Ela saiu da pobreza e enriqueceu na China, mas perdeu tudo em três anos de crises em série


Sun Junli era dona de rede de cafeterias e perdeu tudo após bancos estatais interromperem empréstimos

Por Li Yuan

The New York Times - Há dois anos, enquanto caminhava algemada pelo corredor de um hospital para fazer o teste de Covid-19, Sun Junli se sentia envergonhada e derrotada. Aos 45 anos, ela havia percorrido um longo caminho. A menina pobre de um vilarejo no noroeste da China havia se tornado uma empresária de sucesso.

E depois ela foi esmagada.

Em 2018, os bancos estatais deixaram abruptamente de conceder empréstimos à sua empresa, uma rede de cafeterias, e a pandemia destruiu seu fluxo de caixa. Em maio de 2021, Sun havia perdido seus restaurantes e cumpria pena de 16 dias de detenção por dívidas de US$ 28 mil (cerca de R$ 136,6 mil) em salários para com seus empregados.

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Sun Junli, que fundou e transformou a Manny Café em um negócio com 20 cafés, em uma das filiais sob novos proprietários em Xianyang, China Foto: Li Yuan/The New York T

Semanas depois de sua libertação, um tribunal confiscaria seu apartamento de dois quartos em Xianyang, na província de Shaanxi, e seu Toyota Camry, porque ela estava insolvente, e inseriria seu nome em uma lista nacional de pessoas sem crédito. Sun não pode mais reservar quartos de hotel ou passagens de avião, nem receber empréstimos.

“Estou cercada de pessoas como eu”, disse Sun, contando dezenas de amigos em situação difícil, empreendedores em áreas como a moda, energia e fabricação de móveis. “Todos nós viemos do nada e trabalhamos duro para criar riqueza”, disse Sun.

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“Todos nós perdemos tudo e estamos profundamente endividados”. “Será que éramos todos ruins naquilo que fazemos?”, perguntou ela. “Estávamos todos errados?”

Economia

Há alguns anos, Sun era o epítome de como os proprietários de pequenas empresas, por meio de trabalho duro, determinação inflexível e sorte, se tornaram a espinha dorsal da economia.

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Agora, ela ilustra algo muito diferente: a maneira pela qual a China, sob a liderança de Xi Jinping, acabou com o vigor animal da classe empreendedora, ao impor cada vez mais controle estatal sobre a economia. O governo de Xi retirou a ajuda quando os proprietários de empresas mais precisavam, os puniu por assumirem riscos e fracassarem, e tornou quase impossível que recomeçassem.

As autoridades chinesas gostam de definir as pequenas empresas como os capilares da economia. No entanto, anos de políticas governamentais volúveis, repressão e listas negras prejudicaram essas empresas ou as destruíram.

O Manny Café em Xianyang. “Todos viemos do nada e trabalhamos duro para criar riqueza”, disse Sun Junli, descrevendo a si mesma e a dezenas de amigos Foto: Li Yuan/The New York Times
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Em 2021, quando a China estava apregoando seu sucesso na luta contra a pandemia, o número de pequenas empresas que fecharam suas portas superou o número de novas empresas que foram abertas, disse Zeng Xiangquan, professor da Universidade Renmin em Pequim, a um jornal oficial.

A confiança das empresas ainda está abalada, uma das razões pelas quais a China continua em um atoleiro econômico. As pequenas empresas representam cerca de 95% do setor privado da China, que contribui com cerca de 50% da receita tributária nacional, 60% da produção econômica e 80% dos novos empregos.

A carreira de Sun começou na década de 1990. Depois de abandonar o ensino médio aos 17 anos para sustentar a família, ela trabalhou como agricultora, operária têxtil, vendedora de comida de rua e motorista de táxi. Então, em Hancheng, uma cidade com cerca de 400 mil habitantes perto de seu vilarejo, ela abriu três lojas de roupas esportivas que vendiam produtos Nike, Adidas e da marca chinesa Anta.

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Era 2008, o ano em que a China realizou seus primeiros Jogos Olímpicos, que serviram como festa de apresentação para uma potência emergente. Naquele ano, ela conquistou aquilo que define como seu “primeiro balde de ouro”.

Em 2013, quando o comércio eletrônico começou a afetar os negócios de varejo, Sun abriu o Manny Coffee, um café de 360 metros quadrados em Hancheng. Ela vendia café, filés, pizzas e outros alimentos e bebidas em estilo ocidental, uma novidade na cidade. Em 2018, ela havia expandido o negócio para 20 filiais em seis cidades menores na província de Shaanxi.

Sun Junli aluga um apartamento de uma amiga depois que seu próprio apartamento em Xianyang foi confiscado por dívidas Foto: Li Yuan/The New York T
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Quando Sun tinha começado seus negócios, anos antes, os bancos chineses relutavam em conceder empréstimos ao setor privado. Por volta de 2015, devido à concorrência de instituições financeiras online como o Ant Group, os órgãos regulatórios instruíram os bancos a emprestar mais para as pequenas empresas.

Os bancos começaram a procurar Sun, que tomou US$ 1,3 milhão emprestado para expandir sua rede e construir uma cozinha central de produção para seus restaurantes. Mas o crédito acabou repentinamente, em 2018. As autoridades regulatórias, preocupadas com as dívidas, promulgaram novas diretrizes, dizendo aos bancos para “prestar atenção à qualidade dos empréstimos a pequenas empresas”.

A mudança abrupta prejudicou muitas empresas. As consequências foram tão ruins que as autoridades regulatórias começaram a investigar as “práticas irracionais” dos bancos.

Mas já era tarde, para Sun. Em outubro de 2019, ela pediu dinheiro emprestado a parentes e amigos para pagar seu último empréstimo bancário, de cerca de US$ 300 mil. Seus restaurantes estavam indo bem - a receita chegou a US$ 8 milhões em 2018. Ela estava confiante em que o Ano-Novo chinês, em janeiro de 2020, traria fluxos de caixa saudáveis.

O Manny Café segue com 12 filiais na China  Foto: Li Yuan/The New York Ti

Pandemia

Na véspera do feriado, todas as filiais de sua rede foram fechadas quando o coronavírus começou a se espalhar rapidamente. A paralisação foi suspensa após três meses, mas os negócios nunca se recuperaram. Para pagar o aluguel e os salários, Sun pediu mais empréstimos a pessoas próximas e estourou o limite de seus cartões de crédito. Todo mês, ela acreditava que o mês seguinte seria melhor. O governo não ofereceu ajuda.

Em novembro de 2020, ela tinha uma dívida de US$ 1,5 milhão e não havia mais como continuar. Sun fechou os seis restaurantes que possuía e abriu mão da participação de 70% que tinha nos outros 14 e, em troca, seus acionistas minoritários concordaram em pagar os aluguéis e salários.

A China na verdade não permite falências, o que em outros países pode permitir que os proprietários de empresas resolvam o problema do dinheiro que devem.

Sun devia seis semanas de salários a seus 31 funcionários. Os funcionários a denunciaram à agência local de inspeção do trabalho, que a entregou à polícia.

Documentos do Manny Café durante a pandemia da covid-19. Sun Junli chegou a ser presa por não conseguir pagar os seus funcionários  Foto: Li Yuan/The New York T

Durante seus 16 dias no centro de detenção, seu cabelo embranqueceu. Ela passava a maior parte do tempo meditando. A polícia não a liberou até que sua investigação confirmasse que ela não havia escondido patrimônio algum. Um ano depois, o tribunal não encontrou “qualquer fato criminoso” contra ela, de acordo com um documento judicial. Mas ela havia perdido seu negócio e sua reputação.

Sun tentou ganhar a vida ajudando a administrar as 12 filiais da Manny Coffee que ainda estavam em funcionamento. Mas tinha pouco trabalho e renda em 2022 devido às medidas draconianas da chamada “Covid zero”. O complexo de apartamentos onde ela mora em uma unidade alugada passou por oito lockdowns. O irmão dela, que fazia entregas de refeições, às vezes lhe dava dinheiro e trazia comida.

O pai de Sun, que tinha câncer de pulmão e havia sido infectado pela Covid-19, morreu em 25 de dezembro de 2022. Era o 47º aniversário dela.

Como muitos chineses, Sun pensou que os negócios se recuperariam em 2023, depois que as restrições da Covid-19 fossem suspensas. Mas isso não aconteceu.

Para ganhar a vida, ela está tentando abrir um novo negócio de alimentos. Em meio à crise econômica, imagina que seus antigos clientes talvez não queiram pagar US$ 15 por um filé, mas podem se dispor a comprar uma porção de legumes apimentados por US$ 4.

Ela disse que não esperava qualquer apoio financeiro do governo. Mas gostaria de sair da lista negra à qual foi adicionada em 2021. A chamada lista de pessoas desonestas foi iniciada em julho de 2013, poucos meses depois de Xi assumir o poder. Em março, ela incluía oito milhões de nomes. Muitos proprietários de empresas foram incluídos na lista, inclusive os fundadores de pelo menos 22 das 500 maiores empresas privadas da China, de acordo com relatos da mídia chinesa.

“Não estou pedindo a eles que me deem dinheiro”, disse Sun. “Mas gostaria muito que eles tirassem meu nome da lista negra para que eu possa me tornar uma pessoa normal e abrir um negócio novamente”.

“Não posso tomar um avião se quiser ir para Xangai”, ela disse. “Não posso pegar o trem de alta velocidade. Não posso viajar. De certa forma, não é diferente de me trancafiar em casa”.

The New York Times - Há dois anos, enquanto caminhava algemada pelo corredor de um hospital para fazer o teste de Covid-19, Sun Junli se sentia envergonhada e derrotada. Aos 45 anos, ela havia percorrido um longo caminho. A menina pobre de um vilarejo no noroeste da China havia se tornado uma empresária de sucesso.

E depois ela foi esmagada.

Em 2018, os bancos estatais deixaram abruptamente de conceder empréstimos à sua empresa, uma rede de cafeterias, e a pandemia destruiu seu fluxo de caixa. Em maio de 2021, Sun havia perdido seus restaurantes e cumpria pena de 16 dias de detenção por dívidas de US$ 28 mil (cerca de R$ 136,6 mil) em salários para com seus empregados.

Sun Junli, que fundou e transformou a Manny Café em um negócio com 20 cafés, em uma das filiais sob novos proprietários em Xianyang, China Foto: Li Yuan/The New York T

Semanas depois de sua libertação, um tribunal confiscaria seu apartamento de dois quartos em Xianyang, na província de Shaanxi, e seu Toyota Camry, porque ela estava insolvente, e inseriria seu nome em uma lista nacional de pessoas sem crédito. Sun não pode mais reservar quartos de hotel ou passagens de avião, nem receber empréstimos.

“Estou cercada de pessoas como eu”, disse Sun, contando dezenas de amigos em situação difícil, empreendedores em áreas como a moda, energia e fabricação de móveis. “Todos nós viemos do nada e trabalhamos duro para criar riqueza”, disse Sun.

“Todos nós perdemos tudo e estamos profundamente endividados”. “Será que éramos todos ruins naquilo que fazemos?”, perguntou ela. “Estávamos todos errados?”

Economia

Há alguns anos, Sun era o epítome de como os proprietários de pequenas empresas, por meio de trabalho duro, determinação inflexível e sorte, se tornaram a espinha dorsal da economia.

Agora, ela ilustra algo muito diferente: a maneira pela qual a China, sob a liderança de Xi Jinping, acabou com o vigor animal da classe empreendedora, ao impor cada vez mais controle estatal sobre a economia. O governo de Xi retirou a ajuda quando os proprietários de empresas mais precisavam, os puniu por assumirem riscos e fracassarem, e tornou quase impossível que recomeçassem.

As autoridades chinesas gostam de definir as pequenas empresas como os capilares da economia. No entanto, anos de políticas governamentais volúveis, repressão e listas negras prejudicaram essas empresas ou as destruíram.

O Manny Café em Xianyang. “Todos viemos do nada e trabalhamos duro para criar riqueza”, disse Sun Junli, descrevendo a si mesma e a dezenas de amigos Foto: Li Yuan/The New York Times

Em 2021, quando a China estava apregoando seu sucesso na luta contra a pandemia, o número de pequenas empresas que fecharam suas portas superou o número de novas empresas que foram abertas, disse Zeng Xiangquan, professor da Universidade Renmin em Pequim, a um jornal oficial.

A confiança das empresas ainda está abalada, uma das razões pelas quais a China continua em um atoleiro econômico. As pequenas empresas representam cerca de 95% do setor privado da China, que contribui com cerca de 50% da receita tributária nacional, 60% da produção econômica e 80% dos novos empregos.

A carreira de Sun começou na década de 1990. Depois de abandonar o ensino médio aos 17 anos para sustentar a família, ela trabalhou como agricultora, operária têxtil, vendedora de comida de rua e motorista de táxi. Então, em Hancheng, uma cidade com cerca de 400 mil habitantes perto de seu vilarejo, ela abriu três lojas de roupas esportivas que vendiam produtos Nike, Adidas e da marca chinesa Anta.

Era 2008, o ano em que a China realizou seus primeiros Jogos Olímpicos, que serviram como festa de apresentação para uma potência emergente. Naquele ano, ela conquistou aquilo que define como seu “primeiro balde de ouro”.

Em 2013, quando o comércio eletrônico começou a afetar os negócios de varejo, Sun abriu o Manny Coffee, um café de 360 metros quadrados em Hancheng. Ela vendia café, filés, pizzas e outros alimentos e bebidas em estilo ocidental, uma novidade na cidade. Em 2018, ela havia expandido o negócio para 20 filiais em seis cidades menores na província de Shaanxi.

Sun Junli aluga um apartamento de uma amiga depois que seu próprio apartamento em Xianyang foi confiscado por dívidas Foto: Li Yuan/The New York T

Quando Sun tinha começado seus negócios, anos antes, os bancos chineses relutavam em conceder empréstimos ao setor privado. Por volta de 2015, devido à concorrência de instituições financeiras online como o Ant Group, os órgãos regulatórios instruíram os bancos a emprestar mais para as pequenas empresas.

Os bancos começaram a procurar Sun, que tomou US$ 1,3 milhão emprestado para expandir sua rede e construir uma cozinha central de produção para seus restaurantes. Mas o crédito acabou repentinamente, em 2018. As autoridades regulatórias, preocupadas com as dívidas, promulgaram novas diretrizes, dizendo aos bancos para “prestar atenção à qualidade dos empréstimos a pequenas empresas”.

A mudança abrupta prejudicou muitas empresas. As consequências foram tão ruins que as autoridades regulatórias começaram a investigar as “práticas irracionais” dos bancos.

Mas já era tarde, para Sun. Em outubro de 2019, ela pediu dinheiro emprestado a parentes e amigos para pagar seu último empréstimo bancário, de cerca de US$ 300 mil. Seus restaurantes estavam indo bem - a receita chegou a US$ 8 milhões em 2018. Ela estava confiante em que o Ano-Novo chinês, em janeiro de 2020, traria fluxos de caixa saudáveis.

O Manny Café segue com 12 filiais na China  Foto: Li Yuan/The New York Ti

Pandemia

Na véspera do feriado, todas as filiais de sua rede foram fechadas quando o coronavírus começou a se espalhar rapidamente. A paralisação foi suspensa após três meses, mas os negócios nunca se recuperaram. Para pagar o aluguel e os salários, Sun pediu mais empréstimos a pessoas próximas e estourou o limite de seus cartões de crédito. Todo mês, ela acreditava que o mês seguinte seria melhor. O governo não ofereceu ajuda.

Em novembro de 2020, ela tinha uma dívida de US$ 1,5 milhão e não havia mais como continuar. Sun fechou os seis restaurantes que possuía e abriu mão da participação de 70% que tinha nos outros 14 e, em troca, seus acionistas minoritários concordaram em pagar os aluguéis e salários.

A China na verdade não permite falências, o que em outros países pode permitir que os proprietários de empresas resolvam o problema do dinheiro que devem.

Sun devia seis semanas de salários a seus 31 funcionários. Os funcionários a denunciaram à agência local de inspeção do trabalho, que a entregou à polícia.

Documentos do Manny Café durante a pandemia da covid-19. Sun Junli chegou a ser presa por não conseguir pagar os seus funcionários  Foto: Li Yuan/The New York T

Durante seus 16 dias no centro de detenção, seu cabelo embranqueceu. Ela passava a maior parte do tempo meditando. A polícia não a liberou até que sua investigação confirmasse que ela não havia escondido patrimônio algum. Um ano depois, o tribunal não encontrou “qualquer fato criminoso” contra ela, de acordo com um documento judicial. Mas ela havia perdido seu negócio e sua reputação.

Sun tentou ganhar a vida ajudando a administrar as 12 filiais da Manny Coffee que ainda estavam em funcionamento. Mas tinha pouco trabalho e renda em 2022 devido às medidas draconianas da chamada “Covid zero”. O complexo de apartamentos onde ela mora em uma unidade alugada passou por oito lockdowns. O irmão dela, que fazia entregas de refeições, às vezes lhe dava dinheiro e trazia comida.

O pai de Sun, que tinha câncer de pulmão e havia sido infectado pela Covid-19, morreu em 25 de dezembro de 2022. Era o 47º aniversário dela.

Como muitos chineses, Sun pensou que os negócios se recuperariam em 2023, depois que as restrições da Covid-19 fossem suspensas. Mas isso não aconteceu.

Para ganhar a vida, ela está tentando abrir um novo negócio de alimentos. Em meio à crise econômica, imagina que seus antigos clientes talvez não queiram pagar US$ 15 por um filé, mas podem se dispor a comprar uma porção de legumes apimentados por US$ 4.

Ela disse que não esperava qualquer apoio financeiro do governo. Mas gostaria de sair da lista negra à qual foi adicionada em 2021. A chamada lista de pessoas desonestas foi iniciada em julho de 2013, poucos meses depois de Xi assumir o poder. Em março, ela incluía oito milhões de nomes. Muitos proprietários de empresas foram incluídos na lista, inclusive os fundadores de pelo menos 22 das 500 maiores empresas privadas da China, de acordo com relatos da mídia chinesa.

“Não estou pedindo a eles que me deem dinheiro”, disse Sun. “Mas gostaria muito que eles tirassem meu nome da lista negra para que eu possa me tornar uma pessoa normal e abrir um negócio novamente”.

“Não posso tomar um avião se quiser ir para Xangai”, ela disse. “Não posso pegar o trem de alta velocidade. Não posso viajar. De certa forma, não é diferente de me trancafiar em casa”.

The New York Times - Há dois anos, enquanto caminhava algemada pelo corredor de um hospital para fazer o teste de Covid-19, Sun Junli se sentia envergonhada e derrotada. Aos 45 anos, ela havia percorrido um longo caminho. A menina pobre de um vilarejo no noroeste da China havia se tornado uma empresária de sucesso.

E depois ela foi esmagada.

Em 2018, os bancos estatais deixaram abruptamente de conceder empréstimos à sua empresa, uma rede de cafeterias, e a pandemia destruiu seu fluxo de caixa. Em maio de 2021, Sun havia perdido seus restaurantes e cumpria pena de 16 dias de detenção por dívidas de US$ 28 mil (cerca de R$ 136,6 mil) em salários para com seus empregados.

Sun Junli, que fundou e transformou a Manny Café em um negócio com 20 cafés, em uma das filiais sob novos proprietários em Xianyang, China Foto: Li Yuan/The New York T

Semanas depois de sua libertação, um tribunal confiscaria seu apartamento de dois quartos em Xianyang, na província de Shaanxi, e seu Toyota Camry, porque ela estava insolvente, e inseriria seu nome em uma lista nacional de pessoas sem crédito. Sun não pode mais reservar quartos de hotel ou passagens de avião, nem receber empréstimos.

“Estou cercada de pessoas como eu”, disse Sun, contando dezenas de amigos em situação difícil, empreendedores em áreas como a moda, energia e fabricação de móveis. “Todos nós viemos do nada e trabalhamos duro para criar riqueza”, disse Sun.

“Todos nós perdemos tudo e estamos profundamente endividados”. “Será que éramos todos ruins naquilo que fazemos?”, perguntou ela. “Estávamos todos errados?”

Economia

Há alguns anos, Sun era o epítome de como os proprietários de pequenas empresas, por meio de trabalho duro, determinação inflexível e sorte, se tornaram a espinha dorsal da economia.

Agora, ela ilustra algo muito diferente: a maneira pela qual a China, sob a liderança de Xi Jinping, acabou com o vigor animal da classe empreendedora, ao impor cada vez mais controle estatal sobre a economia. O governo de Xi retirou a ajuda quando os proprietários de empresas mais precisavam, os puniu por assumirem riscos e fracassarem, e tornou quase impossível que recomeçassem.

As autoridades chinesas gostam de definir as pequenas empresas como os capilares da economia. No entanto, anos de políticas governamentais volúveis, repressão e listas negras prejudicaram essas empresas ou as destruíram.

O Manny Café em Xianyang. “Todos viemos do nada e trabalhamos duro para criar riqueza”, disse Sun Junli, descrevendo a si mesma e a dezenas de amigos Foto: Li Yuan/The New York Times

Em 2021, quando a China estava apregoando seu sucesso na luta contra a pandemia, o número de pequenas empresas que fecharam suas portas superou o número de novas empresas que foram abertas, disse Zeng Xiangquan, professor da Universidade Renmin em Pequim, a um jornal oficial.

A confiança das empresas ainda está abalada, uma das razões pelas quais a China continua em um atoleiro econômico. As pequenas empresas representam cerca de 95% do setor privado da China, que contribui com cerca de 50% da receita tributária nacional, 60% da produção econômica e 80% dos novos empregos.

A carreira de Sun começou na década de 1990. Depois de abandonar o ensino médio aos 17 anos para sustentar a família, ela trabalhou como agricultora, operária têxtil, vendedora de comida de rua e motorista de táxi. Então, em Hancheng, uma cidade com cerca de 400 mil habitantes perto de seu vilarejo, ela abriu três lojas de roupas esportivas que vendiam produtos Nike, Adidas e da marca chinesa Anta.

Era 2008, o ano em que a China realizou seus primeiros Jogos Olímpicos, que serviram como festa de apresentação para uma potência emergente. Naquele ano, ela conquistou aquilo que define como seu “primeiro balde de ouro”.

Em 2013, quando o comércio eletrônico começou a afetar os negócios de varejo, Sun abriu o Manny Coffee, um café de 360 metros quadrados em Hancheng. Ela vendia café, filés, pizzas e outros alimentos e bebidas em estilo ocidental, uma novidade na cidade. Em 2018, ela havia expandido o negócio para 20 filiais em seis cidades menores na província de Shaanxi.

Sun Junli aluga um apartamento de uma amiga depois que seu próprio apartamento em Xianyang foi confiscado por dívidas Foto: Li Yuan/The New York T

Quando Sun tinha começado seus negócios, anos antes, os bancos chineses relutavam em conceder empréstimos ao setor privado. Por volta de 2015, devido à concorrência de instituições financeiras online como o Ant Group, os órgãos regulatórios instruíram os bancos a emprestar mais para as pequenas empresas.

Os bancos começaram a procurar Sun, que tomou US$ 1,3 milhão emprestado para expandir sua rede e construir uma cozinha central de produção para seus restaurantes. Mas o crédito acabou repentinamente, em 2018. As autoridades regulatórias, preocupadas com as dívidas, promulgaram novas diretrizes, dizendo aos bancos para “prestar atenção à qualidade dos empréstimos a pequenas empresas”.

A mudança abrupta prejudicou muitas empresas. As consequências foram tão ruins que as autoridades regulatórias começaram a investigar as “práticas irracionais” dos bancos.

Mas já era tarde, para Sun. Em outubro de 2019, ela pediu dinheiro emprestado a parentes e amigos para pagar seu último empréstimo bancário, de cerca de US$ 300 mil. Seus restaurantes estavam indo bem - a receita chegou a US$ 8 milhões em 2018. Ela estava confiante em que o Ano-Novo chinês, em janeiro de 2020, traria fluxos de caixa saudáveis.

O Manny Café segue com 12 filiais na China  Foto: Li Yuan/The New York Ti

Pandemia

Na véspera do feriado, todas as filiais de sua rede foram fechadas quando o coronavírus começou a se espalhar rapidamente. A paralisação foi suspensa após três meses, mas os negócios nunca se recuperaram. Para pagar o aluguel e os salários, Sun pediu mais empréstimos a pessoas próximas e estourou o limite de seus cartões de crédito. Todo mês, ela acreditava que o mês seguinte seria melhor. O governo não ofereceu ajuda.

Em novembro de 2020, ela tinha uma dívida de US$ 1,5 milhão e não havia mais como continuar. Sun fechou os seis restaurantes que possuía e abriu mão da participação de 70% que tinha nos outros 14 e, em troca, seus acionistas minoritários concordaram em pagar os aluguéis e salários.

A China na verdade não permite falências, o que em outros países pode permitir que os proprietários de empresas resolvam o problema do dinheiro que devem.

Sun devia seis semanas de salários a seus 31 funcionários. Os funcionários a denunciaram à agência local de inspeção do trabalho, que a entregou à polícia.

Documentos do Manny Café durante a pandemia da covid-19. Sun Junli chegou a ser presa por não conseguir pagar os seus funcionários  Foto: Li Yuan/The New York T

Durante seus 16 dias no centro de detenção, seu cabelo embranqueceu. Ela passava a maior parte do tempo meditando. A polícia não a liberou até que sua investigação confirmasse que ela não havia escondido patrimônio algum. Um ano depois, o tribunal não encontrou “qualquer fato criminoso” contra ela, de acordo com um documento judicial. Mas ela havia perdido seu negócio e sua reputação.

Sun tentou ganhar a vida ajudando a administrar as 12 filiais da Manny Coffee que ainda estavam em funcionamento. Mas tinha pouco trabalho e renda em 2022 devido às medidas draconianas da chamada “Covid zero”. O complexo de apartamentos onde ela mora em uma unidade alugada passou por oito lockdowns. O irmão dela, que fazia entregas de refeições, às vezes lhe dava dinheiro e trazia comida.

O pai de Sun, que tinha câncer de pulmão e havia sido infectado pela Covid-19, morreu em 25 de dezembro de 2022. Era o 47º aniversário dela.

Como muitos chineses, Sun pensou que os negócios se recuperariam em 2023, depois que as restrições da Covid-19 fossem suspensas. Mas isso não aconteceu.

Para ganhar a vida, ela está tentando abrir um novo negócio de alimentos. Em meio à crise econômica, imagina que seus antigos clientes talvez não queiram pagar US$ 15 por um filé, mas podem se dispor a comprar uma porção de legumes apimentados por US$ 4.

Ela disse que não esperava qualquer apoio financeiro do governo. Mas gostaria de sair da lista negra à qual foi adicionada em 2021. A chamada lista de pessoas desonestas foi iniciada em julho de 2013, poucos meses depois de Xi assumir o poder. Em março, ela incluía oito milhões de nomes. Muitos proprietários de empresas foram incluídos na lista, inclusive os fundadores de pelo menos 22 das 500 maiores empresas privadas da China, de acordo com relatos da mídia chinesa.

“Não estou pedindo a eles que me deem dinheiro”, disse Sun. “Mas gostaria muito que eles tirassem meu nome da lista negra para que eu possa me tornar uma pessoa normal e abrir um negócio novamente”.

“Não posso tomar um avião se quiser ir para Xangai”, ela disse. “Não posso pegar o trem de alta velocidade. Não posso viajar. De certa forma, não é diferente de me trancafiar em casa”.

The New York Times - Há dois anos, enquanto caminhava algemada pelo corredor de um hospital para fazer o teste de Covid-19, Sun Junli se sentia envergonhada e derrotada. Aos 45 anos, ela havia percorrido um longo caminho. A menina pobre de um vilarejo no noroeste da China havia se tornado uma empresária de sucesso.

E depois ela foi esmagada.

Em 2018, os bancos estatais deixaram abruptamente de conceder empréstimos à sua empresa, uma rede de cafeterias, e a pandemia destruiu seu fluxo de caixa. Em maio de 2021, Sun havia perdido seus restaurantes e cumpria pena de 16 dias de detenção por dívidas de US$ 28 mil (cerca de R$ 136,6 mil) em salários para com seus empregados.

Sun Junli, que fundou e transformou a Manny Café em um negócio com 20 cafés, em uma das filiais sob novos proprietários em Xianyang, China Foto: Li Yuan/The New York T

Semanas depois de sua libertação, um tribunal confiscaria seu apartamento de dois quartos em Xianyang, na província de Shaanxi, e seu Toyota Camry, porque ela estava insolvente, e inseriria seu nome em uma lista nacional de pessoas sem crédito. Sun não pode mais reservar quartos de hotel ou passagens de avião, nem receber empréstimos.

“Estou cercada de pessoas como eu”, disse Sun, contando dezenas de amigos em situação difícil, empreendedores em áreas como a moda, energia e fabricação de móveis. “Todos nós viemos do nada e trabalhamos duro para criar riqueza”, disse Sun.

“Todos nós perdemos tudo e estamos profundamente endividados”. “Será que éramos todos ruins naquilo que fazemos?”, perguntou ela. “Estávamos todos errados?”

Economia

Há alguns anos, Sun era o epítome de como os proprietários de pequenas empresas, por meio de trabalho duro, determinação inflexível e sorte, se tornaram a espinha dorsal da economia.

Agora, ela ilustra algo muito diferente: a maneira pela qual a China, sob a liderança de Xi Jinping, acabou com o vigor animal da classe empreendedora, ao impor cada vez mais controle estatal sobre a economia. O governo de Xi retirou a ajuda quando os proprietários de empresas mais precisavam, os puniu por assumirem riscos e fracassarem, e tornou quase impossível que recomeçassem.

As autoridades chinesas gostam de definir as pequenas empresas como os capilares da economia. No entanto, anos de políticas governamentais volúveis, repressão e listas negras prejudicaram essas empresas ou as destruíram.

O Manny Café em Xianyang. “Todos viemos do nada e trabalhamos duro para criar riqueza”, disse Sun Junli, descrevendo a si mesma e a dezenas de amigos Foto: Li Yuan/The New York Times

Em 2021, quando a China estava apregoando seu sucesso na luta contra a pandemia, o número de pequenas empresas que fecharam suas portas superou o número de novas empresas que foram abertas, disse Zeng Xiangquan, professor da Universidade Renmin em Pequim, a um jornal oficial.

A confiança das empresas ainda está abalada, uma das razões pelas quais a China continua em um atoleiro econômico. As pequenas empresas representam cerca de 95% do setor privado da China, que contribui com cerca de 50% da receita tributária nacional, 60% da produção econômica e 80% dos novos empregos.

A carreira de Sun começou na década de 1990. Depois de abandonar o ensino médio aos 17 anos para sustentar a família, ela trabalhou como agricultora, operária têxtil, vendedora de comida de rua e motorista de táxi. Então, em Hancheng, uma cidade com cerca de 400 mil habitantes perto de seu vilarejo, ela abriu três lojas de roupas esportivas que vendiam produtos Nike, Adidas e da marca chinesa Anta.

Era 2008, o ano em que a China realizou seus primeiros Jogos Olímpicos, que serviram como festa de apresentação para uma potência emergente. Naquele ano, ela conquistou aquilo que define como seu “primeiro balde de ouro”.

Em 2013, quando o comércio eletrônico começou a afetar os negócios de varejo, Sun abriu o Manny Coffee, um café de 360 metros quadrados em Hancheng. Ela vendia café, filés, pizzas e outros alimentos e bebidas em estilo ocidental, uma novidade na cidade. Em 2018, ela havia expandido o negócio para 20 filiais em seis cidades menores na província de Shaanxi.

Sun Junli aluga um apartamento de uma amiga depois que seu próprio apartamento em Xianyang foi confiscado por dívidas Foto: Li Yuan/The New York T

Quando Sun tinha começado seus negócios, anos antes, os bancos chineses relutavam em conceder empréstimos ao setor privado. Por volta de 2015, devido à concorrência de instituições financeiras online como o Ant Group, os órgãos regulatórios instruíram os bancos a emprestar mais para as pequenas empresas.

Os bancos começaram a procurar Sun, que tomou US$ 1,3 milhão emprestado para expandir sua rede e construir uma cozinha central de produção para seus restaurantes. Mas o crédito acabou repentinamente, em 2018. As autoridades regulatórias, preocupadas com as dívidas, promulgaram novas diretrizes, dizendo aos bancos para “prestar atenção à qualidade dos empréstimos a pequenas empresas”.

A mudança abrupta prejudicou muitas empresas. As consequências foram tão ruins que as autoridades regulatórias começaram a investigar as “práticas irracionais” dos bancos.

Mas já era tarde, para Sun. Em outubro de 2019, ela pediu dinheiro emprestado a parentes e amigos para pagar seu último empréstimo bancário, de cerca de US$ 300 mil. Seus restaurantes estavam indo bem - a receita chegou a US$ 8 milhões em 2018. Ela estava confiante em que o Ano-Novo chinês, em janeiro de 2020, traria fluxos de caixa saudáveis.

O Manny Café segue com 12 filiais na China  Foto: Li Yuan/The New York Ti

Pandemia

Na véspera do feriado, todas as filiais de sua rede foram fechadas quando o coronavírus começou a se espalhar rapidamente. A paralisação foi suspensa após três meses, mas os negócios nunca se recuperaram. Para pagar o aluguel e os salários, Sun pediu mais empréstimos a pessoas próximas e estourou o limite de seus cartões de crédito. Todo mês, ela acreditava que o mês seguinte seria melhor. O governo não ofereceu ajuda.

Em novembro de 2020, ela tinha uma dívida de US$ 1,5 milhão e não havia mais como continuar. Sun fechou os seis restaurantes que possuía e abriu mão da participação de 70% que tinha nos outros 14 e, em troca, seus acionistas minoritários concordaram em pagar os aluguéis e salários.

A China na verdade não permite falências, o que em outros países pode permitir que os proprietários de empresas resolvam o problema do dinheiro que devem.

Sun devia seis semanas de salários a seus 31 funcionários. Os funcionários a denunciaram à agência local de inspeção do trabalho, que a entregou à polícia.

Documentos do Manny Café durante a pandemia da covid-19. Sun Junli chegou a ser presa por não conseguir pagar os seus funcionários  Foto: Li Yuan/The New York T

Durante seus 16 dias no centro de detenção, seu cabelo embranqueceu. Ela passava a maior parte do tempo meditando. A polícia não a liberou até que sua investigação confirmasse que ela não havia escondido patrimônio algum. Um ano depois, o tribunal não encontrou “qualquer fato criminoso” contra ela, de acordo com um documento judicial. Mas ela havia perdido seu negócio e sua reputação.

Sun tentou ganhar a vida ajudando a administrar as 12 filiais da Manny Coffee que ainda estavam em funcionamento. Mas tinha pouco trabalho e renda em 2022 devido às medidas draconianas da chamada “Covid zero”. O complexo de apartamentos onde ela mora em uma unidade alugada passou por oito lockdowns. O irmão dela, que fazia entregas de refeições, às vezes lhe dava dinheiro e trazia comida.

O pai de Sun, que tinha câncer de pulmão e havia sido infectado pela Covid-19, morreu em 25 de dezembro de 2022. Era o 47º aniversário dela.

Como muitos chineses, Sun pensou que os negócios se recuperariam em 2023, depois que as restrições da Covid-19 fossem suspensas. Mas isso não aconteceu.

Para ganhar a vida, ela está tentando abrir um novo negócio de alimentos. Em meio à crise econômica, imagina que seus antigos clientes talvez não queiram pagar US$ 15 por um filé, mas podem se dispor a comprar uma porção de legumes apimentados por US$ 4.

Ela disse que não esperava qualquer apoio financeiro do governo. Mas gostaria de sair da lista negra à qual foi adicionada em 2021. A chamada lista de pessoas desonestas foi iniciada em julho de 2013, poucos meses depois de Xi assumir o poder. Em março, ela incluía oito milhões de nomes. Muitos proprietários de empresas foram incluídos na lista, inclusive os fundadores de pelo menos 22 das 500 maiores empresas privadas da China, de acordo com relatos da mídia chinesa.

“Não estou pedindo a eles que me deem dinheiro”, disse Sun. “Mas gostaria muito que eles tirassem meu nome da lista negra para que eu possa me tornar uma pessoa normal e abrir um negócio novamente”.

“Não posso tomar um avião se quiser ir para Xangai”, ela disse. “Não posso pegar o trem de alta velocidade. Não posso viajar. De certa forma, não é diferente de me trancafiar em casa”.

The New York Times - Há dois anos, enquanto caminhava algemada pelo corredor de um hospital para fazer o teste de Covid-19, Sun Junli se sentia envergonhada e derrotada. Aos 45 anos, ela havia percorrido um longo caminho. A menina pobre de um vilarejo no noroeste da China havia se tornado uma empresária de sucesso.

E depois ela foi esmagada.

Em 2018, os bancos estatais deixaram abruptamente de conceder empréstimos à sua empresa, uma rede de cafeterias, e a pandemia destruiu seu fluxo de caixa. Em maio de 2021, Sun havia perdido seus restaurantes e cumpria pena de 16 dias de detenção por dívidas de US$ 28 mil (cerca de R$ 136,6 mil) em salários para com seus empregados.

Sun Junli, que fundou e transformou a Manny Café em um negócio com 20 cafés, em uma das filiais sob novos proprietários em Xianyang, China Foto: Li Yuan/The New York T

Semanas depois de sua libertação, um tribunal confiscaria seu apartamento de dois quartos em Xianyang, na província de Shaanxi, e seu Toyota Camry, porque ela estava insolvente, e inseriria seu nome em uma lista nacional de pessoas sem crédito. Sun não pode mais reservar quartos de hotel ou passagens de avião, nem receber empréstimos.

“Estou cercada de pessoas como eu”, disse Sun, contando dezenas de amigos em situação difícil, empreendedores em áreas como a moda, energia e fabricação de móveis. “Todos nós viemos do nada e trabalhamos duro para criar riqueza”, disse Sun.

“Todos nós perdemos tudo e estamos profundamente endividados”. “Será que éramos todos ruins naquilo que fazemos?”, perguntou ela. “Estávamos todos errados?”

Economia

Há alguns anos, Sun era o epítome de como os proprietários de pequenas empresas, por meio de trabalho duro, determinação inflexível e sorte, se tornaram a espinha dorsal da economia.

Agora, ela ilustra algo muito diferente: a maneira pela qual a China, sob a liderança de Xi Jinping, acabou com o vigor animal da classe empreendedora, ao impor cada vez mais controle estatal sobre a economia. O governo de Xi retirou a ajuda quando os proprietários de empresas mais precisavam, os puniu por assumirem riscos e fracassarem, e tornou quase impossível que recomeçassem.

As autoridades chinesas gostam de definir as pequenas empresas como os capilares da economia. No entanto, anos de políticas governamentais volúveis, repressão e listas negras prejudicaram essas empresas ou as destruíram.

O Manny Café em Xianyang. “Todos viemos do nada e trabalhamos duro para criar riqueza”, disse Sun Junli, descrevendo a si mesma e a dezenas de amigos Foto: Li Yuan/The New York Times

Em 2021, quando a China estava apregoando seu sucesso na luta contra a pandemia, o número de pequenas empresas que fecharam suas portas superou o número de novas empresas que foram abertas, disse Zeng Xiangquan, professor da Universidade Renmin em Pequim, a um jornal oficial.

A confiança das empresas ainda está abalada, uma das razões pelas quais a China continua em um atoleiro econômico. As pequenas empresas representam cerca de 95% do setor privado da China, que contribui com cerca de 50% da receita tributária nacional, 60% da produção econômica e 80% dos novos empregos.

A carreira de Sun começou na década de 1990. Depois de abandonar o ensino médio aos 17 anos para sustentar a família, ela trabalhou como agricultora, operária têxtil, vendedora de comida de rua e motorista de táxi. Então, em Hancheng, uma cidade com cerca de 400 mil habitantes perto de seu vilarejo, ela abriu três lojas de roupas esportivas que vendiam produtos Nike, Adidas e da marca chinesa Anta.

Era 2008, o ano em que a China realizou seus primeiros Jogos Olímpicos, que serviram como festa de apresentação para uma potência emergente. Naquele ano, ela conquistou aquilo que define como seu “primeiro balde de ouro”.

Em 2013, quando o comércio eletrônico começou a afetar os negócios de varejo, Sun abriu o Manny Coffee, um café de 360 metros quadrados em Hancheng. Ela vendia café, filés, pizzas e outros alimentos e bebidas em estilo ocidental, uma novidade na cidade. Em 2018, ela havia expandido o negócio para 20 filiais em seis cidades menores na província de Shaanxi.

Sun Junli aluga um apartamento de uma amiga depois que seu próprio apartamento em Xianyang foi confiscado por dívidas Foto: Li Yuan/The New York T

Quando Sun tinha começado seus negócios, anos antes, os bancos chineses relutavam em conceder empréstimos ao setor privado. Por volta de 2015, devido à concorrência de instituições financeiras online como o Ant Group, os órgãos regulatórios instruíram os bancos a emprestar mais para as pequenas empresas.

Os bancos começaram a procurar Sun, que tomou US$ 1,3 milhão emprestado para expandir sua rede e construir uma cozinha central de produção para seus restaurantes. Mas o crédito acabou repentinamente, em 2018. As autoridades regulatórias, preocupadas com as dívidas, promulgaram novas diretrizes, dizendo aos bancos para “prestar atenção à qualidade dos empréstimos a pequenas empresas”.

A mudança abrupta prejudicou muitas empresas. As consequências foram tão ruins que as autoridades regulatórias começaram a investigar as “práticas irracionais” dos bancos.

Mas já era tarde, para Sun. Em outubro de 2019, ela pediu dinheiro emprestado a parentes e amigos para pagar seu último empréstimo bancário, de cerca de US$ 300 mil. Seus restaurantes estavam indo bem - a receita chegou a US$ 8 milhões em 2018. Ela estava confiante em que o Ano-Novo chinês, em janeiro de 2020, traria fluxos de caixa saudáveis.

O Manny Café segue com 12 filiais na China  Foto: Li Yuan/The New York Ti

Pandemia

Na véspera do feriado, todas as filiais de sua rede foram fechadas quando o coronavírus começou a se espalhar rapidamente. A paralisação foi suspensa após três meses, mas os negócios nunca se recuperaram. Para pagar o aluguel e os salários, Sun pediu mais empréstimos a pessoas próximas e estourou o limite de seus cartões de crédito. Todo mês, ela acreditava que o mês seguinte seria melhor. O governo não ofereceu ajuda.

Em novembro de 2020, ela tinha uma dívida de US$ 1,5 milhão e não havia mais como continuar. Sun fechou os seis restaurantes que possuía e abriu mão da participação de 70% que tinha nos outros 14 e, em troca, seus acionistas minoritários concordaram em pagar os aluguéis e salários.

A China na verdade não permite falências, o que em outros países pode permitir que os proprietários de empresas resolvam o problema do dinheiro que devem.

Sun devia seis semanas de salários a seus 31 funcionários. Os funcionários a denunciaram à agência local de inspeção do trabalho, que a entregou à polícia.

Documentos do Manny Café durante a pandemia da covid-19. Sun Junli chegou a ser presa por não conseguir pagar os seus funcionários  Foto: Li Yuan/The New York T

Durante seus 16 dias no centro de detenção, seu cabelo embranqueceu. Ela passava a maior parte do tempo meditando. A polícia não a liberou até que sua investigação confirmasse que ela não havia escondido patrimônio algum. Um ano depois, o tribunal não encontrou “qualquer fato criminoso” contra ela, de acordo com um documento judicial. Mas ela havia perdido seu negócio e sua reputação.

Sun tentou ganhar a vida ajudando a administrar as 12 filiais da Manny Coffee que ainda estavam em funcionamento. Mas tinha pouco trabalho e renda em 2022 devido às medidas draconianas da chamada “Covid zero”. O complexo de apartamentos onde ela mora em uma unidade alugada passou por oito lockdowns. O irmão dela, que fazia entregas de refeições, às vezes lhe dava dinheiro e trazia comida.

O pai de Sun, que tinha câncer de pulmão e havia sido infectado pela Covid-19, morreu em 25 de dezembro de 2022. Era o 47º aniversário dela.

Como muitos chineses, Sun pensou que os negócios se recuperariam em 2023, depois que as restrições da Covid-19 fossem suspensas. Mas isso não aconteceu.

Para ganhar a vida, ela está tentando abrir um novo negócio de alimentos. Em meio à crise econômica, imagina que seus antigos clientes talvez não queiram pagar US$ 15 por um filé, mas podem se dispor a comprar uma porção de legumes apimentados por US$ 4.

Ela disse que não esperava qualquer apoio financeiro do governo. Mas gostaria de sair da lista negra à qual foi adicionada em 2021. A chamada lista de pessoas desonestas foi iniciada em julho de 2013, poucos meses depois de Xi assumir o poder. Em março, ela incluía oito milhões de nomes. Muitos proprietários de empresas foram incluídos na lista, inclusive os fundadores de pelo menos 22 das 500 maiores empresas privadas da China, de acordo com relatos da mídia chinesa.

“Não estou pedindo a eles que me deem dinheiro”, disse Sun. “Mas gostaria muito que eles tirassem meu nome da lista negra para que eu possa me tornar uma pessoa normal e abrir um negócio novamente”.

“Não posso tomar um avião se quiser ir para Xangai”, ela disse. “Não posso pegar o trem de alta velocidade. Não posso viajar. De certa forma, não é diferente de me trancafiar em casa”.

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