MOSCOU - O Kremlin informou que os exercícios estratégicos russos realizados neste sábado, 19, sob a supervisão de Vladimir Putin, em meio a uma crise com o Ocidente sobre a Ucrânia, envolveram disparos de mísseis balísticos e de cruzeiro. Na Ucrânia, líderes de dois territórios separatistas no leste assinaram neste sábado decretos de “mobilização geral” para preparação para a guerra, reforçando temores de que a Rússia possa invadir o país em breve.
"Os objetivos planejados durante os exercícios das forças estratégicas de dissuasão foram totalmente cumpridos. Todos os mísseis atingiram os alvos estabelecidos", informou a presidência russa em comunicado. Esses mísseis, segundo o Kremlin, são capazes de transportar cargas nucleares. As agências de notícias russas RIA Novosti e Interfax disseram que os exercícios foram monitorados por Putin e pelo líder da Belarus, Alexander Lukashenko, da sala de situação no Kremlin.
Anunciados na sexta-feira, os exercícios militares em larga escala tiveram início horas depois de os Estados Unidos alertarem que estavam certos de uma invasão iminente da Ucrânia, onde os confrontos entre Kiev e separatistas pró-Rússia no leste estão aumentando.
Apesar dessa situação cada vez mais tensa no front, que custou a vida de dois soldados ucraniano neste sábado, o presidente Volodmir Zelenski viajou para a Alemanha para participar da Conferência de Segurança de Munique e receber apoio do Ocidente. Na reunião, ele exigiu um calendário "claro e factível" para a adesão de seu país à Otan e novas garantias de segurança.
As forças armadas da Ucrânia e os separatistas pró-Rússia mais uma vez acusaram-se mutuamente de novos ataques e de violação do cessar-fogo naquela região. Observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) que monitoram este conflito aberto desde 2014 alertaram no sábado para um "aumento drástico" nas violações do cessar-fogo.
Segundo Kiev, "as forças armadas controlam a situação e continuam a cumprir sua missão de repelir e conter a agressão armada da Federação Russa".
Por sua vez, os líderes das regiões separatistas de Donetsk e Luhansk, onde está localizada a linha de frente que divide a Ucrânia, ordenaram uma mobilização geral neste sábado, depois de anunciar a retirada de civis na sexta-feira.
O chefe da autoproclamada República Popular de Donetsk, Denis Pushilin, disse em um discurso em vídeo no sábado que assinou um decreto mobilizando reservas militares e instou todos os homens sãos a pegar em armas. Leonid Pasechnik, líder da autoproclamada República Popular de Luhansk, também assinou uma ordem semelhante, segundo a mídia estatal russa.
A RIA Novosti disse que a ordem proibia homens adultos com menos de 55 anos de deixar o território e permitia que as autoridades confiscassem propriedades para fins de defesa.
A ordem de Pushilin, que ele disse ter como objetivo combater a “agressão de Kiev”, foi o mais recente sinal de que a Rússia estava pronta para atacar a Ucrânia. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, acusou na sexta-feira a mídia estatal russa de fazer "alegações falsas" de um genocídio em Donbass e alegar que Kiev poderia estar preparando uma ofensiva própria para justificar um ataque à Ucrânia.
Na manhã de sábado, os separatistas disseram que milhares de moradores das áreas controladas pelos rebeldes foram retirados para a Rússia. Mais de 6,6 mil pessoas foram retiradas de Donetsk e cerca de 25 mil pessoas deixaram Luhansk, com 10 mil se preparando para sair, disseram autoridades separatistas. Essas autoridades anunciaram planos na sexta-feira para retirar centenas de milhares de pessoas. A Rússia emitiu cerca de 700 mil passaportes para residentes dos territórios controlados pelos rebeldes.
Pushilin alegou em uma declaração em vídeo que a Ucrânia ordenaria uma ofensiva iminente na área. Metadados de dois vídeos postados pelos separatistas anunciando a remoção dos moradores mostram que os arquivos foram criados há dois dias, segundo a agência Associated Press.
A Rússia nega qualquer envolvimento no conflito no leste da Ucrânia, chamando-o de um assunto interno ucraniano. Moscou também garante que não tem intenção de atacar seu vizinho pró-ocidente, mas exige garantias de segurança como a retirada da Otan do Leste Europeu e um freio em seu expansão, que o Ocidente rejeita.
Apesar dos anúncios de retirada de tropas russas da fronteira, Biden disse na sexta-feira estar "convencido" de que Putin decidiu invadir a Ucrânia e que a multiplicação de incidentes no leste daquele país busca criar uma "falsa justificativa" para lançar seu ataque na próxima semana ou dias.
Mas enquanto uma invasão não ocorrer, "a diplomacia é sempre uma possibilidade", disse Biden, anunciando uma reunião entre seu secretário de Estado, Antony Blinken, e o ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, na próxima quinta-feira.
'Campanha de desestabilização'
Os exercícios militares estratégicos da Rússia mobilizaram forças do distrito militar do Sul, as forças aeroespaciais, as frotas do Norte e do Mar Negro, bem como "forças estratégicas", segundo o Kremlin. Esses últimos estão equipados com mísseis de alcance intercontinental, bombardeiros estratégicos, submarinos, navios e aviação naval equipados com mísseis submarinos convencionais.
Washington estima que a Rússia tenha 190 mil soldados nas fronteiras e território da Ucrânia, incluindo forças rebeldes separatistas. O Pentágono afirmou na sexta-feira que 40-50% das tropas russas estão "em posição de ataque" e que os incidentes na linha de frente são parte de "uma campanha para desestabilizar a Ucrânia" antes de uma invasão.
A Rússia não divulgou o número de soldados destacados nas fronteiras com a Ucrânia ou em exercícios conjuntos com a Belarus.
'Reescrever as regras'
O Ocidente prometeu por unanimidade sanções econômicas devastadoras contra a Rússia se ela atacar a Ucrânia. Eles tornariam a Rússia um "pária", disse uma autoridade dos EUA na sexta-feira. A ameaça foi reforçada pela vice-presidente Kamala Harris na conferência de segurança em Munique.
Mas Putin minimizou esses avisos: "Sanções serão introduzidas não importa o que aconteça. Se houver uma razão ou não, eles encontrarão uma porque seu objetivo é conter o desenvolvimento da Rússia", disse ele.
O chefe da Otan, Jens Stoltenberg, reafirmou no sábado o compromisso "infalível" dos membros da Aliança Atlântica de proteger uns aos outros e garantiu à Rússia que só haverá "mais Otan" se a Rússia buscar "menos Otan". "Moscou está tentando reverter a história e recriar sua esfera de influência", acusou Stoltenberg em um discurso na Conferência de Munique.
Na mesma linha, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que a Rússia se propôs a "minar" a arquitetura de segurança europeia e está tentando "reescrever as regras da ordem internacional". Em meio aos contatos frenéticos para buscar uma desescalada, Putin manterá uma conversa por telefone no domingo com seu colega francês Emmanuel Macron./AFP e WP