THE WASHINGTON POST – Durante quase um ano, o gabinete de assessores de Donald Trump diz para o ex-presidente não anunciar a pré-candidatura para voltar a disputar a presidência antes das eleições de meio de mandato, em novembro. Segundo os assessores, Trump poderia prejudicar os candidatos republicanos deste ano e ser considerado o culpado se o desempenho deles decepcionar. O ex-presidente ouve, mas pressiona com frequência por um anúncio precoce e considera agora fazê-lo em setembro.
A pressão do ex-presidente acontece conforme seus possíveis rivais republicanos ficam mais agressivos e em meio a sinais de enfraquecimento da base trumpista. Cada vez mais, apoiadores insistem que o ex-presidente siga seus instintos, com o objetivo de sustentar sua posição no partido e impulsionar o comparecimento às urnas este ano, ajudando o Partido Republicano a conquistar maioria nas Casas Legislativas.
Dois conselheiros do ex-presidente afirmam sob anonimato que Trump considera agora fazer o anúncio da pré-candidatura em setembro. Um dos assessores mais próximos estima que a probabilidade dele anunciar antes das eleições de meio de mandato está em 70%. Outros dizem que ele pode decidir antes mesmo de setembro.
Outras duas fontes que acompanham a situação de perto afirmam que Trump começou a conversar com os conselheiros a respeito de quem deveria coordenar a pré-campanha, e a sua equipe já transmitiu instruções para a organização de um aparato online, a postos para iniciar o trabalho assim que o anúncio for feito. O ex-presidente também começou a se reunir com importantes doadores para conversar sobre a disputa de 2024 em viagens que tem realizado por todo o país, afirmou uma das fontes.
“Se Trump vai concorrer, o quanto antes ele se apresentar para conversar sobre vencer a próxima eleição, melhor”, afirmou o senador Lindsey Graham, republicano da Carolina do Sul, que recentemente jogou golfe com Trump em Nova Jersey. “Isso vai dar novo foco à atenção dele – menos ressentimento, mais foco no futuro.”
Graham aceitou um argumento, anteriormente desprezado por muitos em seu partido, de que os democratas usarão a impopularidade de Trump entre alguns grupos de eleitores para tentar impulsionar o comparecimento às urnas, não importando o que ele faça. Se Trump entrar logo na disputa, continua o argumento, ele estará mais bem posicionado para impulsionar o comparecimento dos republicanos às urnas nas eleições intercalares.
“Já que você vai se machucar de qualquer maneira, você pode também colher benefícios”, afirmou Tony Fabrizio, especialista em pesquisas ligado a Trump que trabalha para vários candidatos ao Senado nesta campanha. “Se a ideia é energizar a base e fazer as pessoas saírem de casa para votar, não há ninguém melhor que Trump para isso.”
Outros defendem que a inserção direta de Trump na campanha das eleições intercalares apenas favorecerá os planos dos democratas de transformar a atual disputa em um referendo a respeito do extremismo do movimento “Make America Great Again” (MAGA, ou “Torne os EUA grandes novamente”). Os republicanos acreditam estar a caminho de uma vitória marcante este ano, como resultado da imensa insatisfação com a inflação, do desempenho do presidente Joe Biden na função e da direção que o país está tomando.
Um porta-voz de Trump não respondeu a um pedido de comentário.
Pesquisas mostram Trump com apoio baixo
Pesquisas com o público em geral e sondagens internas no Partido Republicano realizadas em vários Estados importantes mostram que Trump tem menos apoio até do que Biden, que sofreu uma queda de popularidade histórica desde que assumiu a presidência. Em uma pesquisa recente, o ex-presidente simulou disputas com o democrata em New Hampshire e Wisconsin, locais com disputas emblemáticas para o Senado; nas duas apareceu atrás.
Uma apresentação para doadores realizada pela campanha de Herschel Walker para o Senado pela Geórgia obtida pelo Washington Post mostra Biden e Trump com índices de aprovação similares abaixo de 40%, cerca de 12 pontos percentuais abaixo dos registrados por Walker e seu oponente, o senador Raphael Warnock, democrata da Geórgia. No início de 2021, a Battleground Survey contratada pelo Comitê Congressional Nacional Republicano constatou que as opiniões desfavoráveis a Trump eram 15 pontos percentuais mais elevadas do que as opiniões favoráveis em distritos cruciais.
Trump também derrapou um pouco entre os eleitores republicanos, apesar de continuar o candidato favorito nas primárias, de acordo com pesquisas públicas.
A decisão de Trump de entrar na disputa, temem alguns no Partido Republicano, poderia confundir a dinâmica nos meses finais das campanhas para a Câmara e o Senado.
“De todas as coisas egoístas que ele faz a cada minuto diariamente, esta seria provavelmente a pior”, afirmou um proeminente estrategista republicano, falando sob condição de anonimato para oferecer um relato sincero. “Tudo que fizermos exceto falar da economia será desastroso.”
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Depois de ameaçar lançar a pré-campanha em julho, Trump decidiu nas semanas recentes proferir uma série de falas que seus assessores qualificam como discursos sobre propostas políticas, enquanto continua com o plano de estruturar sua próxima disputa. Na sexta-feira ele discursou sobre criminalidade em Las Vegas, trazendo à tona sua antiga ideia de que traficantes de drogas deveriam ser condenados à pena de morte. Mais discursos estão sendo programados.
“Com a vitória dos republicanos em 2022 e 2024 poderemos reinstituir políticas duras contra o crime e fazer muito mais”, afirmou Trump em Las Vegas. “Deixem nossas polícias em paz. Deixem os policiais fazerem seu trabalho. Eles sabem o que fazem. Deixem eles fazerem o que sabem.”
Trump começou a falar privadamente a respeito de um iminente anúncio de pré-candidatura presidencial em agosto do ano passado, em resposta à caótica retirada das forças militares americanas do Afeganistão promovida por Biden. Vários conselheiros recomendaram a Trump não agir naquele momento, já que um anúncio prematuro de pré-candidatura em 2024 limitaria sua capacidade de acessar fundos de seu comitê de ação política, o Save America PAC, que tem financiado sua equipe e seus eventos, acionaria regras de aparições com duração equivalente na TV e permitiria aos democratas redefinir a disputa eleitoral, desassociando-a da impopular presidência de Biden.
As conversas privadas foram bem-sucedidas em adiar o anúncio de Trump, mas não o dissuadiram de continuar pressionando adiante. Nos meses recentes, rivais que também consideram pré-candidaturas em 2024 têm recebido mais atenção, e a investigação a respeito do ataque de 6 de janeiro de 2021 contra o Capitólio aumentou o conhecimento do público sobre as tentativas do ex-presidente de subverter o resultado da eleição de 2020. Trump também é alvo de outras investigações, particularmente em Nova York e na Geórgia, que só fizeram impulsionar os desejos dele de se candidatar, afirmam seus conselheiros.
Estratégia democrata é apontar extremismo
Enquanto isso, os democratas desenvolveram uma estratégia partidária destinada a identificar os candidatos republicanos em disputas acirradas como “republicanos MAGA”, expressão que, segundo indicam pesquisas internas, pode afastar eleitores indecisos.
Na semanas recentes, os democratas têm defendido que uma série de fatos demonstram um extremismo amplo nos quadros republicanos. São citados: a decisão da Suprema Corte de derrubar a decisão sobre o direito nacional ao aborto; a contínua resistência do Partido Republicano em relação a certas regulações para armas de fogo, apesar dos massacres a tiros; e a investigação a respeito da insurreição no Capitólio.
“As audiências sobre o 6 de Janeiro incomodaram os EUA. Isso é real, vemos esse movimento nos números”, afirmou John Anzalone, especialista em pesquisas ligado a Biden. “Se Donald Trump entrar na disputa antes das eleições intercalares, todos os congressistas e candidatos republicanos terão de responder a essas questões.”
Os democratas têm esperança, por exemplo, de que candidatos republicanos em disputas acirradas sejam forçados a declarar se apoiarão ou não Trump nas primárias presidenciais de 2024 — uma escolha que poderia tanto alienar apoiadores do ex-presidente quanto convencer eleitores que votaram em duas eleições consecutivas contra o tipo de política de Trump.
“Senadores, assim como candidatos ao Senado, me disseram recentemente que os eleitores estão prontos para virar a página em relação a Trump — e que Trump é mais um vento contra do que um vento a favor nesses dias”, afirmou Dan Eberhart, doador republicano que se encontrou com vários senadores do partido.
Vários estrategistas republicanos na Câmara continuam com esperança de que o anúncio da pré-candidatura de Trump não vá prejudicar o partido em novembro. Os republicanos obtiveram um ganho líquido de 14 assentos nas eleições legislativas de 2020, apesar do nome de Trump aparecer escrito na mesma cédula e do fato dele ter perdido no voto popular por uma diferença de aproximadamente 7 milhões de votos. Pesquisas mostraram que preocupações com a economia e as pressões inflacionárias dominam o ambiente político, para infortúnio dos candidatos democratas.
Algumas pessoas no entorno de Trump alertaram que ele poderia cometer um erro se não tentar se inserir com mais força nas campanhas das eleições intercalares. Pesquisas nacionais realizadas ao longo do ano passado, incluindo do Pew Research Center, da CNN e do New York Times, constataram que apenas cerca da metade dos eleitores republicanos ou inclinados ao partido querem que Trump seja o indicado para concorrer à presidência em 2024.
“Quando os republicanos conquistarem essas vitórias massivas nas eleições intercalares, se o (ex-)presidente Trump não tiver se lançado para 2024, os haters, os republicanos do establishment e os aliados deles na mídia dirão que são capazes de vencer em 2024 sem Trump e que o partido deveria encontrar outra pessoa”, afirmou Jason Miller, ex-porta-voz e antigo conselheiro do ex-presidente, que agora administra a rede social Gettr. “Eles tentarão fazer essa narrativa colar, e os democratas alegremente amplificarão a situação.”
Mas outras pessoas, como a presidente do Comitê Nacional Republicano, Ronna McDaniel, e a conselheira de longa data Kellyanne Conway, aconselharam Trump repetidamente a não anunciar sua pré-candidatura neste momento. Ambas argumentam que ele não gostaria de ser responsável por derrotas no Senado, e McDaniel afirmou a interlocutores que o partido vai parar de pagar as despesas de Trump com advogados se ele for indicado para concorrer à presidência.
“Alguns gostam de não dar crédito a ele quando candidatos vencem e culpá-lo quando candidatos perdem, mas o (ex-)presidente Trump sabe que não é capaz de controlar a qualidade e a energia dos candidatos ou a campanha dele ou dela”, afirmou Conway.
Ex-presidente aparece em 1º nas pesquisas para primárias republicanas
Trump continua à frente das pesquisas preliminares para as primárias republicanas de 2024, apesar de possíveis rivais – como o governador da Flórida, Ron DeSantis – terem recebido sinais encorajadores em eventos republicanos, após vencer em pesquisas criadas online de maneira informal. Outros possíveis pré-candidatos, como o ex-vice de Trump, Mike Pence, o senador Tom Cotton (Arkansas) e o governador Asa Hutchinson (Arkansas), avançam com planos de pré-campanha.
O governador Glenn Youngkin (Virgínia) também deixou aberta a possibilidade de disputar as primárias para 2024. Recentemente, afirmou que se sente “tocado” pela atenção que tem recebido.
Um grupo afiliado ao senador Tim Scott, republicano da Carolina do Sul, com frequência considerado para disputar a presidência ou a vice, gastou cerca de US$ 2 milhões com anúncios de TV veiculados em Estados cruciais, como Geórgia e Nevada, que o exibem falando diretamente com a câmera a respeito dos candidatos ao Senado republicanos de cada local. Mais anúncios deverão ser veiculados nos próximos meses.
Para Trump, um anúncio precoce de pré-candidatura muito anterior à tradicional janela pós-eleições intercalares para a pré-campanha presidencial poderia vir acompanhado de um risco significativo dentro do partido.
“Será um ótimo início de jogo se vencermos no Senado. Mas se perdermos a maioria por um assento sequer no Senado, o que é uma possibilidade real, ele apenas estará dando às pessoas uma desculpa para culpá-lo”, afirmou outro conselheiro de longa data de Trump, citando as derrotas dos republicanos nas disputas em segundo turno para dois assentos do Senado em 2021. “Se perdermos na Geórgia de novo, colocarão a culpa nele. Ele não levará nenhum crédito e ficará com toda a culpa. E sabe disso.”
Outros conselheiros alertaram que Trump pode embaralhar até o planejamento de sua própria equipe se anunciar a pré-candidatura sem muito aviso prévio. Essas mesmas pessoas afirmam acreditar que um anúncio em agosto, quando muitos americanos estão de férias e desconectados das notícias, é improvável. Vários conselheiros afirmam que Trump passou horas nas semanas recentes, particularmente nos fins de semana, perguntando a eles o que deve fazer.
“Não dá para segurá-lo muito tempo”, afirmou o conselheiro. “Um dia ele vai acordar e dizer, ‘Avisem todo mundo’.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL