Depoimento: 'Em 30 segundos...tudo destruído'


'Estadão' ouve depoimento do jornalista libanês Ali Farhat, que vivenciou a explosão e conta como a população está se mobilizando de maneira solidária

Por Paulo Beraldo

"Hoje eles estão tentando limpar a área e tentando resgatar as pessoas. Ainda tem cerca de 90 desaparecidos. Ninguém sabe se estão no local ou se estão afogados no mar. Todos os dias encontram novos corpos. Esse processo deve levar mais ou menos uma semana. Essa região é um local turístico, comercial, com prédios onde vivem muitas pessoas. É uma região de luxo, com edifícios de valor muito alto, empresas, e a vista da praia. É muito valorizado. O porto não é afastado da cidade, por isso o resultado foi essa calamidade.

Oficiais patrulham área portuária de Beirute Foto: Hannah McKay/Reuters

Não existem palavras que podem descrever essa tristeza e esse pesadelo que vivemos aqui. Libaneses, estrangeiros e turistas. Até quem nunca visitou o Líbano. É uma cena de choque, de tristeza, de choque mesmo. Em 30 segundos uma grande parte da capital mais bonita do Oriente Médio, a capital mais ambiciosa, um porto que é considerado como a porta do Líbano, de alimentos, de medicamentos, de produtos da indústria, o porto da vida do Líbano, de repente... tudo está destruído. 

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Quando você vê essa destruição, você perde as palavras. É um sentimento que dói, que aperta. Você fica pensando: será que um sonho? Reza para que seja um sonho e não realidade. Depois aparece ainda outra cena dolorida. Mães e pais procurando filhos. Alguns eram funcionários do porto, outros estavam pescando na praia, alguns voltavam do trabalho. E aí você olha nos olhos de uma mãe que te pergunta: "você viu meu filho?". Chorando, ela começa a descrever o filho como ela visualiza. "Ele é bonito, tem olhos azuis, é muito simpático". Aquelas palavras de uma mãe que descreve com o coração, e não com as características técnicas. 

São cenas que a gente talvez nunca mais viva. É grande o sofrimento dentro do coração. O Líbano não está vivendo uma guerra. Num estado de guerra, você pode justificar, talvez a sua alma aceite que haja danos materiais, mas você não pode imaginar a decepção e o sofrimento de quem está sentado na sua casa, seguro, vivendo sua vida normal, e depois em segundos você olha a destruição ao seu redor. 

São várias e várias cenas de tristeza. Estamos ainda num momento de choque, analisando, tentando acreditar na realidade e nessa verdadeira catástrofe. Fazia uma semana que eu tinha chegado. Estava no Brasil trabalhando, fiquei seis meses. A gente tem uma comunidade gigante no Brasil, eu sou um membro dela, a gente ama o Brasil. É o nosso segundo país, o nosso segundo paraíso. 

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Essa explosão ocorreu justo no dia em que eu decidi sair de casa, fiz os exames, os testes, e deu tudo negativo, graças a Deus. Estávamos pensando: para onde vamos?

E de repente sentimos como se fosse um terremoto. O prédio todo se movimentando. As crianças se assustaram. Fomos olhar na varanda, moramos no quarto andar, e as pessoas estavam correndo para a direita, para a esquerda. Foi um barulho chocante. Buuuuuuuuum. Nunca ouvi na minha vida nada assim. Nunca. Nada. (pausa). 

Nesse momento você fica imaginando o fim do mundo, que acabou tudo, não tem mais nada. Eu moro a 12 quilômetros. Caiu uma bomba? Qual prédio caiu? Corremos para a tv. As notícias começaram a chegar. Ficamos surpresos que o local estava muito longe. Como conseguimos sentir isso a 12 quilômetros, cheio de prédios? Beirute é um local cheio de construções, não é um local vazio. Parecia uma bomba. Guerra mesmo, de exércitos, de tanques. 

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Como pode chegar tão longe, vidros quebrados, janelas quebradas, casas destruídas. É uma coisa que nenhum pensamento pode imaginar. Nem nos filmes. Eu fui passar por avenidas, algumas bem longe do local, e tudo quebrado. Além do susto. Um susto que você não pode imaginar. Nunca imaginei a capital do meu país desse jeito. Em 30 segundos... (pausa). 

Entrevistei pessoas feridas em casas, em hospitais e uma delas falou: foram 30 segundos para perder minha casa, meu carro, meu pé. Para mudar o rumo da minha vida. Só 30 segundos. Nada mais, nada menos. (som de sirene ao fundo).

Está ouvindo essa sirene? Os bairros de Beirute estão assim. Ambulâncias e sirenes todos os momentos. Essa cidade tão bonita, tão carinhosa, o local de todos os turistas, todos que vêm se apaixonam. Essa cidade viva, que trabalha 24 horas, restaurantes 24 horas. E no auge da pandemia essa cidade não fechou, não ficou triste, não ficou vazia. E, agora, de repente... cai tudo. Você sente que não pode fazer muita coisa. 

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As pessoas até esqueceram da pandemia. Ficaram resgatando pessoas sem máscaras, ajudando. Esqueceram do vírus, é algo bem pequeno comparado com essa catástrofe que está acontecendo aqui. A explosão destruiu três hospitais. Três hospitais em 30 segundos. O Líbano é um país pequeno, não pode perder três hospitais assim. Eles estavam cheios de pacientes, a pandemia lotou hospitais. E temos 5 mil feridos, mas muitos são ferimentos leves, de vidro.

Não havia médicos suficientes para atender todo mundo, pessoas se tratando nos corredores, nas ruas perto dos hospitais. Teve uma imagem de uma mulher que ganhou um bebê e estava abraçada com ele e tudo destruído ao seu redor, escombros, e ela na cama. Uma imagem bem expressiva. 

Graças a Deus o governo, as associações, os voluntários, o país conseguiu atender todo mundo. Ninguém ficou sem tratamento. Os países amigos mandaram médicos, estrutura. A Síria abriu as portas para os libanesas, centenas de pacientes estão lá. Então, houve também cenas bonitas diante de toda essa tristeza. Houve colaboração, apoio, sacrifício.

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As pessoas abriram as casas delas. Tivemos quase 300 mil pessoas desabrigadas. Perderam suas casas totalmente e outros abriram as portas, os hotéis abriram, tem famílias declarando no Facebook, no Instagram, que quem precisa de um quarto pode ir para suas casas. Tem gente distribuindo comida nas ruas. É uma cena de muito sacrifício, mas em momentos assim o Líbano respirou por causa desses voluntários, desses amigos, de todas as pessoas que colocaram sua vida para resgatar. O mais importante agora é revelar o destino das pessoas desaparecidas".

"Hoje eles estão tentando limpar a área e tentando resgatar as pessoas. Ainda tem cerca de 90 desaparecidos. Ninguém sabe se estão no local ou se estão afogados no mar. Todos os dias encontram novos corpos. Esse processo deve levar mais ou menos uma semana. Essa região é um local turístico, comercial, com prédios onde vivem muitas pessoas. É uma região de luxo, com edifícios de valor muito alto, empresas, e a vista da praia. É muito valorizado. O porto não é afastado da cidade, por isso o resultado foi essa calamidade.

Oficiais patrulham área portuária de Beirute Foto: Hannah McKay/Reuters

Não existem palavras que podem descrever essa tristeza e esse pesadelo que vivemos aqui. Libaneses, estrangeiros e turistas. Até quem nunca visitou o Líbano. É uma cena de choque, de tristeza, de choque mesmo. Em 30 segundos uma grande parte da capital mais bonita do Oriente Médio, a capital mais ambiciosa, um porto que é considerado como a porta do Líbano, de alimentos, de medicamentos, de produtos da indústria, o porto da vida do Líbano, de repente... tudo está destruído. 

Quando você vê essa destruição, você perde as palavras. É um sentimento que dói, que aperta. Você fica pensando: será que um sonho? Reza para que seja um sonho e não realidade. Depois aparece ainda outra cena dolorida. Mães e pais procurando filhos. Alguns eram funcionários do porto, outros estavam pescando na praia, alguns voltavam do trabalho. E aí você olha nos olhos de uma mãe que te pergunta: "você viu meu filho?". Chorando, ela começa a descrever o filho como ela visualiza. "Ele é bonito, tem olhos azuis, é muito simpático". Aquelas palavras de uma mãe que descreve com o coração, e não com as características técnicas. 

São cenas que a gente talvez nunca mais viva. É grande o sofrimento dentro do coração. O Líbano não está vivendo uma guerra. Num estado de guerra, você pode justificar, talvez a sua alma aceite que haja danos materiais, mas você não pode imaginar a decepção e o sofrimento de quem está sentado na sua casa, seguro, vivendo sua vida normal, e depois em segundos você olha a destruição ao seu redor. 

São várias e várias cenas de tristeza. Estamos ainda num momento de choque, analisando, tentando acreditar na realidade e nessa verdadeira catástrofe. Fazia uma semana que eu tinha chegado. Estava no Brasil trabalhando, fiquei seis meses. A gente tem uma comunidade gigante no Brasil, eu sou um membro dela, a gente ama o Brasil. É o nosso segundo país, o nosso segundo paraíso. 

Essa explosão ocorreu justo no dia em que eu decidi sair de casa, fiz os exames, os testes, e deu tudo negativo, graças a Deus. Estávamos pensando: para onde vamos?

E de repente sentimos como se fosse um terremoto. O prédio todo se movimentando. As crianças se assustaram. Fomos olhar na varanda, moramos no quarto andar, e as pessoas estavam correndo para a direita, para a esquerda. Foi um barulho chocante. Buuuuuuuuum. Nunca ouvi na minha vida nada assim. Nunca. Nada. (pausa). 

Nesse momento você fica imaginando o fim do mundo, que acabou tudo, não tem mais nada. Eu moro a 12 quilômetros. Caiu uma bomba? Qual prédio caiu? Corremos para a tv. As notícias começaram a chegar. Ficamos surpresos que o local estava muito longe. Como conseguimos sentir isso a 12 quilômetros, cheio de prédios? Beirute é um local cheio de construções, não é um local vazio. Parecia uma bomba. Guerra mesmo, de exércitos, de tanques. 

Como pode chegar tão longe, vidros quebrados, janelas quebradas, casas destruídas. É uma coisa que nenhum pensamento pode imaginar. Nem nos filmes. Eu fui passar por avenidas, algumas bem longe do local, e tudo quebrado. Além do susto. Um susto que você não pode imaginar. Nunca imaginei a capital do meu país desse jeito. Em 30 segundos... (pausa). 

Entrevistei pessoas feridas em casas, em hospitais e uma delas falou: foram 30 segundos para perder minha casa, meu carro, meu pé. Para mudar o rumo da minha vida. Só 30 segundos. Nada mais, nada menos. (som de sirene ao fundo).

Está ouvindo essa sirene? Os bairros de Beirute estão assim. Ambulâncias e sirenes todos os momentos. Essa cidade tão bonita, tão carinhosa, o local de todos os turistas, todos que vêm se apaixonam. Essa cidade viva, que trabalha 24 horas, restaurantes 24 horas. E no auge da pandemia essa cidade não fechou, não ficou triste, não ficou vazia. E, agora, de repente... cai tudo. Você sente que não pode fazer muita coisa. 

As pessoas até esqueceram da pandemia. Ficaram resgatando pessoas sem máscaras, ajudando. Esqueceram do vírus, é algo bem pequeno comparado com essa catástrofe que está acontecendo aqui. A explosão destruiu três hospitais. Três hospitais em 30 segundos. O Líbano é um país pequeno, não pode perder três hospitais assim. Eles estavam cheios de pacientes, a pandemia lotou hospitais. E temos 5 mil feridos, mas muitos são ferimentos leves, de vidro.

Não havia médicos suficientes para atender todo mundo, pessoas se tratando nos corredores, nas ruas perto dos hospitais. Teve uma imagem de uma mulher que ganhou um bebê e estava abraçada com ele e tudo destruído ao seu redor, escombros, e ela na cama. Uma imagem bem expressiva. 

Graças a Deus o governo, as associações, os voluntários, o país conseguiu atender todo mundo. Ninguém ficou sem tratamento. Os países amigos mandaram médicos, estrutura. A Síria abriu as portas para os libanesas, centenas de pacientes estão lá. Então, houve também cenas bonitas diante de toda essa tristeza. Houve colaboração, apoio, sacrifício.

As pessoas abriram as casas delas. Tivemos quase 300 mil pessoas desabrigadas. Perderam suas casas totalmente e outros abriram as portas, os hotéis abriram, tem famílias declarando no Facebook, no Instagram, que quem precisa de um quarto pode ir para suas casas. Tem gente distribuindo comida nas ruas. É uma cena de muito sacrifício, mas em momentos assim o Líbano respirou por causa desses voluntários, desses amigos, de todas as pessoas que colocaram sua vida para resgatar. O mais importante agora é revelar o destino das pessoas desaparecidas".

"Hoje eles estão tentando limpar a área e tentando resgatar as pessoas. Ainda tem cerca de 90 desaparecidos. Ninguém sabe se estão no local ou se estão afogados no mar. Todos os dias encontram novos corpos. Esse processo deve levar mais ou menos uma semana. Essa região é um local turístico, comercial, com prédios onde vivem muitas pessoas. É uma região de luxo, com edifícios de valor muito alto, empresas, e a vista da praia. É muito valorizado. O porto não é afastado da cidade, por isso o resultado foi essa calamidade.

Oficiais patrulham área portuária de Beirute Foto: Hannah McKay/Reuters

Não existem palavras que podem descrever essa tristeza e esse pesadelo que vivemos aqui. Libaneses, estrangeiros e turistas. Até quem nunca visitou o Líbano. É uma cena de choque, de tristeza, de choque mesmo. Em 30 segundos uma grande parte da capital mais bonita do Oriente Médio, a capital mais ambiciosa, um porto que é considerado como a porta do Líbano, de alimentos, de medicamentos, de produtos da indústria, o porto da vida do Líbano, de repente... tudo está destruído. 

Quando você vê essa destruição, você perde as palavras. É um sentimento que dói, que aperta. Você fica pensando: será que um sonho? Reza para que seja um sonho e não realidade. Depois aparece ainda outra cena dolorida. Mães e pais procurando filhos. Alguns eram funcionários do porto, outros estavam pescando na praia, alguns voltavam do trabalho. E aí você olha nos olhos de uma mãe que te pergunta: "você viu meu filho?". Chorando, ela começa a descrever o filho como ela visualiza. "Ele é bonito, tem olhos azuis, é muito simpático". Aquelas palavras de uma mãe que descreve com o coração, e não com as características técnicas. 

São cenas que a gente talvez nunca mais viva. É grande o sofrimento dentro do coração. O Líbano não está vivendo uma guerra. Num estado de guerra, você pode justificar, talvez a sua alma aceite que haja danos materiais, mas você não pode imaginar a decepção e o sofrimento de quem está sentado na sua casa, seguro, vivendo sua vida normal, e depois em segundos você olha a destruição ao seu redor. 

São várias e várias cenas de tristeza. Estamos ainda num momento de choque, analisando, tentando acreditar na realidade e nessa verdadeira catástrofe. Fazia uma semana que eu tinha chegado. Estava no Brasil trabalhando, fiquei seis meses. A gente tem uma comunidade gigante no Brasil, eu sou um membro dela, a gente ama o Brasil. É o nosso segundo país, o nosso segundo paraíso. 

Essa explosão ocorreu justo no dia em que eu decidi sair de casa, fiz os exames, os testes, e deu tudo negativo, graças a Deus. Estávamos pensando: para onde vamos?

E de repente sentimos como se fosse um terremoto. O prédio todo se movimentando. As crianças se assustaram. Fomos olhar na varanda, moramos no quarto andar, e as pessoas estavam correndo para a direita, para a esquerda. Foi um barulho chocante. Buuuuuuuuum. Nunca ouvi na minha vida nada assim. Nunca. Nada. (pausa). 

Nesse momento você fica imaginando o fim do mundo, que acabou tudo, não tem mais nada. Eu moro a 12 quilômetros. Caiu uma bomba? Qual prédio caiu? Corremos para a tv. As notícias começaram a chegar. Ficamos surpresos que o local estava muito longe. Como conseguimos sentir isso a 12 quilômetros, cheio de prédios? Beirute é um local cheio de construções, não é um local vazio. Parecia uma bomba. Guerra mesmo, de exércitos, de tanques. 

Como pode chegar tão longe, vidros quebrados, janelas quebradas, casas destruídas. É uma coisa que nenhum pensamento pode imaginar. Nem nos filmes. Eu fui passar por avenidas, algumas bem longe do local, e tudo quebrado. Além do susto. Um susto que você não pode imaginar. Nunca imaginei a capital do meu país desse jeito. Em 30 segundos... (pausa). 

Entrevistei pessoas feridas em casas, em hospitais e uma delas falou: foram 30 segundos para perder minha casa, meu carro, meu pé. Para mudar o rumo da minha vida. Só 30 segundos. Nada mais, nada menos. (som de sirene ao fundo).

Está ouvindo essa sirene? Os bairros de Beirute estão assim. Ambulâncias e sirenes todos os momentos. Essa cidade tão bonita, tão carinhosa, o local de todos os turistas, todos que vêm se apaixonam. Essa cidade viva, que trabalha 24 horas, restaurantes 24 horas. E no auge da pandemia essa cidade não fechou, não ficou triste, não ficou vazia. E, agora, de repente... cai tudo. Você sente que não pode fazer muita coisa. 

As pessoas até esqueceram da pandemia. Ficaram resgatando pessoas sem máscaras, ajudando. Esqueceram do vírus, é algo bem pequeno comparado com essa catástrofe que está acontecendo aqui. A explosão destruiu três hospitais. Três hospitais em 30 segundos. O Líbano é um país pequeno, não pode perder três hospitais assim. Eles estavam cheios de pacientes, a pandemia lotou hospitais. E temos 5 mil feridos, mas muitos são ferimentos leves, de vidro.

Não havia médicos suficientes para atender todo mundo, pessoas se tratando nos corredores, nas ruas perto dos hospitais. Teve uma imagem de uma mulher que ganhou um bebê e estava abraçada com ele e tudo destruído ao seu redor, escombros, e ela na cama. Uma imagem bem expressiva. 

Graças a Deus o governo, as associações, os voluntários, o país conseguiu atender todo mundo. Ninguém ficou sem tratamento. Os países amigos mandaram médicos, estrutura. A Síria abriu as portas para os libanesas, centenas de pacientes estão lá. Então, houve também cenas bonitas diante de toda essa tristeza. Houve colaboração, apoio, sacrifício.

As pessoas abriram as casas delas. Tivemos quase 300 mil pessoas desabrigadas. Perderam suas casas totalmente e outros abriram as portas, os hotéis abriram, tem famílias declarando no Facebook, no Instagram, que quem precisa de um quarto pode ir para suas casas. Tem gente distribuindo comida nas ruas. É uma cena de muito sacrifício, mas em momentos assim o Líbano respirou por causa desses voluntários, desses amigos, de todas as pessoas que colocaram sua vida para resgatar. O mais importante agora é revelar o destino das pessoas desaparecidas".

"Hoje eles estão tentando limpar a área e tentando resgatar as pessoas. Ainda tem cerca de 90 desaparecidos. Ninguém sabe se estão no local ou se estão afogados no mar. Todos os dias encontram novos corpos. Esse processo deve levar mais ou menos uma semana. Essa região é um local turístico, comercial, com prédios onde vivem muitas pessoas. É uma região de luxo, com edifícios de valor muito alto, empresas, e a vista da praia. É muito valorizado. O porto não é afastado da cidade, por isso o resultado foi essa calamidade.

Oficiais patrulham área portuária de Beirute Foto: Hannah McKay/Reuters

Não existem palavras que podem descrever essa tristeza e esse pesadelo que vivemos aqui. Libaneses, estrangeiros e turistas. Até quem nunca visitou o Líbano. É uma cena de choque, de tristeza, de choque mesmo. Em 30 segundos uma grande parte da capital mais bonita do Oriente Médio, a capital mais ambiciosa, um porto que é considerado como a porta do Líbano, de alimentos, de medicamentos, de produtos da indústria, o porto da vida do Líbano, de repente... tudo está destruído. 

Quando você vê essa destruição, você perde as palavras. É um sentimento que dói, que aperta. Você fica pensando: será que um sonho? Reza para que seja um sonho e não realidade. Depois aparece ainda outra cena dolorida. Mães e pais procurando filhos. Alguns eram funcionários do porto, outros estavam pescando na praia, alguns voltavam do trabalho. E aí você olha nos olhos de uma mãe que te pergunta: "você viu meu filho?". Chorando, ela começa a descrever o filho como ela visualiza. "Ele é bonito, tem olhos azuis, é muito simpático". Aquelas palavras de uma mãe que descreve com o coração, e não com as características técnicas. 

São cenas que a gente talvez nunca mais viva. É grande o sofrimento dentro do coração. O Líbano não está vivendo uma guerra. Num estado de guerra, você pode justificar, talvez a sua alma aceite que haja danos materiais, mas você não pode imaginar a decepção e o sofrimento de quem está sentado na sua casa, seguro, vivendo sua vida normal, e depois em segundos você olha a destruição ao seu redor. 

São várias e várias cenas de tristeza. Estamos ainda num momento de choque, analisando, tentando acreditar na realidade e nessa verdadeira catástrofe. Fazia uma semana que eu tinha chegado. Estava no Brasil trabalhando, fiquei seis meses. A gente tem uma comunidade gigante no Brasil, eu sou um membro dela, a gente ama o Brasil. É o nosso segundo país, o nosso segundo paraíso. 

Essa explosão ocorreu justo no dia em que eu decidi sair de casa, fiz os exames, os testes, e deu tudo negativo, graças a Deus. Estávamos pensando: para onde vamos?

E de repente sentimos como se fosse um terremoto. O prédio todo se movimentando. As crianças se assustaram. Fomos olhar na varanda, moramos no quarto andar, e as pessoas estavam correndo para a direita, para a esquerda. Foi um barulho chocante. Buuuuuuuuum. Nunca ouvi na minha vida nada assim. Nunca. Nada. (pausa). 

Nesse momento você fica imaginando o fim do mundo, que acabou tudo, não tem mais nada. Eu moro a 12 quilômetros. Caiu uma bomba? Qual prédio caiu? Corremos para a tv. As notícias começaram a chegar. Ficamos surpresos que o local estava muito longe. Como conseguimos sentir isso a 12 quilômetros, cheio de prédios? Beirute é um local cheio de construções, não é um local vazio. Parecia uma bomba. Guerra mesmo, de exércitos, de tanques. 

Como pode chegar tão longe, vidros quebrados, janelas quebradas, casas destruídas. É uma coisa que nenhum pensamento pode imaginar. Nem nos filmes. Eu fui passar por avenidas, algumas bem longe do local, e tudo quebrado. Além do susto. Um susto que você não pode imaginar. Nunca imaginei a capital do meu país desse jeito. Em 30 segundos... (pausa). 

Entrevistei pessoas feridas em casas, em hospitais e uma delas falou: foram 30 segundos para perder minha casa, meu carro, meu pé. Para mudar o rumo da minha vida. Só 30 segundos. Nada mais, nada menos. (som de sirene ao fundo).

Está ouvindo essa sirene? Os bairros de Beirute estão assim. Ambulâncias e sirenes todos os momentos. Essa cidade tão bonita, tão carinhosa, o local de todos os turistas, todos que vêm se apaixonam. Essa cidade viva, que trabalha 24 horas, restaurantes 24 horas. E no auge da pandemia essa cidade não fechou, não ficou triste, não ficou vazia. E, agora, de repente... cai tudo. Você sente que não pode fazer muita coisa. 

As pessoas até esqueceram da pandemia. Ficaram resgatando pessoas sem máscaras, ajudando. Esqueceram do vírus, é algo bem pequeno comparado com essa catástrofe que está acontecendo aqui. A explosão destruiu três hospitais. Três hospitais em 30 segundos. O Líbano é um país pequeno, não pode perder três hospitais assim. Eles estavam cheios de pacientes, a pandemia lotou hospitais. E temos 5 mil feridos, mas muitos são ferimentos leves, de vidro.

Não havia médicos suficientes para atender todo mundo, pessoas se tratando nos corredores, nas ruas perto dos hospitais. Teve uma imagem de uma mulher que ganhou um bebê e estava abraçada com ele e tudo destruído ao seu redor, escombros, e ela na cama. Uma imagem bem expressiva. 

Graças a Deus o governo, as associações, os voluntários, o país conseguiu atender todo mundo. Ninguém ficou sem tratamento. Os países amigos mandaram médicos, estrutura. A Síria abriu as portas para os libanesas, centenas de pacientes estão lá. Então, houve também cenas bonitas diante de toda essa tristeza. Houve colaboração, apoio, sacrifício.

As pessoas abriram as casas delas. Tivemos quase 300 mil pessoas desabrigadas. Perderam suas casas totalmente e outros abriram as portas, os hotéis abriram, tem famílias declarando no Facebook, no Instagram, que quem precisa de um quarto pode ir para suas casas. Tem gente distribuindo comida nas ruas. É uma cena de muito sacrifício, mas em momentos assim o Líbano respirou por causa desses voluntários, desses amigos, de todas as pessoas que colocaram sua vida para resgatar. O mais importante agora é revelar o destino das pessoas desaparecidas".

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