A Argentina registrou uma queda de 5,1% no seu PIB (Produto Interno Bruto) no primeiro trimestre do ano em comparação com o mesmo período do ano passado, e 2,6% em comparação com o trimestre anterior. Com dois trimestres consecutivos de queda, a economia do país já é considerada em uma recessão técnica.
A queda, que era prevista e esperada nos planos de ajuste fiscal do presidente libertário, Javier Milei, foi puxada pela forte queda no consumo do país frente à desvalorização dos salários e aposentadorias, e coloca em xeque a sustentabilidade do modelo de reformas.
Os dados foram divulgados na última segunda-feira, 24, pelo Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censo), semelhante ao IBGE no país. A principal queda foi na importação de bens e serviços, que retraiu 20,1%, e na formação bruta de capital fixo, que caiu 23,4%. O consumo privado, grande motor da economia argentina, caiu 6,7%, e o consumo público retraiu 5%.
O único aumento registrado pelo Indec foi nas exportações, que marcaram 26,1% de crescimento em 12 meses, e 11,1% em relação ao trimestre anterior, incentivado pelo salto na taxa de câmbio de dezembro.
Ainda segundo o informe, o setor de construção foi o mais atingido com uma queda de 19,7%, muito por causa da paralisação de obras públicas, seguido pela indústria manufatureira, com contração de 13,7%, e as atividades de intermediação financeira, que recuaram 13%.
“A queda se explica pelo grande aumento que teve o dólar assim que Milei assumiu. Isso, obviamente, teve um forte impacto na inflação e esse aumento da inflação afetou de maneira muito significativa os rendimentos tanto das aposentadorias quanto dos salários, que são os principais consumidores da economia”, explica o economista Juan Manuel Telechea.
“Essa queda do consumo se traduziu nesta queda muito importante da atividade econômica que, além disso, foi relativamente compensada pela recuperação do setor agropecuário, que no ano passado sofria com uma seca, e agora teve uma melhoria importante. Mas que obviamente não foi suficiente para compensar a forte queda que ocorreu especialmente na indústria, na construção, também impulsionada pela decisão do governo de paralisar completamente as obras públicas e no comércio”, continua.
Em paralelo, o Indec também divulgou os dados de desemprego, que alcançou 7,7% da população economicamente ativa no primeiro trimestre deste ano, um aumento de 0,8 ponto percentual em relação ao mesmo período do ano anterior. Isso representa mais de 1,1 milhão de argentinos desempregados frente a 13,1 milhões de ocupados.
O que preocupa é o aumento de desocupação entre os jovens. Ao observar setores específicos para a população de 14 anos ou mais, considerada a idade de trabalho, a taxa de desocupação foi de 8,4% para as mulheres e de 7% para os homens.
A taxa é até menor do que se esperava para um país que vive uma recessão econômica, mas expõe que os empregos, bem como os salários, vem se deteriorando nos últimos anos. Menos da metade desse número é de trabalhadores registrados. Além disso, cada vez os argentinos buscam mais horas de trabalho ou até dois ou três empregos para complementar a renda.
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Plano econômico de Milei
A recessão técnica não foi uma surpresa para economistas que já viam este caminho se aproximar após a a desvalorização de 54% no valor da moeda promovida por Milei em seus primeiros dias no cargo, somado com a perda do poder de compra dos argentinos. Mesmo que a inflação tenha se desacelerado nos últimos meses, a taxa anual ainda é a maior do mundo e segue corroendo os salários dos argentinos, o que naturalmente leva a uma queda no consumo.
Em dezembro de 2023, quando assumiu a Casa Rosada, Milei aplicou um ajuste dos gastos estatais com grandes cortes em obras públicas, diminuição e eliminação de órgãos estatais, suspensão do financiamento às províncias, demissão de milhares de funcionários públicos, desregulamentação de preços e eliminação dos subsídios, em um país em que mais da metade da população está abaixo da linha da pobreza.
O cálculo de Milei é propositalmente recessivo, já que com a queda no consumo o libertário esperava frear a grande circulação de moedas, o que tende a desacelerar a inflação. De fato é o que vem acontecendo. Porém, economistas questionam a sustentabilidade do plano, já que a medida também tem levado a uma queda na produção, o que arrisca paralisar a economia. Outro efeito rebote é a consequência social de ter uma população cada vez mais empobrecida.
Em discurso na República Checa, a última parada de sua viagem pela Europa, o libertário enalteceu o seu governo por realizar “o maior ajuste fiscal não só da história argentina, mas também da humanidade” e por estar “devolvendo 15 pontos do PIB ao setor privado”.
Milei é esperançoso de que a economia argentina terá uma recuperação em “V”, ou seja, depois da queda brutal, virá uma recuperação exponencial. Mas os setores do comércio e da indústria estão pouco crentes já que suas projeções não apontam para uma melhora em breve e já temem que o comportamento da economia seja, na verdade, um “L”.
“O PIB da Argentina é composto aproximadamente em 75% pelo consumo privado, por isso é praticamente impossível que haja uma recuperação sem que haja uma retomada no consumo”, afirma Telechea. “A realidade é que, embora vá haver um aumento dos rendimentos nos próximos meses, não será forte o suficiente porque a inflação, apesar de ter diminuído, ainda se mantém em níveis relativamente altos.”
“Há outra discussão que o governo está tentando instalar, que é a ideia de que a recuperação da economia ocorrerá em forma de V curto, ou seja, que haverá um forte repique. Nós honestamente não vemos isso porque o que vemos é que a recuperação dos rendimentos, tanto das aposentadorias quanto dos salários, será mais em forma de U, ou seja, uma recuperação sustentada mas mais suave, e, por isso, também vemos que o mesmo acontecerá com a atividade”, continua
Juan Manuel Telechea, economista e diretor do Instituto de Trabalho e Economia da Fundacão German Abdala
O libertário também deposita toda a sua saúde econômica e política no pacote de reformas que avança agora no legislativo: a Lei Bases e o Pacote Fiscal. Sua esperança é que com a aprovação definitiva, os investimentos virão aos montes.
O governo teve uma vitória política importante com a aprovação da lei no Congresso e no Senado, embora tenha feito muitas concessões para conseguir. Mas ainda falta a aprovação definitiva no Congresso, que pode ocorrer nesta semana.
“No momento, a lei base e o pacote fiscal estão em um limbo, porque o governo tem a aprovação política de ambas as leis, mas não a aprovação técnica”, explica o cientista político do Observatório Pulsar da Universidade de Buenos Aires (UBA) Facundo Cruz. “Agora ela tem que passar pelo trâmite legislativo da Câmara dos Deputados para que esta defina se aceita ou não as mudanças do Senado. Então, tecnicamente, ainda não há uma lei para promulgar.”
A Lei Base em conjunto com o Pacote Fiscal - que foi um acordo entre Milei e os governadores das províncias para que as reformas não os afete tão pesadamente - pretendem ser o grande pilar do programa econômico de Milei que ainda não deslanchou em seis meses de governo./Com AFP