Eleição holandesa mostra extrema direita crescendo e alterando as feições da Europa


Partidos de extrema direita se tornaram forças políticas importantes na maioria dos países da UE e influenciam políticas de governos mesmo em países onde não controlam o Executivo

Por Anthony Faiola, Emily Rauhala e Loveday Morris
Atualização:

Quando a Áustria se tornou, duas décadas atrás, a primeira nação da Europa Ocidental a eleger a extrema direita desde a 2.ª Guerra, o restante do continente rugiu em ultraje. Manifestantes assombravam os políticos do gabinete austríaco; diplomatas os evitavam. Um delegado belga certa vez faltou a um almoço com o então ministro da Defesa austríaco, dizendo a repórteres: “Eu não me sento à mesa com fascistas”.

Aceleramos a fita para 2023, quando um impulso político histórico dá à extrema direita voz na Europa, assim como a chance de reformular a política e as regras na região.

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Sua vitória mais recente ocorreu na socialmente progressista Holanda, onde o ícone da extrema direita Geert Wilders e seu anti-União Europeia, anti-islâmico e anti-imigração Partido para a Liberdade surpreendeu ao terminar em primeiro lugar nas eleições parlamentares da semana passada.

Geert Wilders gesticula ao se reunir com membros de seu partido no Parlamento holandês, após as eleições parlamentares holandesas, em Haia Foto: Yves Herman/Reuters

Wilders deverá ter dificuldades — e em última instância fracassar — em formar governo; seu partido ficou longe de obter a maioria e atravessará semanas ou meses de negociações complexas. Mas o resultado inesperadamente forte do “Donald Trump holandês”, que prega há muito banir o Alcorão e pôr fim ao acolhimento de solicitantes de asilo, enviou um alerta poderoso para o mainstream europeu. E logicamente foi elogiado por outras vozes importantes da extrema direita, incluindo o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e a líder opositora francesa Marine Le Pen.

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“Por toda Europa nós vemos o mesmo vento da direita soprando”, afirmou o populista belga de extrema direita Tom Van Grieken, em resposta à vitória de Wilders. “O avanço já transcorre há um tempo e claramente está continuando na Holanda. Nós compartilhamos nosso patriotismo e queremos colocar as pessoas em primeiro lugar novamente. Nada será mais forte que essa motivação.”

O sucesso de Wilders, ainda que ocasionado em parte pelas condições domésticas, impulsionou ainda mais a extrema direita mundial dias depois do economista de extrema direita e ex-comentarista da TV Javier Milei, ser eleito presidente da Argentina.

Nos preparativos das eleições de 2024 nos Estados Unidos — onde Trump é visto como aliado próximo dos nacionalistas europeus anti-imigração de extrema direita — a ascensão da extrema direita na Europa está sendo observada atentamente como um prenúncio da fúria dos eleitores contra os políticos tradicionais do Ocidente.

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“Isso é uma tendência há muito tempo, mas que agora parece estar ganhando força”, afirmou a analista política Catherine Fieschi, pesquisadora do Centro Robert Schuman, do Instituto Universitário Europeu, em Florença, e autora de um livro a respeito de populismo.

Partidos de extrema direita ascenderam ao poder na Itália, estenderam seu governo na Hungria, conquistaram função na coalizão governante da Finlândia, viraram parceiros de facto do governo da Suécia, entraram no Parlamento da Grécia e estão fazendo avanços relevantes em eleições regionais na Áustria e na Alemanha. A Eslováquia também é um tipo de história de sucesso da extrema direita, com o Partido Nacional Eslovaco, de extrema direita, entre os parceiros de coalizão que apoiam o populista Robert Fico — que tem origens na extrema esquerda mas se opõe aos direitos de imigrantes e LGBT+.

A extrema direita europeia também sofreu reveses este ano. O maior foi na Polônia, onde a oposição de centro está prestes a substituir o partido Lei e Justiça, que atuou como pilar do pensamento de extrema direita. E na Espanha, o partido populista Vox perdeu mais da metade dos assentos que detinha no Parlamento.

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O líder da extrema direita holandesa, Geert Wilders, começou a testar outros partidos em busca de acordos de coalizão que lhe permitiriam ser primeiro-ministro  Foto: Remko De Waal/EFE

Mas analistas afirmam que partidos de extrema direita tornaram-se forças políticas importantes na maioria dos países da UE e influenciam políticas de governos mesmo em países onde não controlam o Executivo.

Consideremos o tema das mudanças climáticas. A contestação de ambiciosas metas climáticas sob a afirmação de que as manobras para alcançá-las prejudicam as classes trabalhadoras mudaram o debate na Europa e diminuíram o ritmo da transição verde em alguns países. O governo sueco está cortando impostos sobre gasolina e diesel e revertendo uma taxa sobre sacolas de plástico. O governo do Partido Conservador britânico anunciou que postergará o banimento às vendas de novos veículos a combustão no Reino Unido. Na Alemanha, o governo foi forçado a diluir um projeto de lei abrangente que pretendia banir aquecedores que utilizam combustíveis fósseis.

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A vitória de Wilders na última grande eleição do ano na Europa renovou a preocupação — ou a esperança, dependendo de seu ponto de vista — de que a extrema direita ganhe peso ou torne-se decisiva nas eleições da próxima primavera (Hemisfério Norte) para o Parlamento Europeu, o que poderá surtir consequências sobre as posições do bloco em relação a imigração, direitos reprodutivos e LGBT+, ação climática e apoio à Ucrânia.

A extrema direita tem crescido intermitentemente na Europa há décadas. Como em muitos lugares, durante a pandemia de covid-19 o extremismo de direita enfrentou dificuldades para se manter relevante. Mas agora é impulsionado vertiginosamente pela alta inflação, pelas reverberações da guerra na Ucrânia, pela imigração em alta, pela desigualdade crescente e pelo fracasso percebido da classe política.

A extrema direita europeia conseguiu limpar sua imagem, trocando o visual skinhead por terno e gravata. Políticos de extrema direita também têm tentado expandir seu apelo controlando suas retóricas mais inflamatórias. O modelo é menos o combativo Orbán e mais a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que este ano aderiu ao pequeno clube de líderes de extrema direita que visitaram Joe Biden na Casa Branca.

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O líder do partido de extrema-direita português Chega, André Ventura (Centro), cumprimenta a francesa, Marine Le Pen, e o político alemão Tino Chrupalla  Foto: Jose Sena Goulao/EPA/EFE

O partido de Wilders ainda é despudoradamente anti-Islã. Seu manifesto inclui a frase, “A Holanda não é uma nação islâmica: abaixo as escolas islâmicas, os Alcorões e as mesquitas”. Mas analistas afirmaram que ele aprendeu com outros partidos de extrema direita na Europa lições a respeito dos benefícios de colocar foco em temas mais mundanos.

Em outros países, vestígios de origens antissemitas persistem. Mas políticos que expressam esse tipo de visão podem ver suas carreiras sofrerem por isso. Em junho, Vilhelm Junnila, do Partido dos Finlandeses, atualmente membro da coalizão de governo, foi forçado a renunciar ao cargo de ministro da Economia depois de apenas 10 dias na função em meio a alegações de que teria feito citações pró-nazistas numa conferência em 2019.

Enquanto isso, líderes de extrema direita em toda a Europa emergiram entre os maiores apoiadores de Israel no atual conflito em Gaza.

Um governo liderado por Wilders seria uma dor de cabeça para a UE. A plataforma de seu partido advoga por um referendo vinculante a respeito de um “Nexit”, ou seja, a saída da Holanda da UE — uma perspectiva ainda mais confusa do que o Brexit, já que os holandeses compartilham fronteiras terrestres e a moeda com outros países do bloco. Analistas antecipam que Wilders teria provavelmente de abandonar essa demanda em negociações por parceiros de coalizão.

Fora da Holanda, já que se considera que o Brexit causou mais dano do que beneficiou o Reino Unido, a incitação da extrema direita para os Estados deixarem a UE silenciou, substituída por demandas por uma união mais frouxa.

“Hoje todos nós adoramos o mercado comum”, afirmou Rosa Balfour, diretora do instituto Carnegie Europe. “Eles estão seguindo o exemplo de Viktor Orbán: não querem uma política externa comum, não querem interferências sobre (limitar) o estado de direito; mas querem o dinheiro da UE.”

A eleição holandesa sublinha como políticos de centro têm respondido à ascensão da extrema direita aproximando-se de posições de extremistas de direita. O que, em muitos casos, só fez ajudar seus competidores mais radicais.

Simon Otjes, professor assistente da Universidade Leiden que estuda política holandesa, afirmou que a centro-direita na Holanda tentou atrair eleitores fazendo campanha com foco sobre imigração. Mas ao fazer isso, afirmou Otjes, eles “jogaram o jogo” da extrema direita e deram votos aos extremistas.

A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni Foto: ODD ANDERSEN/AFP

O mesmo tipo de esforço em cooptar questões e posições da extrema direita tem ocorrido em toda a Europa, afirmaram analistas.

“Em relação aos temas que a extrema direita considera mais importantes na Europa — imigração, crimes cometidos por imigrantes, a sociedade multicultural, o debate ocidental a respeito de gênero, visões mais tradicionais sobre as famílias — muitos outros partidos adaptaram hoje sua retórica”, afirmou a cientista política Ann-Cathrine Junger, da Universidade de Södertörn, na Suécia. “Os partidos de extrema direita e suas agendas entraram no mainstream, passarem a ser o novo normal.”

Isso é especialmente verdadeiro em relação a políticas imigratórias.

O número de imigrantes que entraram na Europa este ano disparou a níveis não vistos desde 2016, amplificando o grito de união da extrema direita contra a imigração e instigando políticos do mainstream a adotar posições mais duras. Depois de um prolongado debate, as nações da UE apoiaram mudanças às regras de imigração ao bloco que poderão obter aprovação final até o início do próximo ano. Países na linha de frente, como Itália e Grécia, poderiam mandar mais imigrantes para outros membros da UE — ou ser pagos pelos que se recusarem a recebê-los. Mais importante, as deportações poderão ser aceleradas, e os períodos de detenção, ampliados.

Domesticamente, entre os grupos políticos de extrema direita que avançaram de forma bem-sucedida com posições mais duras contra a imigração estão os Democratas Suecos, que não formam parte da coalizão de governo mas, não obstante, a influenciam por meio de um acordo político.

Por vontade dos Democratas Suecos, o governo propôs uma reforma das leis imigratórias que acabaria com vistos permanentes para solicitantes de asilo e estabeleceria maiores exigências para a emissão de vistos temporários. O governo quer estimular municipalidades e autoridades públicas a delatar imigrantes ilegais. Solicitantes de asilo já dentro do país receberiam informações — e encorajamento — para partir. Este mês o governo anunciou que estudará maneiras de deportar solicitantes de asilo não apenas por cometer crimes, mas também por não pagar dívidas ou tomar parte de ações que prejudiquem a democracia do país.

“Uma condição básica para a integração bem-sucedida é as pessoas que quiserem viver na Suécia respeitarem regras básicas e viverem de modo honesto e ordeiro”, disse a repórteres a ministra sueca da Migração, Maria Stenergard.

Na Itália, onde Meloni lidera o governo mais à direita desde o fim da 2.ª Guerra, uma campanha que promete deter a imigração continua uma promessa não cumprida — este ano o país registrou o maior número de entradas irregulares desde a crise regional de migração de 2016.

Mas o governo está se movimentando para tornar a Itália menos tolerante em relação à imigração. “Durante os 10 anos recentes, nós testemunhamos governos de centro-esquerda fanáticos da teoria de que fronteiras não existem, que não se preocuparam em se adaptar a uma situação em mudança”, afirmou a legisladora Sara Kelany, do partido Irmãos de Itália, de Meloni, e favorável à sua iniciativa anti-imigratória na Câmara Baixa. “Com Meloni, isso está mudando.”

Seu governo autorizou a duplicação de instalações conhecidas como “campos de repatriação”, de 10 para 20. Imigrantes ilegais, anteriormente mantidos por no máximo 90 dias, poderão ser detidos por até 18 meses. O número de deportações aumentou 30% este ano até aqui, para cerca de 2,6 mil, em comparação com 2022, de acordo com Kelany.

Um navio da Guarda Costeira italiana que transportava migrantes resgatados no mar passa perto de um barco turístico, na ilha siciliana de Lampedusa, Itália, em 18 de setembro Foto: Yara Nardi/Reuters

Na semana passada, o governo de Meloni também disse que apresentaria um projeto de lei para ratificar um acordo controvertido com a Albânia para fazer centros de detenção de imigrantes offshore para imigrantes pegos no mar pela Guarda Costeira italiana. Essas instalações teriam capacidade para manter até 3 mil imigrantes.

Na França, a nacionalista Le Pen perdeu três eleições presidenciais. Mas conforme ela sobe nas pesquisas novamente em face à eleição ainda distante, em 2027, o governo de centro-direita do presidente Emmanuel Macron buscou regras mais rígidas para a política preferida dela: imigração.

Fieschi alertou que, para os centristas, cooptar posições da extrema direita dificilmente é uma estratégia vencedora. “Se a direita mainstream começar a se comportar como a direita populista, ela não conseguirá mais votos, mas a direita populista certamente crescerá”, afirmou. “Por alguma razão, os partidos do mainstream nunca aprendem.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Quando a Áustria se tornou, duas décadas atrás, a primeira nação da Europa Ocidental a eleger a extrema direita desde a 2.ª Guerra, o restante do continente rugiu em ultraje. Manifestantes assombravam os políticos do gabinete austríaco; diplomatas os evitavam. Um delegado belga certa vez faltou a um almoço com o então ministro da Defesa austríaco, dizendo a repórteres: “Eu não me sento à mesa com fascistas”.

Aceleramos a fita para 2023, quando um impulso político histórico dá à extrema direita voz na Europa, assim como a chance de reformular a política e as regras na região.

Sua vitória mais recente ocorreu na socialmente progressista Holanda, onde o ícone da extrema direita Geert Wilders e seu anti-União Europeia, anti-islâmico e anti-imigração Partido para a Liberdade surpreendeu ao terminar em primeiro lugar nas eleições parlamentares da semana passada.

Geert Wilders gesticula ao se reunir com membros de seu partido no Parlamento holandês, após as eleições parlamentares holandesas, em Haia Foto: Yves Herman/Reuters

Wilders deverá ter dificuldades — e em última instância fracassar — em formar governo; seu partido ficou longe de obter a maioria e atravessará semanas ou meses de negociações complexas. Mas o resultado inesperadamente forte do “Donald Trump holandês”, que prega há muito banir o Alcorão e pôr fim ao acolhimento de solicitantes de asilo, enviou um alerta poderoso para o mainstream europeu. E logicamente foi elogiado por outras vozes importantes da extrema direita, incluindo o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e a líder opositora francesa Marine Le Pen.

“Por toda Europa nós vemos o mesmo vento da direita soprando”, afirmou o populista belga de extrema direita Tom Van Grieken, em resposta à vitória de Wilders. “O avanço já transcorre há um tempo e claramente está continuando na Holanda. Nós compartilhamos nosso patriotismo e queremos colocar as pessoas em primeiro lugar novamente. Nada será mais forte que essa motivação.”

O sucesso de Wilders, ainda que ocasionado em parte pelas condições domésticas, impulsionou ainda mais a extrema direita mundial dias depois do economista de extrema direita e ex-comentarista da TV Javier Milei, ser eleito presidente da Argentina.

Nos preparativos das eleições de 2024 nos Estados Unidos — onde Trump é visto como aliado próximo dos nacionalistas europeus anti-imigração de extrema direita — a ascensão da extrema direita na Europa está sendo observada atentamente como um prenúncio da fúria dos eleitores contra os políticos tradicionais do Ocidente.

“Isso é uma tendência há muito tempo, mas que agora parece estar ganhando força”, afirmou a analista política Catherine Fieschi, pesquisadora do Centro Robert Schuman, do Instituto Universitário Europeu, em Florença, e autora de um livro a respeito de populismo.

Partidos de extrema direita ascenderam ao poder na Itália, estenderam seu governo na Hungria, conquistaram função na coalizão governante da Finlândia, viraram parceiros de facto do governo da Suécia, entraram no Parlamento da Grécia e estão fazendo avanços relevantes em eleições regionais na Áustria e na Alemanha. A Eslováquia também é um tipo de história de sucesso da extrema direita, com o Partido Nacional Eslovaco, de extrema direita, entre os parceiros de coalizão que apoiam o populista Robert Fico — que tem origens na extrema esquerda mas se opõe aos direitos de imigrantes e LGBT+.

A extrema direita europeia também sofreu reveses este ano. O maior foi na Polônia, onde a oposição de centro está prestes a substituir o partido Lei e Justiça, que atuou como pilar do pensamento de extrema direita. E na Espanha, o partido populista Vox perdeu mais da metade dos assentos que detinha no Parlamento.

O líder da extrema direita holandesa, Geert Wilders, começou a testar outros partidos em busca de acordos de coalizão que lhe permitiriam ser primeiro-ministro  Foto: Remko De Waal/EFE

Mas analistas afirmam que partidos de extrema direita tornaram-se forças políticas importantes na maioria dos países da UE e influenciam políticas de governos mesmo em países onde não controlam o Executivo.

Consideremos o tema das mudanças climáticas. A contestação de ambiciosas metas climáticas sob a afirmação de que as manobras para alcançá-las prejudicam as classes trabalhadoras mudaram o debate na Europa e diminuíram o ritmo da transição verde em alguns países. O governo sueco está cortando impostos sobre gasolina e diesel e revertendo uma taxa sobre sacolas de plástico. O governo do Partido Conservador britânico anunciou que postergará o banimento às vendas de novos veículos a combustão no Reino Unido. Na Alemanha, o governo foi forçado a diluir um projeto de lei abrangente que pretendia banir aquecedores que utilizam combustíveis fósseis.

A vitória de Wilders na última grande eleição do ano na Europa renovou a preocupação — ou a esperança, dependendo de seu ponto de vista — de que a extrema direita ganhe peso ou torne-se decisiva nas eleições da próxima primavera (Hemisfério Norte) para o Parlamento Europeu, o que poderá surtir consequências sobre as posições do bloco em relação a imigração, direitos reprodutivos e LGBT+, ação climática e apoio à Ucrânia.

A extrema direita tem crescido intermitentemente na Europa há décadas. Como em muitos lugares, durante a pandemia de covid-19 o extremismo de direita enfrentou dificuldades para se manter relevante. Mas agora é impulsionado vertiginosamente pela alta inflação, pelas reverberações da guerra na Ucrânia, pela imigração em alta, pela desigualdade crescente e pelo fracasso percebido da classe política.

A extrema direita europeia conseguiu limpar sua imagem, trocando o visual skinhead por terno e gravata. Políticos de extrema direita também têm tentado expandir seu apelo controlando suas retóricas mais inflamatórias. O modelo é menos o combativo Orbán e mais a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que este ano aderiu ao pequeno clube de líderes de extrema direita que visitaram Joe Biden na Casa Branca.

O líder do partido de extrema-direita português Chega, André Ventura (Centro), cumprimenta a francesa, Marine Le Pen, e o político alemão Tino Chrupalla  Foto: Jose Sena Goulao/EPA/EFE

O partido de Wilders ainda é despudoradamente anti-Islã. Seu manifesto inclui a frase, “A Holanda não é uma nação islâmica: abaixo as escolas islâmicas, os Alcorões e as mesquitas”. Mas analistas afirmaram que ele aprendeu com outros partidos de extrema direita na Europa lições a respeito dos benefícios de colocar foco em temas mais mundanos.

Em outros países, vestígios de origens antissemitas persistem. Mas políticos que expressam esse tipo de visão podem ver suas carreiras sofrerem por isso. Em junho, Vilhelm Junnila, do Partido dos Finlandeses, atualmente membro da coalizão de governo, foi forçado a renunciar ao cargo de ministro da Economia depois de apenas 10 dias na função em meio a alegações de que teria feito citações pró-nazistas numa conferência em 2019.

Enquanto isso, líderes de extrema direita em toda a Europa emergiram entre os maiores apoiadores de Israel no atual conflito em Gaza.

Um governo liderado por Wilders seria uma dor de cabeça para a UE. A plataforma de seu partido advoga por um referendo vinculante a respeito de um “Nexit”, ou seja, a saída da Holanda da UE — uma perspectiva ainda mais confusa do que o Brexit, já que os holandeses compartilham fronteiras terrestres e a moeda com outros países do bloco. Analistas antecipam que Wilders teria provavelmente de abandonar essa demanda em negociações por parceiros de coalizão.

Fora da Holanda, já que se considera que o Brexit causou mais dano do que beneficiou o Reino Unido, a incitação da extrema direita para os Estados deixarem a UE silenciou, substituída por demandas por uma união mais frouxa.

“Hoje todos nós adoramos o mercado comum”, afirmou Rosa Balfour, diretora do instituto Carnegie Europe. “Eles estão seguindo o exemplo de Viktor Orbán: não querem uma política externa comum, não querem interferências sobre (limitar) o estado de direito; mas querem o dinheiro da UE.”

A eleição holandesa sublinha como políticos de centro têm respondido à ascensão da extrema direita aproximando-se de posições de extremistas de direita. O que, em muitos casos, só fez ajudar seus competidores mais radicais.

Simon Otjes, professor assistente da Universidade Leiden que estuda política holandesa, afirmou que a centro-direita na Holanda tentou atrair eleitores fazendo campanha com foco sobre imigração. Mas ao fazer isso, afirmou Otjes, eles “jogaram o jogo” da extrema direita e deram votos aos extremistas.

A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni Foto: ODD ANDERSEN/AFP

O mesmo tipo de esforço em cooptar questões e posições da extrema direita tem ocorrido em toda a Europa, afirmaram analistas.

“Em relação aos temas que a extrema direita considera mais importantes na Europa — imigração, crimes cometidos por imigrantes, a sociedade multicultural, o debate ocidental a respeito de gênero, visões mais tradicionais sobre as famílias — muitos outros partidos adaptaram hoje sua retórica”, afirmou a cientista política Ann-Cathrine Junger, da Universidade de Södertörn, na Suécia. “Os partidos de extrema direita e suas agendas entraram no mainstream, passarem a ser o novo normal.”

Isso é especialmente verdadeiro em relação a políticas imigratórias.

O número de imigrantes que entraram na Europa este ano disparou a níveis não vistos desde 2016, amplificando o grito de união da extrema direita contra a imigração e instigando políticos do mainstream a adotar posições mais duras. Depois de um prolongado debate, as nações da UE apoiaram mudanças às regras de imigração ao bloco que poderão obter aprovação final até o início do próximo ano. Países na linha de frente, como Itália e Grécia, poderiam mandar mais imigrantes para outros membros da UE — ou ser pagos pelos que se recusarem a recebê-los. Mais importante, as deportações poderão ser aceleradas, e os períodos de detenção, ampliados.

Domesticamente, entre os grupos políticos de extrema direita que avançaram de forma bem-sucedida com posições mais duras contra a imigração estão os Democratas Suecos, que não formam parte da coalizão de governo mas, não obstante, a influenciam por meio de um acordo político.

Por vontade dos Democratas Suecos, o governo propôs uma reforma das leis imigratórias que acabaria com vistos permanentes para solicitantes de asilo e estabeleceria maiores exigências para a emissão de vistos temporários. O governo quer estimular municipalidades e autoridades públicas a delatar imigrantes ilegais. Solicitantes de asilo já dentro do país receberiam informações — e encorajamento — para partir. Este mês o governo anunciou que estudará maneiras de deportar solicitantes de asilo não apenas por cometer crimes, mas também por não pagar dívidas ou tomar parte de ações que prejudiquem a democracia do país.

“Uma condição básica para a integração bem-sucedida é as pessoas que quiserem viver na Suécia respeitarem regras básicas e viverem de modo honesto e ordeiro”, disse a repórteres a ministra sueca da Migração, Maria Stenergard.

Na Itália, onde Meloni lidera o governo mais à direita desde o fim da 2.ª Guerra, uma campanha que promete deter a imigração continua uma promessa não cumprida — este ano o país registrou o maior número de entradas irregulares desde a crise regional de migração de 2016.

Mas o governo está se movimentando para tornar a Itália menos tolerante em relação à imigração. “Durante os 10 anos recentes, nós testemunhamos governos de centro-esquerda fanáticos da teoria de que fronteiras não existem, que não se preocuparam em se adaptar a uma situação em mudança”, afirmou a legisladora Sara Kelany, do partido Irmãos de Itália, de Meloni, e favorável à sua iniciativa anti-imigratória na Câmara Baixa. “Com Meloni, isso está mudando.”

Seu governo autorizou a duplicação de instalações conhecidas como “campos de repatriação”, de 10 para 20. Imigrantes ilegais, anteriormente mantidos por no máximo 90 dias, poderão ser detidos por até 18 meses. O número de deportações aumentou 30% este ano até aqui, para cerca de 2,6 mil, em comparação com 2022, de acordo com Kelany.

Um navio da Guarda Costeira italiana que transportava migrantes resgatados no mar passa perto de um barco turístico, na ilha siciliana de Lampedusa, Itália, em 18 de setembro Foto: Yara Nardi/Reuters

Na semana passada, o governo de Meloni também disse que apresentaria um projeto de lei para ratificar um acordo controvertido com a Albânia para fazer centros de detenção de imigrantes offshore para imigrantes pegos no mar pela Guarda Costeira italiana. Essas instalações teriam capacidade para manter até 3 mil imigrantes.

Na França, a nacionalista Le Pen perdeu três eleições presidenciais. Mas conforme ela sobe nas pesquisas novamente em face à eleição ainda distante, em 2027, o governo de centro-direita do presidente Emmanuel Macron buscou regras mais rígidas para a política preferida dela: imigração.

Fieschi alertou que, para os centristas, cooptar posições da extrema direita dificilmente é uma estratégia vencedora. “Se a direita mainstream começar a se comportar como a direita populista, ela não conseguirá mais votos, mas a direita populista certamente crescerá”, afirmou. “Por alguma razão, os partidos do mainstream nunca aprendem.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Quando a Áustria se tornou, duas décadas atrás, a primeira nação da Europa Ocidental a eleger a extrema direita desde a 2.ª Guerra, o restante do continente rugiu em ultraje. Manifestantes assombravam os políticos do gabinete austríaco; diplomatas os evitavam. Um delegado belga certa vez faltou a um almoço com o então ministro da Defesa austríaco, dizendo a repórteres: “Eu não me sento à mesa com fascistas”.

Aceleramos a fita para 2023, quando um impulso político histórico dá à extrema direita voz na Europa, assim como a chance de reformular a política e as regras na região.

Sua vitória mais recente ocorreu na socialmente progressista Holanda, onde o ícone da extrema direita Geert Wilders e seu anti-União Europeia, anti-islâmico e anti-imigração Partido para a Liberdade surpreendeu ao terminar em primeiro lugar nas eleições parlamentares da semana passada.

Geert Wilders gesticula ao se reunir com membros de seu partido no Parlamento holandês, após as eleições parlamentares holandesas, em Haia Foto: Yves Herman/Reuters

Wilders deverá ter dificuldades — e em última instância fracassar — em formar governo; seu partido ficou longe de obter a maioria e atravessará semanas ou meses de negociações complexas. Mas o resultado inesperadamente forte do “Donald Trump holandês”, que prega há muito banir o Alcorão e pôr fim ao acolhimento de solicitantes de asilo, enviou um alerta poderoso para o mainstream europeu. E logicamente foi elogiado por outras vozes importantes da extrema direita, incluindo o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e a líder opositora francesa Marine Le Pen.

“Por toda Europa nós vemos o mesmo vento da direita soprando”, afirmou o populista belga de extrema direita Tom Van Grieken, em resposta à vitória de Wilders. “O avanço já transcorre há um tempo e claramente está continuando na Holanda. Nós compartilhamos nosso patriotismo e queremos colocar as pessoas em primeiro lugar novamente. Nada será mais forte que essa motivação.”

O sucesso de Wilders, ainda que ocasionado em parte pelas condições domésticas, impulsionou ainda mais a extrema direita mundial dias depois do economista de extrema direita e ex-comentarista da TV Javier Milei, ser eleito presidente da Argentina.

Nos preparativos das eleições de 2024 nos Estados Unidos — onde Trump é visto como aliado próximo dos nacionalistas europeus anti-imigração de extrema direita — a ascensão da extrema direita na Europa está sendo observada atentamente como um prenúncio da fúria dos eleitores contra os políticos tradicionais do Ocidente.

“Isso é uma tendência há muito tempo, mas que agora parece estar ganhando força”, afirmou a analista política Catherine Fieschi, pesquisadora do Centro Robert Schuman, do Instituto Universitário Europeu, em Florença, e autora de um livro a respeito de populismo.

Partidos de extrema direita ascenderam ao poder na Itália, estenderam seu governo na Hungria, conquistaram função na coalizão governante da Finlândia, viraram parceiros de facto do governo da Suécia, entraram no Parlamento da Grécia e estão fazendo avanços relevantes em eleições regionais na Áustria e na Alemanha. A Eslováquia também é um tipo de história de sucesso da extrema direita, com o Partido Nacional Eslovaco, de extrema direita, entre os parceiros de coalizão que apoiam o populista Robert Fico — que tem origens na extrema esquerda mas se opõe aos direitos de imigrantes e LGBT+.

A extrema direita europeia também sofreu reveses este ano. O maior foi na Polônia, onde a oposição de centro está prestes a substituir o partido Lei e Justiça, que atuou como pilar do pensamento de extrema direita. E na Espanha, o partido populista Vox perdeu mais da metade dos assentos que detinha no Parlamento.

O líder da extrema direita holandesa, Geert Wilders, começou a testar outros partidos em busca de acordos de coalizão que lhe permitiriam ser primeiro-ministro  Foto: Remko De Waal/EFE

Mas analistas afirmam que partidos de extrema direita tornaram-se forças políticas importantes na maioria dos países da UE e influenciam políticas de governos mesmo em países onde não controlam o Executivo.

Consideremos o tema das mudanças climáticas. A contestação de ambiciosas metas climáticas sob a afirmação de que as manobras para alcançá-las prejudicam as classes trabalhadoras mudaram o debate na Europa e diminuíram o ritmo da transição verde em alguns países. O governo sueco está cortando impostos sobre gasolina e diesel e revertendo uma taxa sobre sacolas de plástico. O governo do Partido Conservador britânico anunciou que postergará o banimento às vendas de novos veículos a combustão no Reino Unido. Na Alemanha, o governo foi forçado a diluir um projeto de lei abrangente que pretendia banir aquecedores que utilizam combustíveis fósseis.

A vitória de Wilders na última grande eleição do ano na Europa renovou a preocupação — ou a esperança, dependendo de seu ponto de vista — de que a extrema direita ganhe peso ou torne-se decisiva nas eleições da próxima primavera (Hemisfério Norte) para o Parlamento Europeu, o que poderá surtir consequências sobre as posições do bloco em relação a imigração, direitos reprodutivos e LGBT+, ação climática e apoio à Ucrânia.

A extrema direita tem crescido intermitentemente na Europa há décadas. Como em muitos lugares, durante a pandemia de covid-19 o extremismo de direita enfrentou dificuldades para se manter relevante. Mas agora é impulsionado vertiginosamente pela alta inflação, pelas reverberações da guerra na Ucrânia, pela imigração em alta, pela desigualdade crescente e pelo fracasso percebido da classe política.

A extrema direita europeia conseguiu limpar sua imagem, trocando o visual skinhead por terno e gravata. Políticos de extrema direita também têm tentado expandir seu apelo controlando suas retóricas mais inflamatórias. O modelo é menos o combativo Orbán e mais a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que este ano aderiu ao pequeno clube de líderes de extrema direita que visitaram Joe Biden na Casa Branca.

O líder do partido de extrema-direita português Chega, André Ventura (Centro), cumprimenta a francesa, Marine Le Pen, e o político alemão Tino Chrupalla  Foto: Jose Sena Goulao/EPA/EFE

O partido de Wilders ainda é despudoradamente anti-Islã. Seu manifesto inclui a frase, “A Holanda não é uma nação islâmica: abaixo as escolas islâmicas, os Alcorões e as mesquitas”. Mas analistas afirmaram que ele aprendeu com outros partidos de extrema direita na Europa lições a respeito dos benefícios de colocar foco em temas mais mundanos.

Em outros países, vestígios de origens antissemitas persistem. Mas políticos que expressam esse tipo de visão podem ver suas carreiras sofrerem por isso. Em junho, Vilhelm Junnila, do Partido dos Finlandeses, atualmente membro da coalizão de governo, foi forçado a renunciar ao cargo de ministro da Economia depois de apenas 10 dias na função em meio a alegações de que teria feito citações pró-nazistas numa conferência em 2019.

Enquanto isso, líderes de extrema direita em toda a Europa emergiram entre os maiores apoiadores de Israel no atual conflito em Gaza.

Um governo liderado por Wilders seria uma dor de cabeça para a UE. A plataforma de seu partido advoga por um referendo vinculante a respeito de um “Nexit”, ou seja, a saída da Holanda da UE — uma perspectiva ainda mais confusa do que o Brexit, já que os holandeses compartilham fronteiras terrestres e a moeda com outros países do bloco. Analistas antecipam que Wilders teria provavelmente de abandonar essa demanda em negociações por parceiros de coalizão.

Fora da Holanda, já que se considera que o Brexit causou mais dano do que beneficiou o Reino Unido, a incitação da extrema direita para os Estados deixarem a UE silenciou, substituída por demandas por uma união mais frouxa.

“Hoje todos nós adoramos o mercado comum”, afirmou Rosa Balfour, diretora do instituto Carnegie Europe. “Eles estão seguindo o exemplo de Viktor Orbán: não querem uma política externa comum, não querem interferências sobre (limitar) o estado de direito; mas querem o dinheiro da UE.”

A eleição holandesa sublinha como políticos de centro têm respondido à ascensão da extrema direita aproximando-se de posições de extremistas de direita. O que, em muitos casos, só fez ajudar seus competidores mais radicais.

Simon Otjes, professor assistente da Universidade Leiden que estuda política holandesa, afirmou que a centro-direita na Holanda tentou atrair eleitores fazendo campanha com foco sobre imigração. Mas ao fazer isso, afirmou Otjes, eles “jogaram o jogo” da extrema direita e deram votos aos extremistas.

A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni Foto: ODD ANDERSEN/AFP

O mesmo tipo de esforço em cooptar questões e posições da extrema direita tem ocorrido em toda a Europa, afirmaram analistas.

“Em relação aos temas que a extrema direita considera mais importantes na Europa — imigração, crimes cometidos por imigrantes, a sociedade multicultural, o debate ocidental a respeito de gênero, visões mais tradicionais sobre as famílias — muitos outros partidos adaptaram hoje sua retórica”, afirmou a cientista política Ann-Cathrine Junger, da Universidade de Södertörn, na Suécia. “Os partidos de extrema direita e suas agendas entraram no mainstream, passarem a ser o novo normal.”

Isso é especialmente verdadeiro em relação a políticas imigratórias.

O número de imigrantes que entraram na Europa este ano disparou a níveis não vistos desde 2016, amplificando o grito de união da extrema direita contra a imigração e instigando políticos do mainstream a adotar posições mais duras. Depois de um prolongado debate, as nações da UE apoiaram mudanças às regras de imigração ao bloco que poderão obter aprovação final até o início do próximo ano. Países na linha de frente, como Itália e Grécia, poderiam mandar mais imigrantes para outros membros da UE — ou ser pagos pelos que se recusarem a recebê-los. Mais importante, as deportações poderão ser aceleradas, e os períodos de detenção, ampliados.

Domesticamente, entre os grupos políticos de extrema direita que avançaram de forma bem-sucedida com posições mais duras contra a imigração estão os Democratas Suecos, que não formam parte da coalizão de governo mas, não obstante, a influenciam por meio de um acordo político.

Por vontade dos Democratas Suecos, o governo propôs uma reforma das leis imigratórias que acabaria com vistos permanentes para solicitantes de asilo e estabeleceria maiores exigências para a emissão de vistos temporários. O governo quer estimular municipalidades e autoridades públicas a delatar imigrantes ilegais. Solicitantes de asilo já dentro do país receberiam informações — e encorajamento — para partir. Este mês o governo anunciou que estudará maneiras de deportar solicitantes de asilo não apenas por cometer crimes, mas também por não pagar dívidas ou tomar parte de ações que prejudiquem a democracia do país.

“Uma condição básica para a integração bem-sucedida é as pessoas que quiserem viver na Suécia respeitarem regras básicas e viverem de modo honesto e ordeiro”, disse a repórteres a ministra sueca da Migração, Maria Stenergard.

Na Itália, onde Meloni lidera o governo mais à direita desde o fim da 2.ª Guerra, uma campanha que promete deter a imigração continua uma promessa não cumprida — este ano o país registrou o maior número de entradas irregulares desde a crise regional de migração de 2016.

Mas o governo está se movimentando para tornar a Itália menos tolerante em relação à imigração. “Durante os 10 anos recentes, nós testemunhamos governos de centro-esquerda fanáticos da teoria de que fronteiras não existem, que não se preocuparam em se adaptar a uma situação em mudança”, afirmou a legisladora Sara Kelany, do partido Irmãos de Itália, de Meloni, e favorável à sua iniciativa anti-imigratória na Câmara Baixa. “Com Meloni, isso está mudando.”

Seu governo autorizou a duplicação de instalações conhecidas como “campos de repatriação”, de 10 para 20. Imigrantes ilegais, anteriormente mantidos por no máximo 90 dias, poderão ser detidos por até 18 meses. O número de deportações aumentou 30% este ano até aqui, para cerca de 2,6 mil, em comparação com 2022, de acordo com Kelany.

Um navio da Guarda Costeira italiana que transportava migrantes resgatados no mar passa perto de um barco turístico, na ilha siciliana de Lampedusa, Itália, em 18 de setembro Foto: Yara Nardi/Reuters

Na semana passada, o governo de Meloni também disse que apresentaria um projeto de lei para ratificar um acordo controvertido com a Albânia para fazer centros de detenção de imigrantes offshore para imigrantes pegos no mar pela Guarda Costeira italiana. Essas instalações teriam capacidade para manter até 3 mil imigrantes.

Na França, a nacionalista Le Pen perdeu três eleições presidenciais. Mas conforme ela sobe nas pesquisas novamente em face à eleição ainda distante, em 2027, o governo de centro-direita do presidente Emmanuel Macron buscou regras mais rígidas para a política preferida dela: imigração.

Fieschi alertou que, para os centristas, cooptar posições da extrema direita dificilmente é uma estratégia vencedora. “Se a direita mainstream começar a se comportar como a direita populista, ela não conseguirá mais votos, mas a direita populista certamente crescerá”, afirmou. “Por alguma razão, os partidos do mainstream nunca aprendem.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Quando a Áustria se tornou, duas décadas atrás, a primeira nação da Europa Ocidental a eleger a extrema direita desde a 2.ª Guerra, o restante do continente rugiu em ultraje. Manifestantes assombravam os políticos do gabinete austríaco; diplomatas os evitavam. Um delegado belga certa vez faltou a um almoço com o então ministro da Defesa austríaco, dizendo a repórteres: “Eu não me sento à mesa com fascistas”.

Aceleramos a fita para 2023, quando um impulso político histórico dá à extrema direita voz na Europa, assim como a chance de reformular a política e as regras na região.

Sua vitória mais recente ocorreu na socialmente progressista Holanda, onde o ícone da extrema direita Geert Wilders e seu anti-União Europeia, anti-islâmico e anti-imigração Partido para a Liberdade surpreendeu ao terminar em primeiro lugar nas eleições parlamentares da semana passada.

Geert Wilders gesticula ao se reunir com membros de seu partido no Parlamento holandês, após as eleições parlamentares holandesas, em Haia Foto: Yves Herman/Reuters

Wilders deverá ter dificuldades — e em última instância fracassar — em formar governo; seu partido ficou longe de obter a maioria e atravessará semanas ou meses de negociações complexas. Mas o resultado inesperadamente forte do “Donald Trump holandês”, que prega há muito banir o Alcorão e pôr fim ao acolhimento de solicitantes de asilo, enviou um alerta poderoso para o mainstream europeu. E logicamente foi elogiado por outras vozes importantes da extrema direita, incluindo o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e a líder opositora francesa Marine Le Pen.

“Por toda Europa nós vemos o mesmo vento da direita soprando”, afirmou o populista belga de extrema direita Tom Van Grieken, em resposta à vitória de Wilders. “O avanço já transcorre há um tempo e claramente está continuando na Holanda. Nós compartilhamos nosso patriotismo e queremos colocar as pessoas em primeiro lugar novamente. Nada será mais forte que essa motivação.”

O sucesso de Wilders, ainda que ocasionado em parte pelas condições domésticas, impulsionou ainda mais a extrema direita mundial dias depois do economista de extrema direita e ex-comentarista da TV Javier Milei, ser eleito presidente da Argentina.

Nos preparativos das eleições de 2024 nos Estados Unidos — onde Trump é visto como aliado próximo dos nacionalistas europeus anti-imigração de extrema direita — a ascensão da extrema direita na Europa está sendo observada atentamente como um prenúncio da fúria dos eleitores contra os políticos tradicionais do Ocidente.

“Isso é uma tendência há muito tempo, mas que agora parece estar ganhando força”, afirmou a analista política Catherine Fieschi, pesquisadora do Centro Robert Schuman, do Instituto Universitário Europeu, em Florença, e autora de um livro a respeito de populismo.

Partidos de extrema direita ascenderam ao poder na Itália, estenderam seu governo na Hungria, conquistaram função na coalizão governante da Finlândia, viraram parceiros de facto do governo da Suécia, entraram no Parlamento da Grécia e estão fazendo avanços relevantes em eleições regionais na Áustria e na Alemanha. A Eslováquia também é um tipo de história de sucesso da extrema direita, com o Partido Nacional Eslovaco, de extrema direita, entre os parceiros de coalizão que apoiam o populista Robert Fico — que tem origens na extrema esquerda mas se opõe aos direitos de imigrantes e LGBT+.

A extrema direita europeia também sofreu reveses este ano. O maior foi na Polônia, onde a oposição de centro está prestes a substituir o partido Lei e Justiça, que atuou como pilar do pensamento de extrema direita. E na Espanha, o partido populista Vox perdeu mais da metade dos assentos que detinha no Parlamento.

O líder da extrema direita holandesa, Geert Wilders, começou a testar outros partidos em busca de acordos de coalizão que lhe permitiriam ser primeiro-ministro  Foto: Remko De Waal/EFE

Mas analistas afirmam que partidos de extrema direita tornaram-se forças políticas importantes na maioria dos países da UE e influenciam políticas de governos mesmo em países onde não controlam o Executivo.

Consideremos o tema das mudanças climáticas. A contestação de ambiciosas metas climáticas sob a afirmação de que as manobras para alcançá-las prejudicam as classes trabalhadoras mudaram o debate na Europa e diminuíram o ritmo da transição verde em alguns países. O governo sueco está cortando impostos sobre gasolina e diesel e revertendo uma taxa sobre sacolas de plástico. O governo do Partido Conservador britânico anunciou que postergará o banimento às vendas de novos veículos a combustão no Reino Unido. Na Alemanha, o governo foi forçado a diluir um projeto de lei abrangente que pretendia banir aquecedores que utilizam combustíveis fósseis.

A vitória de Wilders na última grande eleição do ano na Europa renovou a preocupação — ou a esperança, dependendo de seu ponto de vista — de que a extrema direita ganhe peso ou torne-se decisiva nas eleições da próxima primavera (Hemisfério Norte) para o Parlamento Europeu, o que poderá surtir consequências sobre as posições do bloco em relação a imigração, direitos reprodutivos e LGBT+, ação climática e apoio à Ucrânia.

A extrema direita tem crescido intermitentemente na Europa há décadas. Como em muitos lugares, durante a pandemia de covid-19 o extremismo de direita enfrentou dificuldades para se manter relevante. Mas agora é impulsionado vertiginosamente pela alta inflação, pelas reverberações da guerra na Ucrânia, pela imigração em alta, pela desigualdade crescente e pelo fracasso percebido da classe política.

A extrema direita europeia conseguiu limpar sua imagem, trocando o visual skinhead por terno e gravata. Políticos de extrema direita também têm tentado expandir seu apelo controlando suas retóricas mais inflamatórias. O modelo é menos o combativo Orbán e mais a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que este ano aderiu ao pequeno clube de líderes de extrema direita que visitaram Joe Biden na Casa Branca.

O líder do partido de extrema-direita português Chega, André Ventura (Centro), cumprimenta a francesa, Marine Le Pen, e o político alemão Tino Chrupalla  Foto: Jose Sena Goulao/EPA/EFE

O partido de Wilders ainda é despudoradamente anti-Islã. Seu manifesto inclui a frase, “A Holanda não é uma nação islâmica: abaixo as escolas islâmicas, os Alcorões e as mesquitas”. Mas analistas afirmaram que ele aprendeu com outros partidos de extrema direita na Europa lições a respeito dos benefícios de colocar foco em temas mais mundanos.

Em outros países, vestígios de origens antissemitas persistem. Mas políticos que expressam esse tipo de visão podem ver suas carreiras sofrerem por isso. Em junho, Vilhelm Junnila, do Partido dos Finlandeses, atualmente membro da coalizão de governo, foi forçado a renunciar ao cargo de ministro da Economia depois de apenas 10 dias na função em meio a alegações de que teria feito citações pró-nazistas numa conferência em 2019.

Enquanto isso, líderes de extrema direita em toda a Europa emergiram entre os maiores apoiadores de Israel no atual conflito em Gaza.

Um governo liderado por Wilders seria uma dor de cabeça para a UE. A plataforma de seu partido advoga por um referendo vinculante a respeito de um “Nexit”, ou seja, a saída da Holanda da UE — uma perspectiva ainda mais confusa do que o Brexit, já que os holandeses compartilham fronteiras terrestres e a moeda com outros países do bloco. Analistas antecipam que Wilders teria provavelmente de abandonar essa demanda em negociações por parceiros de coalizão.

Fora da Holanda, já que se considera que o Brexit causou mais dano do que beneficiou o Reino Unido, a incitação da extrema direita para os Estados deixarem a UE silenciou, substituída por demandas por uma união mais frouxa.

“Hoje todos nós adoramos o mercado comum”, afirmou Rosa Balfour, diretora do instituto Carnegie Europe. “Eles estão seguindo o exemplo de Viktor Orbán: não querem uma política externa comum, não querem interferências sobre (limitar) o estado de direito; mas querem o dinheiro da UE.”

A eleição holandesa sublinha como políticos de centro têm respondido à ascensão da extrema direita aproximando-se de posições de extremistas de direita. O que, em muitos casos, só fez ajudar seus competidores mais radicais.

Simon Otjes, professor assistente da Universidade Leiden que estuda política holandesa, afirmou que a centro-direita na Holanda tentou atrair eleitores fazendo campanha com foco sobre imigração. Mas ao fazer isso, afirmou Otjes, eles “jogaram o jogo” da extrema direita e deram votos aos extremistas.

A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni Foto: ODD ANDERSEN/AFP

O mesmo tipo de esforço em cooptar questões e posições da extrema direita tem ocorrido em toda a Europa, afirmaram analistas.

“Em relação aos temas que a extrema direita considera mais importantes na Europa — imigração, crimes cometidos por imigrantes, a sociedade multicultural, o debate ocidental a respeito de gênero, visões mais tradicionais sobre as famílias — muitos outros partidos adaptaram hoje sua retórica”, afirmou a cientista política Ann-Cathrine Junger, da Universidade de Södertörn, na Suécia. “Os partidos de extrema direita e suas agendas entraram no mainstream, passarem a ser o novo normal.”

Isso é especialmente verdadeiro em relação a políticas imigratórias.

O número de imigrantes que entraram na Europa este ano disparou a níveis não vistos desde 2016, amplificando o grito de união da extrema direita contra a imigração e instigando políticos do mainstream a adotar posições mais duras. Depois de um prolongado debate, as nações da UE apoiaram mudanças às regras de imigração ao bloco que poderão obter aprovação final até o início do próximo ano. Países na linha de frente, como Itália e Grécia, poderiam mandar mais imigrantes para outros membros da UE — ou ser pagos pelos que se recusarem a recebê-los. Mais importante, as deportações poderão ser aceleradas, e os períodos de detenção, ampliados.

Domesticamente, entre os grupos políticos de extrema direita que avançaram de forma bem-sucedida com posições mais duras contra a imigração estão os Democratas Suecos, que não formam parte da coalizão de governo mas, não obstante, a influenciam por meio de um acordo político.

Por vontade dos Democratas Suecos, o governo propôs uma reforma das leis imigratórias que acabaria com vistos permanentes para solicitantes de asilo e estabeleceria maiores exigências para a emissão de vistos temporários. O governo quer estimular municipalidades e autoridades públicas a delatar imigrantes ilegais. Solicitantes de asilo já dentro do país receberiam informações — e encorajamento — para partir. Este mês o governo anunciou que estudará maneiras de deportar solicitantes de asilo não apenas por cometer crimes, mas também por não pagar dívidas ou tomar parte de ações que prejudiquem a democracia do país.

“Uma condição básica para a integração bem-sucedida é as pessoas que quiserem viver na Suécia respeitarem regras básicas e viverem de modo honesto e ordeiro”, disse a repórteres a ministra sueca da Migração, Maria Stenergard.

Na Itália, onde Meloni lidera o governo mais à direita desde o fim da 2.ª Guerra, uma campanha que promete deter a imigração continua uma promessa não cumprida — este ano o país registrou o maior número de entradas irregulares desde a crise regional de migração de 2016.

Mas o governo está se movimentando para tornar a Itália menos tolerante em relação à imigração. “Durante os 10 anos recentes, nós testemunhamos governos de centro-esquerda fanáticos da teoria de que fronteiras não existem, que não se preocuparam em se adaptar a uma situação em mudança”, afirmou a legisladora Sara Kelany, do partido Irmãos de Itália, de Meloni, e favorável à sua iniciativa anti-imigratória na Câmara Baixa. “Com Meloni, isso está mudando.”

Seu governo autorizou a duplicação de instalações conhecidas como “campos de repatriação”, de 10 para 20. Imigrantes ilegais, anteriormente mantidos por no máximo 90 dias, poderão ser detidos por até 18 meses. O número de deportações aumentou 30% este ano até aqui, para cerca de 2,6 mil, em comparação com 2022, de acordo com Kelany.

Um navio da Guarda Costeira italiana que transportava migrantes resgatados no mar passa perto de um barco turístico, na ilha siciliana de Lampedusa, Itália, em 18 de setembro Foto: Yara Nardi/Reuters

Na semana passada, o governo de Meloni também disse que apresentaria um projeto de lei para ratificar um acordo controvertido com a Albânia para fazer centros de detenção de imigrantes offshore para imigrantes pegos no mar pela Guarda Costeira italiana. Essas instalações teriam capacidade para manter até 3 mil imigrantes.

Na França, a nacionalista Le Pen perdeu três eleições presidenciais. Mas conforme ela sobe nas pesquisas novamente em face à eleição ainda distante, em 2027, o governo de centro-direita do presidente Emmanuel Macron buscou regras mais rígidas para a política preferida dela: imigração.

Fieschi alertou que, para os centristas, cooptar posições da extrema direita dificilmente é uma estratégia vencedora. “Se a direita mainstream começar a se comportar como a direita populista, ela não conseguirá mais votos, mas a direita populista certamente crescerá”, afirmou. “Por alguma razão, os partidos do mainstream nunca aprendem.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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