Eleições na Argentina: San Luis, a província que materializa a derrocada do peronismo


Região que vive do agronegócio elegeu governador da oposição e deu a Javier Milei quase 48% dos votos nas primárias em agosto

Por Carolina Marins

ENVIADA ESPECIAL A SAN LUIS, ARGENTINA – Em 2018, o então governador da província de San Luis, na Argentina, Alberto Rodríguez Saá, foi o anfitrião de uma importante reunião do peronismo. Ali se pretendia formar uma frente contra o governo neoliberal de Mauricio Macri, já pensando nas eleições de 2019. Cinco anos depois, a província que era considerada um dos redutos mais tradicionais do peronismo deu fim a 40 anos de hegemonia da família Rodriguez Saá, elegendo um governador da oposição. E para presidente, os puntanos – gentílico da província – escolheram Javier Milei com quase 48% dos votos nas primárias de agosto, sendo a segunda província que mais o votou.

Localizada na parte central da Argentina, San Luis é uma província que vive do agronegócio e tem orgulho do seu perfil conservador. Desde a redemocratização, o local vem sendo governado por dois irmãos: Adolfo e Alberto Rodríguez Saá, do Partido Justicialista, o principal do peronismo, fundado por Juan Domingo Perón. Mas diferentemente do que se vê no peronismo mais à esquerda e de bases sindicais da capital Buenos Aires, ali o poder é quase coronelista.

Ao sobrevoar a capital, que também se chama San Luis, é possível ver entre a vegetação mais árida as estradas construídas todas em linha reta. Durante seu governo, que começou em 1983, Adolfo Rodríguez Saá ficou conhecido pelas grandes obras que movimentaram a cidade. Tudo ali, conta a população, tem as mãos dele. O período de grandes obras, orçamento gigante e forte presença do Estado criou uma classe média forte.

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Província foi governada nos últimos 40 anos pelos irmãos Adolfo e Alberto Rodríguez Saá Foto: Carolina Marins/Estadão

No auge de sua popularidade, Adolfo chegou a ser presidente da Argentina por 7 dias, depois que Fernando de la Rúa fugiu do país durante a crise do corralito em 2001.

Com o tempo, porém, a classe média começou a ver sua condição minguar, até chegar nos dias de hoje, em que a inflação perto de 140% torna qualquer renda insuficiente. A isso se soma o envelhecimento de Adolfo, que passou o seu bastão para Alberto, o irmão mais novo e menos popular. Alberto manteve a hegemonia familiar até agora, quando seu candidato amargou uma derrota para Claudio Poggi, candidato do Juntos pela Mudança.

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“Eu nunca vi nenhum outro governo que não fosse dos Rodríguez Saá”, conta Javier Perez, que tem 23 anos. “Eles fizeram coisas boas, é preciso reconhecer, mas as coisas mudaram agora. A economia vai mal, a educação vai mal, os valores morais estão ruins. É preciso uma mudança drástica”.

Pobreza

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“San Luis passou a estar sempre no pódio em indicadores sociais negativos, de pobreza e da pobreza infantil, ou seja, quase sete em cada 10 crianças puntanas são pobres e daí você tem um segmento que é indigente (passa fome)”, afirma Charly Pereira, deputado provincial pela coalizão Juntos pela Mudança de San Luis. “Então existe um voto de vingança, contra nós da classe política, contra o status quo, porque já não há nada a perder”.

De fato, hoje, São Luis apresenta indicadores sociais piores do que os índices nacionais. Se na esfera nacional a pobreza está acima dos 40%, em San Luis ela ultrapassa 47%. A província seria a terceira com mais crianças abaixo da linha da pobreza, atrás de Chaco e Formosa, segundo dados do instituto de estatística argentino.

Adolfo Rodríguez Saá, em foto de 2003 Foto: Marcos Brindicci/Reuters
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É frente a este empobrecimento que a população de San Luis justifica a sua mudança de curso político. Os tempos da pandemia também são citados com amargura, em que o governo promoveu um fechamento rigoroso, praticamente isolando a província do resto do país. Para finalizar, os irmãos brigaram entre si – por motivos que não são muito claros – criando uma cisão nessa hegemonia familiar que, no fim, lhes custou o governo.

O novo governador, porém, não é tão novo. Poggi já foi governador de San Luis de 2011 a 2015, mas como parte do governo peronista. Na época, ele era muito próximo dos irmãos e seu governo foi visto como uma continuidade. Dessa vez, ele procurou o Juntos pela Mudança para poder ter força política de competir contra Alberto. E com o rompimento dos irmãos, Poggi ainda contou com a “benção de Adolfo”, em uma espécie de vingança contra Alberto.

Com menos de 500 mil habitantes, San Luis concentra menos de 2% do eleitorado, mas se consolidou como reduto peronista Foto: Carolina Marins/Estadão
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“Ainda que seja uma mudança de nomes, não é uma ruptura da política local”, afirma Omar Samper, sociólogo pela Universidade Nacional de San Luis. “Poggi não é um outsider e nem sequer vem dos partidos tradicionais que formam a aliança do Juntos pela Mudança, como por exemplo o radicalismo. Ele vem, digamos, do ‘adolfismo’”.

Mas mesmo não sendo uma ruptura, sua vitória materializou a bronca local com o peronismo. “Porque a estrutura de poder do peronismo está com o governador em retirada, e todos os símbolos partidários, a estrutura partidária, os recursos estatais, tudo isso está com os peronistas. Porém, seu candidato perde. É significativo”.

Alberto Rodríguez Saá, em foto de 2011 Foto: Martin Acosta/Reuters
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O fenômeno Javier Milei

Mas mais surpreendente do que a perda do governo provincial, foi a vitória estrondosa de Milei. Javier Perez foi um dos que votou em Milei nas eleições primárias e disse estar ansioso para votar de novo nas gerais do próximo dia 22. Ele faz a comparação com sua vida agora e a de seus pais, que, apesar de não terem estudado, puderam comprar uma casa e dar uma vida boa aos filhos. Já ele, que faz um curso na área de saúde na Universidade de San Luis, não tem expectativas de ter um emprego.

Sua amiga, Ana Paula Pereyra, 24, concorda que a vida piorou nos últimos anos e também se vê sem perspectiva de um bom futuro. Mas teme as ideias extremistas de Javier Milei e ainda não sabe exatamente em quem vai votar. Os dois jovens refletem uma realidade que se vê no restante do país: de jovens frustrados com a política tradicional.

Os amigos Javier Perez, Agustín Gonzalez e Ana Paula Pereyra, estudantes da Universidade de San Luis Foto: Carolina Marins/Estadão

“Este é um fenômeno em que a sociedade se vê órfã”, afirma Matías Bianchi, cientista político nascido em San Luis e diretor do Think Tank Asuntos del Sur, “porque o Estado, os empregos públicos – que são a maioria dos empregos das províncias – estão cada vez mais precarizados. Há uma sensação de saturação. Então veem a necessidade de que algo mude e que tudo se exploda. Se tudo já funciona mal, para o eleitor, dá no mesmo. ‘Não tenho mais emprego, não tenho mais futuro, não consigo nem sonhar em comprar um apartamento, comprar uma moto, então que se exploda tudo’”.

Brayan Bondaruk, 25, votou em Claudio Poggi para o governo local porque disse já não acreditar mais na política dos irmãos, e para presidente escolheu Javier Milei porque acredita que a mudança tem que vir de cima. “Quero uma mudança nacional, porque não adianta mudar somente a província”, conta o jovem que trabalha em um mercadinho na Avenida Presidente Illia de San Luis.

O caso mais chamativo da província foi da pequena cidade de Alto Pelado, que fica a 100 km da capital San Luis. O pequeno povoado, que tem um pouco mais de 100 habitantes, escolheu Milei com 70% dos votos, sendo a cidade que mais votou no candidato.

A cidade é marcada pela agricultura e pouca renda, sendo atravessada pela ferrovia General San Martín, que corta o país. “Não me surpreende o voto expressivo em Milei em Alto Pelado porque precisamente nesses povoados pequenos há pessoas que carecem de tudo e veem em Javier uma opção de mudança, porque a nível local não podem votar em outra coisa porque não há outra opção, são sempre as mesmas famílias”, explica Alfonso Recasens, estrategista político que apoia a coalizão de Milei.

O último fenômeno que explica a aposta em Milei em povoados tão afastados de temas como dolarização e venda de órgãos é o alcance do candidato nas redes sociais, o que também explica o seu sucesso em outras províncias consideradas redutos peronistas, como San Juan e Santa Cruz.

“É o fenômeno da algoritmização, em que se produzem bolhas de sentido que chegaram ao eleitor puntano com muito sucesso”, aponta Charly Pereira. “Isso explica porque nas áreas pobres e rurais de San Luis, onde há acesso à Internet ou à televisão, num contexto de desencanto conjunto com o Juntos pela Mudança e o kirchnerismo, a maioria tenha escolhido Milei”.

A pobreza cresceu na província de San Luis, a níveis maiores que as taxas nacionais, provocando cansaço na população Foto: Carolina Marins/Estadão

ENVIADA ESPECIAL A SAN LUIS, ARGENTINA – Em 2018, o então governador da província de San Luis, na Argentina, Alberto Rodríguez Saá, foi o anfitrião de uma importante reunião do peronismo. Ali se pretendia formar uma frente contra o governo neoliberal de Mauricio Macri, já pensando nas eleições de 2019. Cinco anos depois, a província que era considerada um dos redutos mais tradicionais do peronismo deu fim a 40 anos de hegemonia da família Rodriguez Saá, elegendo um governador da oposição. E para presidente, os puntanos – gentílico da província – escolheram Javier Milei com quase 48% dos votos nas primárias de agosto, sendo a segunda província que mais o votou.

Localizada na parte central da Argentina, San Luis é uma província que vive do agronegócio e tem orgulho do seu perfil conservador. Desde a redemocratização, o local vem sendo governado por dois irmãos: Adolfo e Alberto Rodríguez Saá, do Partido Justicialista, o principal do peronismo, fundado por Juan Domingo Perón. Mas diferentemente do que se vê no peronismo mais à esquerda e de bases sindicais da capital Buenos Aires, ali o poder é quase coronelista.

Ao sobrevoar a capital, que também se chama San Luis, é possível ver entre a vegetação mais árida as estradas construídas todas em linha reta. Durante seu governo, que começou em 1983, Adolfo Rodríguez Saá ficou conhecido pelas grandes obras que movimentaram a cidade. Tudo ali, conta a população, tem as mãos dele. O período de grandes obras, orçamento gigante e forte presença do Estado criou uma classe média forte.

Província foi governada nos últimos 40 anos pelos irmãos Adolfo e Alberto Rodríguez Saá Foto: Carolina Marins/Estadão

No auge de sua popularidade, Adolfo chegou a ser presidente da Argentina por 7 dias, depois que Fernando de la Rúa fugiu do país durante a crise do corralito em 2001.

Com o tempo, porém, a classe média começou a ver sua condição minguar, até chegar nos dias de hoje, em que a inflação perto de 140% torna qualquer renda insuficiente. A isso se soma o envelhecimento de Adolfo, que passou o seu bastão para Alberto, o irmão mais novo e menos popular. Alberto manteve a hegemonia familiar até agora, quando seu candidato amargou uma derrota para Claudio Poggi, candidato do Juntos pela Mudança.

“Eu nunca vi nenhum outro governo que não fosse dos Rodríguez Saá”, conta Javier Perez, que tem 23 anos. “Eles fizeram coisas boas, é preciso reconhecer, mas as coisas mudaram agora. A economia vai mal, a educação vai mal, os valores morais estão ruins. É preciso uma mudança drástica”.

Pobreza

“San Luis passou a estar sempre no pódio em indicadores sociais negativos, de pobreza e da pobreza infantil, ou seja, quase sete em cada 10 crianças puntanas são pobres e daí você tem um segmento que é indigente (passa fome)”, afirma Charly Pereira, deputado provincial pela coalizão Juntos pela Mudança de San Luis. “Então existe um voto de vingança, contra nós da classe política, contra o status quo, porque já não há nada a perder”.

De fato, hoje, São Luis apresenta indicadores sociais piores do que os índices nacionais. Se na esfera nacional a pobreza está acima dos 40%, em San Luis ela ultrapassa 47%. A província seria a terceira com mais crianças abaixo da linha da pobreza, atrás de Chaco e Formosa, segundo dados do instituto de estatística argentino.

Adolfo Rodríguez Saá, em foto de 2003 Foto: Marcos Brindicci/Reuters

É frente a este empobrecimento que a população de San Luis justifica a sua mudança de curso político. Os tempos da pandemia também são citados com amargura, em que o governo promoveu um fechamento rigoroso, praticamente isolando a província do resto do país. Para finalizar, os irmãos brigaram entre si – por motivos que não são muito claros – criando uma cisão nessa hegemonia familiar que, no fim, lhes custou o governo.

O novo governador, porém, não é tão novo. Poggi já foi governador de San Luis de 2011 a 2015, mas como parte do governo peronista. Na época, ele era muito próximo dos irmãos e seu governo foi visto como uma continuidade. Dessa vez, ele procurou o Juntos pela Mudança para poder ter força política de competir contra Alberto. E com o rompimento dos irmãos, Poggi ainda contou com a “benção de Adolfo”, em uma espécie de vingança contra Alberto.

Com menos de 500 mil habitantes, San Luis concentra menos de 2% do eleitorado, mas se consolidou como reduto peronista Foto: Carolina Marins/Estadão

“Ainda que seja uma mudança de nomes, não é uma ruptura da política local”, afirma Omar Samper, sociólogo pela Universidade Nacional de San Luis. “Poggi não é um outsider e nem sequer vem dos partidos tradicionais que formam a aliança do Juntos pela Mudança, como por exemplo o radicalismo. Ele vem, digamos, do ‘adolfismo’”.

Mas mesmo não sendo uma ruptura, sua vitória materializou a bronca local com o peronismo. “Porque a estrutura de poder do peronismo está com o governador em retirada, e todos os símbolos partidários, a estrutura partidária, os recursos estatais, tudo isso está com os peronistas. Porém, seu candidato perde. É significativo”.

Alberto Rodríguez Saá, em foto de 2011 Foto: Martin Acosta/Reuters

O fenômeno Javier Milei

Mas mais surpreendente do que a perda do governo provincial, foi a vitória estrondosa de Milei. Javier Perez foi um dos que votou em Milei nas eleições primárias e disse estar ansioso para votar de novo nas gerais do próximo dia 22. Ele faz a comparação com sua vida agora e a de seus pais, que, apesar de não terem estudado, puderam comprar uma casa e dar uma vida boa aos filhos. Já ele, que faz um curso na área de saúde na Universidade de San Luis, não tem expectativas de ter um emprego.

Sua amiga, Ana Paula Pereyra, 24, concorda que a vida piorou nos últimos anos e também se vê sem perspectiva de um bom futuro. Mas teme as ideias extremistas de Javier Milei e ainda não sabe exatamente em quem vai votar. Os dois jovens refletem uma realidade que se vê no restante do país: de jovens frustrados com a política tradicional.

Os amigos Javier Perez, Agustín Gonzalez e Ana Paula Pereyra, estudantes da Universidade de San Luis Foto: Carolina Marins/Estadão

“Este é um fenômeno em que a sociedade se vê órfã”, afirma Matías Bianchi, cientista político nascido em San Luis e diretor do Think Tank Asuntos del Sur, “porque o Estado, os empregos públicos – que são a maioria dos empregos das províncias – estão cada vez mais precarizados. Há uma sensação de saturação. Então veem a necessidade de que algo mude e que tudo se exploda. Se tudo já funciona mal, para o eleitor, dá no mesmo. ‘Não tenho mais emprego, não tenho mais futuro, não consigo nem sonhar em comprar um apartamento, comprar uma moto, então que se exploda tudo’”.

Brayan Bondaruk, 25, votou em Claudio Poggi para o governo local porque disse já não acreditar mais na política dos irmãos, e para presidente escolheu Javier Milei porque acredita que a mudança tem que vir de cima. “Quero uma mudança nacional, porque não adianta mudar somente a província”, conta o jovem que trabalha em um mercadinho na Avenida Presidente Illia de San Luis.

O caso mais chamativo da província foi da pequena cidade de Alto Pelado, que fica a 100 km da capital San Luis. O pequeno povoado, que tem um pouco mais de 100 habitantes, escolheu Milei com 70% dos votos, sendo a cidade que mais votou no candidato.

A cidade é marcada pela agricultura e pouca renda, sendo atravessada pela ferrovia General San Martín, que corta o país. “Não me surpreende o voto expressivo em Milei em Alto Pelado porque precisamente nesses povoados pequenos há pessoas que carecem de tudo e veem em Javier uma opção de mudança, porque a nível local não podem votar em outra coisa porque não há outra opção, são sempre as mesmas famílias”, explica Alfonso Recasens, estrategista político que apoia a coalizão de Milei.

O último fenômeno que explica a aposta em Milei em povoados tão afastados de temas como dolarização e venda de órgãos é o alcance do candidato nas redes sociais, o que também explica o seu sucesso em outras províncias consideradas redutos peronistas, como San Juan e Santa Cruz.

“É o fenômeno da algoritmização, em que se produzem bolhas de sentido que chegaram ao eleitor puntano com muito sucesso”, aponta Charly Pereira. “Isso explica porque nas áreas pobres e rurais de San Luis, onde há acesso à Internet ou à televisão, num contexto de desencanto conjunto com o Juntos pela Mudança e o kirchnerismo, a maioria tenha escolhido Milei”.

A pobreza cresceu na província de San Luis, a níveis maiores que as taxas nacionais, provocando cansaço na população Foto: Carolina Marins/Estadão

ENVIADA ESPECIAL A SAN LUIS, ARGENTINA – Em 2018, o então governador da província de San Luis, na Argentina, Alberto Rodríguez Saá, foi o anfitrião de uma importante reunião do peronismo. Ali se pretendia formar uma frente contra o governo neoliberal de Mauricio Macri, já pensando nas eleições de 2019. Cinco anos depois, a província que era considerada um dos redutos mais tradicionais do peronismo deu fim a 40 anos de hegemonia da família Rodriguez Saá, elegendo um governador da oposição. E para presidente, os puntanos – gentílico da província – escolheram Javier Milei com quase 48% dos votos nas primárias de agosto, sendo a segunda província que mais o votou.

Localizada na parte central da Argentina, San Luis é uma província que vive do agronegócio e tem orgulho do seu perfil conservador. Desde a redemocratização, o local vem sendo governado por dois irmãos: Adolfo e Alberto Rodríguez Saá, do Partido Justicialista, o principal do peronismo, fundado por Juan Domingo Perón. Mas diferentemente do que se vê no peronismo mais à esquerda e de bases sindicais da capital Buenos Aires, ali o poder é quase coronelista.

Ao sobrevoar a capital, que também se chama San Luis, é possível ver entre a vegetação mais árida as estradas construídas todas em linha reta. Durante seu governo, que começou em 1983, Adolfo Rodríguez Saá ficou conhecido pelas grandes obras que movimentaram a cidade. Tudo ali, conta a população, tem as mãos dele. O período de grandes obras, orçamento gigante e forte presença do Estado criou uma classe média forte.

Província foi governada nos últimos 40 anos pelos irmãos Adolfo e Alberto Rodríguez Saá Foto: Carolina Marins/Estadão

No auge de sua popularidade, Adolfo chegou a ser presidente da Argentina por 7 dias, depois que Fernando de la Rúa fugiu do país durante a crise do corralito em 2001.

Com o tempo, porém, a classe média começou a ver sua condição minguar, até chegar nos dias de hoje, em que a inflação perto de 140% torna qualquer renda insuficiente. A isso se soma o envelhecimento de Adolfo, que passou o seu bastão para Alberto, o irmão mais novo e menos popular. Alberto manteve a hegemonia familiar até agora, quando seu candidato amargou uma derrota para Claudio Poggi, candidato do Juntos pela Mudança.

“Eu nunca vi nenhum outro governo que não fosse dos Rodríguez Saá”, conta Javier Perez, que tem 23 anos. “Eles fizeram coisas boas, é preciso reconhecer, mas as coisas mudaram agora. A economia vai mal, a educação vai mal, os valores morais estão ruins. É preciso uma mudança drástica”.

Pobreza

“San Luis passou a estar sempre no pódio em indicadores sociais negativos, de pobreza e da pobreza infantil, ou seja, quase sete em cada 10 crianças puntanas são pobres e daí você tem um segmento que é indigente (passa fome)”, afirma Charly Pereira, deputado provincial pela coalizão Juntos pela Mudança de San Luis. “Então existe um voto de vingança, contra nós da classe política, contra o status quo, porque já não há nada a perder”.

De fato, hoje, São Luis apresenta indicadores sociais piores do que os índices nacionais. Se na esfera nacional a pobreza está acima dos 40%, em San Luis ela ultrapassa 47%. A província seria a terceira com mais crianças abaixo da linha da pobreza, atrás de Chaco e Formosa, segundo dados do instituto de estatística argentino.

Adolfo Rodríguez Saá, em foto de 2003 Foto: Marcos Brindicci/Reuters

É frente a este empobrecimento que a população de San Luis justifica a sua mudança de curso político. Os tempos da pandemia também são citados com amargura, em que o governo promoveu um fechamento rigoroso, praticamente isolando a província do resto do país. Para finalizar, os irmãos brigaram entre si – por motivos que não são muito claros – criando uma cisão nessa hegemonia familiar que, no fim, lhes custou o governo.

O novo governador, porém, não é tão novo. Poggi já foi governador de San Luis de 2011 a 2015, mas como parte do governo peronista. Na época, ele era muito próximo dos irmãos e seu governo foi visto como uma continuidade. Dessa vez, ele procurou o Juntos pela Mudança para poder ter força política de competir contra Alberto. E com o rompimento dos irmãos, Poggi ainda contou com a “benção de Adolfo”, em uma espécie de vingança contra Alberto.

Com menos de 500 mil habitantes, San Luis concentra menos de 2% do eleitorado, mas se consolidou como reduto peronista Foto: Carolina Marins/Estadão

“Ainda que seja uma mudança de nomes, não é uma ruptura da política local”, afirma Omar Samper, sociólogo pela Universidade Nacional de San Luis. “Poggi não é um outsider e nem sequer vem dos partidos tradicionais que formam a aliança do Juntos pela Mudança, como por exemplo o radicalismo. Ele vem, digamos, do ‘adolfismo’”.

Mas mesmo não sendo uma ruptura, sua vitória materializou a bronca local com o peronismo. “Porque a estrutura de poder do peronismo está com o governador em retirada, e todos os símbolos partidários, a estrutura partidária, os recursos estatais, tudo isso está com os peronistas. Porém, seu candidato perde. É significativo”.

Alberto Rodríguez Saá, em foto de 2011 Foto: Martin Acosta/Reuters

O fenômeno Javier Milei

Mas mais surpreendente do que a perda do governo provincial, foi a vitória estrondosa de Milei. Javier Perez foi um dos que votou em Milei nas eleições primárias e disse estar ansioso para votar de novo nas gerais do próximo dia 22. Ele faz a comparação com sua vida agora e a de seus pais, que, apesar de não terem estudado, puderam comprar uma casa e dar uma vida boa aos filhos. Já ele, que faz um curso na área de saúde na Universidade de San Luis, não tem expectativas de ter um emprego.

Sua amiga, Ana Paula Pereyra, 24, concorda que a vida piorou nos últimos anos e também se vê sem perspectiva de um bom futuro. Mas teme as ideias extremistas de Javier Milei e ainda não sabe exatamente em quem vai votar. Os dois jovens refletem uma realidade que se vê no restante do país: de jovens frustrados com a política tradicional.

Os amigos Javier Perez, Agustín Gonzalez e Ana Paula Pereyra, estudantes da Universidade de San Luis Foto: Carolina Marins/Estadão

“Este é um fenômeno em que a sociedade se vê órfã”, afirma Matías Bianchi, cientista político nascido em San Luis e diretor do Think Tank Asuntos del Sur, “porque o Estado, os empregos públicos – que são a maioria dos empregos das províncias – estão cada vez mais precarizados. Há uma sensação de saturação. Então veem a necessidade de que algo mude e que tudo se exploda. Se tudo já funciona mal, para o eleitor, dá no mesmo. ‘Não tenho mais emprego, não tenho mais futuro, não consigo nem sonhar em comprar um apartamento, comprar uma moto, então que se exploda tudo’”.

Brayan Bondaruk, 25, votou em Claudio Poggi para o governo local porque disse já não acreditar mais na política dos irmãos, e para presidente escolheu Javier Milei porque acredita que a mudança tem que vir de cima. “Quero uma mudança nacional, porque não adianta mudar somente a província”, conta o jovem que trabalha em um mercadinho na Avenida Presidente Illia de San Luis.

O caso mais chamativo da província foi da pequena cidade de Alto Pelado, que fica a 100 km da capital San Luis. O pequeno povoado, que tem um pouco mais de 100 habitantes, escolheu Milei com 70% dos votos, sendo a cidade que mais votou no candidato.

A cidade é marcada pela agricultura e pouca renda, sendo atravessada pela ferrovia General San Martín, que corta o país. “Não me surpreende o voto expressivo em Milei em Alto Pelado porque precisamente nesses povoados pequenos há pessoas que carecem de tudo e veem em Javier uma opção de mudança, porque a nível local não podem votar em outra coisa porque não há outra opção, são sempre as mesmas famílias”, explica Alfonso Recasens, estrategista político que apoia a coalizão de Milei.

O último fenômeno que explica a aposta em Milei em povoados tão afastados de temas como dolarização e venda de órgãos é o alcance do candidato nas redes sociais, o que também explica o seu sucesso em outras províncias consideradas redutos peronistas, como San Juan e Santa Cruz.

“É o fenômeno da algoritmização, em que se produzem bolhas de sentido que chegaram ao eleitor puntano com muito sucesso”, aponta Charly Pereira. “Isso explica porque nas áreas pobres e rurais de San Luis, onde há acesso à Internet ou à televisão, num contexto de desencanto conjunto com o Juntos pela Mudança e o kirchnerismo, a maioria tenha escolhido Milei”.

A pobreza cresceu na província de San Luis, a níveis maiores que as taxas nacionais, provocando cansaço na população Foto: Carolina Marins/Estadão

ENVIADA ESPECIAL A SAN LUIS, ARGENTINA – Em 2018, o então governador da província de San Luis, na Argentina, Alberto Rodríguez Saá, foi o anfitrião de uma importante reunião do peronismo. Ali se pretendia formar uma frente contra o governo neoliberal de Mauricio Macri, já pensando nas eleições de 2019. Cinco anos depois, a província que era considerada um dos redutos mais tradicionais do peronismo deu fim a 40 anos de hegemonia da família Rodriguez Saá, elegendo um governador da oposição. E para presidente, os puntanos – gentílico da província – escolheram Javier Milei com quase 48% dos votos nas primárias de agosto, sendo a segunda província que mais o votou.

Localizada na parte central da Argentina, San Luis é uma província que vive do agronegócio e tem orgulho do seu perfil conservador. Desde a redemocratização, o local vem sendo governado por dois irmãos: Adolfo e Alberto Rodríguez Saá, do Partido Justicialista, o principal do peronismo, fundado por Juan Domingo Perón. Mas diferentemente do que se vê no peronismo mais à esquerda e de bases sindicais da capital Buenos Aires, ali o poder é quase coronelista.

Ao sobrevoar a capital, que também se chama San Luis, é possível ver entre a vegetação mais árida as estradas construídas todas em linha reta. Durante seu governo, que começou em 1983, Adolfo Rodríguez Saá ficou conhecido pelas grandes obras que movimentaram a cidade. Tudo ali, conta a população, tem as mãos dele. O período de grandes obras, orçamento gigante e forte presença do Estado criou uma classe média forte.

Província foi governada nos últimos 40 anos pelos irmãos Adolfo e Alberto Rodríguez Saá Foto: Carolina Marins/Estadão

No auge de sua popularidade, Adolfo chegou a ser presidente da Argentina por 7 dias, depois que Fernando de la Rúa fugiu do país durante a crise do corralito em 2001.

Com o tempo, porém, a classe média começou a ver sua condição minguar, até chegar nos dias de hoje, em que a inflação perto de 140% torna qualquer renda insuficiente. A isso se soma o envelhecimento de Adolfo, que passou o seu bastão para Alberto, o irmão mais novo e menos popular. Alberto manteve a hegemonia familiar até agora, quando seu candidato amargou uma derrota para Claudio Poggi, candidato do Juntos pela Mudança.

“Eu nunca vi nenhum outro governo que não fosse dos Rodríguez Saá”, conta Javier Perez, que tem 23 anos. “Eles fizeram coisas boas, é preciso reconhecer, mas as coisas mudaram agora. A economia vai mal, a educação vai mal, os valores morais estão ruins. É preciso uma mudança drástica”.

Pobreza

“San Luis passou a estar sempre no pódio em indicadores sociais negativos, de pobreza e da pobreza infantil, ou seja, quase sete em cada 10 crianças puntanas são pobres e daí você tem um segmento que é indigente (passa fome)”, afirma Charly Pereira, deputado provincial pela coalizão Juntos pela Mudança de San Luis. “Então existe um voto de vingança, contra nós da classe política, contra o status quo, porque já não há nada a perder”.

De fato, hoje, São Luis apresenta indicadores sociais piores do que os índices nacionais. Se na esfera nacional a pobreza está acima dos 40%, em San Luis ela ultrapassa 47%. A província seria a terceira com mais crianças abaixo da linha da pobreza, atrás de Chaco e Formosa, segundo dados do instituto de estatística argentino.

Adolfo Rodríguez Saá, em foto de 2003 Foto: Marcos Brindicci/Reuters

É frente a este empobrecimento que a população de San Luis justifica a sua mudança de curso político. Os tempos da pandemia também são citados com amargura, em que o governo promoveu um fechamento rigoroso, praticamente isolando a província do resto do país. Para finalizar, os irmãos brigaram entre si – por motivos que não são muito claros – criando uma cisão nessa hegemonia familiar que, no fim, lhes custou o governo.

O novo governador, porém, não é tão novo. Poggi já foi governador de San Luis de 2011 a 2015, mas como parte do governo peronista. Na época, ele era muito próximo dos irmãos e seu governo foi visto como uma continuidade. Dessa vez, ele procurou o Juntos pela Mudança para poder ter força política de competir contra Alberto. E com o rompimento dos irmãos, Poggi ainda contou com a “benção de Adolfo”, em uma espécie de vingança contra Alberto.

Com menos de 500 mil habitantes, San Luis concentra menos de 2% do eleitorado, mas se consolidou como reduto peronista Foto: Carolina Marins/Estadão

“Ainda que seja uma mudança de nomes, não é uma ruptura da política local”, afirma Omar Samper, sociólogo pela Universidade Nacional de San Luis. “Poggi não é um outsider e nem sequer vem dos partidos tradicionais que formam a aliança do Juntos pela Mudança, como por exemplo o radicalismo. Ele vem, digamos, do ‘adolfismo’”.

Mas mesmo não sendo uma ruptura, sua vitória materializou a bronca local com o peronismo. “Porque a estrutura de poder do peronismo está com o governador em retirada, e todos os símbolos partidários, a estrutura partidária, os recursos estatais, tudo isso está com os peronistas. Porém, seu candidato perde. É significativo”.

Alberto Rodríguez Saá, em foto de 2011 Foto: Martin Acosta/Reuters

O fenômeno Javier Milei

Mas mais surpreendente do que a perda do governo provincial, foi a vitória estrondosa de Milei. Javier Perez foi um dos que votou em Milei nas eleições primárias e disse estar ansioso para votar de novo nas gerais do próximo dia 22. Ele faz a comparação com sua vida agora e a de seus pais, que, apesar de não terem estudado, puderam comprar uma casa e dar uma vida boa aos filhos. Já ele, que faz um curso na área de saúde na Universidade de San Luis, não tem expectativas de ter um emprego.

Sua amiga, Ana Paula Pereyra, 24, concorda que a vida piorou nos últimos anos e também se vê sem perspectiva de um bom futuro. Mas teme as ideias extremistas de Javier Milei e ainda não sabe exatamente em quem vai votar. Os dois jovens refletem uma realidade que se vê no restante do país: de jovens frustrados com a política tradicional.

Os amigos Javier Perez, Agustín Gonzalez e Ana Paula Pereyra, estudantes da Universidade de San Luis Foto: Carolina Marins/Estadão

“Este é um fenômeno em que a sociedade se vê órfã”, afirma Matías Bianchi, cientista político nascido em San Luis e diretor do Think Tank Asuntos del Sur, “porque o Estado, os empregos públicos – que são a maioria dos empregos das províncias – estão cada vez mais precarizados. Há uma sensação de saturação. Então veem a necessidade de que algo mude e que tudo se exploda. Se tudo já funciona mal, para o eleitor, dá no mesmo. ‘Não tenho mais emprego, não tenho mais futuro, não consigo nem sonhar em comprar um apartamento, comprar uma moto, então que se exploda tudo’”.

Brayan Bondaruk, 25, votou em Claudio Poggi para o governo local porque disse já não acreditar mais na política dos irmãos, e para presidente escolheu Javier Milei porque acredita que a mudança tem que vir de cima. “Quero uma mudança nacional, porque não adianta mudar somente a província”, conta o jovem que trabalha em um mercadinho na Avenida Presidente Illia de San Luis.

O caso mais chamativo da província foi da pequena cidade de Alto Pelado, que fica a 100 km da capital San Luis. O pequeno povoado, que tem um pouco mais de 100 habitantes, escolheu Milei com 70% dos votos, sendo a cidade que mais votou no candidato.

A cidade é marcada pela agricultura e pouca renda, sendo atravessada pela ferrovia General San Martín, que corta o país. “Não me surpreende o voto expressivo em Milei em Alto Pelado porque precisamente nesses povoados pequenos há pessoas que carecem de tudo e veem em Javier uma opção de mudança, porque a nível local não podem votar em outra coisa porque não há outra opção, são sempre as mesmas famílias”, explica Alfonso Recasens, estrategista político que apoia a coalizão de Milei.

O último fenômeno que explica a aposta em Milei em povoados tão afastados de temas como dolarização e venda de órgãos é o alcance do candidato nas redes sociais, o que também explica o seu sucesso em outras províncias consideradas redutos peronistas, como San Juan e Santa Cruz.

“É o fenômeno da algoritmização, em que se produzem bolhas de sentido que chegaram ao eleitor puntano com muito sucesso”, aponta Charly Pereira. “Isso explica porque nas áreas pobres e rurais de San Luis, onde há acesso à Internet ou à televisão, num contexto de desencanto conjunto com o Juntos pela Mudança e o kirchnerismo, a maioria tenha escolhido Milei”.

A pobreza cresceu na província de San Luis, a níveis maiores que as taxas nacionais, provocando cansaço na população Foto: Carolina Marins/Estadão

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