Entenda a greve contra a reforma na aposentadoria que paralisa a França


Pressão popular é o primeiro teste para Macron após a reeleição do ano passado; projeto quer aumentar idade da aposentadoria

Por Redação

Milhares de trabalhadores franceses foram às ruas e decretaram greve nos últimos meses para pressionar o presidente da França, Emmanuel Macron, a abandonar o projeto de reforma previdenciária para aumentar a idade legal de aposentadoria de 62 para 64 anos. A pressão popular é o primeiro teste para Macron após a reeleição do ano passado, que insiste no projeto apesar de pesquisas de opinião pública mostrarem que a maioria dos franceses são contra o plano.

A resistência à reforma foi renovada nesta terça-feira,7, com a promessa dos sindicatos de paralisar a França no sexto dia de uma série de protestos e tensos debates na Assembleia Nacional. O projeto também está em discussão no Senado, onde o governo espera a aprovação até o fim deste mês.

O governo de Macron afirma que a mudança na previdência francesa é necessária para garantir a viabilidade financeira do sistema à medida que a expectativa de vida aumenta e o número de aposentados se torna cada vez maior, com cada vez menos trabalhadores contribuindo para a previdência social.

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Milhares de trabalhadores protestam contra projeto da reforma da previdência em Paris, no dia 31 de janeiro. Projeto tem rejeição dos sindicatos Foto: Thibualt Camus/AP

A oposição, que conta com uma frente unida de sindicatos, contesta a necessidade de urgência e diz que o projeto de Macron ataca o direito à aposentadoria e põe a conta injustamente nos trabalhadores, em vez de aumentar os impostos sobre os ricos.

Até o momento, nenhum dos lados mostrou estar disposto a recuar. As greves gerais foram limitadas até o momento, com protestos e paralisações temporárias em escolas, no transporte público, em refinarias de combustível e outros setores. O governo fez pequenas concessões para garantir o apoio político dos deputados de direita, mas adota uma postura mais dura contra os sindicatos.

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Parte dos sindicatos passaram a pedir greves maiores que podem jogar a opinião pública contra eles, mas aumentariam a pressão sobre Macron. O presidente francês falou pouco publicamente sobre a reforma até o momento, deixando essa tarefa para membros da linha de frente do governo, mas aposta o seu legado nesta mudança.

Histórico de rejeição à reforma da previdência

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A perspectiva de uma reforma previdenciária há muito é um problema na política francesa, provocando grandes protestos em 1995 e 2010, muito antes de Macron se tornar presidente. A gestão do líder francês também já enfrentou isso anteriormente, em 2019.

No primeiro mandato, o esforço de Macron para reformar o sistema previdenciário da França levou a grandes protestos de rua e greves, incluindo uma das mais longas greves de transporte da história do país. O governo arquivou o projeto depois que a pandemia de coronavírus teve início.

Há uma diferença fundamental entre as duas tentativas de Macron: o projeto de 2019 não envolvia aumentar a idade legal de aposentadoria. Em vez disso, almejava uma revisão geral na estrutura complexa do sistema previdenciário. O objetivo era fundir 42 programas de previdência diferentes no que ele disse ser um sistema unificado e mais justo, usando pontos que os trabalhadores acumulariam e descontariam na aposentadoria. No entanto, o projeto deixou muitas pessoas confusas e preocupadas com a diminuição dos benefícios.

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Qual o projeto atual de Macron?

O projeto mais recente é uma tentativa muito mais direta de equilibrar as finanças da previdência, fazendo com que os franceses trabalhem por mais tempo. O governo reconhece que esse esforço será difícil para alguns, mas insiste que é necessário.

O sistema previdenciário da França se baseia principalmente em uma estrutura em que trabalhadores e empregadores pagam impostos obrigatórios sobre a folha de pagamento, utilizados para financiar as aposentadorias e pensões (semelhante ao sistema do Brasil). Esse sistema, que permitiu que gerações se aposentassem com uma pensão garantida garantida pelo Estado, não mudará.

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A França tem uma das taxas mais baixas de aposentados em risco de pobreza na Europa e uma taxa líquida de substituição de pensões – que mede efetivamente se a renda da aposentadoria substitui os ganhos anteriores – de 74%, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A taxa é maior do que as médias da OCDE e da União Europeia.

Presidente francês, Emmanuel Macron, durante entrevista coletiva após reunião com líderes europeus em Alicante, na Espanha, em 9 de dezembro de 2022 Foto: Jose Jordan/AFP

Entretanto, o governo argumenta que o aumento da expectativa de vida deixou o sistema em um estado cada vez mais precário. Em 2000, havia uma proporção de 2,1 trabalhadores para cada aposentado; em 2020 essa relação havia caído para 1,7, e em 2070 espera-se que caia para 1,2, segundo projeções oficiais.

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Para Antoine Bozio, economista da Escola de Economia de Paris, não há uma “explosão do déficit” de curto prazo que precise ser tratada com urgência. Mas “uma vez que você disse que o sistema não está em perigo ou à beira de uma catástrofe”, disse ele, “isso não significa que não haja problemas” a longo prazo.

Para manter o sistema financeiramente viável sem direcionar mais dinheiro do contribuinte para ele – algo que o governo já faz – Macron quer aumentar gradualmente a idade legal de aposentadoria em três meses a cada ano, até atingir 64 anos em 2030. Ele também quer acelerar uma mudança anterior que aumentou o número de anos que os trabalhadores devem contribuir ao sistema para obter uma pensão completa.

Por que o projeto é tão impopular?

Os oponentes dizem que Macron exagera nas projeções de déficits e se recusa a considerar outras maneiras de equilibrar o sistema previdenciário, como aumentar os impostos sobre a folha de pagamento dos trabalhadores, separar as pensões da inflação ou aumentar os impostos sobre as famílias ou empresas ricas.

Segundo eles, fazer as pessoas trabalharem por mais tempo afetará injustamente os trabalhadores de menor qualificação, que muitas vezes começam suas carreiras mais cedo e têm uma expectativa de vida menor, em média, do que os de maiores qualificações. “64 anos não é possível”, disse o diretor do sindicato trabalhista CGT, Philippe Martinez. “Deixe eles visitarem o chão de uma fábrica têxtil, ou um matadouro, ou a indústria de processamento de alimentos, e eles verão como são as condições de trabalho.”

Alguns se preocupam com a possibilidade de serem forçados a se aposentar mais tarde porque os idosos que querem trabalhar, mas que perdem seus empregos, muitas vezes lidam com a discriminação por idade no mercado de trabalho.

Manifestantes protestaram por toda a França contra o projeto de reforma da idade para aposentadoria proposto por Macron  Foto: Aurelien Morissard/AP Photo

A impopularidade do plano também tem muito a ver com rejeição contra Macron, que tem lutado para se livrar da imagem de um “presidente dos ricos”.

Ao fazer das aposentadorias a pedra angular de seu segundo mandato – ele não pode concorrer a um terceiro consecutivo –, Macron também as transformou em uma espécie de referendo sobre seu legado. Analistas alertam que ele pode se tornar um presidente figurativo se não conseguir aprovar a reforma. “É por isso que ele tem não apenas todos os sindicatos, mas também uma grande parte da opinião pública contra ele”, disse Jean Garrigues, historiador da cultura política da França. “Ao se amarrar ao projeto, a oposição a ele é intensificada, de certa forma dramatizada.”

O que vem depois?

O governo anunciou medidas destinadas a amenizar a rejeição, como isenções contínuas que permitem que aqueles que começam a trabalhar mais jovens se aposentem mais cedo e medidas para ajudar os idosos a permanecerem empregados.

O governo também disse que aumentaria benefícios menores, mas o plano falhou depois que as autoridades reconheceram que o aumento seria menor que o anunciado inicialmente para a maioria dos aposentados.

Entretanto, as concessões foram feitas principalmente para buscar o apoio dos deputados do Partido Republicano – conservadores tradicionais cujos votos o governo precisa para aprovar o projeto – e não aplacaram os sindicatos. As entidades de trabalhadores agora planejam greves mais longas em setores-chave como transporte e energia para aumentar a pressão sobre o governo.

Depois que o Senado votar o projeto de lei, o que deve acontecer até domingo, um comitê conjunto de legisladores franceses trabalhará para reconciliar suas versões do projeto. Depois, a Assembleia Nacional e o Senado irão votar o projeto separadamente.

O partido de Macron, o Renascimento, e a base aliada não têm mais maioria absoluta na Assembleia Nacional e teriam dificuldades para aprová-lo de forma isolada. Eles terão que contar com os republicanos, cujos líderes disseram que poderiam apoiar o projeto.

Macron espera enfrentar os protestos, assim como Nicolas Sarkozy fez como presidente em 2010, quando elevou a idade de aposentadoria de 60 para 62, apesar das grandes manifestações. No entanto, alguns republicanos da base – e até mesmo membros do partido de Macron – expressaram desconforto com a versão atual do projeto de lei, o que significa que a votação pode chegar ao limite se os protestos dos eleitores levarem os políticos a recuarem.

O governo poderia usar uma rara ferramenta constitucional para aprovar o projeto de lei sem votação – a primeira-ministra Élisabeth Borne usou essa tática várias vezes no ano passado para aprovar medidas financeiras. Entretanto, o procedimento deixaria o governo de Macron exposto a uma moção de desconfiança, aumentando o risco de inflamar ainda mais as tensões nas ruas em um assunto tão sensível.

Milhares de trabalhadores franceses foram às ruas e decretaram greve nos últimos meses para pressionar o presidente da França, Emmanuel Macron, a abandonar o projeto de reforma previdenciária para aumentar a idade legal de aposentadoria de 62 para 64 anos. A pressão popular é o primeiro teste para Macron após a reeleição do ano passado, que insiste no projeto apesar de pesquisas de opinião pública mostrarem que a maioria dos franceses são contra o plano.

A resistência à reforma foi renovada nesta terça-feira,7, com a promessa dos sindicatos de paralisar a França no sexto dia de uma série de protestos e tensos debates na Assembleia Nacional. O projeto também está em discussão no Senado, onde o governo espera a aprovação até o fim deste mês.

O governo de Macron afirma que a mudança na previdência francesa é necessária para garantir a viabilidade financeira do sistema à medida que a expectativa de vida aumenta e o número de aposentados se torna cada vez maior, com cada vez menos trabalhadores contribuindo para a previdência social.

Milhares de trabalhadores protestam contra projeto da reforma da previdência em Paris, no dia 31 de janeiro. Projeto tem rejeição dos sindicatos Foto: Thibualt Camus/AP

A oposição, que conta com uma frente unida de sindicatos, contesta a necessidade de urgência e diz que o projeto de Macron ataca o direito à aposentadoria e põe a conta injustamente nos trabalhadores, em vez de aumentar os impostos sobre os ricos.

Até o momento, nenhum dos lados mostrou estar disposto a recuar. As greves gerais foram limitadas até o momento, com protestos e paralisações temporárias em escolas, no transporte público, em refinarias de combustível e outros setores. O governo fez pequenas concessões para garantir o apoio político dos deputados de direita, mas adota uma postura mais dura contra os sindicatos.

Parte dos sindicatos passaram a pedir greves maiores que podem jogar a opinião pública contra eles, mas aumentariam a pressão sobre Macron. O presidente francês falou pouco publicamente sobre a reforma até o momento, deixando essa tarefa para membros da linha de frente do governo, mas aposta o seu legado nesta mudança.

Histórico de rejeição à reforma da previdência

A perspectiva de uma reforma previdenciária há muito é um problema na política francesa, provocando grandes protestos em 1995 e 2010, muito antes de Macron se tornar presidente. A gestão do líder francês também já enfrentou isso anteriormente, em 2019.

No primeiro mandato, o esforço de Macron para reformar o sistema previdenciário da França levou a grandes protestos de rua e greves, incluindo uma das mais longas greves de transporte da história do país. O governo arquivou o projeto depois que a pandemia de coronavírus teve início.

Há uma diferença fundamental entre as duas tentativas de Macron: o projeto de 2019 não envolvia aumentar a idade legal de aposentadoria. Em vez disso, almejava uma revisão geral na estrutura complexa do sistema previdenciário. O objetivo era fundir 42 programas de previdência diferentes no que ele disse ser um sistema unificado e mais justo, usando pontos que os trabalhadores acumulariam e descontariam na aposentadoria. No entanto, o projeto deixou muitas pessoas confusas e preocupadas com a diminuição dos benefícios.

Qual o projeto atual de Macron?

O projeto mais recente é uma tentativa muito mais direta de equilibrar as finanças da previdência, fazendo com que os franceses trabalhem por mais tempo. O governo reconhece que esse esforço será difícil para alguns, mas insiste que é necessário.

O sistema previdenciário da França se baseia principalmente em uma estrutura em que trabalhadores e empregadores pagam impostos obrigatórios sobre a folha de pagamento, utilizados para financiar as aposentadorias e pensões (semelhante ao sistema do Brasil). Esse sistema, que permitiu que gerações se aposentassem com uma pensão garantida garantida pelo Estado, não mudará.

A França tem uma das taxas mais baixas de aposentados em risco de pobreza na Europa e uma taxa líquida de substituição de pensões – que mede efetivamente se a renda da aposentadoria substitui os ganhos anteriores – de 74%, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A taxa é maior do que as médias da OCDE e da União Europeia.

Presidente francês, Emmanuel Macron, durante entrevista coletiva após reunião com líderes europeus em Alicante, na Espanha, em 9 de dezembro de 2022 Foto: Jose Jordan/AFP

Entretanto, o governo argumenta que o aumento da expectativa de vida deixou o sistema em um estado cada vez mais precário. Em 2000, havia uma proporção de 2,1 trabalhadores para cada aposentado; em 2020 essa relação havia caído para 1,7, e em 2070 espera-se que caia para 1,2, segundo projeções oficiais.

Para Antoine Bozio, economista da Escola de Economia de Paris, não há uma “explosão do déficit” de curto prazo que precise ser tratada com urgência. Mas “uma vez que você disse que o sistema não está em perigo ou à beira de uma catástrofe”, disse ele, “isso não significa que não haja problemas” a longo prazo.

Para manter o sistema financeiramente viável sem direcionar mais dinheiro do contribuinte para ele – algo que o governo já faz – Macron quer aumentar gradualmente a idade legal de aposentadoria em três meses a cada ano, até atingir 64 anos em 2030. Ele também quer acelerar uma mudança anterior que aumentou o número de anos que os trabalhadores devem contribuir ao sistema para obter uma pensão completa.

Por que o projeto é tão impopular?

Os oponentes dizem que Macron exagera nas projeções de déficits e se recusa a considerar outras maneiras de equilibrar o sistema previdenciário, como aumentar os impostos sobre a folha de pagamento dos trabalhadores, separar as pensões da inflação ou aumentar os impostos sobre as famílias ou empresas ricas.

Segundo eles, fazer as pessoas trabalharem por mais tempo afetará injustamente os trabalhadores de menor qualificação, que muitas vezes começam suas carreiras mais cedo e têm uma expectativa de vida menor, em média, do que os de maiores qualificações. “64 anos não é possível”, disse o diretor do sindicato trabalhista CGT, Philippe Martinez. “Deixe eles visitarem o chão de uma fábrica têxtil, ou um matadouro, ou a indústria de processamento de alimentos, e eles verão como são as condições de trabalho.”

Alguns se preocupam com a possibilidade de serem forçados a se aposentar mais tarde porque os idosos que querem trabalhar, mas que perdem seus empregos, muitas vezes lidam com a discriminação por idade no mercado de trabalho.

Manifestantes protestaram por toda a França contra o projeto de reforma da idade para aposentadoria proposto por Macron  Foto: Aurelien Morissard/AP Photo

A impopularidade do plano também tem muito a ver com rejeição contra Macron, que tem lutado para se livrar da imagem de um “presidente dos ricos”.

Ao fazer das aposentadorias a pedra angular de seu segundo mandato – ele não pode concorrer a um terceiro consecutivo –, Macron também as transformou em uma espécie de referendo sobre seu legado. Analistas alertam que ele pode se tornar um presidente figurativo se não conseguir aprovar a reforma. “É por isso que ele tem não apenas todos os sindicatos, mas também uma grande parte da opinião pública contra ele”, disse Jean Garrigues, historiador da cultura política da França. “Ao se amarrar ao projeto, a oposição a ele é intensificada, de certa forma dramatizada.”

O que vem depois?

O governo anunciou medidas destinadas a amenizar a rejeição, como isenções contínuas que permitem que aqueles que começam a trabalhar mais jovens se aposentem mais cedo e medidas para ajudar os idosos a permanecerem empregados.

O governo também disse que aumentaria benefícios menores, mas o plano falhou depois que as autoridades reconheceram que o aumento seria menor que o anunciado inicialmente para a maioria dos aposentados.

Entretanto, as concessões foram feitas principalmente para buscar o apoio dos deputados do Partido Republicano – conservadores tradicionais cujos votos o governo precisa para aprovar o projeto – e não aplacaram os sindicatos. As entidades de trabalhadores agora planejam greves mais longas em setores-chave como transporte e energia para aumentar a pressão sobre o governo.

Depois que o Senado votar o projeto de lei, o que deve acontecer até domingo, um comitê conjunto de legisladores franceses trabalhará para reconciliar suas versões do projeto. Depois, a Assembleia Nacional e o Senado irão votar o projeto separadamente.

O partido de Macron, o Renascimento, e a base aliada não têm mais maioria absoluta na Assembleia Nacional e teriam dificuldades para aprová-lo de forma isolada. Eles terão que contar com os republicanos, cujos líderes disseram que poderiam apoiar o projeto.

Macron espera enfrentar os protestos, assim como Nicolas Sarkozy fez como presidente em 2010, quando elevou a idade de aposentadoria de 60 para 62, apesar das grandes manifestações. No entanto, alguns republicanos da base – e até mesmo membros do partido de Macron – expressaram desconforto com a versão atual do projeto de lei, o que significa que a votação pode chegar ao limite se os protestos dos eleitores levarem os políticos a recuarem.

O governo poderia usar uma rara ferramenta constitucional para aprovar o projeto de lei sem votação – a primeira-ministra Élisabeth Borne usou essa tática várias vezes no ano passado para aprovar medidas financeiras. Entretanto, o procedimento deixaria o governo de Macron exposto a uma moção de desconfiança, aumentando o risco de inflamar ainda mais as tensões nas ruas em um assunto tão sensível.

Milhares de trabalhadores franceses foram às ruas e decretaram greve nos últimos meses para pressionar o presidente da França, Emmanuel Macron, a abandonar o projeto de reforma previdenciária para aumentar a idade legal de aposentadoria de 62 para 64 anos. A pressão popular é o primeiro teste para Macron após a reeleição do ano passado, que insiste no projeto apesar de pesquisas de opinião pública mostrarem que a maioria dos franceses são contra o plano.

A resistência à reforma foi renovada nesta terça-feira,7, com a promessa dos sindicatos de paralisar a França no sexto dia de uma série de protestos e tensos debates na Assembleia Nacional. O projeto também está em discussão no Senado, onde o governo espera a aprovação até o fim deste mês.

O governo de Macron afirma que a mudança na previdência francesa é necessária para garantir a viabilidade financeira do sistema à medida que a expectativa de vida aumenta e o número de aposentados se torna cada vez maior, com cada vez menos trabalhadores contribuindo para a previdência social.

Milhares de trabalhadores protestam contra projeto da reforma da previdência em Paris, no dia 31 de janeiro. Projeto tem rejeição dos sindicatos Foto: Thibualt Camus/AP

A oposição, que conta com uma frente unida de sindicatos, contesta a necessidade de urgência e diz que o projeto de Macron ataca o direito à aposentadoria e põe a conta injustamente nos trabalhadores, em vez de aumentar os impostos sobre os ricos.

Até o momento, nenhum dos lados mostrou estar disposto a recuar. As greves gerais foram limitadas até o momento, com protestos e paralisações temporárias em escolas, no transporte público, em refinarias de combustível e outros setores. O governo fez pequenas concessões para garantir o apoio político dos deputados de direita, mas adota uma postura mais dura contra os sindicatos.

Parte dos sindicatos passaram a pedir greves maiores que podem jogar a opinião pública contra eles, mas aumentariam a pressão sobre Macron. O presidente francês falou pouco publicamente sobre a reforma até o momento, deixando essa tarefa para membros da linha de frente do governo, mas aposta o seu legado nesta mudança.

Histórico de rejeição à reforma da previdência

A perspectiva de uma reforma previdenciária há muito é um problema na política francesa, provocando grandes protestos em 1995 e 2010, muito antes de Macron se tornar presidente. A gestão do líder francês também já enfrentou isso anteriormente, em 2019.

No primeiro mandato, o esforço de Macron para reformar o sistema previdenciário da França levou a grandes protestos de rua e greves, incluindo uma das mais longas greves de transporte da história do país. O governo arquivou o projeto depois que a pandemia de coronavírus teve início.

Há uma diferença fundamental entre as duas tentativas de Macron: o projeto de 2019 não envolvia aumentar a idade legal de aposentadoria. Em vez disso, almejava uma revisão geral na estrutura complexa do sistema previdenciário. O objetivo era fundir 42 programas de previdência diferentes no que ele disse ser um sistema unificado e mais justo, usando pontos que os trabalhadores acumulariam e descontariam na aposentadoria. No entanto, o projeto deixou muitas pessoas confusas e preocupadas com a diminuição dos benefícios.

Qual o projeto atual de Macron?

O projeto mais recente é uma tentativa muito mais direta de equilibrar as finanças da previdência, fazendo com que os franceses trabalhem por mais tempo. O governo reconhece que esse esforço será difícil para alguns, mas insiste que é necessário.

O sistema previdenciário da França se baseia principalmente em uma estrutura em que trabalhadores e empregadores pagam impostos obrigatórios sobre a folha de pagamento, utilizados para financiar as aposentadorias e pensões (semelhante ao sistema do Brasil). Esse sistema, que permitiu que gerações se aposentassem com uma pensão garantida garantida pelo Estado, não mudará.

A França tem uma das taxas mais baixas de aposentados em risco de pobreza na Europa e uma taxa líquida de substituição de pensões – que mede efetivamente se a renda da aposentadoria substitui os ganhos anteriores – de 74%, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A taxa é maior do que as médias da OCDE e da União Europeia.

Presidente francês, Emmanuel Macron, durante entrevista coletiva após reunião com líderes europeus em Alicante, na Espanha, em 9 de dezembro de 2022 Foto: Jose Jordan/AFP

Entretanto, o governo argumenta que o aumento da expectativa de vida deixou o sistema em um estado cada vez mais precário. Em 2000, havia uma proporção de 2,1 trabalhadores para cada aposentado; em 2020 essa relação havia caído para 1,7, e em 2070 espera-se que caia para 1,2, segundo projeções oficiais.

Para Antoine Bozio, economista da Escola de Economia de Paris, não há uma “explosão do déficit” de curto prazo que precise ser tratada com urgência. Mas “uma vez que você disse que o sistema não está em perigo ou à beira de uma catástrofe”, disse ele, “isso não significa que não haja problemas” a longo prazo.

Para manter o sistema financeiramente viável sem direcionar mais dinheiro do contribuinte para ele – algo que o governo já faz – Macron quer aumentar gradualmente a idade legal de aposentadoria em três meses a cada ano, até atingir 64 anos em 2030. Ele também quer acelerar uma mudança anterior que aumentou o número de anos que os trabalhadores devem contribuir ao sistema para obter uma pensão completa.

Por que o projeto é tão impopular?

Os oponentes dizem que Macron exagera nas projeções de déficits e se recusa a considerar outras maneiras de equilibrar o sistema previdenciário, como aumentar os impostos sobre a folha de pagamento dos trabalhadores, separar as pensões da inflação ou aumentar os impostos sobre as famílias ou empresas ricas.

Segundo eles, fazer as pessoas trabalharem por mais tempo afetará injustamente os trabalhadores de menor qualificação, que muitas vezes começam suas carreiras mais cedo e têm uma expectativa de vida menor, em média, do que os de maiores qualificações. “64 anos não é possível”, disse o diretor do sindicato trabalhista CGT, Philippe Martinez. “Deixe eles visitarem o chão de uma fábrica têxtil, ou um matadouro, ou a indústria de processamento de alimentos, e eles verão como são as condições de trabalho.”

Alguns se preocupam com a possibilidade de serem forçados a se aposentar mais tarde porque os idosos que querem trabalhar, mas que perdem seus empregos, muitas vezes lidam com a discriminação por idade no mercado de trabalho.

Manifestantes protestaram por toda a França contra o projeto de reforma da idade para aposentadoria proposto por Macron  Foto: Aurelien Morissard/AP Photo

A impopularidade do plano também tem muito a ver com rejeição contra Macron, que tem lutado para se livrar da imagem de um “presidente dos ricos”.

Ao fazer das aposentadorias a pedra angular de seu segundo mandato – ele não pode concorrer a um terceiro consecutivo –, Macron também as transformou em uma espécie de referendo sobre seu legado. Analistas alertam que ele pode se tornar um presidente figurativo se não conseguir aprovar a reforma. “É por isso que ele tem não apenas todos os sindicatos, mas também uma grande parte da opinião pública contra ele”, disse Jean Garrigues, historiador da cultura política da França. “Ao se amarrar ao projeto, a oposição a ele é intensificada, de certa forma dramatizada.”

O que vem depois?

O governo anunciou medidas destinadas a amenizar a rejeição, como isenções contínuas que permitem que aqueles que começam a trabalhar mais jovens se aposentem mais cedo e medidas para ajudar os idosos a permanecerem empregados.

O governo também disse que aumentaria benefícios menores, mas o plano falhou depois que as autoridades reconheceram que o aumento seria menor que o anunciado inicialmente para a maioria dos aposentados.

Entretanto, as concessões foram feitas principalmente para buscar o apoio dos deputados do Partido Republicano – conservadores tradicionais cujos votos o governo precisa para aprovar o projeto – e não aplacaram os sindicatos. As entidades de trabalhadores agora planejam greves mais longas em setores-chave como transporte e energia para aumentar a pressão sobre o governo.

Depois que o Senado votar o projeto de lei, o que deve acontecer até domingo, um comitê conjunto de legisladores franceses trabalhará para reconciliar suas versões do projeto. Depois, a Assembleia Nacional e o Senado irão votar o projeto separadamente.

O partido de Macron, o Renascimento, e a base aliada não têm mais maioria absoluta na Assembleia Nacional e teriam dificuldades para aprová-lo de forma isolada. Eles terão que contar com os republicanos, cujos líderes disseram que poderiam apoiar o projeto.

Macron espera enfrentar os protestos, assim como Nicolas Sarkozy fez como presidente em 2010, quando elevou a idade de aposentadoria de 60 para 62, apesar das grandes manifestações. No entanto, alguns republicanos da base – e até mesmo membros do partido de Macron – expressaram desconforto com a versão atual do projeto de lei, o que significa que a votação pode chegar ao limite se os protestos dos eleitores levarem os políticos a recuarem.

O governo poderia usar uma rara ferramenta constitucional para aprovar o projeto de lei sem votação – a primeira-ministra Élisabeth Borne usou essa tática várias vezes no ano passado para aprovar medidas financeiras. Entretanto, o procedimento deixaria o governo de Macron exposto a uma moção de desconfiança, aumentando o risco de inflamar ainda mais as tensões nas ruas em um assunto tão sensível.

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