Opinião|Encontro de Lula e Xi Jinping mostra que relação Brasil e China ganha terreno


Cinquenta anos de relações Brasil-China demonstram não apenas uma história de sucesso econômico, mas também uma convergência geopolítica que superou muitos desafios ao longo do caminho e que agora parece estar ganhando terreno

Por Rafael Ioris

Em agosto de 2024, Brasil e China comemoraram o 50.º aniversário das relações diplomáticas. Estas são, indiscutivelmente, as duas economias mais importantes do Ocidente e do Oriente do Sul Global, respectivamente. E, embora as relações nem sempre tenham sido muito significativas, nas últimas duas décadas ambos os países encontraram maneiras de aprofundar suas interações, tanto entre atores privados quanto públicos.

De fato, desde seu retorno ao poder, no início de 2023, o presidente Lula, do Brasil, buscou fortalecer ainda mais os laços com a China. Ele realizou uma visita ao gigante asiático, acompanhado por uma grande delegação de políticos e empresários.

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Os laços bilaterais também foram cultivados em outros encontros, incluindo a importante Conferência do Brics na África do Sul no ano passado. Agora, com o Brasil sediando a 19ª reunião do Grupo dos Vinte (G-20) no Rio, os presidentes Lula e Xi têm a oportunidade de discutir os próximos passos em uma relação bilateral que muitos consideram uma das mais promissoras no complexo cenário global atual.

Imagem desta terça-feira, 19, mostra o presidente Lula ao lado do líder chinês Xi Jinping. China e Brasil chegaram a 50 anos de relações diplomáticas este ano Foto: Silvia Izquierdo/AP

Após uma dramática crise política que envolveu o país na metade da última década, o ex-metalúrgico que se tornou presidente, Lula, conseguiu conquistar um terceiro mandato presidencial. O Brasil continua profundamente dividido política e ideologicamente, mas Lula tem tentado reviver uma abordagem diplomática que lhe serviu bem em seus dois primeiros mandatos: uma visão universalista que busca sustentar boas relações com parceiros tradicionais, como os EUA, ao mesmo tempo em que busca fortalecer conexões e projetos com novos mercados, nações e organizações.

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Nesse contexto, e com base na visão e ambições diplomáticas de Lula, aprofundar os laços com a China torna-se central, pois oferece a possibilidade de consolidar relações econômicas que ajudaram a sustentar a economia brasileira nas últimas duas décadas, além de fortalecer projetos multilaterais voltados a reformular a ordem liberal multilateral, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD).

A reunião do G-20 é, de fato, uma oportunidade para expandir as relações Brasil-China. Além de se encontrarem no Rio, Lula e Xi têm conversas bilaterais em Brasília e parecem ansiosos para anunciar novos projetos em comum.

Embora os detalhes desses projetos não estejam disponíveis, vale lembrar que, ao assumir a liderança do grupo há cerca de um ano, Lula declarou sua intenção de destacar na organização os objetivos de reduzir a fome global, acelerar a transição energética para um modelo de desenvolvimento mais sustentável e reformar a forma atual das instituições multilaterais, como o FMI e o Conselho de Segurança da ONU, para que os países em desenvolvimento tenham melhor representação.

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Em todas essas três áreas, os líderes chineses poderiam fornecer importante apoio político e habilidades qualificadas, e as autoridades chinesas sinalizaram que as prioridades de Lula para sua gestão do G-20 estão alinhadas com a visão do presidente Xi de construir uma Comunidade de Futuro Compartilhado.

Além da colaboração potencial no âmbito multilateral do G-20, Brasil e China têm muito mais em que fortalecer os laços e onde novos projetos possivelmente serão apresentados. Em 2023, o comércio bilateral atingiu o recorde de US$ 157 bilhões, superando a soma combinada das vendas brasileiras (US$ 104 bilhões) para os Estados Unidos e a União Europeia.

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O Brasil é o quarto maior destino de investimentos chineses no exterior, representando 4,8% do total global, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). Esses investimentos têm se tornado cada vez mais centrais para a meta de modernização da infraestrutura que Lula busca reviver com base no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e no recém-anunciado programa Nova Indústria Brasil.

Há grande interesse no Brasil sobre como os investimentos chineses poderiam ajudar a reindustrializar a maior, mas cada vez menor, economia industrial da América Latina. Embora o comércio entre os dois países tenha crescido 35 vezes nos últimos 23 anos, há um desequilíbrio entre os tipos de itens exportados por cada lado — principalmente produtos primários do Brasil para a China e, da China para o Brasil, produtos industrializados.

Lula declarou que gostaria de mudar essa situação, e as autoridades chinesas sinalizaram estar abertas a discutir o assunto. Altos funcionários brasileiros estão se dirigindo à China para tentar definir detalhes sobre possíveis planos que seriam anunciados durante o encontro bilateral, embora ainda não esteja claro se esses projetos assumirão necessariamente o formato da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI).

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Embora o Brasil ainda não tenha aceitado aderir à iniciativa, Lula afirmou recentemente que o país deveria analisar a proposta mais de perto, levando a especulações sobre algum grande anúncio sobre o tema durante a visita do presidente Xi. No entanto, não há indicação clara de que Lula tenha tomado uma decisão.

Imagem da segunda-feira, 18, mostra o líder chinês Xi Jinping entre os líderes mundiais no G-20. Xi se reúne com Lula em agendas bilaterais depois da cúpula Foto: Eraldo Peres/AP

Alguns no Brasil, particularmente no Itamaraty, são relutantes quanto aos benefícios que a adesão ao BRI traria — visto que a China já está investindo significativamente em projetos de infraestrutura no Brasil — em comparação com o custo de ser visto pelos EUA como “escolhendo o lado chinês”, especialmente com a volta de Trump à Casa Branca no próximo ano.

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Em defesa da ideia de aderir, outras vozes, particularmente no círculo próximo de Lula, incluindo o influente ex-chanceler Celso Amorim, apontam que o BRI vai além de investimentos puros, pois inclui acesso a toda uma plataforma de cooperação internacional entre países ao redor do mundo.

Essa posição parece estar ganhando força no Brasil, mas Lula parece estar esperando a China oferecer algo mais junto com o convite, como encontrar maneiras de cooperar para expandir o mercado chinês para produtos brasileiros de maior valor agregado, bem como apoiar os novos planos industriais do Brasil e projetos de infraestrutura regional conectando as nações da América do Sul. As autoridades chinesas parecem dispostas a considerar as demandas do Brasil, já que garantir o endosso brasileiro proporcionaria um impulso muito necessário ao BRI, que tem enfrentado resistência da Europa e dos Estados Unidos devido a preocupações geopolíticas.

Além do comércio, a cooperação bilateral se estende à colaboração tecnológica nos campos de satélites (projeto Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), Inteligência Artificial, semicondutores, telecomunicações (5G) e energia renovável. O presidente Xi declarou recentemente que vê o futuro das relações China-Brasil avançando rapidamente para áreas mais tecnologicamente avançadas e, alinhado às esperanças brasileiras, que vê o BRI como um instrumento importante nos esforços em curso de reindustrialização do Brasil. Ele também corroborou a esperança de Lula de expandir a dimensão de intercâmbio entre os povos, sinalizando que mais trocas entre brasileiros e chineses deveriam ser incentivadas.

Além do âmbito do G20 e bilateralmente, a colaboração Brasil-China também ocorreu no contexto dos Brics, particularmente no que diz respeito à coordenação de novos esforços para reformar as estruturas financeiras e monetárias globais existentes. Embora, na época da Conferência do Brics na África do Sul no ano passado, houvesse grande alarde midiático sobre as divisões entre China e Brasil em relação à proposta de ampliação do grupo, nas questões-chave enfrentadas pela organização (como a defesa da reforma das organizações políticas e financeiras multilaterais para uma maior presença de membros do Sul Global) houve mais concordância do que disputas entre as duas nações.

As relações Brasil-China parecem prontas para serem expandidas para outros campos. A demanda por diversificação é especialmente importante para o Brasil, que deseja negociar produtos de maior valor agregado; mas também parece estar se tornando um elemento central da diplomacia chinesa em relação ao Brasil. No entanto, nunca se deve esquecer que essa não é, nem é provável que se torne, uma interação equilibrada. A China alcançou o status de potência global, enquanto o Brasil continua sendo uma economia emergente promissora e, no máximo, uma potência regional.

Há crescente interesse em consolidar a cooperação de ambos os lados, mas cabe a Lula garantir que novos projetos bilaterais envolvam transferência de tecnologia e não levem a novos impactos ambientais e sociais negativos.

A meta de reindustrialização do Brasil, particularmente se se desdobrar em projetos de energia sustentável, pode se provar um dos caminhos mais frutíferos, viáveis e mutuamente benéficos. A cooperação no campo da saúde global também parece ser um campo promissor para intercâmbios bilaterais. A China desempenhou um papel importante no enfrentamento da crise da Covid no Brasil, e ambos os países sinalizaram que a colaboração nessa área também deve ser buscada.

Cinquenta anos de relações Brasil-China demonstram não apenas uma história de sucesso econômico, mas também uma convergência geopolítica que superou muitos desafios ao longo do caminho e que agora parece estar ganhando terreno.

Uma parceria mais dinâmica e multidimensional entre os países parece provável e desejável, mas é imperativo que esses esforços sejam guiados por inclusão e justiça, tanto doméstica quanto global. Caso líderes chineses e brasileiros encontrem formas de trabalhar juntos por um Futuro Compartilhado, muito pode surgir dos próximos encontros entre seus presidentes. Todos os olhos no Rio e em Brasília no próximo mês, enquanto decisões que impactarão o futuro desses dois grandes países provavelmente serão tomadas.

Em agosto de 2024, Brasil e China comemoraram o 50.º aniversário das relações diplomáticas. Estas são, indiscutivelmente, as duas economias mais importantes do Ocidente e do Oriente do Sul Global, respectivamente. E, embora as relações nem sempre tenham sido muito significativas, nas últimas duas décadas ambos os países encontraram maneiras de aprofundar suas interações, tanto entre atores privados quanto públicos.

De fato, desde seu retorno ao poder, no início de 2023, o presidente Lula, do Brasil, buscou fortalecer ainda mais os laços com a China. Ele realizou uma visita ao gigante asiático, acompanhado por uma grande delegação de políticos e empresários.

Os laços bilaterais também foram cultivados em outros encontros, incluindo a importante Conferência do Brics na África do Sul no ano passado. Agora, com o Brasil sediando a 19ª reunião do Grupo dos Vinte (G-20) no Rio, os presidentes Lula e Xi têm a oportunidade de discutir os próximos passos em uma relação bilateral que muitos consideram uma das mais promissoras no complexo cenário global atual.

Imagem desta terça-feira, 19, mostra o presidente Lula ao lado do líder chinês Xi Jinping. China e Brasil chegaram a 50 anos de relações diplomáticas este ano Foto: Silvia Izquierdo/AP

Após uma dramática crise política que envolveu o país na metade da última década, o ex-metalúrgico que se tornou presidente, Lula, conseguiu conquistar um terceiro mandato presidencial. O Brasil continua profundamente dividido política e ideologicamente, mas Lula tem tentado reviver uma abordagem diplomática que lhe serviu bem em seus dois primeiros mandatos: uma visão universalista que busca sustentar boas relações com parceiros tradicionais, como os EUA, ao mesmo tempo em que busca fortalecer conexões e projetos com novos mercados, nações e organizações.

Nesse contexto, e com base na visão e ambições diplomáticas de Lula, aprofundar os laços com a China torna-se central, pois oferece a possibilidade de consolidar relações econômicas que ajudaram a sustentar a economia brasileira nas últimas duas décadas, além de fortalecer projetos multilaterais voltados a reformular a ordem liberal multilateral, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD).

A reunião do G-20 é, de fato, uma oportunidade para expandir as relações Brasil-China. Além de se encontrarem no Rio, Lula e Xi têm conversas bilaterais em Brasília e parecem ansiosos para anunciar novos projetos em comum.

Embora os detalhes desses projetos não estejam disponíveis, vale lembrar que, ao assumir a liderança do grupo há cerca de um ano, Lula declarou sua intenção de destacar na organização os objetivos de reduzir a fome global, acelerar a transição energética para um modelo de desenvolvimento mais sustentável e reformar a forma atual das instituições multilaterais, como o FMI e o Conselho de Segurança da ONU, para que os países em desenvolvimento tenham melhor representação.

Em todas essas três áreas, os líderes chineses poderiam fornecer importante apoio político e habilidades qualificadas, e as autoridades chinesas sinalizaram que as prioridades de Lula para sua gestão do G-20 estão alinhadas com a visão do presidente Xi de construir uma Comunidade de Futuro Compartilhado.

Além da colaboração potencial no âmbito multilateral do G-20, Brasil e China têm muito mais em que fortalecer os laços e onde novos projetos possivelmente serão apresentados. Em 2023, o comércio bilateral atingiu o recorde de US$ 157 bilhões, superando a soma combinada das vendas brasileiras (US$ 104 bilhões) para os Estados Unidos e a União Europeia.

O Brasil é o quarto maior destino de investimentos chineses no exterior, representando 4,8% do total global, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). Esses investimentos têm se tornado cada vez mais centrais para a meta de modernização da infraestrutura que Lula busca reviver com base no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e no recém-anunciado programa Nova Indústria Brasil.

Há grande interesse no Brasil sobre como os investimentos chineses poderiam ajudar a reindustrializar a maior, mas cada vez menor, economia industrial da América Latina. Embora o comércio entre os dois países tenha crescido 35 vezes nos últimos 23 anos, há um desequilíbrio entre os tipos de itens exportados por cada lado — principalmente produtos primários do Brasil para a China e, da China para o Brasil, produtos industrializados.

Lula declarou que gostaria de mudar essa situação, e as autoridades chinesas sinalizaram estar abertas a discutir o assunto. Altos funcionários brasileiros estão se dirigindo à China para tentar definir detalhes sobre possíveis planos que seriam anunciados durante o encontro bilateral, embora ainda não esteja claro se esses projetos assumirão necessariamente o formato da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI).

Embora o Brasil ainda não tenha aceitado aderir à iniciativa, Lula afirmou recentemente que o país deveria analisar a proposta mais de perto, levando a especulações sobre algum grande anúncio sobre o tema durante a visita do presidente Xi. No entanto, não há indicação clara de que Lula tenha tomado uma decisão.

Imagem da segunda-feira, 18, mostra o líder chinês Xi Jinping entre os líderes mundiais no G-20. Xi se reúne com Lula em agendas bilaterais depois da cúpula Foto: Eraldo Peres/AP

Alguns no Brasil, particularmente no Itamaraty, são relutantes quanto aos benefícios que a adesão ao BRI traria — visto que a China já está investindo significativamente em projetos de infraestrutura no Brasil — em comparação com o custo de ser visto pelos EUA como “escolhendo o lado chinês”, especialmente com a volta de Trump à Casa Branca no próximo ano.

Em defesa da ideia de aderir, outras vozes, particularmente no círculo próximo de Lula, incluindo o influente ex-chanceler Celso Amorim, apontam que o BRI vai além de investimentos puros, pois inclui acesso a toda uma plataforma de cooperação internacional entre países ao redor do mundo.

Essa posição parece estar ganhando força no Brasil, mas Lula parece estar esperando a China oferecer algo mais junto com o convite, como encontrar maneiras de cooperar para expandir o mercado chinês para produtos brasileiros de maior valor agregado, bem como apoiar os novos planos industriais do Brasil e projetos de infraestrutura regional conectando as nações da América do Sul. As autoridades chinesas parecem dispostas a considerar as demandas do Brasil, já que garantir o endosso brasileiro proporcionaria um impulso muito necessário ao BRI, que tem enfrentado resistência da Europa e dos Estados Unidos devido a preocupações geopolíticas.

Além do comércio, a cooperação bilateral se estende à colaboração tecnológica nos campos de satélites (projeto Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), Inteligência Artificial, semicondutores, telecomunicações (5G) e energia renovável. O presidente Xi declarou recentemente que vê o futuro das relações China-Brasil avançando rapidamente para áreas mais tecnologicamente avançadas e, alinhado às esperanças brasileiras, que vê o BRI como um instrumento importante nos esforços em curso de reindustrialização do Brasil. Ele também corroborou a esperança de Lula de expandir a dimensão de intercâmbio entre os povos, sinalizando que mais trocas entre brasileiros e chineses deveriam ser incentivadas.

Além do âmbito do G20 e bilateralmente, a colaboração Brasil-China também ocorreu no contexto dos Brics, particularmente no que diz respeito à coordenação de novos esforços para reformar as estruturas financeiras e monetárias globais existentes. Embora, na época da Conferência do Brics na África do Sul no ano passado, houvesse grande alarde midiático sobre as divisões entre China e Brasil em relação à proposta de ampliação do grupo, nas questões-chave enfrentadas pela organização (como a defesa da reforma das organizações políticas e financeiras multilaterais para uma maior presença de membros do Sul Global) houve mais concordância do que disputas entre as duas nações.

As relações Brasil-China parecem prontas para serem expandidas para outros campos. A demanda por diversificação é especialmente importante para o Brasil, que deseja negociar produtos de maior valor agregado; mas também parece estar se tornando um elemento central da diplomacia chinesa em relação ao Brasil. No entanto, nunca se deve esquecer que essa não é, nem é provável que se torne, uma interação equilibrada. A China alcançou o status de potência global, enquanto o Brasil continua sendo uma economia emergente promissora e, no máximo, uma potência regional.

Há crescente interesse em consolidar a cooperação de ambos os lados, mas cabe a Lula garantir que novos projetos bilaterais envolvam transferência de tecnologia e não levem a novos impactos ambientais e sociais negativos.

A meta de reindustrialização do Brasil, particularmente se se desdobrar em projetos de energia sustentável, pode se provar um dos caminhos mais frutíferos, viáveis e mutuamente benéficos. A cooperação no campo da saúde global também parece ser um campo promissor para intercâmbios bilaterais. A China desempenhou um papel importante no enfrentamento da crise da Covid no Brasil, e ambos os países sinalizaram que a colaboração nessa área também deve ser buscada.

Cinquenta anos de relações Brasil-China demonstram não apenas uma história de sucesso econômico, mas também uma convergência geopolítica que superou muitos desafios ao longo do caminho e que agora parece estar ganhando terreno.

Uma parceria mais dinâmica e multidimensional entre os países parece provável e desejável, mas é imperativo que esses esforços sejam guiados por inclusão e justiça, tanto doméstica quanto global. Caso líderes chineses e brasileiros encontrem formas de trabalhar juntos por um Futuro Compartilhado, muito pode surgir dos próximos encontros entre seus presidentes. Todos os olhos no Rio e em Brasília no próximo mês, enquanto decisões que impactarão o futuro desses dois grandes países provavelmente serão tomadas.

Em agosto de 2024, Brasil e China comemoraram o 50.º aniversário das relações diplomáticas. Estas são, indiscutivelmente, as duas economias mais importantes do Ocidente e do Oriente do Sul Global, respectivamente. E, embora as relações nem sempre tenham sido muito significativas, nas últimas duas décadas ambos os países encontraram maneiras de aprofundar suas interações, tanto entre atores privados quanto públicos.

De fato, desde seu retorno ao poder, no início de 2023, o presidente Lula, do Brasil, buscou fortalecer ainda mais os laços com a China. Ele realizou uma visita ao gigante asiático, acompanhado por uma grande delegação de políticos e empresários.

Os laços bilaterais também foram cultivados em outros encontros, incluindo a importante Conferência do Brics na África do Sul no ano passado. Agora, com o Brasil sediando a 19ª reunião do Grupo dos Vinte (G-20) no Rio, os presidentes Lula e Xi têm a oportunidade de discutir os próximos passos em uma relação bilateral que muitos consideram uma das mais promissoras no complexo cenário global atual.

Imagem desta terça-feira, 19, mostra o presidente Lula ao lado do líder chinês Xi Jinping. China e Brasil chegaram a 50 anos de relações diplomáticas este ano Foto: Silvia Izquierdo/AP

Após uma dramática crise política que envolveu o país na metade da última década, o ex-metalúrgico que se tornou presidente, Lula, conseguiu conquistar um terceiro mandato presidencial. O Brasil continua profundamente dividido política e ideologicamente, mas Lula tem tentado reviver uma abordagem diplomática que lhe serviu bem em seus dois primeiros mandatos: uma visão universalista que busca sustentar boas relações com parceiros tradicionais, como os EUA, ao mesmo tempo em que busca fortalecer conexões e projetos com novos mercados, nações e organizações.

Nesse contexto, e com base na visão e ambições diplomáticas de Lula, aprofundar os laços com a China torna-se central, pois oferece a possibilidade de consolidar relações econômicas que ajudaram a sustentar a economia brasileira nas últimas duas décadas, além de fortalecer projetos multilaterais voltados a reformular a ordem liberal multilateral, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD).

A reunião do G-20 é, de fato, uma oportunidade para expandir as relações Brasil-China. Além de se encontrarem no Rio, Lula e Xi têm conversas bilaterais em Brasília e parecem ansiosos para anunciar novos projetos em comum.

Embora os detalhes desses projetos não estejam disponíveis, vale lembrar que, ao assumir a liderança do grupo há cerca de um ano, Lula declarou sua intenção de destacar na organização os objetivos de reduzir a fome global, acelerar a transição energética para um modelo de desenvolvimento mais sustentável e reformar a forma atual das instituições multilaterais, como o FMI e o Conselho de Segurança da ONU, para que os países em desenvolvimento tenham melhor representação.

Em todas essas três áreas, os líderes chineses poderiam fornecer importante apoio político e habilidades qualificadas, e as autoridades chinesas sinalizaram que as prioridades de Lula para sua gestão do G-20 estão alinhadas com a visão do presidente Xi de construir uma Comunidade de Futuro Compartilhado.

Além da colaboração potencial no âmbito multilateral do G-20, Brasil e China têm muito mais em que fortalecer os laços e onde novos projetos possivelmente serão apresentados. Em 2023, o comércio bilateral atingiu o recorde de US$ 157 bilhões, superando a soma combinada das vendas brasileiras (US$ 104 bilhões) para os Estados Unidos e a União Europeia.

O Brasil é o quarto maior destino de investimentos chineses no exterior, representando 4,8% do total global, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). Esses investimentos têm se tornado cada vez mais centrais para a meta de modernização da infraestrutura que Lula busca reviver com base no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e no recém-anunciado programa Nova Indústria Brasil.

Há grande interesse no Brasil sobre como os investimentos chineses poderiam ajudar a reindustrializar a maior, mas cada vez menor, economia industrial da América Latina. Embora o comércio entre os dois países tenha crescido 35 vezes nos últimos 23 anos, há um desequilíbrio entre os tipos de itens exportados por cada lado — principalmente produtos primários do Brasil para a China e, da China para o Brasil, produtos industrializados.

Lula declarou que gostaria de mudar essa situação, e as autoridades chinesas sinalizaram estar abertas a discutir o assunto. Altos funcionários brasileiros estão se dirigindo à China para tentar definir detalhes sobre possíveis planos que seriam anunciados durante o encontro bilateral, embora ainda não esteja claro se esses projetos assumirão necessariamente o formato da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI).

Embora o Brasil ainda não tenha aceitado aderir à iniciativa, Lula afirmou recentemente que o país deveria analisar a proposta mais de perto, levando a especulações sobre algum grande anúncio sobre o tema durante a visita do presidente Xi. No entanto, não há indicação clara de que Lula tenha tomado uma decisão.

Imagem da segunda-feira, 18, mostra o líder chinês Xi Jinping entre os líderes mundiais no G-20. Xi se reúne com Lula em agendas bilaterais depois da cúpula Foto: Eraldo Peres/AP

Alguns no Brasil, particularmente no Itamaraty, são relutantes quanto aos benefícios que a adesão ao BRI traria — visto que a China já está investindo significativamente em projetos de infraestrutura no Brasil — em comparação com o custo de ser visto pelos EUA como “escolhendo o lado chinês”, especialmente com a volta de Trump à Casa Branca no próximo ano.

Em defesa da ideia de aderir, outras vozes, particularmente no círculo próximo de Lula, incluindo o influente ex-chanceler Celso Amorim, apontam que o BRI vai além de investimentos puros, pois inclui acesso a toda uma plataforma de cooperação internacional entre países ao redor do mundo.

Essa posição parece estar ganhando força no Brasil, mas Lula parece estar esperando a China oferecer algo mais junto com o convite, como encontrar maneiras de cooperar para expandir o mercado chinês para produtos brasileiros de maior valor agregado, bem como apoiar os novos planos industriais do Brasil e projetos de infraestrutura regional conectando as nações da América do Sul. As autoridades chinesas parecem dispostas a considerar as demandas do Brasil, já que garantir o endosso brasileiro proporcionaria um impulso muito necessário ao BRI, que tem enfrentado resistência da Europa e dos Estados Unidos devido a preocupações geopolíticas.

Além do comércio, a cooperação bilateral se estende à colaboração tecnológica nos campos de satélites (projeto Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), Inteligência Artificial, semicondutores, telecomunicações (5G) e energia renovável. O presidente Xi declarou recentemente que vê o futuro das relações China-Brasil avançando rapidamente para áreas mais tecnologicamente avançadas e, alinhado às esperanças brasileiras, que vê o BRI como um instrumento importante nos esforços em curso de reindustrialização do Brasil. Ele também corroborou a esperança de Lula de expandir a dimensão de intercâmbio entre os povos, sinalizando que mais trocas entre brasileiros e chineses deveriam ser incentivadas.

Além do âmbito do G20 e bilateralmente, a colaboração Brasil-China também ocorreu no contexto dos Brics, particularmente no que diz respeito à coordenação de novos esforços para reformar as estruturas financeiras e monetárias globais existentes. Embora, na época da Conferência do Brics na África do Sul no ano passado, houvesse grande alarde midiático sobre as divisões entre China e Brasil em relação à proposta de ampliação do grupo, nas questões-chave enfrentadas pela organização (como a defesa da reforma das organizações políticas e financeiras multilaterais para uma maior presença de membros do Sul Global) houve mais concordância do que disputas entre as duas nações.

As relações Brasil-China parecem prontas para serem expandidas para outros campos. A demanda por diversificação é especialmente importante para o Brasil, que deseja negociar produtos de maior valor agregado; mas também parece estar se tornando um elemento central da diplomacia chinesa em relação ao Brasil. No entanto, nunca se deve esquecer que essa não é, nem é provável que se torne, uma interação equilibrada. A China alcançou o status de potência global, enquanto o Brasil continua sendo uma economia emergente promissora e, no máximo, uma potência regional.

Há crescente interesse em consolidar a cooperação de ambos os lados, mas cabe a Lula garantir que novos projetos bilaterais envolvam transferência de tecnologia e não levem a novos impactos ambientais e sociais negativos.

A meta de reindustrialização do Brasil, particularmente se se desdobrar em projetos de energia sustentável, pode se provar um dos caminhos mais frutíferos, viáveis e mutuamente benéficos. A cooperação no campo da saúde global também parece ser um campo promissor para intercâmbios bilaterais. A China desempenhou um papel importante no enfrentamento da crise da Covid no Brasil, e ambos os países sinalizaram que a colaboração nessa área também deve ser buscada.

Cinquenta anos de relações Brasil-China demonstram não apenas uma história de sucesso econômico, mas também uma convergência geopolítica que superou muitos desafios ao longo do caminho e que agora parece estar ganhando terreno.

Uma parceria mais dinâmica e multidimensional entre os países parece provável e desejável, mas é imperativo que esses esforços sejam guiados por inclusão e justiça, tanto doméstica quanto global. Caso líderes chineses e brasileiros encontrem formas de trabalhar juntos por um Futuro Compartilhado, muito pode surgir dos próximos encontros entre seus presidentes. Todos os olhos no Rio e em Brasília no próximo mês, enquanto decisões que impactarão o futuro desses dois grandes países provavelmente serão tomadas.

Opinião por Rafael Ioris

Rafael R. Ioris é professor de história latino-americana no Departamento de História da Universidade de Denver. É pesquisador do Instituto de Estudos dos Estados Unidos no Brasil. Autor de livros como Qual desenvolvimento?, Transforming Brazil. É non-resident fellow do Washington Brazil Office, em DC.

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