Em defesa da paranoia dos republicanos após operação na casa de Trump; leia análise


Investigações sobre figuras proeminentes de um partido realizada por autoridades do outro partido não serão recebidas com atitude relaxada e entendimento simpático

Por Rich Lowry*

THE NEW YORK TIMES - A reação à operação de busca do FBI na propriedade de Donald Trump em Mar-a-Lago ocasionou críticas imediatas e furiosas entre os republicanos. Mesmo depois de dois anos de indignação política em relação aos pedidos da esquerda pelo desfinanciamento da polícia, vozes da direita estão pedindo a abolição da agência federal de policiamento. Impulsionados pela demagogia característica de Trump, seus apoiadores imediatamente tiraram as piores e mais obscuras conclusões possíveis sem parar para pensar a respeito dos fatos e miraram suas críticas diretamente no FBI enquanto instituição.

Isso levou a uma chacota em relação aos republicanos, por serem favoráveis ao policiamento apenas seletivamente. A retórica passa dos limites — com frequência de maneira estarrecedora — e não vamos deixar de considerar o FBI e suas investigações sobre terroristas, gangues de narcotraficantes, agentes estrangeiros e tantas outras expressões de criminalidade.

É impossível entender a reação dos republicanos em relação à batida em Mar-a-Lago, contudo, sem levar em conta o contexto da investigação das relações de Trump com a Rússia durante sua campanha de 2016 que perpassou os dois primeiros anos de sua presidência. Se a situação fosse inversa e um democrata graduado fosse alvo de uma investigação similar, a esquerda estaria tão suspeita quanto em relação às autoridades e defenderia seu alvo da mesma maneira que a direita tem defendido o ex-presidente.

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Apoiadora de Trump ergue cartaz pedindo o corte do financiamento do FBI perto da casa do ex-presidente em Mar-a-Lago. Foto: Eduardo Munoz/ REUTERS - 09/08/2022

É parte do nosso caráter nacional sustentar uma desconfiança profundamente arraigada em relação ao poder político, especialmente o poder Executivo, e é por esta razão que ambos os lados dos nossos campos políticos têm suspeitado do outro por conspirar para estabelecer uma ditadura desde o tempo dos Federalistas e dos democratas-republicanos na década de 1790.

Isso significa que investigações sobre figuras proeminentes de um partido realizada por autoridades do outro partido não serão recebidas com atitude relaxada e entendimento simpático.

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George W. Bush é considerado agora uma figura relativamente benigna de uma era passada, pré-Trump. Vale lembrar, porém, que sua presidência foi vista através das lentes mais hostis e paranóicas, enquanto advento de um autoritarismo americano sob o pretexto da guerra contra o terror.

Se o Departamento de Justiça de Bush tivesse revistado os escritórios do ex-vice-presidente Al Gore e do ex-senador John Kerry, a reação na centro-esquerda provavelmente não teria sido: “Vamos esperar para ver — talvez os agentes do FBI que conduziram a busca descobriram algum material realmente perturbador, e com mandato mandado de um juiz; então, o que poderia haver de errado?”.

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Da última vez que houve uma investigação significativa envolvendo um presidente democrata, Bill Clinton, os democratas travaram guerra total contra o procurador do caso. O conselheiro independente Ken Starr tinha um passado republicano, mas não estava trabalhando para o governo republicano. Ele foi apontado por um painel de três magistrados depois que a procuradora-geral do próprio Clinton, Janet Reno, determinou a investigação.

Investigações de conselheiros independentes tendem a fugir do controle, e os democratas ficaram compreensivelmente horrorizados com o fato de uma investigação a respeito de uma negociação de terras, o caso Whitewater, ter se transformado em uma investigação a respeito do acobertamento de um escândalo sexual, o caso Monica Lewinsky. Ainda assim, Starr e seus investigadores foram retratados como macartistas obcecados por sexo, que usavam táticas da Gestapo para tentar forçar a renúncia de um presidente.

Um importante elemento da reação democrata foi uma teoria conspiratória — não uma sugestão sutil de conspiração, mas a repetida e explícita invocação de uma “vasta conspiração da direita”, segundo as famosas palavras de Hillary Clinton.

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Quando a conta de e-mail pertencente a Hillary Clinton quando ela ocupava o cargo de secretária de Estado passou a ser investigada pelo FBI, no início de 2015, a reação de seu partido foi igualmente áspera. A investigação, diziam os democratas, era, na melhor das hipóteses, desproporcional — e até sexista. Quando James Comey revelou publicamente que o FBI estava analisando e-mails recentemente descobertos, já no fim da campanha, a campanha de Hillary lançou um “ataque feroz contra o diretor do FBI”, conforme noticiou na época o The New York Times.

Agentes em frente ao condomínio de Mar-a-Lago, na Flórida. Foto: Josh Ritchie/The New York Times - 08/08/2022

Os democratas tinham bons motivos para reclamar sobre a maneira que Comey violou diretrizes do FBI ao comentar repetidamente a respeito do caso de Hillary. O que eles não consideraram foi a maneira que Comey passou de vilão para os democratas, em razão da maneira dúbia com que conduziu a investigação sobre os e-mails de Hillary, a herói dos democratas, em razão da maneira dúbia com que conduziu a investigação sobre as relações de Trump com a Rússia.

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A investigação sobre a Rússia foi um fiasco nacional, que trouxe descrédito ao FBI e a todos que participaram de seus procedimentos. A investigação apresentava de cara um dossiê claramente ridículo produzido pela campanha de Hillary, eventualmente ocasionando uma investigação de conselheiro independente que passou a tratar, em grau significativo, de si mesma e da culpabilidade de Trump por uma suposta obstrução. Pessoas presumivelmente mais precavidas foram pegas por um frenesi alimentar e especularam que “o cerco estava se fechando” em torno de Trump a respeito de ele poder ter trabalhado por interesses da Rússia ao longo de várias décadas.

Tudo isso ruiu sem quase ninguém expressar algum arrependimento pelo psicodrama que se estendeu por anos. Seria melhor que mais pessoas reconhecessem — por mais complicada que seja a vida — que mesmo alguém que você odeia pode ser tratado de forma injusta.

A experiência comprova que nenhum republicano aceitará garantias a respeito da operação de busca em Mar-a-Lago — nem sobre qualquer outra investigação que envolva Trump — por seu valor de face.

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Apontar para condutas similares ao longo dos anos por parte dos adversários de Trump não precisa ser um exercício de justificar os excessos e lapsos de Trump, mas pode ser útil como meio para estabelecer uma base para a maneira que partidos políticos reagem naturalmente sob tais circunstâncias e como um alerta contra causar displicentemente uma conflagração política com consequências imprevisíveis e possivelmente nefastas.

Ao contrário do que a esquerda pode dizer a si mesma, não apenas os republicanos tolamente sujeitos a Trump poderiam tornar-se animosos contra uma ação policial sensível politicamente.

Todas as investigações criminais envolvendo Trump e seus colaboradores — relacionadas ao 6 de Janeiro, à manipulação indevida de documentos confidenciais por parte do ex-presidente, aos votos eleitorais de Geórgia ou à empresa de Trump — estão sendo conduzidas por partidários dos democratas em nível federal ou local, que têm todo o incentivo para pregá-lo na cruz. Não se trata de uma fórmula para a legitimidade. O procurador-geral Merrick Garland, em particular, tem sido sujeitado a uma campanha de pressão política aberta e intensa para acioná-lo contra Trump.

Outro obstáculo a uma aceitação ampla de um possível indiciamento de Trump pelo 6 de Janeiro é que, a não ser que haja uma prova contundente a respeito da qual não estamos cientes, dificilmente se constituirá um flagrante. Trump não atirou em alguém na 5.ª Avenida, em seu caso, balística e testemunhas não são capazes de estabelecer cabalmente que ele é culpado de um crime frequente e processado adequadamente. Ele empreendeu um delito político contra nosso sistema constitucional que códigos criminais são mal equipados para processar, não importando quão infame tenha sido a conduta. Um indiciamento acusando-o de obstruir o Congresso ou defraudar o governo americano dependerá de interpretações pioneiras da lei e apresentará questões legais inteiramente novas que, na melhor das hipóteses para a acusação, levarão anos para ser solucionadas e, na pior, levarão em última instância ao colapso do caso.

Um caso inerentemente carregado de política é o pior campo de teste para argumentos legais pioneiros e apenas amplificará suspeitas de que a lei está sendo corrompida e transformada em ferramenta política.

Se é difícil demais neste momento para os democratas imaginar como deveriam reagir a um processo desse tipo contra um de seus próprios quadros, logo eles poderão ter uma noção clara a esse respeito. Um indiciamento de Trump ocasionaria retaliação, e se os republicanos reassumirem a Casa Branca, poderia-se esperar um Departamento de Justiça motivado e sob controle republicano que persiga agressivamente uma razão para indiciar Joe Biden por causa das práticas empresariais de seu filho Hunter.

No tumulto sobre o indiciamento de Trump, ambos os lados se acusarão de violar normas e tradições do país. Mas não há nenhuma dúvida de que uma resposta furiosa dos republicanos, profundamente desconfiados em relação às autoridades e abertamente desafiadores, seria uma reação profundamente americana./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Lowry é editor-chefe da revista National Review

THE NEW YORK TIMES - A reação à operação de busca do FBI na propriedade de Donald Trump em Mar-a-Lago ocasionou críticas imediatas e furiosas entre os republicanos. Mesmo depois de dois anos de indignação política em relação aos pedidos da esquerda pelo desfinanciamento da polícia, vozes da direita estão pedindo a abolição da agência federal de policiamento. Impulsionados pela demagogia característica de Trump, seus apoiadores imediatamente tiraram as piores e mais obscuras conclusões possíveis sem parar para pensar a respeito dos fatos e miraram suas críticas diretamente no FBI enquanto instituição.

Isso levou a uma chacota em relação aos republicanos, por serem favoráveis ao policiamento apenas seletivamente. A retórica passa dos limites — com frequência de maneira estarrecedora — e não vamos deixar de considerar o FBI e suas investigações sobre terroristas, gangues de narcotraficantes, agentes estrangeiros e tantas outras expressões de criminalidade.

É impossível entender a reação dos republicanos em relação à batida em Mar-a-Lago, contudo, sem levar em conta o contexto da investigação das relações de Trump com a Rússia durante sua campanha de 2016 que perpassou os dois primeiros anos de sua presidência. Se a situação fosse inversa e um democrata graduado fosse alvo de uma investigação similar, a esquerda estaria tão suspeita quanto em relação às autoridades e defenderia seu alvo da mesma maneira que a direita tem defendido o ex-presidente.

Apoiadora de Trump ergue cartaz pedindo o corte do financiamento do FBI perto da casa do ex-presidente em Mar-a-Lago. Foto: Eduardo Munoz/ REUTERS - 09/08/2022

É parte do nosso caráter nacional sustentar uma desconfiança profundamente arraigada em relação ao poder político, especialmente o poder Executivo, e é por esta razão que ambos os lados dos nossos campos políticos têm suspeitado do outro por conspirar para estabelecer uma ditadura desde o tempo dos Federalistas e dos democratas-republicanos na década de 1790.

Isso significa que investigações sobre figuras proeminentes de um partido realizada por autoridades do outro partido não serão recebidas com atitude relaxada e entendimento simpático.

George W. Bush é considerado agora uma figura relativamente benigna de uma era passada, pré-Trump. Vale lembrar, porém, que sua presidência foi vista através das lentes mais hostis e paranóicas, enquanto advento de um autoritarismo americano sob o pretexto da guerra contra o terror.

Se o Departamento de Justiça de Bush tivesse revistado os escritórios do ex-vice-presidente Al Gore e do ex-senador John Kerry, a reação na centro-esquerda provavelmente não teria sido: “Vamos esperar para ver — talvez os agentes do FBI que conduziram a busca descobriram algum material realmente perturbador, e com mandato mandado de um juiz; então, o que poderia haver de errado?”.

Da última vez que houve uma investigação significativa envolvendo um presidente democrata, Bill Clinton, os democratas travaram guerra total contra o procurador do caso. O conselheiro independente Ken Starr tinha um passado republicano, mas não estava trabalhando para o governo republicano. Ele foi apontado por um painel de três magistrados depois que a procuradora-geral do próprio Clinton, Janet Reno, determinou a investigação.

Investigações de conselheiros independentes tendem a fugir do controle, e os democratas ficaram compreensivelmente horrorizados com o fato de uma investigação a respeito de uma negociação de terras, o caso Whitewater, ter se transformado em uma investigação a respeito do acobertamento de um escândalo sexual, o caso Monica Lewinsky. Ainda assim, Starr e seus investigadores foram retratados como macartistas obcecados por sexo, que usavam táticas da Gestapo para tentar forçar a renúncia de um presidente.

Um importante elemento da reação democrata foi uma teoria conspiratória — não uma sugestão sutil de conspiração, mas a repetida e explícita invocação de uma “vasta conspiração da direita”, segundo as famosas palavras de Hillary Clinton.

Quando a conta de e-mail pertencente a Hillary Clinton quando ela ocupava o cargo de secretária de Estado passou a ser investigada pelo FBI, no início de 2015, a reação de seu partido foi igualmente áspera. A investigação, diziam os democratas, era, na melhor das hipóteses, desproporcional — e até sexista. Quando James Comey revelou publicamente que o FBI estava analisando e-mails recentemente descobertos, já no fim da campanha, a campanha de Hillary lançou um “ataque feroz contra o diretor do FBI”, conforme noticiou na época o The New York Times.

Agentes em frente ao condomínio de Mar-a-Lago, na Flórida. Foto: Josh Ritchie/The New York Times - 08/08/2022

Os democratas tinham bons motivos para reclamar sobre a maneira que Comey violou diretrizes do FBI ao comentar repetidamente a respeito do caso de Hillary. O que eles não consideraram foi a maneira que Comey passou de vilão para os democratas, em razão da maneira dúbia com que conduziu a investigação sobre os e-mails de Hillary, a herói dos democratas, em razão da maneira dúbia com que conduziu a investigação sobre as relações de Trump com a Rússia.

A investigação sobre a Rússia foi um fiasco nacional, que trouxe descrédito ao FBI e a todos que participaram de seus procedimentos. A investigação apresentava de cara um dossiê claramente ridículo produzido pela campanha de Hillary, eventualmente ocasionando uma investigação de conselheiro independente que passou a tratar, em grau significativo, de si mesma e da culpabilidade de Trump por uma suposta obstrução. Pessoas presumivelmente mais precavidas foram pegas por um frenesi alimentar e especularam que “o cerco estava se fechando” em torno de Trump a respeito de ele poder ter trabalhado por interesses da Rússia ao longo de várias décadas.

Tudo isso ruiu sem quase ninguém expressar algum arrependimento pelo psicodrama que se estendeu por anos. Seria melhor que mais pessoas reconhecessem — por mais complicada que seja a vida — que mesmo alguém que você odeia pode ser tratado de forma injusta.

A experiência comprova que nenhum republicano aceitará garantias a respeito da operação de busca em Mar-a-Lago — nem sobre qualquer outra investigação que envolva Trump — por seu valor de face.

Apontar para condutas similares ao longo dos anos por parte dos adversários de Trump não precisa ser um exercício de justificar os excessos e lapsos de Trump, mas pode ser útil como meio para estabelecer uma base para a maneira que partidos políticos reagem naturalmente sob tais circunstâncias e como um alerta contra causar displicentemente uma conflagração política com consequências imprevisíveis e possivelmente nefastas.

Ao contrário do que a esquerda pode dizer a si mesma, não apenas os republicanos tolamente sujeitos a Trump poderiam tornar-se animosos contra uma ação policial sensível politicamente.

Todas as investigações criminais envolvendo Trump e seus colaboradores — relacionadas ao 6 de Janeiro, à manipulação indevida de documentos confidenciais por parte do ex-presidente, aos votos eleitorais de Geórgia ou à empresa de Trump — estão sendo conduzidas por partidários dos democratas em nível federal ou local, que têm todo o incentivo para pregá-lo na cruz. Não se trata de uma fórmula para a legitimidade. O procurador-geral Merrick Garland, em particular, tem sido sujeitado a uma campanha de pressão política aberta e intensa para acioná-lo contra Trump.

Outro obstáculo a uma aceitação ampla de um possível indiciamento de Trump pelo 6 de Janeiro é que, a não ser que haja uma prova contundente a respeito da qual não estamos cientes, dificilmente se constituirá um flagrante. Trump não atirou em alguém na 5.ª Avenida, em seu caso, balística e testemunhas não são capazes de estabelecer cabalmente que ele é culpado de um crime frequente e processado adequadamente. Ele empreendeu um delito político contra nosso sistema constitucional que códigos criminais são mal equipados para processar, não importando quão infame tenha sido a conduta. Um indiciamento acusando-o de obstruir o Congresso ou defraudar o governo americano dependerá de interpretações pioneiras da lei e apresentará questões legais inteiramente novas que, na melhor das hipóteses para a acusação, levarão anos para ser solucionadas e, na pior, levarão em última instância ao colapso do caso.

Um caso inerentemente carregado de política é o pior campo de teste para argumentos legais pioneiros e apenas amplificará suspeitas de que a lei está sendo corrompida e transformada em ferramenta política.

Se é difícil demais neste momento para os democratas imaginar como deveriam reagir a um processo desse tipo contra um de seus próprios quadros, logo eles poderão ter uma noção clara a esse respeito. Um indiciamento de Trump ocasionaria retaliação, e se os republicanos reassumirem a Casa Branca, poderia-se esperar um Departamento de Justiça motivado e sob controle republicano que persiga agressivamente uma razão para indiciar Joe Biden por causa das práticas empresariais de seu filho Hunter.

No tumulto sobre o indiciamento de Trump, ambos os lados se acusarão de violar normas e tradições do país. Mas não há nenhuma dúvida de que uma resposta furiosa dos republicanos, profundamente desconfiados em relação às autoridades e abertamente desafiadores, seria uma reação profundamente americana./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Lowry é editor-chefe da revista National Review

THE NEW YORK TIMES - A reação à operação de busca do FBI na propriedade de Donald Trump em Mar-a-Lago ocasionou críticas imediatas e furiosas entre os republicanos. Mesmo depois de dois anos de indignação política em relação aos pedidos da esquerda pelo desfinanciamento da polícia, vozes da direita estão pedindo a abolição da agência federal de policiamento. Impulsionados pela demagogia característica de Trump, seus apoiadores imediatamente tiraram as piores e mais obscuras conclusões possíveis sem parar para pensar a respeito dos fatos e miraram suas críticas diretamente no FBI enquanto instituição.

Isso levou a uma chacota em relação aos republicanos, por serem favoráveis ao policiamento apenas seletivamente. A retórica passa dos limites — com frequência de maneira estarrecedora — e não vamos deixar de considerar o FBI e suas investigações sobre terroristas, gangues de narcotraficantes, agentes estrangeiros e tantas outras expressões de criminalidade.

É impossível entender a reação dos republicanos em relação à batida em Mar-a-Lago, contudo, sem levar em conta o contexto da investigação das relações de Trump com a Rússia durante sua campanha de 2016 que perpassou os dois primeiros anos de sua presidência. Se a situação fosse inversa e um democrata graduado fosse alvo de uma investigação similar, a esquerda estaria tão suspeita quanto em relação às autoridades e defenderia seu alvo da mesma maneira que a direita tem defendido o ex-presidente.

Apoiadora de Trump ergue cartaz pedindo o corte do financiamento do FBI perto da casa do ex-presidente em Mar-a-Lago. Foto: Eduardo Munoz/ REUTERS - 09/08/2022

É parte do nosso caráter nacional sustentar uma desconfiança profundamente arraigada em relação ao poder político, especialmente o poder Executivo, e é por esta razão que ambos os lados dos nossos campos políticos têm suspeitado do outro por conspirar para estabelecer uma ditadura desde o tempo dos Federalistas e dos democratas-republicanos na década de 1790.

Isso significa que investigações sobre figuras proeminentes de um partido realizada por autoridades do outro partido não serão recebidas com atitude relaxada e entendimento simpático.

George W. Bush é considerado agora uma figura relativamente benigna de uma era passada, pré-Trump. Vale lembrar, porém, que sua presidência foi vista através das lentes mais hostis e paranóicas, enquanto advento de um autoritarismo americano sob o pretexto da guerra contra o terror.

Se o Departamento de Justiça de Bush tivesse revistado os escritórios do ex-vice-presidente Al Gore e do ex-senador John Kerry, a reação na centro-esquerda provavelmente não teria sido: “Vamos esperar para ver — talvez os agentes do FBI que conduziram a busca descobriram algum material realmente perturbador, e com mandato mandado de um juiz; então, o que poderia haver de errado?”.

Da última vez que houve uma investigação significativa envolvendo um presidente democrata, Bill Clinton, os democratas travaram guerra total contra o procurador do caso. O conselheiro independente Ken Starr tinha um passado republicano, mas não estava trabalhando para o governo republicano. Ele foi apontado por um painel de três magistrados depois que a procuradora-geral do próprio Clinton, Janet Reno, determinou a investigação.

Investigações de conselheiros independentes tendem a fugir do controle, e os democratas ficaram compreensivelmente horrorizados com o fato de uma investigação a respeito de uma negociação de terras, o caso Whitewater, ter se transformado em uma investigação a respeito do acobertamento de um escândalo sexual, o caso Monica Lewinsky. Ainda assim, Starr e seus investigadores foram retratados como macartistas obcecados por sexo, que usavam táticas da Gestapo para tentar forçar a renúncia de um presidente.

Um importante elemento da reação democrata foi uma teoria conspiratória — não uma sugestão sutil de conspiração, mas a repetida e explícita invocação de uma “vasta conspiração da direita”, segundo as famosas palavras de Hillary Clinton.

Quando a conta de e-mail pertencente a Hillary Clinton quando ela ocupava o cargo de secretária de Estado passou a ser investigada pelo FBI, no início de 2015, a reação de seu partido foi igualmente áspera. A investigação, diziam os democratas, era, na melhor das hipóteses, desproporcional — e até sexista. Quando James Comey revelou publicamente que o FBI estava analisando e-mails recentemente descobertos, já no fim da campanha, a campanha de Hillary lançou um “ataque feroz contra o diretor do FBI”, conforme noticiou na época o The New York Times.

Agentes em frente ao condomínio de Mar-a-Lago, na Flórida. Foto: Josh Ritchie/The New York Times - 08/08/2022

Os democratas tinham bons motivos para reclamar sobre a maneira que Comey violou diretrizes do FBI ao comentar repetidamente a respeito do caso de Hillary. O que eles não consideraram foi a maneira que Comey passou de vilão para os democratas, em razão da maneira dúbia com que conduziu a investigação sobre os e-mails de Hillary, a herói dos democratas, em razão da maneira dúbia com que conduziu a investigação sobre as relações de Trump com a Rússia.

A investigação sobre a Rússia foi um fiasco nacional, que trouxe descrédito ao FBI e a todos que participaram de seus procedimentos. A investigação apresentava de cara um dossiê claramente ridículo produzido pela campanha de Hillary, eventualmente ocasionando uma investigação de conselheiro independente que passou a tratar, em grau significativo, de si mesma e da culpabilidade de Trump por uma suposta obstrução. Pessoas presumivelmente mais precavidas foram pegas por um frenesi alimentar e especularam que “o cerco estava se fechando” em torno de Trump a respeito de ele poder ter trabalhado por interesses da Rússia ao longo de várias décadas.

Tudo isso ruiu sem quase ninguém expressar algum arrependimento pelo psicodrama que se estendeu por anos. Seria melhor que mais pessoas reconhecessem — por mais complicada que seja a vida — que mesmo alguém que você odeia pode ser tratado de forma injusta.

A experiência comprova que nenhum republicano aceitará garantias a respeito da operação de busca em Mar-a-Lago — nem sobre qualquer outra investigação que envolva Trump — por seu valor de face.

Apontar para condutas similares ao longo dos anos por parte dos adversários de Trump não precisa ser um exercício de justificar os excessos e lapsos de Trump, mas pode ser útil como meio para estabelecer uma base para a maneira que partidos políticos reagem naturalmente sob tais circunstâncias e como um alerta contra causar displicentemente uma conflagração política com consequências imprevisíveis e possivelmente nefastas.

Ao contrário do que a esquerda pode dizer a si mesma, não apenas os republicanos tolamente sujeitos a Trump poderiam tornar-se animosos contra uma ação policial sensível politicamente.

Todas as investigações criminais envolvendo Trump e seus colaboradores — relacionadas ao 6 de Janeiro, à manipulação indevida de documentos confidenciais por parte do ex-presidente, aos votos eleitorais de Geórgia ou à empresa de Trump — estão sendo conduzidas por partidários dos democratas em nível federal ou local, que têm todo o incentivo para pregá-lo na cruz. Não se trata de uma fórmula para a legitimidade. O procurador-geral Merrick Garland, em particular, tem sido sujeitado a uma campanha de pressão política aberta e intensa para acioná-lo contra Trump.

Outro obstáculo a uma aceitação ampla de um possível indiciamento de Trump pelo 6 de Janeiro é que, a não ser que haja uma prova contundente a respeito da qual não estamos cientes, dificilmente se constituirá um flagrante. Trump não atirou em alguém na 5.ª Avenida, em seu caso, balística e testemunhas não são capazes de estabelecer cabalmente que ele é culpado de um crime frequente e processado adequadamente. Ele empreendeu um delito político contra nosso sistema constitucional que códigos criminais são mal equipados para processar, não importando quão infame tenha sido a conduta. Um indiciamento acusando-o de obstruir o Congresso ou defraudar o governo americano dependerá de interpretações pioneiras da lei e apresentará questões legais inteiramente novas que, na melhor das hipóteses para a acusação, levarão anos para ser solucionadas e, na pior, levarão em última instância ao colapso do caso.

Um caso inerentemente carregado de política é o pior campo de teste para argumentos legais pioneiros e apenas amplificará suspeitas de que a lei está sendo corrompida e transformada em ferramenta política.

Se é difícil demais neste momento para os democratas imaginar como deveriam reagir a um processo desse tipo contra um de seus próprios quadros, logo eles poderão ter uma noção clara a esse respeito. Um indiciamento de Trump ocasionaria retaliação, e se os republicanos reassumirem a Casa Branca, poderia-se esperar um Departamento de Justiça motivado e sob controle republicano que persiga agressivamente uma razão para indiciar Joe Biden por causa das práticas empresariais de seu filho Hunter.

No tumulto sobre o indiciamento de Trump, ambos os lados se acusarão de violar normas e tradições do país. Mas não há nenhuma dúvida de que uma resposta furiosa dos republicanos, profundamente desconfiados em relação às autoridades e abertamente desafiadores, seria uma reação profundamente americana./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Lowry é editor-chefe da revista National Review

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