Um júri de um tribunal de Nova York votou nesta quinta-feira, 30, por aceitar a denúncia da promotoria estadual e acusar criminalmente o ex-presidente americano Donald Trump, no caso que investiga o pagamento de suborno à atriz pornô Stormy Daniels. Com isso, o republicano vira réu e terá de comparecer voluntariamente à Justiça para ser fichado no processo, que investiga o uso de dinheiro não declarado para ocultar um caso que ela teve com o republicano antes de sua campanha a presidente em 2016.
A abertura de um processo criminal contra Trump, pré-candidato nas eleições de 2024, deve ter implicações políticas no Partido Republicano, no qual ele é favorito nas primárias contra o governador da Flórida, Ron DeSantis. Há duas semanas, Trump tentou mobilizar seus seguidores ao anunciar que seria preso.
Seus advogados disseram que negociam o comparecimento voluntário de Trump à Justiça na terça-feira, 4. A procuradoria confirmou as tratativas. Por se tratar de um ex-presidente, a rendição do republicano tem de ser negociada com o serviço secreto. Pode haver protestos contra e a favor do ex-presidente no local, com potencial de violência, segundo autoridades locais.
“Os democratas mentiram, trapacearam e roubaram em sua obsessão de tentar ‘pegar Trump’, mas agora eles fizeram o impensável denunciando uma pessoa completamente inocente”, disse o ex-presidente após a denúncia vir a público.
Pela lei americana, que é inspirada no direito britânico, a procuradoria pode recorrer à votação de um júri para que um suspeito de um crime seja acusado formalmente, em vez de a acusação ser autorizada por um magistrado, como ocorre no Brasil. No caso de Trump, a equipe do procurador Alvin Bragg optou por apresentar suas provas ao júri e esperá-lo decidir sobre o indiciamento do ex-presidente no caso Stormy Daniels.
O que acontece agora?
A procuradoria do Estado de NY deve apresentar formalmente nos próximos dias as acusações contra o ex-presidente. Como o processo está sob segredo de Justiça, ainda não estão claros por quais nem quantos crimes Trump responderá. Mas, de toda forma, ele se torna agora o primeiro ex-presidente da história dos Estados Unidos a responder formalmente a uma ação penal na Justiça.
O ex-presidente deve se entregar voluntariamente à Justiça de NY na terça-feira para tirar fotos, ser fichado e fornecer suas digitais. Caso isso não ocorra, ele terá a prisão decretada.
Em seguida, Trump deverá comparecer as audiências do caso e comunicar ao juiz como se declara: culpado ou inocente. Nesta fase do processo, a defesa deve tentar convencer o juiz a arquivar o caso. Caso o magistrado não aceite os argumentos da defesa ou não haja um acordo com a promotoria, Trump irá a júri popular.
Juristas dizem que a base do caso envolve uma interpretação incomum da lei estadual, que vincula um crime na esfera estadual a outro na alçada federal. Essa nova interpretação, acreditam os especialistas, não deve servir para anular o caso, mas o ambiente político carregado da denúncia torna seu desfecho imprevisível. A principal estratégia dos advogados de Trump no caso deve ser convencer o juiz que essa interpretação da promotoria está equivocada.
Decisão não impede candidatura
Trump recebeu a notícia da abertura do processo no caso Stormy Daniels em seu resort particular, em Mar-a-Lago, na Flórida. Não está claro qual será seu próximo passo. Seus assessores foram pegos de surpresa pelo fato de a decisão do júri ter sido tomada nesta quinta-feira, segundo várias pessoas próximas ao ex-presidente.
A ação penal levanta novas questões legais e política para Trump, mas não o impede de se candidatar. Uma ficha criminal limpa não está entre os critérios que a Constituição americana estabelece para quem é elegível para ser presidente. Ainda assim, seria extraordinário para uma pessoa que está respondendo criminalmente, e muito menos condenada, ser indicada por um partido importante.
Apesar disso, a decisão deve ter um impacto na primária republicana. Se por um lado, a denúncia criminal e uma possível prisão de Trump deve mobilizar sua fiel base de apoiadores, na eleição geral isso pode ser considerado ruim perante eleitores moderados, que costumam ser o fiel da balança nas eleições. Assim, doadores importantes de campanha podem se afastar do ex-presidente.
Entenda as acusações
O caso Stormy Daniels é menos grave judicialmente do que os outros problemas de Trump na Justiça, mas no momento, é o mais próximo de um desfecho.
A investigação liderada pelo procurador distrital de Manhattan, Alvin Bragg, se concentra em um pagamento de US$ 130 mil ( cerca de R$ 662 mil) feito duas semanas antes da eleição presidencial de 2016, vencida por Trump, a uma atriz pornô conhecida como Stormy Daniels.
O dinheiro era destinado, supostamente, a impedir Stormy, cujo verdadeiro nome é Stephanie Clifford, de revelar um relacionamento que diz ter tido com Trump alguns anos antes.
O pagamento foi feito semanas antes da eleição de 2016, supostamente para impedir que Daniels tornasse pública uma relação que ela afirma ter tido com Trump anos antes. O republicano, que governou de 2017 a 2021, nega o caso e chamou a investigação de “caça às bruxas”.
Michael Cohen, ex-advogado pessoal do magnata que testemunhou perante o grande júri, disse ao Congresso em 2019 que entregou o dinheiro em nome de Trump e foi posteriormente reembolsado. Se não for devidamente contabilizado, o pagamento a Daniels pode resultar em uma acusação de contravenção por falsificação de registros comerciais, dizem os especialistas. Mas pode se tornar um crime grave, se essa manipulação contábil tiver como objetivo acobertar um segundo crime, como violar as leis de financiamento de campanha, que é punível com até quatro anos de prisão.
Outras acusações
Além da acusação de pagar pelo silêncio de Stormy Daniels, Trump também é investigado pela invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, em uma tentativa de impedir a ratificação do democrata Joe Biden como presidente. Ele também é acusado de obstruir um processo oficial e conspirar para fraudar as eleições dos Estados Unidos.
Trump também é investigado por ter levado documentos sigilosos da Casa Branca, que foram encontrados em sua casa em Mar-a-Lago, na Flórida. / NYT e AP