposição ao presidente da Bolívia, Luis Arce, convocou protestos contra a decisão do Tribunal Constitucional de manter todos os magistrados em seus cargos mesmo depois do fim do mandato  Foto: EFE / EFE

Eleições de 2025

Segundo uma pesquisa da Fundação Jubileu, 7 em cada 10 bolivianos consideram que os políticos não estão fazendo bem o seu trabalho e que 40% prefere que um novo político seja candidato nas eleições de 2025. Luis Arce tem a preferência de 14% da população e Morales de 10%. Além da crise política, a Bolívia também passa por uma crise econômica, que é sentida pela população, mas negada por Luis Arce.

Existem muitas dúvidas sobre a disputa boliviana com a atual inelegibilidade de Morales e o racha no MAS. Para Beltrán, apesar da popularidade de Morales ser forte, o atual presidente possui apoios mais importantes neste momento no partido.

“Morales tem o apoio do movimento dos cocaleiros que dominam a província boliviana de Chapare, mas Arce possui a chancela de outras organizações sociais fortes como o chamado Pacto de Unidade, que é uma aliança nacional de organizações de base bolivianas em apoio aos direitos indígenas e agrários”, diz o analista. “Arce possui um apoio de maior relevância no partido “.

O MAS anunciou em seu congresso nacional que foi anulado em outubro que apenas militantes com 10 anos de partido poderiam se candidatar a cargos pela legenda. Se esta medida de fato ocorrer, Luis Arce não poderia concorrer pelo MAS porque não cumpre estes requisitos.

A ex-presidente da Bolívia Jeanine Añez foi presa por conspirar para um suposto golpe contra Evo Morales em 2019  Foto: Aizar Raldes/ AFP

Fernández de Soto, da Control Risks, aponta que caso Arce saia do MAS para concorrer em um outro partido contra Morales, ele não deve ter chances contra o ex-presidente nas eleições gerais. “Se Arce se lança contra Morales nas eleições primárias do MAS, acredito que ele tem mais chances porque o apoio está nivelado”.

Já a direita boliviana está fraca e não tem um candidato unificado que poderia se lançar contra Morales ou Arce. A ex-presidente da Bolívia Jeanine Añez, que poderia angariar algum apoio, está presa desde 2022 sob a acusação de ter realizado um golpe contra Morales em 2019. O governador da província de Santa Cruz, a mais rica do país, Luis Fernando Camacho, também poderia desafiar os candidatos do MAS, mas ele foi preso no final de 2022 por participar do suposto golpe contra o ex-presidente.

O analista aponta que o partido de direita Creemos (Acreditamos, em português) teria que fazer uma aliança com a legenda Comunidade Cidadã, de centro-esquerda. “A principal força política do Creemos é em Santa Cruz, que é o motor econômico da Bolívia. Para serem competitivos contra o Mas eles precisariam de uma aliança com o partido Comunidade Cidadã para quebrar esta barreira de que só ganham em Santa Cruz e criar um nome que possa se estabelecer nacionalmente”, completou.

Os anos de domínio de Evo Morales sobre a política da Bolívia estão em xeque. Longe do poder desde 2019, quando militares e policiais o derrubaram em meio aos protestos que denunciavam fraudes na eleição que lhe daria um quarto mandato, Evo apoiou seu ex-ministro Luis Arce nas eleições de 2020, quando estava refugiado no México.

A vitória de Arce devolveu à esquerda o poder na Bolívia e, com isso, Evo recuperou parte do prestígio. Nos últimos anos, no entanto, os dois se distanciariam e hoje são rivais. Agora, uma disputa judicial expõe a crise no coração do Movimento Ao Socialismo (MAS), em meio a problemas econômicos cada vez mais graves no país.

Evo foi presidente da Bolívia por três mandatos seguidos, entre 2006 e 2019 até ser substituído por Jeanine Añez, na esteira dos protestos contra o resultado da eleição. Em setembro do ano passado, Evo anunciou que gostaria de se candidatar a presidência nas eleições de 2025 e assim voltar ao poder.

O presidente da Bolívia, Luis Arce, participa do aniversário do MAS junto com o ex-presidente Evo Morales  Foto: Jorge Abrego / EFE

Esquerda dividida

A decisão de Evo provocou uma ruptura na esquerda boliviana. No congresso nacional do MAS, em outubro, aliados de Evo expulsaram Arce do partido, que anunciou que Morales seria o candidato da legenda em 2025. A corte eleitoral do país sul-americano no entanto, anulou as duas medidas e determinou que o MAS precisaria convocar uma nova convenção.

No apagar das luzes de 2023, o Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) anunciou uma segundadecisão que fez a classe política do país tremer: presidentes ou ex-presidentes que já tivessem sido reeleitos uma vez não poderiam disputar o cargo novamente. Com a sentença, Evo ficou inelegível e não pode participar da disputa de 2025.

Arce, no entanto, segue no páreo por não ter sido reeleito ainda. O ex-presidente boliviano classificou a decisão como conspiração e apontou que há um conluio entre os neoliberais para que a esquerda boliviana seja eliminada.

Perda de força

O embróglio demonstra como Evo perdeu forças nos últimos anos. O cientista político e professor da Faculdade de Direito da Universidade Gabriel René Moreno, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, José Orlando Peralta Beltrán, avalia que Morales segue tendo uma força política importante dentro de seu partido, mas perdeu a postura dominante que tinha quando era presidente.

“Evo Morales era presidente do país, chefe do partido e tinha o apoio do movimento dos cocaleiros e de todas as organizações sociais. Ele tinha um controle como presidente por conta dos incentivos que podia dar e agora não consegue mais”, destaca o professor.

Beltrán aponta que quando Arce passou a exercer alguma liderança política, o ex-presidente passou a olhar para o ex-aliado com outros olhos. “Quando Morales viu que Arce também conseguia angariar apoios, passou a olhar para ele como um futuro adversário e não mais como seu sucessor transitório”.

O ex-presidente da Bolívia Evo Morales participa de coletiva de imprensa em Buenos Aires, Argentina  Foto: Juan Mabromata/AFP

Vai e vem judicial

O imbróglio constitucional envolvendo Evo Morales e o seu direito à reeleição ocorre desde 2016. A Constituição da Bolívia estabelece que ninguém pode governar o país por mais de dois períodos consecutivos. Em fevereiro de 2016, o governo boliviano realizou um referendo para aprovar ou rechaçar o projeto de modificação constitucional para reverter esta lei e estabelecer que o presidente e o vice-presidente pudessem governar por mais períodos.

Contudo, a população boliviana votou majoritariamente pelo “não”. Morales não desistiu e em 2017 o Tribunal Constitucional da Bolívia habilitou o então presidente a disputar por mais um mandato, alegando que negar mais uma disputa a Morales violava o seu direito humano.

A sentença publicada no final do ano passado do Tribunal Constitucional aponta que a reeleição presidencial sem um limite não existe e não é “um direito humano”. A decisão do TCP se baseia em um entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em 2021 emitiu um parecer que dizia que a reeleição não é um direito humano. A sentença não é passível de apelação.

Morales apontou que a decisão é “política” e já ressaltou em algumas oportunidades que o atual presidente da Bolívia, Luis Arce, tinha a intenção de tirá-lo da disputa presidencial de 2025. Arce, que foi ministro da Economia no governo do ex-presidente, passou de pupilo a “pior inimigo”, nas palavras de Morales.

O presidente da Bolívia, Luis Arce, participa do dia do Masticado, em La Paz, Bolívia  Foto: José Lavayén/ AP

Analistas entrevistados pelo Estadão avaliam que se trata de uma decisão política e que os magistrados do atual TCP apoiam o atual presidente boliviano.

O cientista político boliviano Roberto Laserna, pesquisador do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social (Ceres) e presidente do centro de estudos Instituto Milênio, destaca que nenhum dos magistrados do TCP possui independência política ou jurídica. A Bolívia organiza eleições para apontar os seus magistrados, que ocorrem após uma lista de juízes ser indicada e aprovada por dois terços do Legislativo.

“O Tribunal Constitucional não é jurídico, é político. Todos os membros são elegidos por votação popular e não tem independência política, muito menos independência judicial, então todas as sentenças que eles produzem ocorrem por pressão política e os juízes são muito vinculados ao partido do governo, foi assim com Evo Morales, Jeanine Añez e é assim com Luis Arce”, pondera Laserna. “A sentença anunciada no final do ano passado favorece integralmente Luis Arce”.

Para Beltrán, já que o Tribunal Constitucional acaba sendo político e não jurídico, existe espaço para uma manobra que possibilite a participação de Morales nas eleições de 2025. “Morales ainda tem muito apoio e o TCP irá receber muita pressão política, então acredito que no final ele vai conseguir participar”.

O analista Sebastián Fernández de Soto da empresa de consultoria Control Risks pondera que o TCP só mudaria a decisão em relação a Evo Morales com novos magistrados ocupando a corte. “Precisamos de uma eleição judicial, se este panorama continuar até as eleições em 2025, não acredito que Morales conseguiria participar.

Racha entre Morales e Arce

Luis Arce venceu as eleições em outubro de 2020 para um mandato de cinco anos. Ele ganhou em primeiro turno com 55,1% dos votos e o apoio de Evo Morales e do MAS, após a renúncia de Morales, que venceu as eleições em 2019 mas renunciou e se exilou do país após denúncias de fraude. O ex-presidente voltou ao país após a vitória de Arce e sentiu que poderia continuar comandando o país, mesmo sem ser o mandatário.

Os dois entraram em rota de colisão após divergirem sobre a escolha de ministros da equipe de Arce e Morales passou a chamar o atual presidente de “traidor”. O racha entre os dois dividiu o MAS no Congresso boliviano entre evistas e arcistas e prejudicou o governo Arce, que perdeu a maioria. Desde então, os dois políticos lutam pelo controle do MAS e não está claro se um deles poderia sair do partido para concorrer à presidência.

Oposição ao presidente da Bolívia, Luis Arce, convocou protestos contra a decisão do Tribunal Constitucional de manter todos os magistrados em seus cargos mesmo depois do fim do mandato  Foto: EFE / EFE

Eleições de 2025

Segundo uma pesquisa da Fundação Jubileu, 7 em cada 10 bolivianos consideram que os políticos não estão fazendo bem o seu trabalho e que 40% prefere que um novo político seja candidato nas eleições de 2025. Luis Arce tem a preferência de 14% da população e Morales de 10%. Além da crise política, a Bolívia também passa por uma crise econômica, que é sentida pela população, mas negada por Luis Arce.

Existem muitas dúvidas sobre a disputa boliviana com a atual inelegibilidade de Morales e o racha no MAS. Para Beltrán, apesar da popularidade de Morales ser forte, o atual presidente possui apoios mais importantes neste momento no partido.

“Morales tem o apoio do movimento dos cocaleiros que dominam a província boliviana de Chapare, mas Arce possui a chancela de outras organizações sociais fortes como o chamado Pacto de Unidade, que é uma aliança nacional de organizações de base bolivianas em apoio aos direitos indígenas e agrários”, diz o analista. “Arce possui um apoio de maior relevância no partido “.

O MAS anunciou em seu congresso nacional que foi anulado em outubro que apenas militantes com 10 anos de partido poderiam se candidatar a cargos pela legenda. Se esta medida de fato ocorrer, Luis Arce não poderia concorrer pelo MAS porque não cumpre estes requisitos.

A ex-presidente da Bolívia Jeanine Añez foi presa por conspirar para um suposto golpe contra Evo Morales em 2019  Foto: Aizar Raldes/ AFP

Fernández de Soto, da Control Risks, aponta que caso Arce saia do MAS para concorrer em um outro partido contra Morales, ele não deve ter chances contra o ex-presidente nas eleições gerais. “Se Arce se lança contra Morales nas eleições primárias do MAS, acredito que ele tem mais chances porque o apoio está nivelado”.

Já a direita boliviana está fraca e não tem um candidato unificado que poderia se lançar contra Morales ou Arce. A ex-presidente da Bolívia Jeanine Añez, que poderia angariar algum apoio, está presa desde 2022 sob a acusação de ter realizado um golpe contra Morales em 2019. O governador da província de Santa Cruz, a mais rica do país, Luis Fernando Camacho, também poderia desafiar os candidatos do MAS, mas ele foi preso no final de 2022 por participar do suposto golpe contra o ex-presidente.

O analista aponta que o partido de direita Creemos (Acreditamos, em português) teria que fazer uma aliança com a legenda Comunidade Cidadã, de centro-esquerda. “A principal força política do Creemos é em Santa Cruz, que é o motor econômico da Bolívia. Para serem competitivos contra o Mas eles precisariam de uma aliança com o partido Comunidade Cidadã para quebrar esta barreira de que só ganham em Santa Cruz e criar um nome que possa se estabelecer nacionalmente”, completou.

Os anos de domínio de Evo Morales sobre a política da Bolívia estão em xeque. Longe do poder desde 2019, quando militares e policiais o derrubaram em meio aos protestos que denunciavam fraudes na eleição que lhe daria um quarto mandato, Evo apoiou seu ex-ministro Luis Arce nas eleições de 2020, quando estava refugiado no México.

A vitória de Arce devolveu à esquerda o poder na Bolívia e, com isso, Evo recuperou parte do prestígio. Nos últimos anos, no entanto, os dois se distanciariam e hoje são rivais. Agora, uma disputa judicial expõe a crise no coração do Movimento Ao Socialismo (MAS), em meio a problemas econômicos cada vez mais graves no país.

Evo foi presidente da Bolívia por três mandatos seguidos, entre 2006 e 2019 até ser substituído por Jeanine Añez, na esteira dos protestos contra o resultado da eleição. Em setembro do ano passado, Evo anunciou que gostaria de se candidatar a presidência nas eleições de 2025 e assim voltar ao poder.

O presidente da Bolívia, Luis Arce, participa do aniversário do MAS junto com o ex-presidente Evo Morales  Foto: Jorge Abrego / EFE

Esquerda dividida

A decisão de Evo provocou uma ruptura na esquerda boliviana. No congresso nacional do MAS, em outubro, aliados de Evo expulsaram Arce do partido, que anunciou que Morales seria o candidato da legenda em 2025. A corte eleitoral do país sul-americano no entanto, anulou as duas medidas e determinou que o MAS precisaria convocar uma nova convenção.

No apagar das luzes de 2023, o Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) anunciou uma segundadecisão que fez a classe política do país tremer: presidentes ou ex-presidentes que já tivessem sido reeleitos uma vez não poderiam disputar o cargo novamente. Com a sentença, Evo ficou inelegível e não pode participar da disputa de 2025.

Arce, no entanto, segue no páreo por não ter sido reeleito ainda. O ex-presidente boliviano classificou a decisão como conspiração e apontou que há um conluio entre os neoliberais para que a esquerda boliviana seja eliminada.

Perda de força

O embróglio demonstra como Evo perdeu forças nos últimos anos. O cientista político e professor da Faculdade de Direito da Universidade Gabriel René Moreno, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, José Orlando Peralta Beltrán, avalia que Morales segue tendo uma força política importante dentro de seu partido, mas perdeu a postura dominante que tinha quando era presidente.

“Evo Morales era presidente do país, chefe do partido e tinha o apoio do movimento dos cocaleiros e de todas as organizações sociais. Ele tinha um controle como presidente por conta dos incentivos que podia dar e agora não consegue mais”, destaca o professor.

Beltrán aponta que quando Arce passou a exercer alguma liderança política, o ex-presidente passou a olhar para o ex-aliado com outros olhos. “Quando Morales viu que Arce também conseguia angariar apoios, passou a olhar para ele como um futuro adversário e não mais como seu sucessor transitório”.

O ex-presidente da Bolívia Evo Morales participa de coletiva de imprensa em Buenos Aires, Argentina  Foto: Juan Mabromata/AFP

Vai e vem judicial

O imbróglio constitucional envolvendo Evo Morales e o seu direito à reeleição ocorre desde 2016. A Constituição da Bolívia estabelece que ninguém pode governar o país por mais de dois períodos consecutivos. Em fevereiro de 2016, o governo boliviano realizou um referendo para aprovar ou rechaçar o projeto de modificação constitucional para reverter esta lei e estabelecer que o presidente e o vice-presidente pudessem governar por mais períodos.

Contudo, a população boliviana votou majoritariamente pelo “não”. Morales não desistiu e em 2017 o Tribunal Constitucional da Bolívia habilitou o então presidente a disputar por mais um mandato, alegando que negar mais uma disputa a Morales violava o seu direito humano.

A sentença publicada no final do ano passado do Tribunal Constitucional aponta que a reeleição presidencial sem um limite não existe e não é “um direito humano”. A decisão do TCP se baseia em um entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em 2021 emitiu um parecer que dizia que a reeleição não é um direito humano. A sentença não é passível de apelação.

Morales apontou que a decisão é “política” e já ressaltou em algumas oportunidades que o atual presidente da Bolívia, Luis Arce, tinha a intenção de tirá-lo da disputa presidencial de 2025. Arce, que foi ministro da Economia no governo do ex-presidente, passou de pupilo a “pior inimigo”, nas palavras de Morales.

O presidente da Bolívia, Luis Arce, participa do dia do Masticado, em La Paz, Bolívia  Foto: José Lavayén/ AP

Analistas entrevistados pelo Estadão avaliam que se trata de uma decisão política e que os magistrados do atual TCP apoiam o atual presidente boliviano.

O cientista político boliviano Roberto Laserna, pesquisador do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social (Ceres) e presidente do centro de estudos Instituto Milênio, destaca que nenhum dos magistrados do TCP possui independência política ou jurídica. A Bolívia organiza eleições para apontar os seus magistrados, que ocorrem após uma lista de juízes ser indicada e aprovada por dois terços do Legislativo.

“O Tribunal Constitucional não é jurídico, é político. Todos os membros são elegidos por votação popular e não tem independência política, muito menos independência judicial, então todas as sentenças que eles produzem ocorrem por pressão política e os juízes são muito vinculados ao partido do governo, foi assim com Evo Morales, Jeanine Añez e é assim com Luis Arce”, pondera Laserna. “A sentença anunciada no final do ano passado favorece integralmente Luis Arce”.

Para Beltrán, já que o Tribunal Constitucional acaba sendo político e não jurídico, existe espaço para uma manobra que possibilite a participação de Morales nas eleições de 2025. “Morales ainda tem muito apoio e o TCP irá receber muita pressão política, então acredito que no final ele vai conseguir participar”.

O analista Sebastián Fernández de Soto da empresa de consultoria Control Risks pondera que o TCP só mudaria a decisão em relação a Evo Morales com novos magistrados ocupando a corte. “Precisamos de uma eleição judicial, se este panorama continuar até as eleições em 2025, não acredito que Morales conseguiria participar.

Racha entre Morales e Arce

Luis Arce venceu as eleições em outubro de 2020 para um mandato de cinco anos. Ele ganhou em primeiro turno com 55,1% dos votos e o apoio de Evo Morales e do MAS, após a renúncia de Morales, que venceu as eleições em 2019 mas renunciou e se exilou do país após denúncias de fraude. O ex-presidente voltou ao país após a vitória de Arce e sentiu que poderia continuar comandando o país, mesmo sem ser o mandatário.

Os dois entraram em rota de colisão após divergirem sobre a escolha de ministros da equipe de Arce e Morales passou a chamar o atual presidente de “traidor”. O racha entre os dois dividiu o MAS no Congresso boliviano entre evistas e arcistas e prejudicou o governo Arce, que perdeu a maioria. Desde então, os dois políticos lutam pelo controle do MAS e não está claro se um deles poderia sair do partido para concorrer à presidência.

Oposição ao presidente da Bolívia, Luis Arce, convocou protestos contra a decisão do Tribunal Constitucional de manter todos os magistrados em seus cargos mesmo depois do fim do mandato  Foto: EFE / EFE

Eleições de 2025

Segundo uma pesquisa da Fundação Jubileu, 7 em cada 10 bolivianos consideram que os políticos não estão fazendo bem o seu trabalho e que 40% prefere que um novo político seja candidato nas eleições de 2025. Luis Arce tem a preferência de 14% da população e Morales de 10%. Além da crise política, a Bolívia também passa por uma crise econômica, que é sentida pela população, mas negada por Luis Arce.

Existem muitas dúvidas sobre a disputa boliviana com a atual inelegibilidade de Morales e o racha no MAS. Para Beltrán, apesar da popularidade de Morales ser forte, o atual presidente possui apoios mais importantes neste momento no partido.

“Morales tem o apoio do movimento dos cocaleiros que dominam a província boliviana de Chapare, mas Arce possui a chancela de outras organizações sociais fortes como o chamado Pacto de Unidade, que é uma aliança nacional de organizações de base bolivianas em apoio aos direitos indígenas e agrários”, diz o analista. “Arce possui um apoio de maior relevância no partido “.

O MAS anunciou em seu congresso nacional que foi anulado em outubro que apenas militantes com 10 anos de partido poderiam se candidatar a cargos pela legenda. Se esta medida de fato ocorrer, Luis Arce não poderia concorrer pelo MAS porque não cumpre estes requisitos.

A ex-presidente da Bolívia Jeanine Añez foi presa por conspirar para um suposto golpe contra Evo Morales em 2019  Foto: Aizar Raldes/ AFP

Fernández de Soto, da Control Risks, aponta que caso Arce saia do MAS para concorrer em um outro partido contra Morales, ele não deve ter chances contra o ex-presidente nas eleições gerais. “Se Arce se lança contra Morales nas eleições primárias do MAS, acredito que ele tem mais chances porque o apoio está nivelado”.

Já a direita boliviana está fraca e não tem um candidato unificado que poderia se lançar contra Morales ou Arce. A ex-presidente da Bolívia Jeanine Añez, que poderia angariar algum apoio, está presa desde 2022 sob a acusação de ter realizado um golpe contra Morales em 2019. O governador da província de Santa Cruz, a mais rica do país, Luis Fernando Camacho, também poderia desafiar os candidatos do MAS, mas ele foi preso no final de 2022 por participar do suposto golpe contra o ex-presidente.

O analista aponta que o partido de direita Creemos (Acreditamos, em português) teria que fazer uma aliança com a legenda Comunidade Cidadã, de centro-esquerda. “A principal força política do Creemos é em Santa Cruz, que é o motor econômico da Bolívia. Para serem competitivos contra o Mas eles precisariam de uma aliança com o partido Comunidade Cidadã para quebrar esta barreira de que só ganham em Santa Cruz e criar um nome que possa se estabelecer nacionalmente”, completou.

Os anos de domínio de Evo Morales sobre a política da Bolívia estão em xeque. Longe do poder desde 2019, quando militares e policiais o derrubaram em meio aos protestos que denunciavam fraudes na eleição que lhe daria um quarto mandato, Evo apoiou seu ex-ministro Luis Arce nas eleições de 2020, quando estava refugiado no México.

A vitória de Arce devolveu à esquerda o poder na Bolívia e, com isso, Evo recuperou parte do prestígio. Nos últimos anos, no entanto, os dois se distanciariam e hoje são rivais. Agora, uma disputa judicial expõe a crise no coração do Movimento Ao Socialismo (MAS), em meio a problemas econômicos cada vez mais graves no país.

Evo foi presidente da Bolívia por três mandatos seguidos, entre 2006 e 2019 até ser substituído por Jeanine Añez, na esteira dos protestos contra o resultado da eleição. Em setembro do ano passado, Evo anunciou que gostaria de se candidatar a presidência nas eleições de 2025 e assim voltar ao poder.

O presidente da Bolívia, Luis Arce, participa do aniversário do MAS junto com o ex-presidente Evo Morales  Foto: Jorge Abrego / EFE

Esquerda dividida

A decisão de Evo provocou uma ruptura na esquerda boliviana. No congresso nacional do MAS, em outubro, aliados de Evo expulsaram Arce do partido, que anunciou que Morales seria o candidato da legenda em 2025. A corte eleitoral do país sul-americano no entanto, anulou as duas medidas e determinou que o MAS precisaria convocar uma nova convenção.

No apagar das luzes de 2023, o Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) anunciou uma segundadecisão que fez a classe política do país tremer: presidentes ou ex-presidentes que já tivessem sido reeleitos uma vez não poderiam disputar o cargo novamente. Com a sentença, Evo ficou inelegível e não pode participar da disputa de 2025.

Arce, no entanto, segue no páreo por não ter sido reeleito ainda. O ex-presidente boliviano classificou a decisão como conspiração e apontou que há um conluio entre os neoliberais para que a esquerda boliviana seja eliminada.

Perda de força

O embróglio demonstra como Evo perdeu forças nos últimos anos. O cientista político e professor da Faculdade de Direito da Universidade Gabriel René Moreno, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, José Orlando Peralta Beltrán, avalia que Morales segue tendo uma força política importante dentro de seu partido, mas perdeu a postura dominante que tinha quando era presidente.

“Evo Morales era presidente do país, chefe do partido e tinha o apoio do movimento dos cocaleiros e de todas as organizações sociais. Ele tinha um controle como presidente por conta dos incentivos que podia dar e agora não consegue mais”, destaca o professor.

Beltrán aponta que quando Arce passou a exercer alguma liderança política, o ex-presidente passou a olhar para o ex-aliado com outros olhos. “Quando Morales viu que Arce também conseguia angariar apoios, passou a olhar para ele como um futuro adversário e não mais como seu sucessor transitório”.

O ex-presidente da Bolívia Evo Morales participa de coletiva de imprensa em Buenos Aires, Argentina  Foto: Juan Mabromata/AFP

Vai e vem judicial

O imbróglio constitucional envolvendo Evo Morales e o seu direito à reeleição ocorre desde 2016. A Constituição da Bolívia estabelece que ninguém pode governar o país por mais de dois períodos consecutivos. Em fevereiro de 2016, o governo boliviano realizou um referendo para aprovar ou rechaçar o projeto de modificação constitucional para reverter esta lei e estabelecer que o presidente e o vice-presidente pudessem governar por mais períodos.

Contudo, a população boliviana votou majoritariamente pelo “não”. Morales não desistiu e em 2017 o Tribunal Constitucional da Bolívia habilitou o então presidente a disputar por mais um mandato, alegando que negar mais uma disputa a Morales violava o seu direito humano.

A sentença publicada no final do ano passado do Tribunal Constitucional aponta que a reeleição presidencial sem um limite não existe e não é “um direito humano”. A decisão do TCP se baseia em um entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em 2021 emitiu um parecer que dizia que a reeleição não é um direito humano. A sentença não é passível de apelação.

Morales apontou que a decisão é “política” e já ressaltou em algumas oportunidades que o atual presidente da Bolívia, Luis Arce, tinha a intenção de tirá-lo da disputa presidencial de 2025. Arce, que foi ministro da Economia no governo do ex-presidente, passou de pupilo a “pior inimigo”, nas palavras de Morales.

O presidente da Bolívia, Luis Arce, participa do dia do Masticado, em La Paz, Bolívia  Foto: José Lavayén/ AP

Analistas entrevistados pelo Estadão avaliam que se trata de uma decisão política e que os magistrados do atual TCP apoiam o atual presidente boliviano.

O cientista político boliviano Roberto Laserna, pesquisador do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social (Ceres) e presidente do centro de estudos Instituto Milênio, destaca que nenhum dos magistrados do TCP possui independência política ou jurídica. A Bolívia organiza eleições para apontar os seus magistrados, que ocorrem após uma lista de juízes ser indicada e aprovada por dois terços do Legislativo.

“O Tribunal Constitucional não é jurídico, é político. Todos os membros são elegidos por votação popular e não tem independência política, muito menos independência judicial, então todas as sentenças que eles produzem ocorrem por pressão política e os juízes são muito vinculados ao partido do governo, foi assim com Evo Morales, Jeanine Añez e é assim com Luis Arce”, pondera Laserna. “A sentença anunciada no final do ano passado favorece integralmente Luis Arce”.

Para Beltrán, já que o Tribunal Constitucional acaba sendo político e não jurídico, existe espaço para uma manobra que possibilite a participação de Morales nas eleições de 2025. “Morales ainda tem muito apoio e o TCP irá receber muita pressão política, então acredito que no final ele vai conseguir participar”.

O analista Sebastián Fernández de Soto da empresa de consultoria Control Risks pondera que o TCP só mudaria a decisão em relação a Evo Morales com novos magistrados ocupando a corte. “Precisamos de uma eleição judicial, se este panorama continuar até as eleições em 2025, não acredito que Morales conseguiria participar.

Racha entre Morales e Arce

Luis Arce venceu as eleições em outubro de 2020 para um mandato de cinco anos. Ele ganhou em primeiro turno com 55,1% dos votos e o apoio de Evo Morales e do MAS, após a renúncia de Morales, que venceu as eleições em 2019 mas renunciou e se exilou do país após denúncias de fraude. O ex-presidente voltou ao país após a vitória de Arce e sentiu que poderia continuar comandando o país, mesmo sem ser o mandatário.

Os dois entraram em rota de colisão após divergirem sobre a escolha de ministros da equipe de Arce e Morales passou a chamar o atual presidente de “traidor”. O racha entre os dois dividiu o MAS no Congresso boliviano entre evistas e arcistas e prejudicou o governo Arce, que perdeu a maioria. Desde então, os dois políticos lutam pelo controle do MAS e não está claro se um deles poderia sair do partido para concorrer à presidência.

Oposição ao presidente da Bolívia, Luis Arce, convocou protestos contra a decisão do Tribunal Constitucional de manter todos os magistrados em seus cargos mesmo depois do fim do mandato  Foto: EFE / EFE

Eleições de 2025

Segundo uma pesquisa da Fundação Jubileu, 7 em cada 10 bolivianos consideram que os políticos não estão fazendo bem o seu trabalho e que 40% prefere que um novo político seja candidato nas eleições de 2025. Luis Arce tem a preferência de 14% da população e Morales de 10%. Além da crise política, a Bolívia também passa por uma crise econômica, que é sentida pela população, mas negada por Luis Arce.

Existem muitas dúvidas sobre a disputa boliviana com a atual inelegibilidade de Morales e o racha no MAS. Para Beltrán, apesar da popularidade de Morales ser forte, o atual presidente possui apoios mais importantes neste momento no partido.

“Morales tem o apoio do movimento dos cocaleiros que dominam a província boliviana de Chapare, mas Arce possui a chancela de outras organizações sociais fortes como o chamado Pacto de Unidade, que é uma aliança nacional de organizações de base bolivianas em apoio aos direitos indígenas e agrários”, diz o analista. “Arce possui um apoio de maior relevância no partido “.

O MAS anunciou em seu congresso nacional que foi anulado em outubro que apenas militantes com 10 anos de partido poderiam se candidatar a cargos pela legenda. Se esta medida de fato ocorrer, Luis Arce não poderia concorrer pelo MAS porque não cumpre estes requisitos.

A ex-presidente da Bolívia Jeanine Añez foi presa por conspirar para um suposto golpe contra Evo Morales em 2019  Foto: Aizar Raldes/ AFP

Fernández de Soto, da Control Risks, aponta que caso Arce saia do MAS para concorrer em um outro partido contra Morales, ele não deve ter chances contra o ex-presidente nas eleições gerais. “Se Arce se lança contra Morales nas eleições primárias do MAS, acredito que ele tem mais chances porque o apoio está nivelado”.

Já a direita boliviana está fraca e não tem um candidato unificado que poderia se lançar contra Morales ou Arce. A ex-presidente da Bolívia Jeanine Añez, que poderia angariar algum apoio, está presa desde 2022 sob a acusação de ter realizado um golpe contra Morales em 2019. O governador da província de Santa Cruz, a mais rica do país, Luis Fernando Camacho, também poderia desafiar os candidatos do MAS, mas ele foi preso no final de 2022 por participar do suposto golpe contra o ex-presidente.

O analista aponta que o partido de direita Creemos (Acreditamos, em português) teria que fazer uma aliança com a legenda Comunidade Cidadã, de centro-esquerda. “A principal força política do Creemos é em Santa Cruz, que é o motor econômico da Bolívia. Para serem competitivos contra o Mas eles precisariam de uma aliança com o partido Comunidade Cidadã para quebrar esta barreira de que só ganham em Santa Cruz e criar um nome que possa se estabelecer nacionalmente”, completou.

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