Com apenas um ano no cargo, o presidente Pedro Castillo se encontra cada vez mais sozinho e encurralado. Às diferentes vozes que, desde o início de seu governo, exigem sua renúncia ou que ele seja retirado do cargo em razão de sua incapacidade para cumprir suas obrigações constitucionais se somam agora praticamente todos os setores da sociedade peruana, diante da permanente descoberta de casos de corrupção que o envolvem, assim como aos seus familiares e colaboradores mais próximos.
Nesse contexto, o presidente e seu entorno enfrentam acusações pelos crimes de organização criminosa, corrupção, conluio desleal, tráfico de influência e lavagem de dinheiro — que, caso ocasionem condenações, poderiam resultar em mais de 30 anos de prisão. O fato mais recente é a delação de Bruno Pacheco, seu ex-secretario de confiança, que assegura ter entregue a Castillo dinheiro vivo produzido por propinas cobradas para promoções a postos graduados da polícia.
Imunidade
A Constituição peruana, de clara orientação presidencialista, não prevê o caso de um presidente em função que cometa delitos graves. As interpretações mais conservadoras atestam uma imunidade presidencial quase absoluta, ou seja, consideram o presidente intocável juridicamente enquanto exerça o cargo, salvo em casos previstos constitucionalmente, como fechamento do Congresso ou traição à pátria.
Essa tradição acaba de ser superada. A Promotoria e o Poder Judiciário têm considerado que a Carta Magna não impede investigações envolvendo o presidente em função, ainda que entendam, mesmo assim, que a Lei Fundamental não permite que se avance até a etapa de indiciamento, julgamento e sentença antes que ele deixe o cargo.
A imagem, portanto, é de um presidente que arrasta consigo várias investigações por corrupção e ao mesmo tempo exerce o cargo máximo do país, que implica no controle de um elemento importante do sistema de Justiça: as forças policiais, encarregadas de investigar os delitos do próprio presidente e executar mandados de prisão e busca, além de qualquer ato processual que demande o uso legítimo da força pública.
Castillo ser juiz e parte, ou “a raposa cuidando do galinheiro”, explica, por exemplo, por que a polícia é incapaz de executar o mandado de detenção judicial contra o sobrinho do presidente e seu ex-ministro Juan Silva por suspeitas de corrupção.
A blindagem constitucional de que o presidente desfruta deve cair. Toda imunidade é uma exceção ao princípio de igualdade diante da lei penal, no caso do presidente a justificativa histórica se baseia em evitar o uso político da justiça penal, um presidente não pode se concentrar em governar se está exposto a toda forma de processo penal. Mas essas “nobres” motivações não se reconhecem no caso de Castillo, a imunidade presidencial não pode ser instrumentalizada como mecanismo de impunidade.
A saída é uma interpretação inovadora da Constituição e de qualquer outra lei ordinária que tensione esses velhos fundamentos da imunidade frente às demandas, também constitucionais, do estado de direito — e que se concentram no dever do Estado de combater a corrupção e, ainda mais quando esta compromete ao próprio presidente da república.
A primazia do estado de direito e a salvaguarda desses deveres de enfrentar todo abuso de poder público podem se justificar mediante o conhecido teste de proporcionalidade já assentado na jurisprudência constitucional comparada. Com este ponto de partida, que considero constitucionalmente correto, abre-se a porta para várias opções, que vão desde a suspensão no cargo por mandado judicial relativo aos processos já instaurados, até o julgamento político de Castillo que, no nível do Congresso da República, pode ser acionado e terminar com sua suspensão, destituição ou inabilitação para exercer qualquer cargo público por até 10 anos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
* Dino Carlos Caro Coria é jurista peruano