O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, foi proclamado vencedor das eleições venezuelanas em 28 de julho pela Justiça eleitoral controlada pelo chavismo. A corrida presidencial foi marcada por tensões e denúncias de fraude da oposição, cujo candidato, Edmundo González Urrutia, tornou-se alvo de um mandado de prisão emitido pela Justiça venezuelana, nesta segunda-feira, 2, atendendo a pedido do Ministério Público — ambos também alinhados ao chavismo.
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), vinculado ao governo, proclamou a vitória do presidente, que recebeu 5,15 milhões de votos (51,2%), após a apuração de 80% das urnas. González Urrutia recebeu 4,45 milhões de votos (44,2%), segundo o primeiro boletim oficial.
Mas sem a divulgação das atas de votação, o anúncio da reeleição foi questionado por países como Estados Unidos, Chile, Peru, Costa Rica, Guatemala, Argentina, Espanha, Uruguai e União Europeia, que pediram “total transparência” na contagem dos votos.
Leia Também:
Pesquisas apontavam o favoritismo de González Urrutia, um “outsider” escolhido pela popular líder opositora María Corina Machado, que foi impedida de concorrer por uma inabilitação política.
Veja a seguir as suspeitas de fraude ao longo do processo eleitoral venezuelano.
Inabilitação de Corina Machado
Em janeiro deste ano, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela confirmou a proibição de María Corina Machado, até então favorita para concorrer contra Maduro, para ocupar cargos públicos por 15 anos, tornando a políticamente inábil. A medida barrou a líder opositora da eleição de participar das eleições, após ela ter vencido as primárias com mais de 90% dos votos em outubro de 2023.
Segundo a decisão da Corte, María Corina Machado, de 56 anos, foi inabilitada por ser “participante do esquema de corrupção orquestrado pelo usurpador Juan Antonio Guaidó M., que levou ao bloqueio criminoso da República Bolivariana da Venezuela, bem como ao saque flagrante de empresas e riquezas do povo venezuelano no exterior, com a cumplicidade de governos corruptos”.
O TSJ se refere ao período de 2019 até 2023 em que Guaidó foi reconhecido pela oposição e por mais de 60 países como presidente interino da Venezuela com o fim de isolar a ditadura de Maduro
Restrições a voto no exterior
De um total de 21 milhões de eleitores, entre 3,5 milhões e 5,5 milhões de venezuelanos elegíveis para votar vivem fora do país. Destes, apenas 69 mil estavam registrados para votar. Isso porque o governo de Maduro impôs regras rigorosas que tornam o registro para votar quase impossível.
Além de longas filas em consulados, atrasos inexplicáveis, orientações distintas e falta de informação por parte dos funcionários autorizados, os imigrantes venezuelanos também tiveram de lidar com o uso de uma lei que exige que cidadãos no exterior possuam “residência” ou “permanência legal” no país onde vivem para poderem votar. No ciclo eleitoral atual, a regra foi usada para rejeitar muitas formas de identificação — incluindo vistos, que eram aceitos no passado.
Prisões
Em março, Corina Machado denunciou que dois dos seus assessores próximos foram detidos. Ela própria também foi vinculada pela ditadura de Maduro a um suposto plano para desestabilizar as eleições, uma acusação relacionada a protestos planejados pela oposição.
Os assessores e a própria Corina Machado foram vinculados pelas autoridades ao que regime chamou de “ações desestabilizadoras” antes da eleição.
Corina Yoris impedida de se candidatar
Após a inabilitação de Corina Machado, Corina Yoris, filósofa e professora universitária, foi a candidata escolhida pela Plataforma Unitária em março deste ano para concorrer contra Maduro representando a oposição. Mas a nomeação sequer chegou a ser concretizada em uma candidatura oficial, já que Corina Yoris foi impedida de acessar o sistema de inscrição do Conselho Nacional Eleitoral e não pôde se candidatar.
As candidaturas deveriam ser feitas em um site do CNE, que Corina Yoris não conseguiu acessar. A Plataforma Unitária exigiu que o prazo fosse reestabelecido, mas o presidente do CNE, Elvis Amoroso, confirmou que as inscrições fechariam no prazo inicialmente estabelecido, descartando os pedidos de prorrogação.
Observadores internacionais barrados
Autoridades venezuelanas impediram na sexta-feira última sexta-feira, 26, nas vésperas da eleição, a entrada de vários ex-governantes, deputados e ex-parlamentares que planejavam observar as eleições.
O presidente do Panamá, José Raúl Mulino, denunciou que a Venezuela havia impedido a decolagem de um voo da Copa Airlines que levaria do Panamá para a Venezuela vários dos ex-governantes. Estavam na aeronave os ex-presidentes Moscoso, Fox, Miguel Ángel Rodríguez (Costa Rica) e Jorge Quiroga (Bolívia), membros da direitista Iniciativa Democrática da Espanha e das Américas (Grupo Idea) e fortes críticos de Maduro.
Cerca de dez congressistas e eurodeputados do Partido Popular (PP) espanhol denunciaram que foram deportados. O mesmo ocorreu com uma parlamentar da Colômbia e outra do Equador.
Filas inexistentes
Após as 19h de domingo, quando os centros de votação deveriam ser fechados, muitos tiveram o horário estendido. O Conselho Nacional Eleitoral determina que permaneçam abertos os locais onde ainda houver fila para votação. Porém, diversos eleitores relataram no domingo que muitas seções sem nenhuma fila permaneceram abertas, em uma aparente tentativa de atrair eleitores pró-chavismo.
Quinze minutos após o horário de fechamento, cerca de 40 pessoas foram recebidas por um soldado armado, um membro de uma milícia popular e outros membros das forças armadas quando solicitaram acesso a um centro de votação no bairro de Catia para testemunhar o processo de contagem de votos, conforme permitido por lei. Foi dito a eles que não poderiam entrar porque as pessoas ainda estavam votando, mas nenhum eleitor foi visto lá, de acordo com a Associated Press, e os membros das forças armadas e representantes da autoridade eleitoral se recusaram a fechar o local.
Atraso na divulgação de resultado
Foram mais de seis horas após o fechamento das urnas para o CNE divulgar os resultados preliminares da votação. O CNE disse que o atraso se devia a uma “agressão ao sistema de transmissão de dados que atrasou de maneira adversa a transmissão dos resultados dessas eleições presidenciais” e disse, durante a madrugada, que as atas seriam integralmente divulgadas “nas próximas horas”.
O atraso prejudicou as tentativas de verificar os resultados, e a oposição acusou o CNE de paralisar a transmissão dos resultados em uma tentativa de fraude.
Retenção de atas eleitorais
O CNE cravou Maduro como vencedor no dia 29 de julho, mas mais de um mês após a votação, não realizou a divulgação das atas eleitorais da votação que atestam tal vitória. A oposição disse ter tido acesso a somente 40% das atas eleitorais e elas indicaram uma vitória de Edmundo Gonzalez com 70% dos votos.
Segundo anunciou ontem o CNE, Madurou teria vencido com 51% dos votos contra 44% de Edmundo González Urrutia, afirmando que os números já eram “irreversíveis” com 80% das urnas apuradas. A diferença entre o número total de votos, porém, foi de um pouco mais de 704 mil votos, o que levantou questionamentos sobre essa irreversibilidade.
Um dos poucos centros de observação eleitoral permitidos pela ditadura chavista a operar na Venezuela, o Centro Carter pediu a divulgação das atas pelo CNE. A oposição, os Estados Unidos e países vizinhos também cobram a liberação destes documentos para atestar o resultado da votação.
TSJ atesta vitória
No dia 22 de agosto, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela certificou a reeleição de Maduro, que chamou a decisão de “contundente”, em meio a denúncias de fraude e “judicialização” eleitoral por parte da oposição.
Maduro pediu ao TSJ que “certificasse” o resultado das eleições de 28 de julho, nas quais o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) o proclamou vencedor com 52% dos votos.
A presidente do TSJ e da Sala Eleitoral responsável pelo caso, Caryslia Rodríguez, leu a sentença que “certifica de forma inquestionável o material eleitoral pericial e valida os resultados da eleição presidencial de 28 de julho de 2024, emitidos pelo Conselho Nacional Eleitoral, onde o cidadão Nicolás Maduro Moros foi eleito presidente da República Bolivariana da Venezuela para o período constitucional 2025-2031″.
A juíza citou um relatório que concluiu que “os boletins emitidos pelo CNE “estão respaldados pelas atas de votação emitidas por cada uma das máquinas de votação” e “mantêm plena coincidência com os registros das bases de dados dos centros nacionais de totalização”. A decisão não é passível de recurso.
O TSJ não forneceu detalhes sobre o processo pericial que realizou, como por exemplo o tamanho das provas analisadas. Juristas coincidem em que este procedimento era improcedente, sustentando que o Supremo Tribunal assume atribuições que correspondem ao CNE.
Denúncia de membro do CNE
Um dos diretores da autoridade eleitoral da Venezuela denunciou no dia 26 de agosto “irregularidades” nas eleições. Juan Carlos Delpino foi um dos cinco reitores do CNE. Ele representou a oposição e está escondido.
“Tudo o que aconteceu antes, durante e depois das eleições presidenciais indica a gravidade da falta de transparência e veracidade dos resultados anunciados”, escreveu nas redes sociais Delpino, que disse não ter estado presente quando os resultados foram contabilizados totalmente.
“Lamento profundamente que o resultado e seu reconhecimento não sirvam a todos os venezuelanos, que não resolva as nossas diferenças, não promova a unidade nacional e que em seu lugar haja dúvidas entre a maioria dos venezuelanos e a comunidade internacional sobre os resultados”, acrescentou.
Delpino denunciou a retirada das testemunhas da oposição durante o encerramento das mesas receptoras e a interrupção da transmissão dos resultados “devido a um suposto ataque hacker”.
“Segundo os protocolos, a transmissão dos resultados deve ser feita imediatamente ao encerramento das mesas. Porém, nesse período a transmissão foi interrompida e justificada por um suposto hackeamento, com um silêncio e atraso não explicados”, explicou.
Ordem de prisão contra González Urrutia
Um tribunal venezuelano emitiu uma ordem de prisão contra González Urrutia, por ordem do Ministério Público (MP). O MP solicitou a um tribunal com jurisdição sobre terrorismo o mandado de prisão contra o opositor por supostos crimes relacionados às eleições, que incluem “desobediência das leis”, “conspiração”, “usurpação de funções” e “sabotagem”.
González Urrutia foi convocado a depor no MP em três ocasiões. Não compareceu a nenhuma delas, embora a terceira tenha coincidido com um apagão em todo o país na última sexta-feira, 30 de agosto.
O diplomata - em clandestinidade desde 30 de julho - argumentou que o MP estava atuando como um “acusador político”, que o submeteria a um processo “sem garantias de independência e do devido processo”.
As convocações estavam focadas em um site no qual a oposição publicou cópias de mais de 80% das atas de votação, arquivos que afirmam comprovar a vitória de González Urrutia em 28 de julho e a fraude de Maduro.