NOVA YORK - Em seu primeiro discurso na Assembleia Geral da ONU como presidente do Chile, o esquerdista Gabriel Boric, renovou suas críticas aos ditadores de esquerda da América Latina, Daniel Ortega, da Nicarágua, e Nicolás Maduro, da Venezuela, de quem tenta se distanciar politicamente. Em sua fala, ele afirmou que o caminho para enfrentar os problemas do mundo hoje é “com mais democracia e não com menos”, repudiando quem critica opositores políticos.
A sua citação à democracia veio logo após abordar a derrota recente que seu governo sofreu no referendo de saída do novo texto da Constituição e afirmou que a vitória da rejeição ensinou a “ser mais humilde” e a governar “mobilizando as capacidades e a sabedoria” das sociedades, em vez de “fingir substituí-las”. “Como Presidente do Chile, estou convencido de que, a curto prazo, o Chile terá uma Constituição que nos satisfaça e nos deixe orgulhosos”.
“Esse mesmo povo acabou de se expressar nos dando uma lição de democracia que aprendemos. O caminho para enfrentar os problemas que afligem as nossas sociedades é pavimentado com mais democracia e não menos; incentivar a participação e não restringi-la; encorajando o diálogo e nunca o censurando”, afirmou.
“Eu me revolto contra o abismo que alguns tentam cavar em face da legítima diversidade de opiniões. E nós, no Chile, declaramos nossa disposição de sermos construtores de pontes diante dessas lacunas que nos impedem de nos encontrarmos como sociedades diversas”, disse o presidente que tomou posse em março deste ano.
O chileno falou durante 22 minutos, em um discurso no qual afirmou que “o aprofundamento da democracia é um exercício permanente no qual só podemos perseverar e aprender uns com os resultados dos outros”. Ele foi o terceiro a discursar, depois de Jair Bolsonaro e do presidente do Senegal, Macky Sall, e fez referência a Salvador Allende, presidente deposto do Chile por Augusto Pinochet, ao abrir com “Vengo de Chile” (Venho do Chile), mesmas palavras que o ex-presidente usou há 50 anos na ONU.
“Que em nenhum lugar do mundo as ideias diferentes do governo no poder terminem em perseguição ou violações dos direitos humanos”, disse Boric, e deu como exemplo a existência de presos políticos contra o governo de Daniel Ortega ou o êxodo venezuelano produzido pela crise política prolongada durante o governo de Nicolás Maduro.
“A crise humanitária na Venezuela, como resultado de sua prolongada crise política, gerou um fluxo migratório sem precedentes em nossa região e em nosso país, exercendo enorme pressão sobre nossas instituições e nossa sociedade”, disse.
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“[Devemos] continuar trabalhando para contribuir para a libertação dos presos políticos na Nicarágua e trabalhar para que em nenhum lugar do mundo que tenha ideias diferentes do governo no poder acabe em perseguição ou violação dos direitos humanos.”
O presidente chileno mencionou seu compromisso com a justiça e a paz, e se comprometeu a “tomar todas as medidas necessárias, e não apenas declarações, para deter a guerra injusta da Rússia contra a Ucrânia e pôr um fim a todos os abusos dos poderosos em qualquer parte do mundo”.
A guerra na Ucrânia, juntamente com as mudanças climáticas e a crise global de alimentos, é um dos temas centrais da 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas este ano, que se reúne presencialmente pela primeira vez desde o início da pandemia.
Já perto do final de sua fala, Boric pediu esforços para acabar com a violência contra as mulheres e apontou para a morte de Mahsa Amini na última sexta-feira “às mãos da polícia” no Irã. E fez um apelo para “não naturalizar as violações permanentes dos direitos humanos contra o povo palestino”, para o qual ele pediu um Estado próprio, bem como garantir “o direito legítimo de Israel de viver dentro de fronteiras seguras e internacionalmente reconhecidas”.
Petro denuncia fracasso da guerra às drogas
Também fazendo a sua estreia no debate geral da assembleia, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, denunciou o fracasso da guerra antidrogas e seu rastro sangrento na América. “O consumo mortal tem aumentado, de drogas leves até as pesadas, levou a genocídio em meu continente e em meu país, milhões de pessoas foram condenadas à prisão”, destacou o primeiro presidente de esquerda da Colômbia, principal país produtor mundial de cocaína.
Em um discurso direcionado aos países consumidores, Petro pediu para “acabar com a irracional guerra contra as drogas”. O presidente enfatizou que a estratégia que vem sendo usada há quatro décadas para acabar com o negócio lucrativo deixa apenas centenas de milhares de mortos na América do Norte e presídios superlotados no restante do continente.
“Se não corrigirmos o rumo e esta (guerra) se prolongar outros 40 anos, os Estado Unidos verão 2.800.000 jovens morrerem de overdose” e “mais um milhão de latino-americanos serão mortos”, disse o líder. Desde sua posse no dia 7 de agosto, Petro insiste em focar na prevenção do consumo no lugar da perseguição aos cultivadores de folha de coca, a base da cocaína.
O presidente, cuja proposta de governo é acabar com a guerra às drogas por meio da paz ampla com os grupos armados, relacionou o narcotráfico com a destruição da Amazônia, outro tema sensível na Assembleia Geral devido às mudanças climáticas. “Como numa encruzilhada paradoxal. A floresta que deveria ser salva está ao mesmo tempo sendo destruída. Para destruir a planta de coca, eles jogam venenos como o glifosato que pinga em nossas águas, prendem seus plantadores e depois os aprisionam”, afirmou.
“A selva está queimando, senhores, enquanto vocês fazem guerra e brincam com ela. A selva, o pilar climático do mundo, desaparece com toda a sua vida. A grande esponja que absorve o CO² planetário evapora. A selva é nossa salvadora, mas é vista em meu país como o inimigo a ser derrotado, como uma erva daninha a ser extinta”, ressaltou./AFP