O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a destacar em entrevista coletiva na terça-feira, 7, o interesse em tomar o controle da Groenlândia e do Canal do Panamá. O republicano subiu o tom e não descartou o uso militar para tornar seu desejo uma realidade. Trump classifica o controle americano sobre os locais como vital para a segurança do país.
“Precisamos da Groenlândia para fins de segurança nacional”, disse ele, argumentando que a Dinamarca deveria abdicar do controle sobre o território para “proteger o mundo livre”. Ele ameaçou impor tarifas à Dinamarca se não o fizesse.
No mesmo dia, Trump disse na rede social Truth Social que a potencial aquisição americana do território do Ártico “é um acordo que deve acontecer” e postou fotos de seu filho mais velho, Donald Trump Jr, na Groenlândia.
Após a coletiva de imprensa do presidente eleito, a Dinamarca repreendeu duramente a proposta, dizendo que a maior ilha do mundo não está à venda.
Durante seu primeiro mandato, Trump pediu a seus assessores que explorassem maneiras de comprar a Groenlândia, um território semiautônomo conhecido por seus recursos naturais e localização estratégica para novas rotas de navegação que podem se abrir conforme o gelo do Ártico derrete. Algumas semanas atrás, o republicano reacendeu a conversa por meio das mídias sociais, afirmando que “a propriedade e o controle da Groenlândia são uma necessidade absoluta”.
Os minerais estratégicos da Groenlândia
As vastas camadas de gelo e geleiras da Groenlândia estão recuando rapidamente conforme a Terra se aquece por meio da aceleração das mudanças climáticas. Esse derretimento do gelo pode permitir a perfuração de petróleo e a mineração de minerais como cobre, lítio, níquel e cobalto. Esses recursos minerais são essenciais para indústrias em rápido crescimento que fabricam turbinas eólicas, linhas de transmissão, baterias e veículos elétricos.
Em 2023, o governo dinamarquês publicou um relatório que detalhou o potencial da Groenlândia como um rico depósito de minerais valiosos. A ilha do Ártico tem “condições favoráveis para a formação de depósitos de minério, incluindo muitos dos minerais brutos críticos para indústrias de ponta”.
Rotas no Ártico
O derretimento do gelo no Ártico também está abrindo um novo ativo estratégico na geopolítica: rotas de navegação mais curtas e eficientes. Navegar pelo Mar Ártico da Europa Ocidental para o Leste Asiático, por exemplo, é um caminho 40% mais curto em comparação com a navegação pelo Canal de Suez. O tráfego de navios no Ártico já aumentou 37% na última década, de acordo com um relatório recente do Arctic Council.
A China demonstrou interesse significativo em uma nova rota pelo Ártico e, em novembro, os chineses concordaram em trabalhar com a Rússia para desenvolver rotas de navegação no Ártico.
Trump chamou repetidamente a mudança climática de “farsa”. Mas um de seus ex-assessores de segurança nacional, Robert C. O’Brien, sugeriu que suas consequências são uma das razões pelas quais o presidente eleito está interessado em tornar a Groenlândia um território dos EUA.
“A Groenlândia é uma rodovia do Ártico até a América do Norte, para os Estados Unidos”, disse ele à Fox News. “É estrategicamente muito importante para o Ártico, que será o campo de batalha crítico do futuro porque, à medida que o clima esquenta, o Ártico será um caminho que talvez reduza o uso do Canal do Panamá.”
Canal do Panamá
O presidente eleito também deseja que Washington retome o controle do Canal do Panamá, abdicado décadas atrás, durante a gestão de Jimmy Carter.
No mês passado, Trump acusou falsamente o Panamá de permitir que soldados chineses controlassem a rota de navegação vital, que conecta os oceanos Atlântico e Pacífico, e de cobrar a mais dos navios americanos. O republicano disse que se os preços não forem reduzidos, ele poderá tomar o canal “rapidamente e sem questionamentos”.
Embora não esteja claro o que motivou a recente obsessão de Trump com o Canal do Panamá, alguns republicanos há muito se opõem a um tratado de décadas que entregou a rota de navegação ao controle panamenho. Quando Ronald Reagan concorreu à presidência, ele disse que o povo dos Estados Unidos era o “proprietário legítimo” do canal e fez o público se levantar com a frase: “Nós o compramos; nós pagamos por ele; nós o construímos”.
Quem é o dono do Canal do Panamá?
Após uma tentativa frustrada dos franceses de construir um canal, ele foi finalmente construído pelos Estados Unidos entre 1904 e 1914. E o governo dos EUA administrou o canal por várias décadas.
O controle dos EUA sobre o canal criou tensões significativas com o Panamá. Em 1964, tumultos antiamericanos eclodiram na zona do canal controlada pelos EUA.
Os tumultos levaram à renegociação dos tratados do Canal do Panamá. Em 1977, o então presidente dos EUA Jimmy Carter e o líder panamenho Omar Efraín Torrijos assinaram os Tratados Torrijos-Carter. Os acordos garantiam a neutralidade permanente do Canal do Panamá. Após um período de custódia conjunta, os tratados exigiam que os Estados Unidos renunciassem ao controle do canal até o ano 2000.
O Panamá assumiu o controle total em 1999 e, desde então, opera o canal por meio da Autoridade do Canal do Panamá.
Como o Panamá respondeu as declarações de Trump?
Após as primeiras declarações de Trump sobre o assunto, o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, rechaçou a possibilidade de abdicar o controle do local. “Cada metro quadrado do Canal do Panamá e sua área adjacente pertencem ao Panamá”.
Mulino também disse que os navios dos EUA não estão recebendo tarifas maiores. As autoridades panamenhas disseram que todos os países estão sujeitos às mesmas taxas, embora elas sejam diferentes com base no tamanho do navio. Elas são estabelecidas pela Autoridade do Canal do Panamá e levam em consideração as condições de mercado, a concorrência internacional, os custos de operação e manutenção.
As taxas aumentaram recentemente porque o Panamá passou por uma seca severa, causada por uma combinação de El Niño e mudanças climáticas. Uma porta-voz do presidente eleito dos EUA apontou que o aumento prejudica mais Washington porque o país tem o maior número de navios passando pelo local.
Qual é o papel da China no Canal do Panamá?
Soldados chineses não estão, como Trump alegou, “operando” o Canal do Panamá. “Não há soldados chineses no canal, pelo amor de Deus”, disse o presidente do Panamá em um discurso na quinta-feira. “O mundo é livre para visitar o canal.”
Uma empresa sediada em Hong Kong, a CK Hutchison Holdings, administra dois portos nas entradas do canal. E alguns especialistas apontam que isso levanta preocupações competitivas e de segurança válidas para os Estados Unidos.
Ryan C. Berg, diretor do programa das Américas no Center for Strategic and International Studies, um think tank de Washington, afirmou que a CK Hutchison provavelmente teria dados sobre todos os navios que passam pelo Canal do Panamá. A China tem usado suas operações marítimas e de transporte para reunir inteligência estrangeira e conduzir espionagem.
“A China exerce, ou poderia exercer, um certo elemento de controle mesmo na ausência de alguma conflagração militar”, disse Berg. “Acho que há motivos para preocupação.”
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Mao Ning, disse na terça-feira que a China “respeitará, como sempre, a soberania do Panamá” sobre o Canal do Panamá.
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Os EUA podem retomar o controle do canal?
Não é fácil. Mulino deixou claro que o Canal do Panamá não está à venda. Ele observou que os tratados estabeleceram a neutralidade permanente do canal e “garantiram sua operação aberta e segura para todas as nações”. E o Senado americano ratificou os tratados do Canal do Panamá em 1978.
Mick Mulvaney, ex-chefe de gabinete de Trump, sugeriu que as provocações eram apenas parte de uma tática de negociação para reduzir as taxas.
Mas existe, como Trump ameaçou, uma opção militar. O republicano poderia, como presidente, ordenar uma invasão do Panamá. Sob os termos de sua constituição, o Panamá não tem Exército. Mas especialistas classificaram a ameaça de Trump na terça-feira como intimidação vazia.
“Se os EUA quisessem desrespeitar a lei internacional e agir como Vladimir Putin, os EUA poderiam invadir o Panamá e recuperar o canal”, disse Benjamin Gaden, diretor do Programa da América Latina do Wilson Center em Washington. “Ninguém veria isso como um ato legítimo, e isso traria não apenas danos graves à sua imagem, mas também instabilidade ao canal.”/com NYT