Cem anos depois da marcha de Benito Mussolini sobre Roma, os italianos vão às urnas neste domingo, 25, em uma eleição que deve marcar a ascensão da direita radical ao poder no país pela primeira vez desde a 2ª Guerra. Giorgia Meloni, do partido Irmãos da Itália, é a favorita para formar uma coalizão de governo, depois de ter se aliado ao populista Matteo Salvini, da Liga, e ao ex-premiê Silvio Berlusconi, do Força Itália.
A ascensão de Meloni, oriunda de um partido ligado ao pós-fascismo, preocupa a União Europeia, em razão de suas posições contrárias a direitos da comunidade LGBT, minorias religiosas e imigrantes, bem como a proximidade de seus aliados com o líder russo, Vladimir Putin.
A união da direita e a fragmentação da esquerda é apontada por analistas como o fator principal para o favoritismo de Meloni. Conhecida pela instabilidade de seu sistema político, a Itália terá de escolher um novo governo depois da queda do gabinete tecnocrático de Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, em julho. Escolhido para um mandato-tampão pelo presidente Sergio Matarella em 2021, no auge da pandemia, Draghi perdeu o apoio dos populistas do Movimento Cinco Estrelas, o que levou à antecipação das eleições, mesmo com a gestão aprovada pela maioria dos italianos.
Com a aliança da direita em torno de Meloni, e o isolamento do Partido Democrático, de centro-esquerda, as pesquisas indicam que a coalizão da candidata deve ter 45% dos votos, com o Irmãos da Itália sendo o partido mais votado, com 25%. Liderado por Enrico Letta, o PD deve ter 22%, segundo o agregador de pesquisas do site Politico.
Em Bruxelas, sede da União Europeia, políticos e diplomatas temem que a vitória de Meloni fortaleça a direita radical no continente, em uma espécie de efeito cascata. Reservadamente, algumas dessas fontes lembram que há poucos dias, a extrema direita entrou na coalizão de governo conservadora na Suécia.
Esse fortalecimento, ainda de acordo com essas fontes, criaria ruídos dentro da unidade do bloco no apoio à Ucrânia contra a invasão russa. O líder húngaro Viktor Órban, com quem Meloni compartilha muitas visões sobre imigração e direitos de minorias, tem contestado ações do bloco contra Moscou e enfraquecido as regras democráticas dentro de seu próprio país.
“Essas mudanças de governo na Suécia e provavelmente na Itália não ajudarão a UE, principalmente na hora de tomar decisões difíceis”, diz Fabian Zuleeg, do Centro Europeu de Políticas Públicas.
Entenda a eleição na Itália
Entre essas decisões, as principais envolvem o apoio à Ucrânia na guerra, em um momento no qual a Rússia ameaça diminuir o fornecimento de energia à UE às portas do inverno. “Com Salvini na coalizão, esqueçam novas sanções à Rússia”, afirma Sebastian Maillard, do Instituto Jacques Delors.
Outro temor dentro da União Europeia, disse um diplomata à France Presse, é que ascensão da direita radical na terceira maior economia do bloco abra caminho para a entrada de partidos extremistas em coalizões conservadoras em outros países no futuro, principalmente na Espanha e na França.
Busca por moderação
Diante dos temores de líderes europeus, Meloni se esforçou ao longo da campanha para demonstrar compromisso com a Otan, no front político, e a zona do euro, no campo econômico. Meloni prometeu não atrapalhar a estabilidade da Itália, nem suas estratégicas. O país, diz ela, não vai dar uma guinada autoritária.
Apesar dos acenos ao centro, no entanto, Meloni no passado classificou o euro como a “moeda errada” e expressou apoio a Órban, à francesa Marine Le Pen e às democracias iliberais do Leste Europeu. Ela também já atacou os “burocratas de Bruxelas” e os “emissários” de George Soros — ecoando uma teoria da conspiração antissemita sobre um mundo supostamente controlado por financiadores judeus internacionalistas.
São nos temas sociais, sobretudo, que a favorita à chefia do governo italiano adota posições mais à direita. Sob o lema “Deus, pátria e família”, ela diz que tudo que o Ocidente defende está sob ataque da “esquerda globalista” e da “ideologia de gênero”. A candidata também se opõe à adoção de crianças por pais gays e tem restrições sobre a prática do aborto.
”Muitos italianos temem que as liberdades pessoais sejam restringidas e que o espaço para a democracia seja reduzido”, explica Lorenzo Codogno, ex-diretor geral do Tesouro italiano. ”Outros se queixam de que o seu partido, Frateli D’Italia, inexperiente, que devem liderar a coalizão, carecem de competência técnica para governar a Itália em seus atuais desafios.”
Os aliados, por outro lado, dizem que Meloni tem o tipo de planos sérios que seus antecessores não tinham, e que ela quer principalmente resolver os problemas econômicos da Itália. Seu discurso é teatral, mas trata principalmente de ideias sobre como aumentar o investimento.
“Todos eles me acusaram de ser fascista durante toda minha vida”, afirmou Meloni. “Mas não me importo, porque, de qualquer maneira, os italianos não acreditam mais nessa bobagem.”/ W.POST, NYT, AP e AFP