Uma menina de 14 anos foi encarcerada em uma prisão para adultos junto com traficantes de drogas. Um menino de 16 anos teve o nariz quebrado na detenção ao ser espancado por agentes de segurança. Uma menina de 13 anos foi atacada por milicianos à paisana que abordaram sua escola.
Uma repressão brutal das autoridades iranianas tenta impedir os protestos que exigem liberdade social e mudança política e convulsionam o país há dois meses, impingindo um castigo terrível sobre os jovens no país, de acordo com advogados iranianos e ativistas defensores de direitos humanos familiarizados com os casos.
Os jovens, incluindo adolescentes meninas e meninos, têm se colocado no centro dos protestos e confrontos com as forças de segurança que ocorrem nas ruas, universidades e escolas de ensino médio. Autoridades iranianas afirmaram que a média de idade dos manifestantes é 15 anos.
Alguns foram espancados e detidos, outros, baleados e assassinados nas ruas — ou espancados sob custódia dos serviços de segurança. E outras incontáveis vidas jovens têm sido perturbadas à medida que as autoridades realizam operações em instituições de ensino para reprimir a dissidência.
As autoridades estão acossando milhares de menores de 18 anos por participar dos protestos, de acordo com entrevistas com duas dúzias de fontes, incluindo advogados iranianos que os defendem e ativistas de direitos humanos, assim como pais, parentes e adolescentes que vivem no país. Grupos de defesa de direitos afirmam que pelo menos 50 menores foram mortos.
Os advogados e muitos dos entrevistados para a elaboração desta reportagem pediram para não ser identificados por medo de retaliações.
O foco nos menores ocorre em meio a uma repressão mais ampla sobre manifestantes, na qual 14 mil pessoas foram presas, de acordo com as Nações Unidas. No domingo, os meios de comunicação estatais afirmaram que uma pessoa não identificada foi sentenciada à morte por incendiar um prédio do governo.
Protestos no Irã
Mas a República Islâmica do Irã está impingindo sua ira sobre os menores iranianos de maneiras e em escala jamais vistas durante outros ciclos de protestos que sacudiram o país ao longo das duas últimas décadas, afirmam grupos ativistas. A insurreição nacional, liderada amplamente por mulheres, tem organizado protestos diários em cidades de todo o Irã pedindo o fim do governo regido por clérigos linha-dura — após a morte de uma mulher de 22 anos, Mahsa Amini, sob custódia da polícia da moralidade, em setembro.
Kazem Gharibabadi, secretário-geral do Alto-Conselho para Direitos Humanos do Irã, não respondeu perguntas sobre as ações do governo contra os jovens manifestantes.
O governo tem respondido à revolta da juventude com as mesmas técnicas que aciona contra adultos: atirando em manifestantes e espancando alguns até a morte; prendendo outros em celas com adultos; e interrogando e ameaçando menores e suas famílias, de acordo com grupos de defesa de direitos, pais e advogados.
A adolescente de 14 anos detida juntamente com traficantes de drogas desapareceu depois de ir a um protesto na cidade religiosa de Qom. Ela foi solta em liberdade condicional e afirmou que agora possui ficha criminal e deverá passar por julgamento. O adolescente de 16 anos que teve o nariz quebrado havia marchado em um protesto na cidade de Tabriz, no noroeste iraniano, no qual a multidão cantou “Morte ao ditador”.
“O que torna estes protestos diferentes é que menores estão muito mais presentes, visivelmente, exibindo determinação tanto para desafiar o establishment quanto para pedir um futuro melhor para si mesmos”, afirmou a vice-diretora para Oriente Médio e Norte da África da ONG Anistia Internacional, Diana Eltahawy. “E estão usando todas as ferramentas de repressão que têm disponíveis para reprimi-los.”
A Anistia Internacional afirmou que documentou 33 casos de menores mortos na insurreição, mas os números verdadeiros são muito mais elevados. Grupos de defesa de direitos com foco no Irã e a associação de professores afirmam que o número é próximo a 50.
Advogados e ativistas defensores de direitos estimam que entre 500 e 1 mil menores estão detidos, e não há clareza sobre quantos são mantidos em prisões de adultos.
Nas instalações de detenção juvenil, os menores têm sido forçados a passar por terapia comportamental sob supervisão de um clérigo e um psicólogo, que lhes diz que eles cometeram pecados e devem aceitar que erraram, de acordo com advogados e ativistas defensores de direitos. Em vários casos, medicamentos psiquiátricos foram prescritos aos menores, depois que eles resistiram a tratamentos comportamentais, afirmaram advogados.
Em uma mensagem de áudio compartilhada com The New York Times por Hossein Raeesi, um proeminente advogado defensor de direitos humanos iraniano, um agente de segurança afirmou que o governo emitiu uma ordem confidencial exigindo que todos os casos envolvendo menores “sejam administrados por especialistas em segurança e inteligência”. O agente acrescentou: “A situação dos menores é extremamente grave, os casos emergem gradualmente”.
Raeesi afirmou que as leis no Irã determinam que menores só podem ser detidos em presídios juvenis e interrogados por juízes treinados especificamente para atuar em tribunais juvenis.
O Irã também é signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, das Nações Unidas, e o foco sobre os menores e o tratamento que o país lhes está aplicando, afirmou Raeesi, viola suas obrigações.
Na cidade curda de Kamyaran, um adolescente de 16 anos chamado Mobin foi detido e levado para uma penitenciária, onde foi espancado e teve o ombro fraturado, de acordo com Rebin Rahmani, diretor da Rede Curdistão de Direitos Humanos. Quando o menor foi levado para o hospital para tirar radiografias, os médicos que planejavam interná-lo foram impedidos pelas forças de segurança, e ele foi levado de volta para o centro de detenção, afirmou Rahmani.
Escolas tipicamente consideradas santuários para menores subitamente se tornaram territórios em que os estudantes correm risco meramente por comparecer à aula.
O New York Times documentou 23 operações em escolas de ensino médio em cidades de todas as regiões do Irã, nas quais milicianos à paisana e agentes de inteligência interrogaram, espancaram e revistaram estudantes; ou em que autoridades estudantis ameaçaram ou atacaram alunos.
Em um incidente, uma escola de ensino fundamental de Teerã foi atacada, no mês passado, por forças de segurança que lançaram gás lacrimogênio no pátio, durante o recesso, porque as crianças entoaram slogans antigoverno, de acordo com um pai cujo filho, no 3.º ano, frequenta a instituição.
“Minhas filhas já não estavam seguras nas ruas, agora não estão mais seguras na escola também. Todos os dias morro de ansiedade até elas chegarem em casa”, afirmou Sara, de 50 anos, mãe de duas adolescentes, de Teerã, que pediu para não ter o sobrenome revelado. Na semana passada, a escola ligou para ela informando que milicianos basij, que não usam uniformes, planejavam fazer uma operação na escola exigindo acesso aos telefones dos estudantes. Sara deixou suas filhas dois dias sem ir à escola.
Sua filha de 17 anos, aluna do último ano do ensino médio, que pediu para não ser identificada por preocupações com sua segurança, afirmou que se sente “empoderada” porque tem protestado diariamente junto com colegas tirando os hijabs, batendo nas portas e cantando “Mulheres, Vida, Liberdade”.
Em Tabriz, um adolescente de 14 anos chamado Amir mostrou sintomas de trauma em casa quando se recusou a comer e se tornou recluso, afirmou sua família. Ele reclamou de dores de cabeça e problemas gástricos.
Depois de três dias, ele disse ao tio que sua escola havia sido alvo de operações de agentes de inteligência, que estacionaram um camburão da polícia no pátio e ameaçaram levar estudantes presos se eles fossem encontrados com fotos rasgadas do líder-supremo, o aiatolá Ali Khamenei, em seus livros escolares ou expressado apoio aos protestos. Eles vasculharam os livros dos estudantes e escanearam seus telefones, fotografando imagens nos aparelhos e posts em redes sociais.
“Eles disseram ao Amir que, se ele contasse para os pais, seria preso”, afirmou por telefone, de Tabriz, o engenheiro mecânico Ebi, o tio do adolescente, que pediu para seu sobrenome não ser informado. “Eles estão aterrorizando as crianças porque estão com medo do futuro. Eles sabem que essas crianças lutarão por seus direitos.”
Uma mãe, de Shiraz, afirmou que o diretor da Escola de Ensino Médio Amin Lari, frequentada por sua filha de 14 anos, chamou a polícia e o departamento de educação quando estudantes quebraram fotos emolduradas do aiatolá Ruhollah Khomeini, o pai-fundador da revolução, e entoaram frases de protesto no pátio. Quando a escola foi alvo de operação das autoridades, o diretor lhes forneceu acesso a imagens de câmeras de segurança para identificar os estudantes que haviam instigado a manifestação. Dezesseis foram suspensos.
Em um dos incidentes mais conhecidos em instituições de ensino, milicianos basij atacaram no mês passado a Escola de Ensino Médio Shahed, na cidade de Ardabil, no noroeste iraniano, e espancaram estudantes — nove foram mandados para o hospital em ambulâncias. Ativistas defensores de direitos afirmaram que a adolescente Asra Panahi, de 15 anos, foi espancada até a morte. Mas parentes de Asra repetiram publicamente a versão do governo, afirmando que ela cometeu suicídio tomando medicamentos — grupos de defesa de direitos afirmam que eles sofrem pressão das autoridades.
“As famílias dos menores mortos ou presos estão sob enorme pressão e sofrem ameaças para não dizer a verdade sobre os casos e não informar seus nomes”, afirmou Yashar Hakakpour, diretor da Associação pela Defesa de Prisioneiros Políticos do Azerbaijão no Irã, com base no Canadá. Ele afirmou que esteve em contato com pessoas próximas à família de Asra e pôde confirmar que ela foi morta na operação das autoridades. “Eles acham que, se assustarem os pais, podem controlar os filhos também.”
Alguns menores desapareceram durante protestos e suas famílias não conseguiram mais localizá-los, de acordo com ativistas defensores de direitos e reportagens. Dois irmãos, de 16 e 17 anos, desapareceram há mais de um mês em Zahedan, no sudeste iraniano, onde ocorreu uma repressão violenta. Três adolescentes de 15 anos desapareceram há dias em Lahijan.
“Eles nunca respeitaram nem aceitaram o conceito de que menores têm direitos”, afirmou Bahram Rahimi, membro-fundador do Comitê para Proteção de Direitos de Crianças do Irã, que vive atualmente no exílio, na Califórnia. “Mesmo as famílias mais conservadoras estão enfurecidas com a maneira que estão abordando seus filhos.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO