Ditadura de Maduro apela ao uso da força e prisões arbitrárias para se manter no poder


Mais de 1500 pessoas já foram presas, entre líderes opositores, ativistas de direitos humanos, advogados, jornalistas e pessoas aleatórias nas ruas, menos de um mês após as eleições

Por Carolina Marins

Na manhã de quarta-feira, 7 de agosto, o ex-deputado Américo de Grazia enviou uma mensagem para a filha Maria Andreina, 30, avisando que estava indo a um hospital em Caracas. A infecção pulmonar que tinha havia piorado e ele se sentia mal. Esta foi a última vez que a venezuelana falou com seu pai. A próxima notícia veio dos carcereiros do Helicoide, o maior centro de tortura para presos políticos da Venezuela, que confirmaram que Américo estava detido ali.

Desde então, os filhos do opositor, que vivem fora da Venezuela, não sabem qual é seu estado de saúde e muito menos a causa jurídica contra ele. “Não sabemos se ao menos chegou ao médico. Não sabemos nem se está vivo”, afirmou Maria Andreina em uma videochamada no dia 14 de agosto com o Estadão durante uma pausa em seu horário de trabalho em Houston, nos Estados Unidos.

“Mais de uma semana depois e continuamos sem qualquer informação. Ninguém nos contatou oficialmente. Obviamente, temos contato com nossos advogados, mas não conseguimos abrir um caso formal, nem de denúncia nem muito menos de defesa porque não sabemos de que o estamos defendendo”, continua.

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Familiares de pessoas detidas em protestos após as eleições fazem uma vigília em Caracas e pedem em cartaz a 'libertação dos presos políticos' Foto: Matias Delacroix/AP

Américo de Grazia é um dos mais de 1500 presos políticos contabilizados pela organização Foro Penal desde as eleições de 28 de julho. Um número, ressaltam diversas organizações da sociedade civil, que é sem precedentes no chavismo. Entre eles há 200 mulheres, 129 adolescentes, 14 indígenas e 18 pessoas com deficiência. Há inclusive adolescentes com autismo, denuncia a Foro Penal.

“Chegamos a níveis que nunca havíamos alcançado na Venezuela até agora, pelo menos não em tão pouco tempo”, diz Gonzalo Himiob, vice-presidente da Foro Penal. Do total, apenas 90 foram soltos até agora, indo na contramão da prática chavista de prender e logo soltar para em seguida prender outro, prática chamada de “porta giratória”.

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Uma repressão que, segundo Rafael Uzcátegui, diretor da ONG Laboratório de Paz que auxilia ativistas de direitos humanos em situação de risco, só é comparável ao Caracazo de 1989 em que cerca de 300 pessoas morreram durante os levantes contra o pacote econômico do então presidente Carlos Andrés Perez.

“Neste momento, o governo está promovendo um sistema de terror via seus meios de comunicação e redes sociais para que a população permaneça em suas casas, pare de compartilhar informações, participar em protestos, mas, principalmente, pare de exigir o exercício de seus direitos”, afirma Uzcátegui.

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O chavismo dá números ainda mais dramáticos: mais de 2,4 mil segundo Nicolás Maduro. O Foro Penal, porém, só contabiliza os casos que consegue comprovar que de fato estão presos. Um trabalho que tem exigido uma força-tarefa da organização, conta Himiob.

“Estamos trabalhando em conjunto com outras ONGs porque, de verdade, a intensidade desta escalada repressiva não tem precedentes e nos custa muito”. Enquanto o Foro Penal se ocupa dos presos, outras organizações, como Provea e Monitor de Vítimas, contabilizam mortos, feridos e outros casos de abusos de direitos humanos.

Maria Andreina de Grazia utiliza uma camiseta com a foto de seu pai Américo de Grazia que está detido no Helicóide desde 7 de agosto Foto: Arquivo pessoal
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Sem acesso a defesa

Uzcátegui denuncia que tem sido cada vez mais difícil obter informações porque têm surgido relatos de pessoas sendo detidas quando vão procurar seus familiares nas portas das prisões. Com isso, as organizações estão disponibilizando advogados para fazerem essa busca, mas já houve casos de detenção de advogados, como Kennedy Tejeda do Foro Penal.

Assim como Américo, todos os presos nessas últimas semanas não tiveram suas localizações reveladas, requerendo que as famílias e as organizações façam as buscas por conta própria. Também pouco se sabe sobre as acusações feitas contra essas pessoas. Apenas se conhece que muitas estão sendo enquadradas na lei de terrorismo e contra o ódio do país.

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“Primeiro lhes negam o direito a um advogado privado e lhes é imposta uma defesa pública. Depois essas pessoas estão sendo submetidas às audiências de custódia, que deveriam ocorrer em um tribunal formal em 48 horas, que está acontecendo no próprio local onde as pessoas estão sendo detidas”, denuncia Uzcátegui, um relato que é sustentado pelo Foro Penal e pelo Provea.

“Além disso, essa audiência está acontecendo através de uma plataforma como esta em que estamos falando, através de uma chamada por vídeo. O juiz se conecta e do outro lado da tela estão todas as pessoas que estão detidas naquele momento, e a todas elas são imputados os mesmos delitos”, completa.

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Detenções aleatórias

As prisões não se restringem a políticos ou ativistas envolvidos com a oposição. Pipocam denúncias de pessoas sendo presas aleatoriamente pelas ruas ou em suas casas. Algumas com a justificativa de estarem muito próximas de locais de manifestações da oposição. Para outras, porém, nem há explicação. Entre os presos há muitos adolescentes e pessoas com deficiência, denunciam as ONGs.

Nas redes sociais do Foro Penal, a venezuelana Carmem Morillo denunciou que sua filha Victoria, de 16 anos, havia saído para caminhar com suas primas em 29 de julho, dia seguinte às eleições, quando foi detida e levada para um centro de detenções para menores. “Não a vi até agora”, afirmou.

“Uma menina com muitos sonhos, estudante de música na orquestra sinfônica, gosta de tocar violão, sua grande paixão. Tem o desejo de estudar em um conservatório de música porque essa é sua paixão, gosta de compor canções. É uma menina muito nobre, empática e humanitária. Queria que ela retornasse à casa”, diz emocionada. Segundo Himiob, a pessoa mais jovem detida tem 13 anos, e muitos dos adolescentes estão sendo presos e julgados como adultos.

Com o tamanho da repressão, especialmente envolvendo pessoas de baixa renda e com pouca informação, a ONG Provea, que trabalha auxiliando pessoas vítimas de abusos de direitos humanos, tem promovido mutirões para instruir as famílias dos presos, como o que ocorreu em 15 de agosto no ginásio da Universidade Central da Venezuela.

Segundo o presidente da organização, Oscar Murillo, diferentemente das prisões feitas em momentos anteriores, em que os familiares já possuíam histórico de sofrer repressão política e portanto já conheciam os procedimentos, desta vez há um número grande de famílias que está passando por esta situação pela primeira vez.

“É uma repressão que está atingindo principalmente as zonas pobres e comunidades, e não só de Caracas, mas de regiões de todo o país”, afirma, o que torna o trabalho de auxílio ainda mais desafiador.

Há quem acusa o chavismo de ter uma cota de pessoas para prender - que corresponderiam aos mais de 2,4 mil que aponta Maduro - e por isso estariam detendo transeuntes. Mas não é possível checar a a afirmação.

Policiais prendem manifestante em Caracas em 29 de julho  Foto: Matias Delacroix/AP

Operação Tun Tun

A repressão chavista escalou a partir dos protestos de 2014 contra as políticas econômicas de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Mas desta vez há maior intensidade, no que se supõe que seja uma estratégia para amedrontar a população que estava se mobilizando nas ruas.

“Houve duas fases dessa repressão de agora. Primeiro se prendia pessoas massivamente por fazerem parte de protestos, e esse tipo de repressão busca submeter a população em geral e esmagar uma possibilidade de uma insurgência cidadã”, afirma Murillo. Essa estratégia fez muitas cidades da Venezuela, incluindo Caracas, retornarem àquelas cenas da pandemia, de ruas vazias e pessoas assustadas em casa.

A segunda fase, continua, foi caçar opositores e quem quer que estivesse se manifestando contra o regime nas redes sociais. “Com isso se busca o objetivo político de prender alguém que possa ser uma pessoa que agita ou que move outras pessoas”, afirma.

Este foi o momento que levou a cenas como o opositor Freddy Superlano, do Voluntad Popular, a ser arrastado para fora de sua casa, conforme imagens compartilhadas por vizinhos. Outro momento marcante foi a prisão da líder regional do Comando com Venezuela Maria Oropeza que foi transmitida ao vivo nas redes por ela própria.

Essa segunda fase ficou conhecida como Operação Tun Tun, em que “tun tun” é a onomatopeia de bater à porta, como o “toc toc” do português. O termo, que se inspira em uma canção, surgiu em um programa de televisão de Diosdado Cabello, o número dois do chavismo.

“Não se trata apenas de um encarceramento arbitrário que afeta a vida de uma pessoa e sua família, mas também acaba gerando um processo de inibição geral em torno desse movimento político”, observa Murillo.

“Isso se enquadra perfeitamente na categoria de perseguição política, sendo um padrão de crime contra a humanidade, precisamente um dos argumentos que deu origem à investigação da procuradoria do Tribunal Penal Internacional [contra Maduro]”.

“Vejo que Maduro optou por se manter no poder de forma repressiva e militar frente a possibilidade de ser investigado pelo TPI no futuro” concorda Uzcátegui. “Imagino que a estratégia seja permanecer no poder a todo custo, independentemente do que isso possa significar neste momento.”

Um apoiador de Nicolás Maduro segura seu retrato durante marcha chavista em 17 de agosto Foto: Stringer/AFP

Opositores escondidos

“Somente em Vente Venezuela [partido de María Corina Machado], temos cerca de 24 pessoas detidas sem causa”, afirma o porta-voz da coalizão Comando por Venezuela Perkins Rocha. “Não se sabe onde estão, como é o caso de María Oropeza que há apenas poucos dias foi retirada arbitrariamente de sua casa.”

Américo de Grazia chegou a ser procurado em sua casa, no estado Bolívar. As casas de sua mãe e seus irmãos também foram visitadas por pessoas que se identificavam como forças “defensoras da revolução”. Ele então se mudou nos dias pós-eleição para Caracas, acreditando que estaria mais protegido na capital.

A família não tem certeza, mas supõe que ele foi levado pelo que se chama de “coletivos”, jovens motorizados que funcionam como força paramilitar do chavismo. “Me sinto super frustrada pela injustiça que não afeta apenas meu pai e minha família, mas tristemente muitos na Venezuela”, desabafa Maria Andreina. “Tenho muito medo pela vida do meu pai, pela vida dos meus irmãos e da minha família na Venezuela.”

Mulher espera do lado de fora do centro de detenção de Boleita onde seu marido foi preso após os protestos da oposição Foto: Matias Delacroix/AP

Rocha compartilha outras histórias de líderes da oposição que foram detidos arbitrariamente, como Williams Dávila, do partido Ação Democrática, que foi detido supostamente por coletivos armados ao sair de de uma missa pelos presos políticos em Los Palos Grandes, Caracas.

“William Dávila é um líder proeminente, mas isso tem ocorrido muitas vezes a nível dos estados e é um temor que estão gerando em toda a coletividade”, afirma. Na semana passada, o filho de Dávila, William Dávila Valeri informou que seu pai havia sido hospitalizado em estado grave. Até a última atualização, ele se encontrava estável.

O risco de detenção também forçou a reclusão da líder María Corina Machado e de Edmundo González Urrutia. María Corina reapareceu neste fim de semana durante uma manifestação em Caracas, a primeira depois desta escalada de violência. González Urrutia, porém, não é visto em público desde 30 de julho.

A líder da oposição María Corina Machado marca presença em protestos após dias sem aparecer em público em meio às ameaças de prisão contra ela Foto: Federico Parra/AFP

“Estou falando com você de um lugar onde fiz todos os bloqueios de comunicação para que não consigam me localizar, e estou em um local de onde não saio”, relatou Perkins Rocha ao conversar com a reportagem. “Temos traçado várias estratégias, nos ausentar temporariamente das ruas não significa que tenhamos perdido firmeza no nosso posicionamento político, não, o que fizemos foi um recuo para simplesmente analisar, em que circunstância estamos nos movendo.”

“Há muito interesse do poder, em todos os seus porta-vozes, em consolidar uma narrativa oficial segundo a qual todos aqueles que de alguma forma se opõem ao poder e não estão de acordo com os resultados eleitorais divulgados pelo CNE são terroristas”, aponta Gonzalo Himiob do Foro Penal.

Segundo o vice-presidente, a organização tem focado agora em apresentar denúncias ao Ministério Público venezuelano, não com a esperança de que resulte em algo, mas para esgotar todas as fontes internas e internacionais de denúncias.

O Ministério Público da Venezuela, controlado pelo aliado chavista Tarek William Saab, confirma as prisões, com números superiores a 2 mil, mas atribui a culpa, bem como as mortes durante as manifestações, à Maria Corina Machado que pode ser indiciada por homicídio e conspiração.

Na manhã de quarta-feira, 7 de agosto, o ex-deputado Américo de Grazia enviou uma mensagem para a filha Maria Andreina, 30, avisando que estava indo a um hospital em Caracas. A infecção pulmonar que tinha havia piorado e ele se sentia mal. Esta foi a última vez que a venezuelana falou com seu pai. A próxima notícia veio dos carcereiros do Helicoide, o maior centro de tortura para presos políticos da Venezuela, que confirmaram que Américo estava detido ali.

Desde então, os filhos do opositor, que vivem fora da Venezuela, não sabem qual é seu estado de saúde e muito menos a causa jurídica contra ele. “Não sabemos se ao menos chegou ao médico. Não sabemos nem se está vivo”, afirmou Maria Andreina em uma videochamada no dia 14 de agosto com o Estadão durante uma pausa em seu horário de trabalho em Houston, nos Estados Unidos.

“Mais de uma semana depois e continuamos sem qualquer informação. Ninguém nos contatou oficialmente. Obviamente, temos contato com nossos advogados, mas não conseguimos abrir um caso formal, nem de denúncia nem muito menos de defesa porque não sabemos de que o estamos defendendo”, continua.

Familiares de pessoas detidas em protestos após as eleições fazem uma vigília em Caracas e pedem em cartaz a 'libertação dos presos políticos' Foto: Matias Delacroix/AP

Américo de Grazia é um dos mais de 1500 presos políticos contabilizados pela organização Foro Penal desde as eleições de 28 de julho. Um número, ressaltam diversas organizações da sociedade civil, que é sem precedentes no chavismo. Entre eles há 200 mulheres, 129 adolescentes, 14 indígenas e 18 pessoas com deficiência. Há inclusive adolescentes com autismo, denuncia a Foro Penal.

“Chegamos a níveis que nunca havíamos alcançado na Venezuela até agora, pelo menos não em tão pouco tempo”, diz Gonzalo Himiob, vice-presidente da Foro Penal. Do total, apenas 90 foram soltos até agora, indo na contramão da prática chavista de prender e logo soltar para em seguida prender outro, prática chamada de “porta giratória”.

Uma repressão que, segundo Rafael Uzcátegui, diretor da ONG Laboratório de Paz que auxilia ativistas de direitos humanos em situação de risco, só é comparável ao Caracazo de 1989 em que cerca de 300 pessoas morreram durante os levantes contra o pacote econômico do então presidente Carlos Andrés Perez.

“Neste momento, o governo está promovendo um sistema de terror via seus meios de comunicação e redes sociais para que a população permaneça em suas casas, pare de compartilhar informações, participar em protestos, mas, principalmente, pare de exigir o exercício de seus direitos”, afirma Uzcátegui.

O chavismo dá números ainda mais dramáticos: mais de 2,4 mil segundo Nicolás Maduro. O Foro Penal, porém, só contabiliza os casos que consegue comprovar que de fato estão presos. Um trabalho que tem exigido uma força-tarefa da organização, conta Himiob.

“Estamos trabalhando em conjunto com outras ONGs porque, de verdade, a intensidade desta escalada repressiva não tem precedentes e nos custa muito”. Enquanto o Foro Penal se ocupa dos presos, outras organizações, como Provea e Monitor de Vítimas, contabilizam mortos, feridos e outros casos de abusos de direitos humanos.

Maria Andreina de Grazia utiliza uma camiseta com a foto de seu pai Américo de Grazia que está detido no Helicóide desde 7 de agosto Foto: Arquivo pessoal

Sem acesso a defesa

Uzcátegui denuncia que tem sido cada vez mais difícil obter informações porque têm surgido relatos de pessoas sendo detidas quando vão procurar seus familiares nas portas das prisões. Com isso, as organizações estão disponibilizando advogados para fazerem essa busca, mas já houve casos de detenção de advogados, como Kennedy Tejeda do Foro Penal.

Assim como Américo, todos os presos nessas últimas semanas não tiveram suas localizações reveladas, requerendo que as famílias e as organizações façam as buscas por conta própria. Também pouco se sabe sobre as acusações feitas contra essas pessoas. Apenas se conhece que muitas estão sendo enquadradas na lei de terrorismo e contra o ódio do país.

“Primeiro lhes negam o direito a um advogado privado e lhes é imposta uma defesa pública. Depois essas pessoas estão sendo submetidas às audiências de custódia, que deveriam ocorrer em um tribunal formal em 48 horas, que está acontecendo no próprio local onde as pessoas estão sendo detidas”, denuncia Uzcátegui, um relato que é sustentado pelo Foro Penal e pelo Provea.

“Além disso, essa audiência está acontecendo através de uma plataforma como esta em que estamos falando, através de uma chamada por vídeo. O juiz se conecta e do outro lado da tela estão todas as pessoas que estão detidas naquele momento, e a todas elas são imputados os mesmos delitos”, completa.

Detenções aleatórias

As prisões não se restringem a políticos ou ativistas envolvidos com a oposição. Pipocam denúncias de pessoas sendo presas aleatoriamente pelas ruas ou em suas casas. Algumas com a justificativa de estarem muito próximas de locais de manifestações da oposição. Para outras, porém, nem há explicação. Entre os presos há muitos adolescentes e pessoas com deficiência, denunciam as ONGs.

Nas redes sociais do Foro Penal, a venezuelana Carmem Morillo denunciou que sua filha Victoria, de 16 anos, havia saído para caminhar com suas primas em 29 de julho, dia seguinte às eleições, quando foi detida e levada para um centro de detenções para menores. “Não a vi até agora”, afirmou.

“Uma menina com muitos sonhos, estudante de música na orquestra sinfônica, gosta de tocar violão, sua grande paixão. Tem o desejo de estudar em um conservatório de música porque essa é sua paixão, gosta de compor canções. É uma menina muito nobre, empática e humanitária. Queria que ela retornasse à casa”, diz emocionada. Segundo Himiob, a pessoa mais jovem detida tem 13 anos, e muitos dos adolescentes estão sendo presos e julgados como adultos.

Com o tamanho da repressão, especialmente envolvendo pessoas de baixa renda e com pouca informação, a ONG Provea, que trabalha auxiliando pessoas vítimas de abusos de direitos humanos, tem promovido mutirões para instruir as famílias dos presos, como o que ocorreu em 15 de agosto no ginásio da Universidade Central da Venezuela.

Segundo o presidente da organização, Oscar Murillo, diferentemente das prisões feitas em momentos anteriores, em que os familiares já possuíam histórico de sofrer repressão política e portanto já conheciam os procedimentos, desta vez há um número grande de famílias que está passando por esta situação pela primeira vez.

“É uma repressão que está atingindo principalmente as zonas pobres e comunidades, e não só de Caracas, mas de regiões de todo o país”, afirma, o que torna o trabalho de auxílio ainda mais desafiador.

Há quem acusa o chavismo de ter uma cota de pessoas para prender - que corresponderiam aos mais de 2,4 mil que aponta Maduro - e por isso estariam detendo transeuntes. Mas não é possível checar a a afirmação.

Policiais prendem manifestante em Caracas em 29 de julho  Foto: Matias Delacroix/AP

Operação Tun Tun

A repressão chavista escalou a partir dos protestos de 2014 contra as políticas econômicas de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Mas desta vez há maior intensidade, no que se supõe que seja uma estratégia para amedrontar a população que estava se mobilizando nas ruas.

“Houve duas fases dessa repressão de agora. Primeiro se prendia pessoas massivamente por fazerem parte de protestos, e esse tipo de repressão busca submeter a população em geral e esmagar uma possibilidade de uma insurgência cidadã”, afirma Murillo. Essa estratégia fez muitas cidades da Venezuela, incluindo Caracas, retornarem àquelas cenas da pandemia, de ruas vazias e pessoas assustadas em casa.

A segunda fase, continua, foi caçar opositores e quem quer que estivesse se manifestando contra o regime nas redes sociais. “Com isso se busca o objetivo político de prender alguém que possa ser uma pessoa que agita ou que move outras pessoas”, afirma.

Este foi o momento que levou a cenas como o opositor Freddy Superlano, do Voluntad Popular, a ser arrastado para fora de sua casa, conforme imagens compartilhadas por vizinhos. Outro momento marcante foi a prisão da líder regional do Comando com Venezuela Maria Oropeza que foi transmitida ao vivo nas redes por ela própria.

Essa segunda fase ficou conhecida como Operação Tun Tun, em que “tun tun” é a onomatopeia de bater à porta, como o “toc toc” do português. O termo, que se inspira em uma canção, surgiu em um programa de televisão de Diosdado Cabello, o número dois do chavismo.

“Não se trata apenas de um encarceramento arbitrário que afeta a vida de uma pessoa e sua família, mas também acaba gerando um processo de inibição geral em torno desse movimento político”, observa Murillo.

“Isso se enquadra perfeitamente na categoria de perseguição política, sendo um padrão de crime contra a humanidade, precisamente um dos argumentos que deu origem à investigação da procuradoria do Tribunal Penal Internacional [contra Maduro]”.

“Vejo que Maduro optou por se manter no poder de forma repressiva e militar frente a possibilidade de ser investigado pelo TPI no futuro” concorda Uzcátegui. “Imagino que a estratégia seja permanecer no poder a todo custo, independentemente do que isso possa significar neste momento.”

Um apoiador de Nicolás Maduro segura seu retrato durante marcha chavista em 17 de agosto Foto: Stringer/AFP

Opositores escondidos

“Somente em Vente Venezuela [partido de María Corina Machado], temos cerca de 24 pessoas detidas sem causa”, afirma o porta-voz da coalizão Comando por Venezuela Perkins Rocha. “Não se sabe onde estão, como é o caso de María Oropeza que há apenas poucos dias foi retirada arbitrariamente de sua casa.”

Américo de Grazia chegou a ser procurado em sua casa, no estado Bolívar. As casas de sua mãe e seus irmãos também foram visitadas por pessoas que se identificavam como forças “defensoras da revolução”. Ele então se mudou nos dias pós-eleição para Caracas, acreditando que estaria mais protegido na capital.

A família não tem certeza, mas supõe que ele foi levado pelo que se chama de “coletivos”, jovens motorizados que funcionam como força paramilitar do chavismo. “Me sinto super frustrada pela injustiça que não afeta apenas meu pai e minha família, mas tristemente muitos na Venezuela”, desabafa Maria Andreina. “Tenho muito medo pela vida do meu pai, pela vida dos meus irmãos e da minha família na Venezuela.”

Mulher espera do lado de fora do centro de detenção de Boleita onde seu marido foi preso após os protestos da oposição Foto: Matias Delacroix/AP

Rocha compartilha outras histórias de líderes da oposição que foram detidos arbitrariamente, como Williams Dávila, do partido Ação Democrática, que foi detido supostamente por coletivos armados ao sair de de uma missa pelos presos políticos em Los Palos Grandes, Caracas.

“William Dávila é um líder proeminente, mas isso tem ocorrido muitas vezes a nível dos estados e é um temor que estão gerando em toda a coletividade”, afirma. Na semana passada, o filho de Dávila, William Dávila Valeri informou que seu pai havia sido hospitalizado em estado grave. Até a última atualização, ele se encontrava estável.

O risco de detenção também forçou a reclusão da líder María Corina Machado e de Edmundo González Urrutia. María Corina reapareceu neste fim de semana durante uma manifestação em Caracas, a primeira depois desta escalada de violência. González Urrutia, porém, não é visto em público desde 30 de julho.

A líder da oposição María Corina Machado marca presença em protestos após dias sem aparecer em público em meio às ameaças de prisão contra ela Foto: Federico Parra/AFP

“Estou falando com você de um lugar onde fiz todos os bloqueios de comunicação para que não consigam me localizar, e estou em um local de onde não saio”, relatou Perkins Rocha ao conversar com a reportagem. “Temos traçado várias estratégias, nos ausentar temporariamente das ruas não significa que tenhamos perdido firmeza no nosso posicionamento político, não, o que fizemos foi um recuo para simplesmente analisar, em que circunstância estamos nos movendo.”

“Há muito interesse do poder, em todos os seus porta-vozes, em consolidar uma narrativa oficial segundo a qual todos aqueles que de alguma forma se opõem ao poder e não estão de acordo com os resultados eleitorais divulgados pelo CNE são terroristas”, aponta Gonzalo Himiob do Foro Penal.

Segundo o vice-presidente, a organização tem focado agora em apresentar denúncias ao Ministério Público venezuelano, não com a esperança de que resulte em algo, mas para esgotar todas as fontes internas e internacionais de denúncias.

O Ministério Público da Venezuela, controlado pelo aliado chavista Tarek William Saab, confirma as prisões, com números superiores a 2 mil, mas atribui a culpa, bem como as mortes durante as manifestações, à Maria Corina Machado que pode ser indiciada por homicídio e conspiração.

Na manhã de quarta-feira, 7 de agosto, o ex-deputado Américo de Grazia enviou uma mensagem para a filha Maria Andreina, 30, avisando que estava indo a um hospital em Caracas. A infecção pulmonar que tinha havia piorado e ele se sentia mal. Esta foi a última vez que a venezuelana falou com seu pai. A próxima notícia veio dos carcereiros do Helicoide, o maior centro de tortura para presos políticos da Venezuela, que confirmaram que Américo estava detido ali.

Desde então, os filhos do opositor, que vivem fora da Venezuela, não sabem qual é seu estado de saúde e muito menos a causa jurídica contra ele. “Não sabemos se ao menos chegou ao médico. Não sabemos nem se está vivo”, afirmou Maria Andreina em uma videochamada no dia 14 de agosto com o Estadão durante uma pausa em seu horário de trabalho em Houston, nos Estados Unidos.

“Mais de uma semana depois e continuamos sem qualquer informação. Ninguém nos contatou oficialmente. Obviamente, temos contato com nossos advogados, mas não conseguimos abrir um caso formal, nem de denúncia nem muito menos de defesa porque não sabemos de que o estamos defendendo”, continua.

Familiares de pessoas detidas em protestos após as eleições fazem uma vigília em Caracas e pedem em cartaz a 'libertação dos presos políticos' Foto: Matias Delacroix/AP

Américo de Grazia é um dos mais de 1500 presos políticos contabilizados pela organização Foro Penal desde as eleições de 28 de julho. Um número, ressaltam diversas organizações da sociedade civil, que é sem precedentes no chavismo. Entre eles há 200 mulheres, 129 adolescentes, 14 indígenas e 18 pessoas com deficiência. Há inclusive adolescentes com autismo, denuncia a Foro Penal.

“Chegamos a níveis que nunca havíamos alcançado na Venezuela até agora, pelo menos não em tão pouco tempo”, diz Gonzalo Himiob, vice-presidente da Foro Penal. Do total, apenas 90 foram soltos até agora, indo na contramão da prática chavista de prender e logo soltar para em seguida prender outro, prática chamada de “porta giratória”.

Uma repressão que, segundo Rafael Uzcátegui, diretor da ONG Laboratório de Paz que auxilia ativistas de direitos humanos em situação de risco, só é comparável ao Caracazo de 1989 em que cerca de 300 pessoas morreram durante os levantes contra o pacote econômico do então presidente Carlos Andrés Perez.

“Neste momento, o governo está promovendo um sistema de terror via seus meios de comunicação e redes sociais para que a população permaneça em suas casas, pare de compartilhar informações, participar em protestos, mas, principalmente, pare de exigir o exercício de seus direitos”, afirma Uzcátegui.

O chavismo dá números ainda mais dramáticos: mais de 2,4 mil segundo Nicolás Maduro. O Foro Penal, porém, só contabiliza os casos que consegue comprovar que de fato estão presos. Um trabalho que tem exigido uma força-tarefa da organização, conta Himiob.

“Estamos trabalhando em conjunto com outras ONGs porque, de verdade, a intensidade desta escalada repressiva não tem precedentes e nos custa muito”. Enquanto o Foro Penal se ocupa dos presos, outras organizações, como Provea e Monitor de Vítimas, contabilizam mortos, feridos e outros casos de abusos de direitos humanos.

Maria Andreina de Grazia utiliza uma camiseta com a foto de seu pai Américo de Grazia que está detido no Helicóide desde 7 de agosto Foto: Arquivo pessoal

Sem acesso a defesa

Uzcátegui denuncia que tem sido cada vez mais difícil obter informações porque têm surgido relatos de pessoas sendo detidas quando vão procurar seus familiares nas portas das prisões. Com isso, as organizações estão disponibilizando advogados para fazerem essa busca, mas já houve casos de detenção de advogados, como Kennedy Tejeda do Foro Penal.

Assim como Américo, todos os presos nessas últimas semanas não tiveram suas localizações reveladas, requerendo que as famílias e as organizações façam as buscas por conta própria. Também pouco se sabe sobre as acusações feitas contra essas pessoas. Apenas se conhece que muitas estão sendo enquadradas na lei de terrorismo e contra o ódio do país.

“Primeiro lhes negam o direito a um advogado privado e lhes é imposta uma defesa pública. Depois essas pessoas estão sendo submetidas às audiências de custódia, que deveriam ocorrer em um tribunal formal em 48 horas, que está acontecendo no próprio local onde as pessoas estão sendo detidas”, denuncia Uzcátegui, um relato que é sustentado pelo Foro Penal e pelo Provea.

“Além disso, essa audiência está acontecendo através de uma plataforma como esta em que estamos falando, através de uma chamada por vídeo. O juiz se conecta e do outro lado da tela estão todas as pessoas que estão detidas naquele momento, e a todas elas são imputados os mesmos delitos”, completa.

Detenções aleatórias

As prisões não se restringem a políticos ou ativistas envolvidos com a oposição. Pipocam denúncias de pessoas sendo presas aleatoriamente pelas ruas ou em suas casas. Algumas com a justificativa de estarem muito próximas de locais de manifestações da oposição. Para outras, porém, nem há explicação. Entre os presos há muitos adolescentes e pessoas com deficiência, denunciam as ONGs.

Nas redes sociais do Foro Penal, a venezuelana Carmem Morillo denunciou que sua filha Victoria, de 16 anos, havia saído para caminhar com suas primas em 29 de julho, dia seguinte às eleições, quando foi detida e levada para um centro de detenções para menores. “Não a vi até agora”, afirmou.

“Uma menina com muitos sonhos, estudante de música na orquestra sinfônica, gosta de tocar violão, sua grande paixão. Tem o desejo de estudar em um conservatório de música porque essa é sua paixão, gosta de compor canções. É uma menina muito nobre, empática e humanitária. Queria que ela retornasse à casa”, diz emocionada. Segundo Himiob, a pessoa mais jovem detida tem 13 anos, e muitos dos adolescentes estão sendo presos e julgados como adultos.

Com o tamanho da repressão, especialmente envolvendo pessoas de baixa renda e com pouca informação, a ONG Provea, que trabalha auxiliando pessoas vítimas de abusos de direitos humanos, tem promovido mutirões para instruir as famílias dos presos, como o que ocorreu em 15 de agosto no ginásio da Universidade Central da Venezuela.

Segundo o presidente da organização, Oscar Murillo, diferentemente das prisões feitas em momentos anteriores, em que os familiares já possuíam histórico de sofrer repressão política e portanto já conheciam os procedimentos, desta vez há um número grande de famílias que está passando por esta situação pela primeira vez.

“É uma repressão que está atingindo principalmente as zonas pobres e comunidades, e não só de Caracas, mas de regiões de todo o país”, afirma, o que torna o trabalho de auxílio ainda mais desafiador.

Há quem acusa o chavismo de ter uma cota de pessoas para prender - que corresponderiam aos mais de 2,4 mil que aponta Maduro - e por isso estariam detendo transeuntes. Mas não é possível checar a a afirmação.

Policiais prendem manifestante em Caracas em 29 de julho  Foto: Matias Delacroix/AP

Operação Tun Tun

A repressão chavista escalou a partir dos protestos de 2014 contra as políticas econômicas de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Mas desta vez há maior intensidade, no que se supõe que seja uma estratégia para amedrontar a população que estava se mobilizando nas ruas.

“Houve duas fases dessa repressão de agora. Primeiro se prendia pessoas massivamente por fazerem parte de protestos, e esse tipo de repressão busca submeter a população em geral e esmagar uma possibilidade de uma insurgência cidadã”, afirma Murillo. Essa estratégia fez muitas cidades da Venezuela, incluindo Caracas, retornarem àquelas cenas da pandemia, de ruas vazias e pessoas assustadas em casa.

A segunda fase, continua, foi caçar opositores e quem quer que estivesse se manifestando contra o regime nas redes sociais. “Com isso se busca o objetivo político de prender alguém que possa ser uma pessoa que agita ou que move outras pessoas”, afirma.

Este foi o momento que levou a cenas como o opositor Freddy Superlano, do Voluntad Popular, a ser arrastado para fora de sua casa, conforme imagens compartilhadas por vizinhos. Outro momento marcante foi a prisão da líder regional do Comando com Venezuela Maria Oropeza que foi transmitida ao vivo nas redes por ela própria.

Essa segunda fase ficou conhecida como Operação Tun Tun, em que “tun tun” é a onomatopeia de bater à porta, como o “toc toc” do português. O termo, que se inspira em uma canção, surgiu em um programa de televisão de Diosdado Cabello, o número dois do chavismo.

“Não se trata apenas de um encarceramento arbitrário que afeta a vida de uma pessoa e sua família, mas também acaba gerando um processo de inibição geral em torno desse movimento político”, observa Murillo.

“Isso se enquadra perfeitamente na categoria de perseguição política, sendo um padrão de crime contra a humanidade, precisamente um dos argumentos que deu origem à investigação da procuradoria do Tribunal Penal Internacional [contra Maduro]”.

“Vejo que Maduro optou por se manter no poder de forma repressiva e militar frente a possibilidade de ser investigado pelo TPI no futuro” concorda Uzcátegui. “Imagino que a estratégia seja permanecer no poder a todo custo, independentemente do que isso possa significar neste momento.”

Um apoiador de Nicolás Maduro segura seu retrato durante marcha chavista em 17 de agosto Foto: Stringer/AFP

Opositores escondidos

“Somente em Vente Venezuela [partido de María Corina Machado], temos cerca de 24 pessoas detidas sem causa”, afirma o porta-voz da coalizão Comando por Venezuela Perkins Rocha. “Não se sabe onde estão, como é o caso de María Oropeza que há apenas poucos dias foi retirada arbitrariamente de sua casa.”

Américo de Grazia chegou a ser procurado em sua casa, no estado Bolívar. As casas de sua mãe e seus irmãos também foram visitadas por pessoas que se identificavam como forças “defensoras da revolução”. Ele então se mudou nos dias pós-eleição para Caracas, acreditando que estaria mais protegido na capital.

A família não tem certeza, mas supõe que ele foi levado pelo que se chama de “coletivos”, jovens motorizados que funcionam como força paramilitar do chavismo. “Me sinto super frustrada pela injustiça que não afeta apenas meu pai e minha família, mas tristemente muitos na Venezuela”, desabafa Maria Andreina. “Tenho muito medo pela vida do meu pai, pela vida dos meus irmãos e da minha família na Venezuela.”

Mulher espera do lado de fora do centro de detenção de Boleita onde seu marido foi preso após os protestos da oposição Foto: Matias Delacroix/AP

Rocha compartilha outras histórias de líderes da oposição que foram detidos arbitrariamente, como Williams Dávila, do partido Ação Democrática, que foi detido supostamente por coletivos armados ao sair de de uma missa pelos presos políticos em Los Palos Grandes, Caracas.

“William Dávila é um líder proeminente, mas isso tem ocorrido muitas vezes a nível dos estados e é um temor que estão gerando em toda a coletividade”, afirma. Na semana passada, o filho de Dávila, William Dávila Valeri informou que seu pai havia sido hospitalizado em estado grave. Até a última atualização, ele se encontrava estável.

O risco de detenção também forçou a reclusão da líder María Corina Machado e de Edmundo González Urrutia. María Corina reapareceu neste fim de semana durante uma manifestação em Caracas, a primeira depois desta escalada de violência. González Urrutia, porém, não é visto em público desde 30 de julho.

A líder da oposição María Corina Machado marca presença em protestos após dias sem aparecer em público em meio às ameaças de prisão contra ela Foto: Federico Parra/AFP

“Estou falando com você de um lugar onde fiz todos os bloqueios de comunicação para que não consigam me localizar, e estou em um local de onde não saio”, relatou Perkins Rocha ao conversar com a reportagem. “Temos traçado várias estratégias, nos ausentar temporariamente das ruas não significa que tenhamos perdido firmeza no nosso posicionamento político, não, o que fizemos foi um recuo para simplesmente analisar, em que circunstância estamos nos movendo.”

“Há muito interesse do poder, em todos os seus porta-vozes, em consolidar uma narrativa oficial segundo a qual todos aqueles que de alguma forma se opõem ao poder e não estão de acordo com os resultados eleitorais divulgados pelo CNE são terroristas”, aponta Gonzalo Himiob do Foro Penal.

Segundo o vice-presidente, a organização tem focado agora em apresentar denúncias ao Ministério Público venezuelano, não com a esperança de que resulte em algo, mas para esgotar todas as fontes internas e internacionais de denúncias.

O Ministério Público da Venezuela, controlado pelo aliado chavista Tarek William Saab, confirma as prisões, com números superiores a 2 mil, mas atribui a culpa, bem como as mortes durante as manifestações, à Maria Corina Machado que pode ser indiciada por homicídio e conspiração.

Na manhã de quarta-feira, 7 de agosto, o ex-deputado Américo de Grazia enviou uma mensagem para a filha Maria Andreina, 30, avisando que estava indo a um hospital em Caracas. A infecção pulmonar que tinha havia piorado e ele se sentia mal. Esta foi a última vez que a venezuelana falou com seu pai. A próxima notícia veio dos carcereiros do Helicoide, o maior centro de tortura para presos políticos da Venezuela, que confirmaram que Américo estava detido ali.

Desde então, os filhos do opositor, que vivem fora da Venezuela, não sabem qual é seu estado de saúde e muito menos a causa jurídica contra ele. “Não sabemos se ao menos chegou ao médico. Não sabemos nem se está vivo”, afirmou Maria Andreina em uma videochamada no dia 14 de agosto com o Estadão durante uma pausa em seu horário de trabalho em Houston, nos Estados Unidos.

“Mais de uma semana depois e continuamos sem qualquer informação. Ninguém nos contatou oficialmente. Obviamente, temos contato com nossos advogados, mas não conseguimos abrir um caso formal, nem de denúncia nem muito menos de defesa porque não sabemos de que o estamos defendendo”, continua.

Familiares de pessoas detidas em protestos após as eleições fazem uma vigília em Caracas e pedem em cartaz a 'libertação dos presos políticos' Foto: Matias Delacroix/AP

Américo de Grazia é um dos mais de 1500 presos políticos contabilizados pela organização Foro Penal desde as eleições de 28 de julho. Um número, ressaltam diversas organizações da sociedade civil, que é sem precedentes no chavismo. Entre eles há 200 mulheres, 129 adolescentes, 14 indígenas e 18 pessoas com deficiência. Há inclusive adolescentes com autismo, denuncia a Foro Penal.

“Chegamos a níveis que nunca havíamos alcançado na Venezuela até agora, pelo menos não em tão pouco tempo”, diz Gonzalo Himiob, vice-presidente da Foro Penal. Do total, apenas 90 foram soltos até agora, indo na contramão da prática chavista de prender e logo soltar para em seguida prender outro, prática chamada de “porta giratória”.

Uma repressão que, segundo Rafael Uzcátegui, diretor da ONG Laboratório de Paz que auxilia ativistas de direitos humanos em situação de risco, só é comparável ao Caracazo de 1989 em que cerca de 300 pessoas morreram durante os levantes contra o pacote econômico do então presidente Carlos Andrés Perez.

“Neste momento, o governo está promovendo um sistema de terror via seus meios de comunicação e redes sociais para que a população permaneça em suas casas, pare de compartilhar informações, participar em protestos, mas, principalmente, pare de exigir o exercício de seus direitos”, afirma Uzcátegui.

O chavismo dá números ainda mais dramáticos: mais de 2,4 mil segundo Nicolás Maduro. O Foro Penal, porém, só contabiliza os casos que consegue comprovar que de fato estão presos. Um trabalho que tem exigido uma força-tarefa da organização, conta Himiob.

“Estamos trabalhando em conjunto com outras ONGs porque, de verdade, a intensidade desta escalada repressiva não tem precedentes e nos custa muito”. Enquanto o Foro Penal se ocupa dos presos, outras organizações, como Provea e Monitor de Vítimas, contabilizam mortos, feridos e outros casos de abusos de direitos humanos.

Maria Andreina de Grazia utiliza uma camiseta com a foto de seu pai Américo de Grazia que está detido no Helicóide desde 7 de agosto Foto: Arquivo pessoal

Sem acesso a defesa

Uzcátegui denuncia que tem sido cada vez mais difícil obter informações porque têm surgido relatos de pessoas sendo detidas quando vão procurar seus familiares nas portas das prisões. Com isso, as organizações estão disponibilizando advogados para fazerem essa busca, mas já houve casos de detenção de advogados, como Kennedy Tejeda do Foro Penal.

Assim como Américo, todos os presos nessas últimas semanas não tiveram suas localizações reveladas, requerendo que as famílias e as organizações façam as buscas por conta própria. Também pouco se sabe sobre as acusações feitas contra essas pessoas. Apenas se conhece que muitas estão sendo enquadradas na lei de terrorismo e contra o ódio do país.

“Primeiro lhes negam o direito a um advogado privado e lhes é imposta uma defesa pública. Depois essas pessoas estão sendo submetidas às audiências de custódia, que deveriam ocorrer em um tribunal formal em 48 horas, que está acontecendo no próprio local onde as pessoas estão sendo detidas”, denuncia Uzcátegui, um relato que é sustentado pelo Foro Penal e pelo Provea.

“Além disso, essa audiência está acontecendo através de uma plataforma como esta em que estamos falando, através de uma chamada por vídeo. O juiz se conecta e do outro lado da tela estão todas as pessoas que estão detidas naquele momento, e a todas elas são imputados os mesmos delitos”, completa.

Detenções aleatórias

As prisões não se restringem a políticos ou ativistas envolvidos com a oposição. Pipocam denúncias de pessoas sendo presas aleatoriamente pelas ruas ou em suas casas. Algumas com a justificativa de estarem muito próximas de locais de manifestações da oposição. Para outras, porém, nem há explicação. Entre os presos há muitos adolescentes e pessoas com deficiência, denunciam as ONGs.

Nas redes sociais do Foro Penal, a venezuelana Carmem Morillo denunciou que sua filha Victoria, de 16 anos, havia saído para caminhar com suas primas em 29 de julho, dia seguinte às eleições, quando foi detida e levada para um centro de detenções para menores. “Não a vi até agora”, afirmou.

“Uma menina com muitos sonhos, estudante de música na orquestra sinfônica, gosta de tocar violão, sua grande paixão. Tem o desejo de estudar em um conservatório de música porque essa é sua paixão, gosta de compor canções. É uma menina muito nobre, empática e humanitária. Queria que ela retornasse à casa”, diz emocionada. Segundo Himiob, a pessoa mais jovem detida tem 13 anos, e muitos dos adolescentes estão sendo presos e julgados como adultos.

Com o tamanho da repressão, especialmente envolvendo pessoas de baixa renda e com pouca informação, a ONG Provea, que trabalha auxiliando pessoas vítimas de abusos de direitos humanos, tem promovido mutirões para instruir as famílias dos presos, como o que ocorreu em 15 de agosto no ginásio da Universidade Central da Venezuela.

Segundo o presidente da organização, Oscar Murillo, diferentemente das prisões feitas em momentos anteriores, em que os familiares já possuíam histórico de sofrer repressão política e portanto já conheciam os procedimentos, desta vez há um número grande de famílias que está passando por esta situação pela primeira vez.

“É uma repressão que está atingindo principalmente as zonas pobres e comunidades, e não só de Caracas, mas de regiões de todo o país”, afirma, o que torna o trabalho de auxílio ainda mais desafiador.

Há quem acusa o chavismo de ter uma cota de pessoas para prender - que corresponderiam aos mais de 2,4 mil que aponta Maduro - e por isso estariam detendo transeuntes. Mas não é possível checar a a afirmação.

Policiais prendem manifestante em Caracas em 29 de julho  Foto: Matias Delacroix/AP

Operação Tun Tun

A repressão chavista escalou a partir dos protestos de 2014 contra as políticas econômicas de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Mas desta vez há maior intensidade, no que se supõe que seja uma estratégia para amedrontar a população que estava se mobilizando nas ruas.

“Houve duas fases dessa repressão de agora. Primeiro se prendia pessoas massivamente por fazerem parte de protestos, e esse tipo de repressão busca submeter a população em geral e esmagar uma possibilidade de uma insurgência cidadã”, afirma Murillo. Essa estratégia fez muitas cidades da Venezuela, incluindo Caracas, retornarem àquelas cenas da pandemia, de ruas vazias e pessoas assustadas em casa.

A segunda fase, continua, foi caçar opositores e quem quer que estivesse se manifestando contra o regime nas redes sociais. “Com isso se busca o objetivo político de prender alguém que possa ser uma pessoa que agita ou que move outras pessoas”, afirma.

Este foi o momento que levou a cenas como o opositor Freddy Superlano, do Voluntad Popular, a ser arrastado para fora de sua casa, conforme imagens compartilhadas por vizinhos. Outro momento marcante foi a prisão da líder regional do Comando com Venezuela Maria Oropeza que foi transmitida ao vivo nas redes por ela própria.

Essa segunda fase ficou conhecida como Operação Tun Tun, em que “tun tun” é a onomatopeia de bater à porta, como o “toc toc” do português. O termo, que se inspira em uma canção, surgiu em um programa de televisão de Diosdado Cabello, o número dois do chavismo.

“Não se trata apenas de um encarceramento arbitrário que afeta a vida de uma pessoa e sua família, mas também acaba gerando um processo de inibição geral em torno desse movimento político”, observa Murillo.

“Isso se enquadra perfeitamente na categoria de perseguição política, sendo um padrão de crime contra a humanidade, precisamente um dos argumentos que deu origem à investigação da procuradoria do Tribunal Penal Internacional [contra Maduro]”.

“Vejo que Maduro optou por se manter no poder de forma repressiva e militar frente a possibilidade de ser investigado pelo TPI no futuro” concorda Uzcátegui. “Imagino que a estratégia seja permanecer no poder a todo custo, independentemente do que isso possa significar neste momento.”

Um apoiador de Nicolás Maduro segura seu retrato durante marcha chavista em 17 de agosto Foto: Stringer/AFP

Opositores escondidos

“Somente em Vente Venezuela [partido de María Corina Machado], temos cerca de 24 pessoas detidas sem causa”, afirma o porta-voz da coalizão Comando por Venezuela Perkins Rocha. “Não se sabe onde estão, como é o caso de María Oropeza que há apenas poucos dias foi retirada arbitrariamente de sua casa.”

Américo de Grazia chegou a ser procurado em sua casa, no estado Bolívar. As casas de sua mãe e seus irmãos também foram visitadas por pessoas que se identificavam como forças “defensoras da revolução”. Ele então se mudou nos dias pós-eleição para Caracas, acreditando que estaria mais protegido na capital.

A família não tem certeza, mas supõe que ele foi levado pelo que se chama de “coletivos”, jovens motorizados que funcionam como força paramilitar do chavismo. “Me sinto super frustrada pela injustiça que não afeta apenas meu pai e minha família, mas tristemente muitos na Venezuela”, desabafa Maria Andreina. “Tenho muito medo pela vida do meu pai, pela vida dos meus irmãos e da minha família na Venezuela.”

Mulher espera do lado de fora do centro de detenção de Boleita onde seu marido foi preso após os protestos da oposição Foto: Matias Delacroix/AP

Rocha compartilha outras histórias de líderes da oposição que foram detidos arbitrariamente, como Williams Dávila, do partido Ação Democrática, que foi detido supostamente por coletivos armados ao sair de de uma missa pelos presos políticos em Los Palos Grandes, Caracas.

“William Dávila é um líder proeminente, mas isso tem ocorrido muitas vezes a nível dos estados e é um temor que estão gerando em toda a coletividade”, afirma. Na semana passada, o filho de Dávila, William Dávila Valeri informou que seu pai havia sido hospitalizado em estado grave. Até a última atualização, ele se encontrava estável.

O risco de detenção também forçou a reclusão da líder María Corina Machado e de Edmundo González Urrutia. María Corina reapareceu neste fim de semana durante uma manifestação em Caracas, a primeira depois desta escalada de violência. González Urrutia, porém, não é visto em público desde 30 de julho.

A líder da oposição María Corina Machado marca presença em protestos após dias sem aparecer em público em meio às ameaças de prisão contra ela Foto: Federico Parra/AFP

“Estou falando com você de um lugar onde fiz todos os bloqueios de comunicação para que não consigam me localizar, e estou em um local de onde não saio”, relatou Perkins Rocha ao conversar com a reportagem. “Temos traçado várias estratégias, nos ausentar temporariamente das ruas não significa que tenhamos perdido firmeza no nosso posicionamento político, não, o que fizemos foi um recuo para simplesmente analisar, em que circunstância estamos nos movendo.”

“Há muito interesse do poder, em todos os seus porta-vozes, em consolidar uma narrativa oficial segundo a qual todos aqueles que de alguma forma se opõem ao poder e não estão de acordo com os resultados eleitorais divulgados pelo CNE são terroristas”, aponta Gonzalo Himiob do Foro Penal.

Segundo o vice-presidente, a organização tem focado agora em apresentar denúncias ao Ministério Público venezuelano, não com a esperança de que resulte em algo, mas para esgotar todas as fontes internas e internacionais de denúncias.

O Ministério Público da Venezuela, controlado pelo aliado chavista Tarek William Saab, confirma as prisões, com números superiores a 2 mil, mas atribui a culpa, bem como as mortes durante as manifestações, à Maria Corina Machado que pode ser indiciada por homicídio e conspiração.

Na manhã de quarta-feira, 7 de agosto, o ex-deputado Américo de Grazia enviou uma mensagem para a filha Maria Andreina, 30, avisando que estava indo a um hospital em Caracas. A infecção pulmonar que tinha havia piorado e ele se sentia mal. Esta foi a última vez que a venezuelana falou com seu pai. A próxima notícia veio dos carcereiros do Helicoide, o maior centro de tortura para presos políticos da Venezuela, que confirmaram que Américo estava detido ali.

Desde então, os filhos do opositor, que vivem fora da Venezuela, não sabem qual é seu estado de saúde e muito menos a causa jurídica contra ele. “Não sabemos se ao menos chegou ao médico. Não sabemos nem se está vivo”, afirmou Maria Andreina em uma videochamada no dia 14 de agosto com o Estadão durante uma pausa em seu horário de trabalho em Houston, nos Estados Unidos.

“Mais de uma semana depois e continuamos sem qualquer informação. Ninguém nos contatou oficialmente. Obviamente, temos contato com nossos advogados, mas não conseguimos abrir um caso formal, nem de denúncia nem muito menos de defesa porque não sabemos de que o estamos defendendo”, continua.

Familiares de pessoas detidas em protestos após as eleições fazem uma vigília em Caracas e pedem em cartaz a 'libertação dos presos políticos' Foto: Matias Delacroix/AP

Américo de Grazia é um dos mais de 1500 presos políticos contabilizados pela organização Foro Penal desde as eleições de 28 de julho. Um número, ressaltam diversas organizações da sociedade civil, que é sem precedentes no chavismo. Entre eles há 200 mulheres, 129 adolescentes, 14 indígenas e 18 pessoas com deficiência. Há inclusive adolescentes com autismo, denuncia a Foro Penal.

“Chegamos a níveis que nunca havíamos alcançado na Venezuela até agora, pelo menos não em tão pouco tempo”, diz Gonzalo Himiob, vice-presidente da Foro Penal. Do total, apenas 90 foram soltos até agora, indo na contramão da prática chavista de prender e logo soltar para em seguida prender outro, prática chamada de “porta giratória”.

Uma repressão que, segundo Rafael Uzcátegui, diretor da ONG Laboratório de Paz que auxilia ativistas de direitos humanos em situação de risco, só é comparável ao Caracazo de 1989 em que cerca de 300 pessoas morreram durante os levantes contra o pacote econômico do então presidente Carlos Andrés Perez.

“Neste momento, o governo está promovendo um sistema de terror via seus meios de comunicação e redes sociais para que a população permaneça em suas casas, pare de compartilhar informações, participar em protestos, mas, principalmente, pare de exigir o exercício de seus direitos”, afirma Uzcátegui.

O chavismo dá números ainda mais dramáticos: mais de 2,4 mil segundo Nicolás Maduro. O Foro Penal, porém, só contabiliza os casos que consegue comprovar que de fato estão presos. Um trabalho que tem exigido uma força-tarefa da organização, conta Himiob.

“Estamos trabalhando em conjunto com outras ONGs porque, de verdade, a intensidade desta escalada repressiva não tem precedentes e nos custa muito”. Enquanto o Foro Penal se ocupa dos presos, outras organizações, como Provea e Monitor de Vítimas, contabilizam mortos, feridos e outros casos de abusos de direitos humanos.

Maria Andreina de Grazia utiliza uma camiseta com a foto de seu pai Américo de Grazia que está detido no Helicóide desde 7 de agosto Foto: Arquivo pessoal

Sem acesso a defesa

Uzcátegui denuncia que tem sido cada vez mais difícil obter informações porque têm surgido relatos de pessoas sendo detidas quando vão procurar seus familiares nas portas das prisões. Com isso, as organizações estão disponibilizando advogados para fazerem essa busca, mas já houve casos de detenção de advogados, como Kennedy Tejeda do Foro Penal.

Assim como Américo, todos os presos nessas últimas semanas não tiveram suas localizações reveladas, requerendo que as famílias e as organizações façam as buscas por conta própria. Também pouco se sabe sobre as acusações feitas contra essas pessoas. Apenas se conhece que muitas estão sendo enquadradas na lei de terrorismo e contra o ódio do país.

“Primeiro lhes negam o direito a um advogado privado e lhes é imposta uma defesa pública. Depois essas pessoas estão sendo submetidas às audiências de custódia, que deveriam ocorrer em um tribunal formal em 48 horas, que está acontecendo no próprio local onde as pessoas estão sendo detidas”, denuncia Uzcátegui, um relato que é sustentado pelo Foro Penal e pelo Provea.

“Além disso, essa audiência está acontecendo através de uma plataforma como esta em que estamos falando, através de uma chamada por vídeo. O juiz se conecta e do outro lado da tela estão todas as pessoas que estão detidas naquele momento, e a todas elas são imputados os mesmos delitos”, completa.

Detenções aleatórias

As prisões não se restringem a políticos ou ativistas envolvidos com a oposição. Pipocam denúncias de pessoas sendo presas aleatoriamente pelas ruas ou em suas casas. Algumas com a justificativa de estarem muito próximas de locais de manifestações da oposição. Para outras, porém, nem há explicação. Entre os presos há muitos adolescentes e pessoas com deficiência, denunciam as ONGs.

Nas redes sociais do Foro Penal, a venezuelana Carmem Morillo denunciou que sua filha Victoria, de 16 anos, havia saído para caminhar com suas primas em 29 de julho, dia seguinte às eleições, quando foi detida e levada para um centro de detenções para menores. “Não a vi até agora”, afirmou.

“Uma menina com muitos sonhos, estudante de música na orquestra sinfônica, gosta de tocar violão, sua grande paixão. Tem o desejo de estudar em um conservatório de música porque essa é sua paixão, gosta de compor canções. É uma menina muito nobre, empática e humanitária. Queria que ela retornasse à casa”, diz emocionada. Segundo Himiob, a pessoa mais jovem detida tem 13 anos, e muitos dos adolescentes estão sendo presos e julgados como adultos.

Com o tamanho da repressão, especialmente envolvendo pessoas de baixa renda e com pouca informação, a ONG Provea, que trabalha auxiliando pessoas vítimas de abusos de direitos humanos, tem promovido mutirões para instruir as famílias dos presos, como o que ocorreu em 15 de agosto no ginásio da Universidade Central da Venezuela.

Segundo o presidente da organização, Oscar Murillo, diferentemente das prisões feitas em momentos anteriores, em que os familiares já possuíam histórico de sofrer repressão política e portanto já conheciam os procedimentos, desta vez há um número grande de famílias que está passando por esta situação pela primeira vez.

“É uma repressão que está atingindo principalmente as zonas pobres e comunidades, e não só de Caracas, mas de regiões de todo o país”, afirma, o que torna o trabalho de auxílio ainda mais desafiador.

Há quem acusa o chavismo de ter uma cota de pessoas para prender - que corresponderiam aos mais de 2,4 mil que aponta Maduro - e por isso estariam detendo transeuntes. Mas não é possível checar a a afirmação.

Policiais prendem manifestante em Caracas em 29 de julho  Foto: Matias Delacroix/AP

Operação Tun Tun

A repressão chavista escalou a partir dos protestos de 2014 contra as políticas econômicas de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Mas desta vez há maior intensidade, no que se supõe que seja uma estratégia para amedrontar a população que estava se mobilizando nas ruas.

“Houve duas fases dessa repressão de agora. Primeiro se prendia pessoas massivamente por fazerem parte de protestos, e esse tipo de repressão busca submeter a população em geral e esmagar uma possibilidade de uma insurgência cidadã”, afirma Murillo. Essa estratégia fez muitas cidades da Venezuela, incluindo Caracas, retornarem àquelas cenas da pandemia, de ruas vazias e pessoas assustadas em casa.

A segunda fase, continua, foi caçar opositores e quem quer que estivesse se manifestando contra o regime nas redes sociais. “Com isso se busca o objetivo político de prender alguém que possa ser uma pessoa que agita ou que move outras pessoas”, afirma.

Este foi o momento que levou a cenas como o opositor Freddy Superlano, do Voluntad Popular, a ser arrastado para fora de sua casa, conforme imagens compartilhadas por vizinhos. Outro momento marcante foi a prisão da líder regional do Comando com Venezuela Maria Oropeza que foi transmitida ao vivo nas redes por ela própria.

Essa segunda fase ficou conhecida como Operação Tun Tun, em que “tun tun” é a onomatopeia de bater à porta, como o “toc toc” do português. O termo, que se inspira em uma canção, surgiu em um programa de televisão de Diosdado Cabello, o número dois do chavismo.

“Não se trata apenas de um encarceramento arbitrário que afeta a vida de uma pessoa e sua família, mas também acaba gerando um processo de inibição geral em torno desse movimento político”, observa Murillo.

“Isso se enquadra perfeitamente na categoria de perseguição política, sendo um padrão de crime contra a humanidade, precisamente um dos argumentos que deu origem à investigação da procuradoria do Tribunal Penal Internacional [contra Maduro]”.

“Vejo que Maduro optou por se manter no poder de forma repressiva e militar frente a possibilidade de ser investigado pelo TPI no futuro” concorda Uzcátegui. “Imagino que a estratégia seja permanecer no poder a todo custo, independentemente do que isso possa significar neste momento.”

Um apoiador de Nicolás Maduro segura seu retrato durante marcha chavista em 17 de agosto Foto: Stringer/AFP

Opositores escondidos

“Somente em Vente Venezuela [partido de María Corina Machado], temos cerca de 24 pessoas detidas sem causa”, afirma o porta-voz da coalizão Comando por Venezuela Perkins Rocha. “Não se sabe onde estão, como é o caso de María Oropeza que há apenas poucos dias foi retirada arbitrariamente de sua casa.”

Américo de Grazia chegou a ser procurado em sua casa, no estado Bolívar. As casas de sua mãe e seus irmãos também foram visitadas por pessoas que se identificavam como forças “defensoras da revolução”. Ele então se mudou nos dias pós-eleição para Caracas, acreditando que estaria mais protegido na capital.

A família não tem certeza, mas supõe que ele foi levado pelo que se chama de “coletivos”, jovens motorizados que funcionam como força paramilitar do chavismo. “Me sinto super frustrada pela injustiça que não afeta apenas meu pai e minha família, mas tristemente muitos na Venezuela”, desabafa Maria Andreina. “Tenho muito medo pela vida do meu pai, pela vida dos meus irmãos e da minha família na Venezuela.”

Mulher espera do lado de fora do centro de detenção de Boleita onde seu marido foi preso após os protestos da oposição Foto: Matias Delacroix/AP

Rocha compartilha outras histórias de líderes da oposição que foram detidos arbitrariamente, como Williams Dávila, do partido Ação Democrática, que foi detido supostamente por coletivos armados ao sair de de uma missa pelos presos políticos em Los Palos Grandes, Caracas.

“William Dávila é um líder proeminente, mas isso tem ocorrido muitas vezes a nível dos estados e é um temor que estão gerando em toda a coletividade”, afirma. Na semana passada, o filho de Dávila, William Dávila Valeri informou que seu pai havia sido hospitalizado em estado grave. Até a última atualização, ele se encontrava estável.

O risco de detenção também forçou a reclusão da líder María Corina Machado e de Edmundo González Urrutia. María Corina reapareceu neste fim de semana durante uma manifestação em Caracas, a primeira depois desta escalada de violência. González Urrutia, porém, não é visto em público desde 30 de julho.

A líder da oposição María Corina Machado marca presença em protestos após dias sem aparecer em público em meio às ameaças de prisão contra ela Foto: Federico Parra/AFP

“Estou falando com você de um lugar onde fiz todos os bloqueios de comunicação para que não consigam me localizar, e estou em um local de onde não saio”, relatou Perkins Rocha ao conversar com a reportagem. “Temos traçado várias estratégias, nos ausentar temporariamente das ruas não significa que tenhamos perdido firmeza no nosso posicionamento político, não, o que fizemos foi um recuo para simplesmente analisar, em que circunstância estamos nos movendo.”

“Há muito interesse do poder, em todos os seus porta-vozes, em consolidar uma narrativa oficial segundo a qual todos aqueles que de alguma forma se opõem ao poder e não estão de acordo com os resultados eleitorais divulgados pelo CNE são terroristas”, aponta Gonzalo Himiob do Foro Penal.

Segundo o vice-presidente, a organização tem focado agora em apresentar denúncias ao Ministério Público venezuelano, não com a esperança de que resulte em algo, mas para esgotar todas as fontes internas e internacionais de denúncias.

O Ministério Público da Venezuela, controlado pelo aliado chavista Tarek William Saab, confirma as prisões, com números superiores a 2 mil, mas atribui a culpa, bem como as mortes durante as manifestações, à Maria Corina Machado que pode ser indiciada por homicídio e conspiração.

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