A organização de direitos humanos Human Rights Watch publicou nesta terça-feira, 27, uma carta direcionada aos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Gustavo Petro da Colômbia e Andrés Manuel López Obrador do México, na qual expressa preocupação com propostas dos três países para a crise política na Venezuela.
O primeiro objeto de preocupação é com a sugestão de novas eleições no país, como vem defendendo Lula e Petro. “Uma premissa básica de qualquer eleição é que deve refletir a vontade expressa do povo e resultar na transferência pacífica do poder para o candidato ou candidatos vencedores de acordo com fórmulas pré-estabelecidas”, diz o documento assinado por Juanita Goebertus Estrada, diretora da divisão das Américas da HRW.
“Refazer a eleição porque o governo de Maduro não está disposto a divulgar e aceitar o resultado de 28 de julho seria um escárnio a esses princípios”, continua. “Essa proposta seria inaceitável em qualquer país, mas seria particularmente problemática na Venezuela, dadas as barreiras significativas que os eleitores e candidatos foram forçados a superar para participar das eleições de 28 de julho, incluindo violações generalizadas dos direitos humanos, que fizeram dessas eleições um processo com uma notória desigualdade de força e colocaram muitos eleitores e candidatos em risco de sofrer abusos por parte do governo”.
Embora a ideia tenha sido rejeitada por ambos os lados na Venezuela, Lula voltou a defender novas eleições na Venezuela durante uma reunião com líderes da Câmara na noite de segunda-feira, 26. Segundo apurou o Broadcast Político, Lula leu para os deputados a carta que escreveu junto com Petro sobre a situação venezuelana. Logo depois, disse que, se fosse Nicolás Maduro, convocaria novas eleições no país.
A conversa sobre novas eleições começou em 13 de agosto quando o assessor especial para a Presidência, Celso Amorim, aventou a possibilidade durante uma entrevista. No dia seguinte, o próprio Lula defendeu a proposta em entrevista a Radio T de Curitiba. Não houve mais detalhes sobre a proposta, mas, segundo Amorim, seria uma espécie de segundo turno entre Maduro e Edmundo González Urrutia, o candidato da oposição. A lei eleitoral venezuelana não prevê um segundo turno.
A líder da oposição, María Corina Machado, chamou a sugestão de “falta de respeito”, enquanto Maduro disse, sem citar Lula, que a Venezuela era um país soberano e independente. Analistas também questionaram a sugestão argumentando que o problema na Venezuela não foi o pleito em si, mas as violações de direitos antes e depois.
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“Embora rejeitemos a ideia de repetir a eleição, concordamos com seus governos de que uma solução para a crise na Venezuela deveria incluir garantias para que todos os partidos políticos participem dos assuntos públicos”, continuou a carta da HRW.
Justiça
Outro ponto levantado pela instituição foi a confiança no Tribunal Supremo de Justiça para resolver a crise. “Vários especialistas venezuelanos questionaram se a Câmara Eleitoral da Suprema Corte tinha a competência para resolver esse caso. Mais importante, diversas autoridades internacionais, incluindo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, concordam que o tribunal carece de independência e credibilidade”, diz.
A minuta continua apontando exemplos que demonstram a falta de independência e imparcialidade da Corte, tais como conexões com o partido no poder, nomeações irregulares de juízes, inabilitação de candidatos e a mensagem da Corte parabenizando a Maduro um dia após o anúncio contestado dos resultados pelo Conselho Nacional Eleitoral.
O presidente mexicano é quem mais argumenta em favor da resolução da crise via Justiça venezuelana. Obrador disse que iria esperar a decisão da Corte antes de se pronunciar reconhecendo um resultado. Na última quinta-feira, 22, a Justiça ratificou a vitória de Maduro e apenas exigiu que fosse publicadas as atas com o resultado definitivo e não desagregado por sessão eleitoral, como manda a lei. Depois da decisão, AMLO preferiu a cautela e defendeu a publicação correta das atas.
O próprio Lula chegou a sugerir, depois das eleições, que se a oposição discordasse dos resultados eleitorais, “que procurasse os tribunais”. A Justiça venezuelana, porém, tem o histórico de nunca votar contra o chavismo e é acusada de perseguir seus opositores políticos.
Carta da HRW a Lula, Petro e AMLO
Anistia
Por fim, a HRW cita a proposta de Petro de uma “anistia geral” de alcance “nacional e internacional” aos atores envolvidos. “A Missão [de Apuração da ONU] identificou motivos razoáveis para acreditar que membros do governo Maduro cometeram crimes contra a humanidade, incluindo execuções extrajudiciais, prisões arbitrárias e tortura. Paralelamente, o escritório da Procuradoria do TPI vem conduzindo uma investigação sobre crimes contra a humanidade no país desde 2021.”
“Respeitar as obrigações previstas no direito internacional dos direitos humanos provavelmente exigirá investigações criminais estratégicas que priorizem os grandes responsáveis pelas atrocidades e se concentrem nos piores e mais notórios crimes.”
Cientistas políticos afirmam que algum nível de anistia terá de ser discutida caso o chavismo aceite ir à mesa de negociação novamente, caso contrário não haverá transição de poder. Por isso, a organização fala em “anistia condicionada”.
“Como mostra a experiência recente na Colômbia, as anistias condicionadas que não sejam absolutas também podem ter um papel a desempenhar neste contexto. No entanto, a proposta formulada em termos vagos pelo Presidente Petro parece violar o direito internacional e afetaria os direitos das vítimas de atrocidades”, diz.
A carta finaliza pedindo aos presidentes para que considerem as recomendações da organização “ao prosseguir com seus valiosos esforços para encontrar uma solução para a crise na Venezuela.”