Ditadura da Venezuela parte corações com casais se separando para fugir do país


Muitos casais na conturbada Venezuela estão se separando enquanto as pessoas fazem planos para migrar antes das eleições

Por Regina Garcia Cano
Atualização:

CARACAS - Victoria Estevez finalmente conheceu alguém que enxergou além de sua timidez. Eles passaram dois meses aprendendo sobre seus gostos e desgostos, trocando mensagens de texto sobre suas famílias e amigos e andando por suas cidades natais na costa caribenha da Venezuela. Em uma viagem à capital, em dezembro, eles se abraçaram pela primeira vez.

Seguiram-se os “eu gosto de você” e tudo o mais. Em fevereiro eles estavam em “um relacionamento”. E então veio o desgosto. “Lembra que eu lhe disse que tenho um irmão na República Dominicana? Bem, eu também vou sair do país”, Estevez, 20 anos, lembra-se de ter lido em uma mensagem de WhatsApp de seu novo namorado no início de março. Ele era o segundo rapaz consecutivo que a surpreendia com planos iminentes de emigrar.

Nada, nem mesmo o amor, foi poupado da incerteza que assola a vida cotidiana na Venezuela, tomada pela crise, que viu vários milhões de pessoas partirem na última década. Com a proximidade da eleição presidencial no final deste mês e as dúvidas sobre o futuro da Venezuela, muitos outros estão pensando em emigrar, causando estragos na economia, na política e no cenário de relacionamentos do país.

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Um mural de campanha promovendo o ditador venezuelano Nicolás Maduro em uma parede em Caracas, na Venezuela  Foto: Ariana Cubillos/AP

Os jovens estão debatendo on-line e entre si se vale a pena começar um relacionamento - ou se devem terminar um. Outros estão se perguntando quando é muito cedo ou muito tarde para fazer a pergunta crucial: Você vai deixar o país? “Como ele não me disse que havia a possibilidade de ele ir embora?” perguntou Estevez depois de se dizer com o coração partido.

Em um país repleto de instabilidade, o namoro não é poupado

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Os últimos 11 anos sob o comando do ditador Nicolás Maduro transformaram a Venezuela e os venezuelanos. Na década de 2000, uma receita inesperada de centenas de bilhões de dólares provenientes do petróleo permitiu que o governo do então presidente Hugo Chávez lançasse inúmeras iniciativas, incluindo o fornecimento de amplas moradias públicas, clínicas de saúde gratuitas e programas educacionais.

Mas uma queda global nos preços do petróleo, a má administração do regime chavista e a corrupção generalizada levaram o país à crise política, social e econômica que marcou toda a presidência de seu sucessor: empregos com salários decentes são raros. Água, eletricidade e outros serviços públicos não são confiáveis. Os preços dos alimentos subiram vertiginosamente.

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O país que antes recebia europeus que fugiam da guerra e colombianos que escapavam de um sangrento conflito interno, agora viu mais de 7,7 milhões de pessoas fugirem.

O governo enfrenta seu teste mais difícil em décadas na eleição de 28 de julho. Uma pesquisa nacional realizada em abril pela empresa de pesquisa Delphos, sediada na Venezuela, mostrou que cerca de um quarto das pessoas está pensando em emigrar. Desses, cerca de 47% disseram que uma vitória da oposição os faria ficar e aproximadamente a mesma quantidade indicou que uma melhora na economia os manteria em seu país de origem. A pesquisa teve uma margem de erro de mais ou menos 2 pontos porcentuais.

O contador Pedro Requena já viu muitos amigos irem embora, mas a notícia teve um impacto diferente quando a mulher com quem ele havia passado três meses “incríveis” em 2021 lhe disse que estava se mudando com a mãe para a Turquia. Requena, 26 anos, estava apaixonado por ela, mas tinha que terminar seu curso universitário e não considerava a possibilidade de emigrar.

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Sem nenhuma garantia de que ela voltaria ou de que ele poderia atravessar o mundo para vê-la, eles ainda assim decidiram tentar o namoro à distância. Eles acordavam cedo ou iam para a cama tarde para que pudessem fazer chamadas de vídeo, apesar da diferença de horário de sete horas. Assistiram a filmes e programas de TV simultaneamente. Mandaram milhares de mensagens de texto. “Os venezuelanos se adaptam a tudo”, disse ele. “A crise muda você.”

Apoiadores de Nicolás Maduro participam de um comício em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

De fato, os venezuelanos adaptaram suas dietas quando a escassez de alimentos foi generalizada e novamente quando os mantimentos se tornaram disponíveis, mas inacessíveis. Eles venderam carros e trocaram por motocicletas ou pararam de dirigir, quando as filas nos postos de gasolina se estendiam por quilômetros. Eles estocaram velas quando as quedas de energia se tornaram a norma. Usaram o dólar americano quando o bolívar venezuelano perdeu o valor.

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Mas essa imprevisibilidade é desastrosa para a formação de vínculos duradouros. “Com os cenários atuais de namoro na Venezuela, há uma certa insegurança, ou falta de segurança no sistema, porque as pessoas não sabem o que vai acontecer”, disse o Amir Levine, psiquiatra e professor de pesquisa da Universidade de Colúmbia. “A instabilidade política, na verdade, introduz a instabilidade no relacionamento ou no namoro em geral”.

Um golpe na autoconfiança

Bumble, Tinder, Grindr e outros aplicativos de namoro estão disponíveis na Venezuela, mas o estudante de educação Gabriel Ortiz usou um recurso do aplicativo de mensagens Telegram para se conectar com pessoas próximas a ele. Foi assim que ele encontrou um homem em outubro com quem trocou mensagens por um mês antes de se encontrarem.

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Seguiram-se alguns encontros e, quando foram passar o Natal e o Ano Novo com suas famílias, o jovem de 18 anos achou que logo poderia chamar o rapaz de namorado.

O estudante Gabriel Ortiz usa seu celular na Universidade Central da Venezuela, em Caracas: o homem com quem Ortiz saía se mudou do país Foto: Ariana Cubillos/AP

Eles trocaram mensagens de texto e de voz enquanto estavam separados. O plano de deixar a Venezuela nunca surgiu. “Ele me deu a notícia de que estava indo para os Estados Unidos”, disse Ortiz sobre as mensagens de WhatsApp que recebeu em janeiro.

Era um domingo à noite. O homem estava indo embora na terça-feira - e não haveria tempo nem para uma despedida. Ortiz tentou dar apoio durante a conversa. As lágrimas vieram depois.

Ele disse entender que muitas pessoas decidam ir embora por causa da turbulência econômica e política, mas a notícia inesperada foi um golpe em sua autoconfiança. “Isso gera inseguranças em você, porque você se faz perguntas como: Será que ele não gostava de mim o suficiente para ser honesto comigo desde o início?” disse Ortiz.

Levine, coautor do livro sobre relacionamentos “Attached”, disse que, assim como as pessoas devem ser francas nos perfis de namoro e nos primeiros encontros sobre suas expectativas de casamento e filhos, os venezuelanos devem falar sobre seus planos de migração. Nunca é cedo demais para perguntar.

“Permita-se fazer as perguntas certas e não acredite que tudo vai dar certo”, disse ele. Estevez aprendeu essa lição da maneira mais difícil. Pega de surpresa primeiro por um rapaz que a trocou pela Espanha e agora por um que está se mudando para a República Dominicana, ela é muito clara sobre como será qualquer primeiro encontro no futuro.

A primeira coisa que vou perguntar é: “Você vai sair do país?”, disse ela. “Não se pode deixar tudo por conta do destino! É preciso dizer desde o início: ‘Olha, eu estou indo embora’.”

A líder da oposição Maria Corina Machado participa de uma coletiva de imprensa ao lado do candidato a presidência, Edmundo Gonzalez Urrutia, em Caracas, Venezuela  Foto: Gabriela Oraa/AFP

Uma geração desiludida

Para muitos dos jovens que estão fugindo da Venezuela agora, a migração não foi sua primeira escolha. Primeiro, eles protestaram, ficando na linha de frente de grandes manifestações contra o governo em 2017, quando eram estudantes.

O movimento foi recebido com repressão e, às vezes, com força letal - e nada mudou: Maduro ainda é o ditador, empregos bem remunerados não existem, e um carro, uma casa e outros símbolos da vida adulta não se materializaram para essa geração. Agora, em vez de planejar manifestações, eles passam o tempo planejando viagens só de ida para o exterior.

Metade da turma de formandos da faculdade de direito da qual Kelybel Sivira fazia parte deixou o país, desgastada, como ela disse, por se dedicar tanto aos protestos e ver que “o país simplesmente seguiu em frente como se nada tivesse acontecido”.

Por sua vez, o número de namorados de sua geração diminuiu. Sivira, uma advogada comercial de 29 anos, reconectou-se on-line com um ex-colega de classe em maio de 2021, depois que ele já havia emigrado para os EUA com sua família. Suas conversas amigáveis se tornaram românticas, e eles começaram a considerar um relacionamento no final de 2022.

A venezuelana Kelybel Sivira posa para uma foto em Bogotá, na Colômbia, onde estava de férias: metade da classe em que ela se formou em direito deixou o país Foto: Fernando Vergara/AP

Eles não se veem pessoalmente há anos. Não sabem quando poderão sequer dar as mãos. Ele vive ilegalmente nos EUA; o visto de turista dela foi negado no ano passado e seus dois pedidos de autorização especial para entrar nos EUA estão pendentes de aprovação. Ele está pensando seriamente em voltar para a Venezuela em agosto, independentemente do resultado da eleição. Ela não quer isso.

“Tenho medo de que ele volte ao país e diga: ‘Venezuela, eu ainda odeio você. Não é isso que eu quero’”, disse Sivira. “Não quero me sentir culpada.”

Sivira acabou de se formar em ciências atuariais e acha que isso pode abrir oportunidades de trabalho na Espanha ou em outro país para onde os dois possam se mudar. Mas mesmo com o esboço de um plano, a incerteza persiste.

Requena também está em uma espécie de limbo. Embora ele e sua namorada de longa distância tenham decidido ver outras pessoas depois de um ano vivendo em continentes diferentes, ele ainda anseia pela pessoa que ele disse ser seu par perfeito.

“Nós mantemos contato. O afeto está sempre presente”, disse ele. “Acabou, mas o futuro é incerto, e ainda mais com este país.”

CARACAS - Victoria Estevez finalmente conheceu alguém que enxergou além de sua timidez. Eles passaram dois meses aprendendo sobre seus gostos e desgostos, trocando mensagens de texto sobre suas famílias e amigos e andando por suas cidades natais na costa caribenha da Venezuela. Em uma viagem à capital, em dezembro, eles se abraçaram pela primeira vez.

Seguiram-se os “eu gosto de você” e tudo o mais. Em fevereiro eles estavam em “um relacionamento”. E então veio o desgosto. “Lembra que eu lhe disse que tenho um irmão na República Dominicana? Bem, eu também vou sair do país”, Estevez, 20 anos, lembra-se de ter lido em uma mensagem de WhatsApp de seu novo namorado no início de março. Ele era o segundo rapaz consecutivo que a surpreendia com planos iminentes de emigrar.

Nada, nem mesmo o amor, foi poupado da incerteza que assola a vida cotidiana na Venezuela, tomada pela crise, que viu vários milhões de pessoas partirem na última década. Com a proximidade da eleição presidencial no final deste mês e as dúvidas sobre o futuro da Venezuela, muitos outros estão pensando em emigrar, causando estragos na economia, na política e no cenário de relacionamentos do país.

Um mural de campanha promovendo o ditador venezuelano Nicolás Maduro em uma parede em Caracas, na Venezuela  Foto: Ariana Cubillos/AP

Os jovens estão debatendo on-line e entre si se vale a pena começar um relacionamento - ou se devem terminar um. Outros estão se perguntando quando é muito cedo ou muito tarde para fazer a pergunta crucial: Você vai deixar o país? “Como ele não me disse que havia a possibilidade de ele ir embora?” perguntou Estevez depois de se dizer com o coração partido.

Em um país repleto de instabilidade, o namoro não é poupado

Os últimos 11 anos sob o comando do ditador Nicolás Maduro transformaram a Venezuela e os venezuelanos. Na década de 2000, uma receita inesperada de centenas de bilhões de dólares provenientes do petróleo permitiu que o governo do então presidente Hugo Chávez lançasse inúmeras iniciativas, incluindo o fornecimento de amplas moradias públicas, clínicas de saúde gratuitas e programas educacionais.

Mas uma queda global nos preços do petróleo, a má administração do regime chavista e a corrupção generalizada levaram o país à crise política, social e econômica que marcou toda a presidência de seu sucessor: empregos com salários decentes são raros. Água, eletricidade e outros serviços públicos não são confiáveis. Os preços dos alimentos subiram vertiginosamente.

O país que antes recebia europeus que fugiam da guerra e colombianos que escapavam de um sangrento conflito interno, agora viu mais de 7,7 milhões de pessoas fugirem.

O governo enfrenta seu teste mais difícil em décadas na eleição de 28 de julho. Uma pesquisa nacional realizada em abril pela empresa de pesquisa Delphos, sediada na Venezuela, mostrou que cerca de um quarto das pessoas está pensando em emigrar. Desses, cerca de 47% disseram que uma vitória da oposição os faria ficar e aproximadamente a mesma quantidade indicou que uma melhora na economia os manteria em seu país de origem. A pesquisa teve uma margem de erro de mais ou menos 2 pontos porcentuais.

O contador Pedro Requena já viu muitos amigos irem embora, mas a notícia teve um impacto diferente quando a mulher com quem ele havia passado três meses “incríveis” em 2021 lhe disse que estava se mudando com a mãe para a Turquia. Requena, 26 anos, estava apaixonado por ela, mas tinha que terminar seu curso universitário e não considerava a possibilidade de emigrar.

Sem nenhuma garantia de que ela voltaria ou de que ele poderia atravessar o mundo para vê-la, eles ainda assim decidiram tentar o namoro à distância. Eles acordavam cedo ou iam para a cama tarde para que pudessem fazer chamadas de vídeo, apesar da diferença de horário de sete horas. Assistiram a filmes e programas de TV simultaneamente. Mandaram milhares de mensagens de texto. “Os venezuelanos se adaptam a tudo”, disse ele. “A crise muda você.”

Apoiadores de Nicolás Maduro participam de um comício em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

De fato, os venezuelanos adaptaram suas dietas quando a escassez de alimentos foi generalizada e novamente quando os mantimentos se tornaram disponíveis, mas inacessíveis. Eles venderam carros e trocaram por motocicletas ou pararam de dirigir, quando as filas nos postos de gasolina se estendiam por quilômetros. Eles estocaram velas quando as quedas de energia se tornaram a norma. Usaram o dólar americano quando o bolívar venezuelano perdeu o valor.

Mas essa imprevisibilidade é desastrosa para a formação de vínculos duradouros. “Com os cenários atuais de namoro na Venezuela, há uma certa insegurança, ou falta de segurança no sistema, porque as pessoas não sabem o que vai acontecer”, disse o Amir Levine, psiquiatra e professor de pesquisa da Universidade de Colúmbia. “A instabilidade política, na verdade, introduz a instabilidade no relacionamento ou no namoro em geral”.

Um golpe na autoconfiança

Bumble, Tinder, Grindr e outros aplicativos de namoro estão disponíveis na Venezuela, mas o estudante de educação Gabriel Ortiz usou um recurso do aplicativo de mensagens Telegram para se conectar com pessoas próximas a ele. Foi assim que ele encontrou um homem em outubro com quem trocou mensagens por um mês antes de se encontrarem.

Seguiram-se alguns encontros e, quando foram passar o Natal e o Ano Novo com suas famílias, o jovem de 18 anos achou que logo poderia chamar o rapaz de namorado.

O estudante Gabriel Ortiz usa seu celular na Universidade Central da Venezuela, em Caracas: o homem com quem Ortiz saía se mudou do país Foto: Ariana Cubillos/AP

Eles trocaram mensagens de texto e de voz enquanto estavam separados. O plano de deixar a Venezuela nunca surgiu. “Ele me deu a notícia de que estava indo para os Estados Unidos”, disse Ortiz sobre as mensagens de WhatsApp que recebeu em janeiro.

Era um domingo à noite. O homem estava indo embora na terça-feira - e não haveria tempo nem para uma despedida. Ortiz tentou dar apoio durante a conversa. As lágrimas vieram depois.

Ele disse entender que muitas pessoas decidam ir embora por causa da turbulência econômica e política, mas a notícia inesperada foi um golpe em sua autoconfiança. “Isso gera inseguranças em você, porque você se faz perguntas como: Será que ele não gostava de mim o suficiente para ser honesto comigo desde o início?” disse Ortiz.

Levine, coautor do livro sobre relacionamentos “Attached”, disse que, assim como as pessoas devem ser francas nos perfis de namoro e nos primeiros encontros sobre suas expectativas de casamento e filhos, os venezuelanos devem falar sobre seus planos de migração. Nunca é cedo demais para perguntar.

“Permita-se fazer as perguntas certas e não acredite que tudo vai dar certo”, disse ele. Estevez aprendeu essa lição da maneira mais difícil. Pega de surpresa primeiro por um rapaz que a trocou pela Espanha e agora por um que está se mudando para a República Dominicana, ela é muito clara sobre como será qualquer primeiro encontro no futuro.

A primeira coisa que vou perguntar é: “Você vai sair do país?”, disse ela. “Não se pode deixar tudo por conta do destino! É preciso dizer desde o início: ‘Olha, eu estou indo embora’.”

A líder da oposição Maria Corina Machado participa de uma coletiva de imprensa ao lado do candidato a presidência, Edmundo Gonzalez Urrutia, em Caracas, Venezuela  Foto: Gabriela Oraa/AFP

Uma geração desiludida

Para muitos dos jovens que estão fugindo da Venezuela agora, a migração não foi sua primeira escolha. Primeiro, eles protestaram, ficando na linha de frente de grandes manifestações contra o governo em 2017, quando eram estudantes.

O movimento foi recebido com repressão e, às vezes, com força letal - e nada mudou: Maduro ainda é o ditador, empregos bem remunerados não existem, e um carro, uma casa e outros símbolos da vida adulta não se materializaram para essa geração. Agora, em vez de planejar manifestações, eles passam o tempo planejando viagens só de ida para o exterior.

Metade da turma de formandos da faculdade de direito da qual Kelybel Sivira fazia parte deixou o país, desgastada, como ela disse, por se dedicar tanto aos protestos e ver que “o país simplesmente seguiu em frente como se nada tivesse acontecido”.

Por sua vez, o número de namorados de sua geração diminuiu. Sivira, uma advogada comercial de 29 anos, reconectou-se on-line com um ex-colega de classe em maio de 2021, depois que ele já havia emigrado para os EUA com sua família. Suas conversas amigáveis se tornaram românticas, e eles começaram a considerar um relacionamento no final de 2022.

A venezuelana Kelybel Sivira posa para uma foto em Bogotá, na Colômbia, onde estava de férias: metade da classe em que ela se formou em direito deixou o país Foto: Fernando Vergara/AP

Eles não se veem pessoalmente há anos. Não sabem quando poderão sequer dar as mãos. Ele vive ilegalmente nos EUA; o visto de turista dela foi negado no ano passado e seus dois pedidos de autorização especial para entrar nos EUA estão pendentes de aprovação. Ele está pensando seriamente em voltar para a Venezuela em agosto, independentemente do resultado da eleição. Ela não quer isso.

“Tenho medo de que ele volte ao país e diga: ‘Venezuela, eu ainda odeio você. Não é isso que eu quero’”, disse Sivira. “Não quero me sentir culpada.”

Sivira acabou de se formar em ciências atuariais e acha que isso pode abrir oportunidades de trabalho na Espanha ou em outro país para onde os dois possam se mudar. Mas mesmo com o esboço de um plano, a incerteza persiste.

Requena também está em uma espécie de limbo. Embora ele e sua namorada de longa distância tenham decidido ver outras pessoas depois de um ano vivendo em continentes diferentes, ele ainda anseia pela pessoa que ele disse ser seu par perfeito.

“Nós mantemos contato. O afeto está sempre presente”, disse ele. “Acabou, mas o futuro é incerto, e ainda mais com este país.”

CARACAS - Victoria Estevez finalmente conheceu alguém que enxergou além de sua timidez. Eles passaram dois meses aprendendo sobre seus gostos e desgostos, trocando mensagens de texto sobre suas famílias e amigos e andando por suas cidades natais na costa caribenha da Venezuela. Em uma viagem à capital, em dezembro, eles se abraçaram pela primeira vez.

Seguiram-se os “eu gosto de você” e tudo o mais. Em fevereiro eles estavam em “um relacionamento”. E então veio o desgosto. “Lembra que eu lhe disse que tenho um irmão na República Dominicana? Bem, eu também vou sair do país”, Estevez, 20 anos, lembra-se de ter lido em uma mensagem de WhatsApp de seu novo namorado no início de março. Ele era o segundo rapaz consecutivo que a surpreendia com planos iminentes de emigrar.

Nada, nem mesmo o amor, foi poupado da incerteza que assola a vida cotidiana na Venezuela, tomada pela crise, que viu vários milhões de pessoas partirem na última década. Com a proximidade da eleição presidencial no final deste mês e as dúvidas sobre o futuro da Venezuela, muitos outros estão pensando em emigrar, causando estragos na economia, na política e no cenário de relacionamentos do país.

Um mural de campanha promovendo o ditador venezuelano Nicolás Maduro em uma parede em Caracas, na Venezuela  Foto: Ariana Cubillos/AP

Os jovens estão debatendo on-line e entre si se vale a pena começar um relacionamento - ou se devem terminar um. Outros estão se perguntando quando é muito cedo ou muito tarde para fazer a pergunta crucial: Você vai deixar o país? “Como ele não me disse que havia a possibilidade de ele ir embora?” perguntou Estevez depois de se dizer com o coração partido.

Em um país repleto de instabilidade, o namoro não é poupado

Os últimos 11 anos sob o comando do ditador Nicolás Maduro transformaram a Venezuela e os venezuelanos. Na década de 2000, uma receita inesperada de centenas de bilhões de dólares provenientes do petróleo permitiu que o governo do então presidente Hugo Chávez lançasse inúmeras iniciativas, incluindo o fornecimento de amplas moradias públicas, clínicas de saúde gratuitas e programas educacionais.

Mas uma queda global nos preços do petróleo, a má administração do regime chavista e a corrupção generalizada levaram o país à crise política, social e econômica que marcou toda a presidência de seu sucessor: empregos com salários decentes são raros. Água, eletricidade e outros serviços públicos não são confiáveis. Os preços dos alimentos subiram vertiginosamente.

O país que antes recebia europeus que fugiam da guerra e colombianos que escapavam de um sangrento conflito interno, agora viu mais de 7,7 milhões de pessoas fugirem.

O governo enfrenta seu teste mais difícil em décadas na eleição de 28 de julho. Uma pesquisa nacional realizada em abril pela empresa de pesquisa Delphos, sediada na Venezuela, mostrou que cerca de um quarto das pessoas está pensando em emigrar. Desses, cerca de 47% disseram que uma vitória da oposição os faria ficar e aproximadamente a mesma quantidade indicou que uma melhora na economia os manteria em seu país de origem. A pesquisa teve uma margem de erro de mais ou menos 2 pontos porcentuais.

O contador Pedro Requena já viu muitos amigos irem embora, mas a notícia teve um impacto diferente quando a mulher com quem ele havia passado três meses “incríveis” em 2021 lhe disse que estava se mudando com a mãe para a Turquia. Requena, 26 anos, estava apaixonado por ela, mas tinha que terminar seu curso universitário e não considerava a possibilidade de emigrar.

Sem nenhuma garantia de que ela voltaria ou de que ele poderia atravessar o mundo para vê-la, eles ainda assim decidiram tentar o namoro à distância. Eles acordavam cedo ou iam para a cama tarde para que pudessem fazer chamadas de vídeo, apesar da diferença de horário de sete horas. Assistiram a filmes e programas de TV simultaneamente. Mandaram milhares de mensagens de texto. “Os venezuelanos se adaptam a tudo”, disse ele. “A crise muda você.”

Apoiadores de Nicolás Maduro participam de um comício em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

De fato, os venezuelanos adaptaram suas dietas quando a escassez de alimentos foi generalizada e novamente quando os mantimentos se tornaram disponíveis, mas inacessíveis. Eles venderam carros e trocaram por motocicletas ou pararam de dirigir, quando as filas nos postos de gasolina se estendiam por quilômetros. Eles estocaram velas quando as quedas de energia se tornaram a norma. Usaram o dólar americano quando o bolívar venezuelano perdeu o valor.

Mas essa imprevisibilidade é desastrosa para a formação de vínculos duradouros. “Com os cenários atuais de namoro na Venezuela, há uma certa insegurança, ou falta de segurança no sistema, porque as pessoas não sabem o que vai acontecer”, disse o Amir Levine, psiquiatra e professor de pesquisa da Universidade de Colúmbia. “A instabilidade política, na verdade, introduz a instabilidade no relacionamento ou no namoro em geral”.

Um golpe na autoconfiança

Bumble, Tinder, Grindr e outros aplicativos de namoro estão disponíveis na Venezuela, mas o estudante de educação Gabriel Ortiz usou um recurso do aplicativo de mensagens Telegram para se conectar com pessoas próximas a ele. Foi assim que ele encontrou um homem em outubro com quem trocou mensagens por um mês antes de se encontrarem.

Seguiram-se alguns encontros e, quando foram passar o Natal e o Ano Novo com suas famílias, o jovem de 18 anos achou que logo poderia chamar o rapaz de namorado.

O estudante Gabriel Ortiz usa seu celular na Universidade Central da Venezuela, em Caracas: o homem com quem Ortiz saía se mudou do país Foto: Ariana Cubillos/AP

Eles trocaram mensagens de texto e de voz enquanto estavam separados. O plano de deixar a Venezuela nunca surgiu. “Ele me deu a notícia de que estava indo para os Estados Unidos”, disse Ortiz sobre as mensagens de WhatsApp que recebeu em janeiro.

Era um domingo à noite. O homem estava indo embora na terça-feira - e não haveria tempo nem para uma despedida. Ortiz tentou dar apoio durante a conversa. As lágrimas vieram depois.

Ele disse entender que muitas pessoas decidam ir embora por causa da turbulência econômica e política, mas a notícia inesperada foi um golpe em sua autoconfiança. “Isso gera inseguranças em você, porque você se faz perguntas como: Será que ele não gostava de mim o suficiente para ser honesto comigo desde o início?” disse Ortiz.

Levine, coautor do livro sobre relacionamentos “Attached”, disse que, assim como as pessoas devem ser francas nos perfis de namoro e nos primeiros encontros sobre suas expectativas de casamento e filhos, os venezuelanos devem falar sobre seus planos de migração. Nunca é cedo demais para perguntar.

“Permita-se fazer as perguntas certas e não acredite que tudo vai dar certo”, disse ele. Estevez aprendeu essa lição da maneira mais difícil. Pega de surpresa primeiro por um rapaz que a trocou pela Espanha e agora por um que está se mudando para a República Dominicana, ela é muito clara sobre como será qualquer primeiro encontro no futuro.

A primeira coisa que vou perguntar é: “Você vai sair do país?”, disse ela. “Não se pode deixar tudo por conta do destino! É preciso dizer desde o início: ‘Olha, eu estou indo embora’.”

A líder da oposição Maria Corina Machado participa de uma coletiva de imprensa ao lado do candidato a presidência, Edmundo Gonzalez Urrutia, em Caracas, Venezuela  Foto: Gabriela Oraa/AFP

Uma geração desiludida

Para muitos dos jovens que estão fugindo da Venezuela agora, a migração não foi sua primeira escolha. Primeiro, eles protestaram, ficando na linha de frente de grandes manifestações contra o governo em 2017, quando eram estudantes.

O movimento foi recebido com repressão e, às vezes, com força letal - e nada mudou: Maduro ainda é o ditador, empregos bem remunerados não existem, e um carro, uma casa e outros símbolos da vida adulta não se materializaram para essa geração. Agora, em vez de planejar manifestações, eles passam o tempo planejando viagens só de ida para o exterior.

Metade da turma de formandos da faculdade de direito da qual Kelybel Sivira fazia parte deixou o país, desgastada, como ela disse, por se dedicar tanto aos protestos e ver que “o país simplesmente seguiu em frente como se nada tivesse acontecido”.

Por sua vez, o número de namorados de sua geração diminuiu. Sivira, uma advogada comercial de 29 anos, reconectou-se on-line com um ex-colega de classe em maio de 2021, depois que ele já havia emigrado para os EUA com sua família. Suas conversas amigáveis se tornaram românticas, e eles começaram a considerar um relacionamento no final de 2022.

A venezuelana Kelybel Sivira posa para uma foto em Bogotá, na Colômbia, onde estava de férias: metade da classe em que ela se formou em direito deixou o país Foto: Fernando Vergara/AP

Eles não se veem pessoalmente há anos. Não sabem quando poderão sequer dar as mãos. Ele vive ilegalmente nos EUA; o visto de turista dela foi negado no ano passado e seus dois pedidos de autorização especial para entrar nos EUA estão pendentes de aprovação. Ele está pensando seriamente em voltar para a Venezuela em agosto, independentemente do resultado da eleição. Ela não quer isso.

“Tenho medo de que ele volte ao país e diga: ‘Venezuela, eu ainda odeio você. Não é isso que eu quero’”, disse Sivira. “Não quero me sentir culpada.”

Sivira acabou de se formar em ciências atuariais e acha que isso pode abrir oportunidades de trabalho na Espanha ou em outro país para onde os dois possam se mudar. Mas mesmo com o esboço de um plano, a incerteza persiste.

Requena também está em uma espécie de limbo. Embora ele e sua namorada de longa distância tenham decidido ver outras pessoas depois de um ano vivendo em continentes diferentes, ele ainda anseia pela pessoa que ele disse ser seu par perfeito.

“Nós mantemos contato. O afeto está sempre presente”, disse ele. “Acabou, mas o futuro é incerto, e ainda mais com este país.”

CARACAS - Victoria Estevez finalmente conheceu alguém que enxergou além de sua timidez. Eles passaram dois meses aprendendo sobre seus gostos e desgostos, trocando mensagens de texto sobre suas famílias e amigos e andando por suas cidades natais na costa caribenha da Venezuela. Em uma viagem à capital, em dezembro, eles se abraçaram pela primeira vez.

Seguiram-se os “eu gosto de você” e tudo o mais. Em fevereiro eles estavam em “um relacionamento”. E então veio o desgosto. “Lembra que eu lhe disse que tenho um irmão na República Dominicana? Bem, eu também vou sair do país”, Estevez, 20 anos, lembra-se de ter lido em uma mensagem de WhatsApp de seu novo namorado no início de março. Ele era o segundo rapaz consecutivo que a surpreendia com planos iminentes de emigrar.

Nada, nem mesmo o amor, foi poupado da incerteza que assola a vida cotidiana na Venezuela, tomada pela crise, que viu vários milhões de pessoas partirem na última década. Com a proximidade da eleição presidencial no final deste mês e as dúvidas sobre o futuro da Venezuela, muitos outros estão pensando em emigrar, causando estragos na economia, na política e no cenário de relacionamentos do país.

Um mural de campanha promovendo o ditador venezuelano Nicolás Maduro em uma parede em Caracas, na Venezuela  Foto: Ariana Cubillos/AP

Os jovens estão debatendo on-line e entre si se vale a pena começar um relacionamento - ou se devem terminar um. Outros estão se perguntando quando é muito cedo ou muito tarde para fazer a pergunta crucial: Você vai deixar o país? “Como ele não me disse que havia a possibilidade de ele ir embora?” perguntou Estevez depois de se dizer com o coração partido.

Em um país repleto de instabilidade, o namoro não é poupado

Os últimos 11 anos sob o comando do ditador Nicolás Maduro transformaram a Venezuela e os venezuelanos. Na década de 2000, uma receita inesperada de centenas de bilhões de dólares provenientes do petróleo permitiu que o governo do então presidente Hugo Chávez lançasse inúmeras iniciativas, incluindo o fornecimento de amplas moradias públicas, clínicas de saúde gratuitas e programas educacionais.

Mas uma queda global nos preços do petróleo, a má administração do regime chavista e a corrupção generalizada levaram o país à crise política, social e econômica que marcou toda a presidência de seu sucessor: empregos com salários decentes são raros. Água, eletricidade e outros serviços públicos não são confiáveis. Os preços dos alimentos subiram vertiginosamente.

O país que antes recebia europeus que fugiam da guerra e colombianos que escapavam de um sangrento conflito interno, agora viu mais de 7,7 milhões de pessoas fugirem.

O governo enfrenta seu teste mais difícil em décadas na eleição de 28 de julho. Uma pesquisa nacional realizada em abril pela empresa de pesquisa Delphos, sediada na Venezuela, mostrou que cerca de um quarto das pessoas está pensando em emigrar. Desses, cerca de 47% disseram que uma vitória da oposição os faria ficar e aproximadamente a mesma quantidade indicou que uma melhora na economia os manteria em seu país de origem. A pesquisa teve uma margem de erro de mais ou menos 2 pontos porcentuais.

O contador Pedro Requena já viu muitos amigos irem embora, mas a notícia teve um impacto diferente quando a mulher com quem ele havia passado três meses “incríveis” em 2021 lhe disse que estava se mudando com a mãe para a Turquia. Requena, 26 anos, estava apaixonado por ela, mas tinha que terminar seu curso universitário e não considerava a possibilidade de emigrar.

Sem nenhuma garantia de que ela voltaria ou de que ele poderia atravessar o mundo para vê-la, eles ainda assim decidiram tentar o namoro à distância. Eles acordavam cedo ou iam para a cama tarde para que pudessem fazer chamadas de vídeo, apesar da diferença de horário de sete horas. Assistiram a filmes e programas de TV simultaneamente. Mandaram milhares de mensagens de texto. “Os venezuelanos se adaptam a tudo”, disse ele. “A crise muda você.”

Apoiadores de Nicolás Maduro participam de um comício em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

De fato, os venezuelanos adaptaram suas dietas quando a escassez de alimentos foi generalizada e novamente quando os mantimentos se tornaram disponíveis, mas inacessíveis. Eles venderam carros e trocaram por motocicletas ou pararam de dirigir, quando as filas nos postos de gasolina se estendiam por quilômetros. Eles estocaram velas quando as quedas de energia se tornaram a norma. Usaram o dólar americano quando o bolívar venezuelano perdeu o valor.

Mas essa imprevisibilidade é desastrosa para a formação de vínculos duradouros. “Com os cenários atuais de namoro na Venezuela, há uma certa insegurança, ou falta de segurança no sistema, porque as pessoas não sabem o que vai acontecer”, disse o Amir Levine, psiquiatra e professor de pesquisa da Universidade de Colúmbia. “A instabilidade política, na verdade, introduz a instabilidade no relacionamento ou no namoro em geral”.

Um golpe na autoconfiança

Bumble, Tinder, Grindr e outros aplicativos de namoro estão disponíveis na Venezuela, mas o estudante de educação Gabriel Ortiz usou um recurso do aplicativo de mensagens Telegram para se conectar com pessoas próximas a ele. Foi assim que ele encontrou um homem em outubro com quem trocou mensagens por um mês antes de se encontrarem.

Seguiram-se alguns encontros e, quando foram passar o Natal e o Ano Novo com suas famílias, o jovem de 18 anos achou que logo poderia chamar o rapaz de namorado.

O estudante Gabriel Ortiz usa seu celular na Universidade Central da Venezuela, em Caracas: o homem com quem Ortiz saía se mudou do país Foto: Ariana Cubillos/AP

Eles trocaram mensagens de texto e de voz enquanto estavam separados. O plano de deixar a Venezuela nunca surgiu. “Ele me deu a notícia de que estava indo para os Estados Unidos”, disse Ortiz sobre as mensagens de WhatsApp que recebeu em janeiro.

Era um domingo à noite. O homem estava indo embora na terça-feira - e não haveria tempo nem para uma despedida. Ortiz tentou dar apoio durante a conversa. As lágrimas vieram depois.

Ele disse entender que muitas pessoas decidam ir embora por causa da turbulência econômica e política, mas a notícia inesperada foi um golpe em sua autoconfiança. “Isso gera inseguranças em você, porque você se faz perguntas como: Será que ele não gostava de mim o suficiente para ser honesto comigo desde o início?” disse Ortiz.

Levine, coautor do livro sobre relacionamentos “Attached”, disse que, assim como as pessoas devem ser francas nos perfis de namoro e nos primeiros encontros sobre suas expectativas de casamento e filhos, os venezuelanos devem falar sobre seus planos de migração. Nunca é cedo demais para perguntar.

“Permita-se fazer as perguntas certas e não acredite que tudo vai dar certo”, disse ele. Estevez aprendeu essa lição da maneira mais difícil. Pega de surpresa primeiro por um rapaz que a trocou pela Espanha e agora por um que está se mudando para a República Dominicana, ela é muito clara sobre como será qualquer primeiro encontro no futuro.

A primeira coisa que vou perguntar é: “Você vai sair do país?”, disse ela. “Não se pode deixar tudo por conta do destino! É preciso dizer desde o início: ‘Olha, eu estou indo embora’.”

A líder da oposição Maria Corina Machado participa de uma coletiva de imprensa ao lado do candidato a presidência, Edmundo Gonzalez Urrutia, em Caracas, Venezuela  Foto: Gabriela Oraa/AFP

Uma geração desiludida

Para muitos dos jovens que estão fugindo da Venezuela agora, a migração não foi sua primeira escolha. Primeiro, eles protestaram, ficando na linha de frente de grandes manifestações contra o governo em 2017, quando eram estudantes.

O movimento foi recebido com repressão e, às vezes, com força letal - e nada mudou: Maduro ainda é o ditador, empregos bem remunerados não existem, e um carro, uma casa e outros símbolos da vida adulta não se materializaram para essa geração. Agora, em vez de planejar manifestações, eles passam o tempo planejando viagens só de ida para o exterior.

Metade da turma de formandos da faculdade de direito da qual Kelybel Sivira fazia parte deixou o país, desgastada, como ela disse, por se dedicar tanto aos protestos e ver que “o país simplesmente seguiu em frente como se nada tivesse acontecido”.

Por sua vez, o número de namorados de sua geração diminuiu. Sivira, uma advogada comercial de 29 anos, reconectou-se on-line com um ex-colega de classe em maio de 2021, depois que ele já havia emigrado para os EUA com sua família. Suas conversas amigáveis se tornaram românticas, e eles começaram a considerar um relacionamento no final de 2022.

A venezuelana Kelybel Sivira posa para uma foto em Bogotá, na Colômbia, onde estava de férias: metade da classe em que ela se formou em direito deixou o país Foto: Fernando Vergara/AP

Eles não se veem pessoalmente há anos. Não sabem quando poderão sequer dar as mãos. Ele vive ilegalmente nos EUA; o visto de turista dela foi negado no ano passado e seus dois pedidos de autorização especial para entrar nos EUA estão pendentes de aprovação. Ele está pensando seriamente em voltar para a Venezuela em agosto, independentemente do resultado da eleição. Ela não quer isso.

“Tenho medo de que ele volte ao país e diga: ‘Venezuela, eu ainda odeio você. Não é isso que eu quero’”, disse Sivira. “Não quero me sentir culpada.”

Sivira acabou de se formar em ciências atuariais e acha que isso pode abrir oportunidades de trabalho na Espanha ou em outro país para onde os dois possam se mudar. Mas mesmo com o esboço de um plano, a incerteza persiste.

Requena também está em uma espécie de limbo. Embora ele e sua namorada de longa distância tenham decidido ver outras pessoas depois de um ano vivendo em continentes diferentes, ele ainda anseia pela pessoa que ele disse ser seu par perfeito.

“Nós mantemos contato. O afeto está sempre presente”, disse ele. “Acabou, mas o futuro é incerto, e ainda mais com este país.”

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