WASHINGTON - O comitê da Câmara dos Estados Unidos pediu nesta quarta-feira, 19, que o Departamento de Justiça processe o ex-presidente Donald Trump e vários de seus aliados por ao menos quatro crimes relacionados à invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. O pedido serve apenas como mecanismo para pressão política, ainda que o grupo de deputados tenha coletado várias provas e testemunhas, e ainda não se sabe se os procuradores aceitarão o pedido.
Já impactado por várias outras investigações - uma que resultou em uma batida policial em sua casa - e depois de sofrer derrotas relevantes nas eleições de meio de mandato, Trump tende a ficar ainda mais enfraquecido politicamente. Responsabilizado como incitador da “grande mentira” de que as eleições de 2020 foram fraudadas, candidatos apoiados por Trump que defenderam a mentira sofreram derrotas nas midterms de novembro, demonstrando que a narrativa de Trump não teve a força que ele esperava.
O comitê traçou um roteiro ambicioso para processar Trump e vários de seus aliados em sua última sessão pública nesta segunda, dizendo que eles cometeram uma série de crimes federais ao planejar várias formar de reverter os resultados da eleição de 2020. Ao todo, Trump foi acusado de obstrução de um processo oficial do Congresso, conspiração para fraudar o governo, conspiração para fazer uma declaração falsa e incitar ou auxiliar uma insurreição.
Nenhuma das investigações das quais é alvo, por enquanto, afetam a recente candidatura de Trump para 2024, ou vice versa. Porém o relatório joga pressão no Departamento de Justiça, já que dá a Trump uma importância política ainda maior. Não a toa, o departamento optou por indicar um promotor especial para supervisionar os trabalhos. Agora resta observar se alguma das várias investigações em andamento contra o ex-presidente resultará em condenação, o que pode minar seu futuro político.
Próximos passos
O relatório finalizado hoje será agora enviado ao Departamento de Justiça, que decidirá se aceita ou não as acusações. Embora o encaminhamento criminal não tenha legitimidade legal, é uma declaração contundente do comitê e aumenta a pressão política já existente sobre o procurador-geral Merrick Garland e o procurador especial Jack Smith, que está conduzindo uma investigação sobre 6 de janeiro e as ações de Trump.
Os legisladores do comitê pressionaram abertamente Garland a investigar as ações de Trump e, no mês passado, ele nomeou Smith como procurador especial para supervisionar duas investigações relacionadas a Trump, o ataque ao Capitólio e a presença de documentos confidenciais na propriedade de Trump na Flórida.
Mas ainda não está claro até que ponto Smith seguirá o caminho traçado pelo comitê - ou se Trump e outros enfrentarão quaisquer acusações criminais. As acusações do comitê foram baseadas em uma investigação exaustiva que durou meses e incluiu entrevistas com testemunhas importantes com as quais nem os promotores federais podem ter falado ainda.
Mandados de busca e intimações que surgiram durante a investigação do Departamento de Justiça sugerem que há alguma – mas certamente não total – sobreposição entre os estatutos criminais citados pelo departamento e as acusações recomendadas pelo comitê.
Entre as várias acusações, a mais séria e provavelmente mais difícil de provar é a de insurreição. Embora o Departamento de Justiça tenha vencido uma acusação relacionada, conspiração sediciosa, contra Stewart Rhodes, o líder da milícia Oath Keepers, e esteja pronto para julgar cinco membros de outro grupo de extrema direita, os Proud Boys, por sedição, não acusou ninguém de insurreição em mais de 900 casos criminais.
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Ainda assim, um juiz federal em Washington preparou o terreno para um possível caso de insurreição contra Trump em uma decisão em fevereiro que permitiu que uma série de processos civis relacionados a 6 de janeiro movidos contra o ex-presidente avançassem.
Caso o departamento aceite processar Trump e seus aliados, as acusações podem resultar em longas sentenças de prisão.
Futuro político
O relatório do comitê chega em um momento delicado para Trump. Depois de achar que seria o grande vitorioso das eleições de meio de mandato em novembro, Trump viu que seu apoio popular está reduzido e perdeu espaço dentro do próprio Partido Republicano. Após perder a chance de reconquista a maioria do Senado e ganhar uma maioria tímida na Câmara, ficou claro para os republicanos que se apegar a Trump pode trazer consequências eleitorais.
“As eleições de meio de mandato deixaram claro que se os republicanos se agarrarem a Trump, vão continuar perdendo eleições relativamente fáceis. Elas mudaram completamente a variável politica e podem inclusive dar outro peso ao comitê”, afirmou o professor associado do Berea College, do Kentucky, Carlos Gustavo Poggio ao Estadão. A isso se soma o nome de Ron DeSantis, que saiu como o grande vitorioso das midterms e promete ameaçar a futura candidatura de Trump.
“Nenhum homem que se comporte dessa maneira poderá servir em qualquer posição de autoridade em nossa nação novamente. Ele é inadequado para qualquer cargo”, disse a deputada republicana Liz Cheney, que participou e foi uma voz ativa do comitê.
O governador de Maryland, Larry Hogan, um republicano que avalia uma candidatura à Casa Branca em 2024, disse que Trump está no ponto mais baixo de sua história. “Não sou advogado e não sei que tipo de responsabilidade legal ele deveria ter, mas achei que foi um dos dias mais sombrios da história americana”, disse em entrevista à Associated Press pouco antes da reunião do comitê, acrescentando que o presidente tem responsabilidade pelo que aconteceu.
As acusações contra Trump neste caso ainda respingam em outros legisladores republicanos, incluindo o possível futuro presidente da Câmara Kevin McCarthy, que podem enfrentar investigações éticas por recusa em cumprir as intimações do Congresso.
Além deste relatório, na terça-feira, um outro comitê da Câmara se reunirá em particular para discutir o que fazer com os seis anos de declarações fiscais de Trump que finalmente obtiveram após quase quatro anos de esforços legais de Trump para bloquear sua liberação./AP, NYT e W.POST