SÃO PAULO E BRASÍLIA - María Corina Machado, ex-deputada eleita da Assembleia Nacional da Venezuela, vinha ganhando ganhando força como grande favorita da oposição democrática do país nas eleições marcadas para o ano que vem. Pesquisas confiáveis projetavam que ela liderava as primárias de 22 de outubro deste ano, nas quais 14 oponentes do ditador Nicolás Maduro planejam selecionar um único candidato para concorrer contra ele. Na mais recente, do fim de junho, 57% dos eleitores a apoiavam, de acordo com a Poder y Estrategia, uma empresa de pesquisas.
Sua ascensão estava ligada às grandes promessas que fez, de uma “transformação total” da Venezuela. A decrépita empresa estatal de petróleo, PDVSA, seria privatizada, assim como todas as empresas de serviços públicos. “Teremos mercados abertos. Teremos um estado de direito... Este país se tornará o centro energético das Américas”, prometeu.
As ambições de María Corina Machado de derrubar a ditadura chavista que domina a Venezuela há mais de duas décadas por meio de eleições justas e livres, uma promessa de Maduro para justificar uma reaproximação com o Ocidente e conseguir apoio internacional e investimentos para um país em constante crise econômica, foram por água abaixo.
A ditadura de Maduro anunciou em 30 de junho que ela está desqualificada para ocupar cargos públicos - por 15 anos - supostamente por causa de seu apoio anterior às sanções dos EUA em Caracas. Machado prometeu continuar sua campanha, argumentando que a tentativa de bani-la é um sinal de fraqueza de um governo impopular que “sabe que já está derrotado”.
Maduro pode forçá-la a ficar de fora se estiver determinado a fazê-lo, assim como o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, impediu seus principais oponentes de concorrer em 2021. Dois outros principais candidatos da oposição na Venezuela já enfrentam proibições. E o regime de Maduro anunciou recentemente a substituição completa dos 15 membros do Conselho Nacional Eleitoral, que supervisionará as eleições gerais de 2024. A responsável pelo processo de contratação? A esposa de Maduro, Cilia Flores.
A inabilitação de María Corina Machado, uma das principais líderes da oposição da Venezuela, pelos próximos 15 anos é um sinal de que o chavismo não está comprometido com eleições livres e justas, e deve mudar a postura que os Estados Unidos e a União Europeia adotaram recentemente de aproximação com a ditadura de Nicolás Maduro, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão.
“O que essa medida faz é confirmar o que no fundo era óbvio: Maduro não vai deixar o poder e tudo que tem a ver com essa eleição é uma farsa, porque o que ele quer é uma eleição que o favoreça”, acrescenta o cientista político peruano Francisco Belaúnde.
Apesar da decisão não ser considerada uma surpresa para autoridades ocidentais, a inabilitação da política venezuelana de 55 anos deve prejudicar a imagem de Maduro, caso não seja revogada até as eleições que estão marcadas para 2024. Washington condicionou o relaxamento de sanções econômicas que prejudicam Caracas a realização de eleições livres e justas.
“María Corina Machado é a principal candidata nas primárias presidenciais internas da oposição e o fato de declararem que ela não pode concorrer levanta dúvidas em relação ao comprometimento do governo Maduro em realizar eleições confiáveis no ano que vem, que tem sido a principal demanda da comunidade internacional”, avalia Geoff Ramsey, diretor do setor de Venezuela do Wola, organização não-governamental dos Estados Unidos, que visa promover os direitos humanos na América Latina.
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Ramsey aponta que muitas decisões devem ser tomadas até as eleições, mas a inabilitação da candidata da oposição envia a mensagem errada para a comunidade internacional.
Países do Ocidente ensaiam uma aproximação com Maduro principalmente pela necessidade dos Estados Unidos e União Europeia de buscar novas fontes de petróleo, em meio a guerra na Ucrânia. Contudo, o retorno ao dialogo e alívio de sanções econômicas contra a Venezuela só deve ocorrer caso eleições livres ocorram no país no ano que vem.
Na última década, a ditadura chavista levou o país ao colapso econômico e social, com inflação recorde e perseguição de dissidentes, que levou mais de 7 milhões de pessoas a fugirem da Venezuela para outras nações da América do Sul, Estados Unidos e Europa.
A repressão política da ditadura de Nicolás Maduro fez com que o país se tornasse alvo de diversas sanções econômicas de Washington, que se juntaram a hiperinflação que já era delicada, aumentando a pobreza dos cidadãos do país. Com a volta da esquerda na maioria dos países da América do Sul, como Brasil, Argentina e Colômbia, Maduro passou a conversar com líderes da região, que antes reconheciam o autoproclamado Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela.
A quimera das eleições justas
“Nada disso representa uma surpresa, para quem acompanha a política venezuelana há muito tempo, era evidente que isso iria acontecer”, aponta Luis Vicente León, presidente do instituto de pesquisa venezuelano Datanálisis. “Não tem como ela ser habilitada nos próximos meses porque ela representa um perigo muito grande ao chavismo. María Corina Machado chamou Maduro de ditador e pediu uma abstenção popular em diversas eleições na Venezuela por considerar que o processo não era justo. Na visão de Maduro, deixar uma pessoa com estas posições concorrer é uma ameaça muito forte”, completou o analista.
Vicente León pondera que a comunidade internacional não pode ser “ingênua” a ponto de pensar que Maduro, um ditador que está no poder desde 2013, irá disputar uma eleição transparente e justa e vai entregar o poder, principalmente para uma candidata que já afirmou que o ditador deveria ser preso.
Para Ramsey, do Wola, a oposição deve participar das eleições na Venezuela em 2024, assim como observadores internacionais, mas isso não garante um reconhecimento do resultado por líderes do Ocidente. “A realidade é que não acho a presença de observadores eleitorais garanta que a comunidade Internacional verifique estes resultados”.
María Corina Machado não é a única candidata da oposição que está impedida de concorrer contra Nicolás Maduro em 2024. O ex-candidato a presidência Henrique Caprilles também não pode disputar o pleito, assim como Freddy Superlano.
Os candidatos que pretendem disputar a eleição venezuelana no ano que vem participaram de um debate na quarta-feira, 12, em que afirmaram ser necessário apresentar uma frente unida contra Maduro. Os partidos oposicionistas somam 14 candidatos até agora, com destaque para Corina Machado, Caprilles e Superlano.
A oposição da Venezuela concordou na realização de uma eleição prévia para que apenas um candidato enfrente Maduro em 2024. Os partidos estabeleceram que as primárias estão marcadas para o dia 22 de outubro.
De acordo com a justiça venezuelana, María Corina Machado não pode ser candidata porque apoiou as sanções dos Estados Unidos contra o governo Maduro e o ex-líder da oposição Juan Guaidó.
Posição dos Estados Unidos sobre a Venezuela
Apesar do repúdio americano em relação à inabilitação de María Corina Machado, Washington segue mantendo a sua política de diminuição das sanções em relação a Venezuela. A decisão sobre a política venezuelana foi feita no final de junho, mas os Estados Unidos anunciaram na última segunda-feira, 10, a prorrogação da licença até julho de 2024 que permite “certas transações” para a Venezuela exportar gás liquefeito de petróleo.
“Houve um reconhecimento de que a política do governo Trump falhou e que havia a necessidade de fornecer incentivos para que Maduro aceitasse eleições livres e justas, e esses incentivos significavam um alívio nas sanções em troca de concessões do governo Maduro”, avalia Ramsey, do Wola. “Até agora, a estratégia permanece inalterada. A Casa Branca está convencida de que o único caminho a seguir é oferecer uma flexibilização das sanções em troca de buscar uma mudança de comportamento de Maduro”, completa o analista.
Apesar disso, analistas concordam que a situação pode mudar caso o governo Maduro siga prejudicando a escolha de um candidato da oposição.
Na avaliação de Eric Farnsworth, vice-presidente do Council of the Americas, não cabe a Maduro escolher quem ele vai enfrentar e os Estados Unidos não devem aceitaram que María Corina Machado não pode concorrer. “Ela continua candidata, segue fazendo campanha”, completa o especialista.
“A Casa Branca colocou tanta ênfase em eleições livres e justas como uma condição para suspender sanções que se isso não acontecer o clima político vai ser limitado para suspender essas medidas”, pondera Farnsworth.
A embaixada norte-americana em Brasília falou sobre o assunto a pedido do Estadão. “A decisão de desqualificar a participação de María Corina Machado no processo eleitoral priva o povo venezuelano de direitos políticos básicos”, disse a embaixada, por meio da assessoria de imprensa. “Os Estados Unidos respeitam a soberania do Brasil de determinar sua política externa e compartilhamos a confiança de que um processo de negociação liderado pelos venezuelanos continua sendo fundamental para a realização de eleições livres e justas em 2024, corroborando para a restauração de instituições democráticas e o fim da crise humanitária no país.”
Sanções econômicas
Ao mesmo tempo que a reação de Maduro em relação aos seus opositores era esperada, o ditador venezuelano precisa que as sanções continuem sendo flexibilizadas para que a economia da Venezuela se recupere.
Ramsey aponta que Maduro tem muitos incentivos para buscar eleições livres e justas pois precisa ter acesso a dinheiro. “A realidade é que o crescimento econômico está começando a desacelerar novamente na Venezuela e as sanções estão afetando a economia. O governo de Maduro, como qualquer governo, está profundamente ciente da necessidade de melhorar a economia antes das eleições de 2024. E a única maneira de isso acontecer é se as sanções puderem ser flexibilizadas, então Maduro precisa entrar em um acordo com a oposição venezuelana”, avalia o especialista.
Já Vicente Leon, do instituto venezuelano Datanálisis, aponta que Nicolás Maduro pode negociar pontos de melhora em seu regime, mas nada que de fato coloque o seu poder em perigo. “O mais importante para Maduro é continuar no poder, o que é possível conseguir é fortalecer o respeito aos direitos humanos, uma participação maior da oposição em eventos eleitorais futuros, mas não dá para esperar uma eleição livre”
Brasil
A reabilitação do regime de Nicolás Maduro na arena internacional teve a chancela do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e também do presidente da Colômbia, Gustavo Petro. Lula convidou Maduro para participar do encontro de presidentes sul-americanos em Brasília, que ocorreu em maio e afirmou que o país precisava divulgar a sua “narrativa”.
Lula também deu uma resposta neutra sobre a inabilitação de María Corina Machado. “Não conheço pormenores do problema com a candidata da Venezuela, pretendo conhecer”, completou o presidente.
“O presidente brasileiro tem mostrado que a democracia, pelo menos na Venezuela, não é tão importante para ele. Ele quer ter uma boa relação com Maduro, aconteça o que acontecer. Isso é escandaloso”, aponta Belaúnde.
Para Ramsey, do Wola, o governo Lula ainda pode contribuir para melhorar o dialogo entre a oposição venezuelana e o governo Maduro. “Lula poderia estar fazendo muito mais, o Brasil só tem a ganhar se a Venezuela conseguir chegar a um acordo para a realização de eleições livres e justas. Será importante para o governo Lula pensar mais estrategicamente sobre como enfrentar a crise da Venezuela sem simplesmente se aproximar de um ditador”, completou.
Diálogo continua
A intenção do governo de Luiz Inácio Lula da Silva é a de manter a disposição de diálogo de alto nível com o regime de Maduro, a despeito da cassação dos direitos políticos da opositora María Corina Machado.
“Nossa posição não muda, é sempre buscar dialogar com a Venezuela, com o governo venezuelano, em favor de que ano que vem haja eleições livres, transparentes e abertas. Essa é uma posição histórica do Brasil. Isolar não resolve, precisamos engajar”, disse nesta quinta-feira, dia 13, a embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty.
O Itamaraty e o governo brasileiro não pretendem por enquanto externar nenhuma posição mais crítica à cassação dos direitos políticos de Maria Corina Machado.
Em privado, diplomatas brasileiros admitem que a inabilitação eleitoral de Corina Machado complica o reconhecimento de que as eleições nacionais em 2024 serão livres, justas e transparentes, como cobram potencias ocidentais observadoras como os Estados Unidos e a União Europeia. O próprio governo Lula vinha nos bastidores cobrando Maduro a garantir igualdade de condições aos concorrentes. Alguns veem uma modulação de tom político do governo brasileiro, que talvez possa arrefecer gestos pró-Maduro.