Entenda por que os EUA estão bem enrascados se a guerra da Ucrânia seguir ‘no empate’


Em última instância, somente Washington tem poder para decidir quanto da Ucrânia pretende trazer para baixo de seu guarda-chuva

Por Thomas Meaney*

O maior deslize do presidente Vladimir Putin até aqui na Ucrânia foi dar ao Ocidente a impressão de que a Rússia poderia perder a guerra. O ataque inicial contra Kiev tropeçou e fracassou. O colosso russo não pareceu nem de perto tão formidável como se vislumbrara. A guerra subitamente pareceu um enfrentamento entre uma massa desencantada de russos incompetentes e ucranianos patriotas superenergizados e habilidosos.

Tais expectativas naturalmente elevaram os objetivos de guerra ucranianos. O presidente Volodmir Zelenski já foi do campo favorável a um acordo de paz na Ucrânia. “Garantias de segurança e neutralidade, status não nuclear do nosso Estado. Estamos prontos para negociar”, declarou ele um mês após o início do conflito. Agora Zelenski conclama uma vitória completa: a reconquista de cada centímetro de território ocupado pela Rússia, incluindo a Crimeia. Pesquisas indicam que os ucranianos não se conformarão com nada menos do que isso. Enquanto as batalhas ocorrem em Donetsk e Luhansk, os líderes ucranianos e alguns de seus apoiadores no Ocidente já sonham em julgamentos em estilo Nuremberg para Putin e seu alto-escalão em Moscou.

O problema é que a Ucrânia tem apenas uma maneira certeira de alcançar esse feito no curto prazo: envolvimento direto da Otan na guerra. Somente o acionamento total, em estilo Tempestade no Deserto, de tropas e armamentos da Otan e dos Estados Unidos seria capaz de produzir uma vitória ampla da Ucrânia em um futuro próximo. (Sem dizer que tal acionamento muito provavelmente aumentaria as chances de uma das perspectivas mais sombrias da guerra: quanto mais a Rússia perder, mais provável será que ela apele para armas nucleares.)

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Um tanque Leopard 2 é operado por um soldado ucraniano durante exibição na base militar de Swietoszow, Polônia, em 13 de Fevereiro Foto: Maciek Nabrdalik/The New York Times

Na ausência do envolvimento da Otan, o Exército ucraniano é capaz de manter sua linha e retomar território, como fez em Kharkiv e Kherson, mas uma vitória completa é quase impossível. Se a Rússia mal consegue avançar algumas centenas de metros por dia em Bakhmut, sob um custo-médio de 50 a 70 homens, já que os ucranianos estão tão bem entrincheirados, seriam os ucranianos capazes de avançar melhor do que os russos, que estão igualmente bem entrincheirados em toda a região entre a Rússia e a margem oriental do Delta do Dnipro, incluindo a linha costeira do Mar de Azov e o istmo que leva à Crimeia? O que tem sido um moedor de carne em uma direção tende a virar um moedor de carne na outra.

Além disso, a Rússia transformou quase completamente seu Estado em uma economia de guerra, enquanto os EUA ainda precisam atender necessidades de produção para suprir seus parceiros estrangeiros. A guerra já consumiu 13 anos de fabricação de mísseis Stinger terra-ar e cinco anos de mísseis Javelin, e os EUA têm uma entrega de US$ 19 bilhões em armas para Taiwan atrasada. Reportagens de veículos de comunicação ocidentais têm colocado o foco sobre homens russos evitando as ordens de convocação militar, mas o Kremlin ainda tem muitos soldados a que recorrer mesmo após a conscrição de 300 mil homens em setembro.

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O debate a respeito de mandar equipamentos pesados de guerra para a Ucrânia — que tem consumido particularmente a imprensa alemã — é, nesse sentido, irrelevante. Não está claro quando todos os tanques Leopard 1 e 2 e M1 Abrams prometidos pela Otan estarão operacionais. A Ucrânia pediu entre 300 e 500 tanques, e a Otan prometeu apenas cerca de 200.

Faz sentido que Zelenski venha apostando tanto de sua diplomacia nesses envios de armamentos: ele precisa transmitir para o Kremlin a mensagem de que a Ucrânia está preparada para um conflito longo e árduo. Mas em termos de equipamentos prontos para uso em combate nos próximos seis meses, muito pouco do que foi prometido será acionável. Se Zelenski quiser completar sua autoimagem de um Winston Churchill antes cedo que tarde, ele quererá apressar a chegada do dia em que poderá brindar a entrada da Otan — ou seja, dos EUA — no conflito.

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O problema para Kiev é que — à parte as garantias públicas — Washington não tem nenhum interesse em entrar na guerra diretamente. O general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, já expressou a visão de que uma vitória total a curto prazo é impossível tanto para a Rússia quanto para a Ucrânia. O presidente Joe Biden e seu conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan, têm sido inflexíveis a respeito de evitar a entrada dos EUA no conflito. O público americano também não mostra nenhum apetite pelo envolvimento direto. Os EUA podem até ter interesse em manter a guerra transcorrendo enquanto ela reduzir a capacidade da Rússia operar em outras partes do mundo, aumentar o valor das exportações de energia dos EUA e servir como um conveniente ensaio-geral para união de aliados e a coordenação da guerra econômica contra Pequim.

Menos notado é que os objetivos de guerra do Kremlin podem ter sido — por necessidade — reduzidos. Aparentemente conformado com sua incapacidade de promover mudança de regime em Kiev e capturar uma fatia maior do território ucraniano, o Kremlin parece agora com foco principalmente em manter suas posições em Luhansk e Donetsk para garantir um acesso terrestre à Crimeia. Tratam-se de territórios que, mesmo na melhor das circunstâncias, seria difícil para a Ucrânia reincorporar.

Do jeito que a coisa vai, o futuro econômico da Ucrânia parece viável mesmo sem os territórios atualmente ocupados pela Rússia. A Ucrânia não virou um país sem acesso ao mar, Kiev continua controlando sete dos oito oblasts com o maior PIB per capita. A Ucrânia arriscaria colocar sua posição em perigo em uma contraofensiva. Paradoxalmente, a continuação da guerra também serve aos interesses russos: permite a Moscou mais chances de agredir a Ucrânia até que ela se torne um Estado-tampão, tornando-a ainda menos atraente enquanto candidata a adesão à Otan e à União Europeia.

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O historiador Stephen Kotkin argumentou recentemente que seria melhor para os ucranianos definir sua vitória como a adesão à União Europeia em vez da recaptura completa do território ucraniano. E além do mais, exceto pelos países que permaneceram neutros durante a Guerra Fria, cada caso histórico de entrada na UE foi precedido de adesão à Otan, que desde os anos 90 tem atuado como uma agência de classificação de risco na Europa, garantindo que os países sejam seguros para o investimento. Isso dificilmente passa despercebido pela população ucraniana: pesquisas (a maioria das quais excluem Luhansk e Donetsk desde 2014) mostram que o interesse na adesão do país à Otan parece ter saltado desde o início do conflito.

Em última instância, somente Washington tem poder para decidir quanto da Ucrânia pretende trazer para baixo de seu guarda-chuva. A verdadeira relutância oficial em incluir a Ucrânia na Otan raramente foi mais clara, e o apoio público a Kiev nunca foi tão ornado. Nesse meio-tempo, líderes europeus logo poderão se encontrar na indesejável posição de convencer os ucranianos que acesso ao mercado comum e a um plano europeu de recuperação econômica é uma troca razoável pela “vitória completa”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Thomas Meaney é pesquisador da Sociedade Max Planck radicado em Göttingen, Alemanha. Ele escreve sobre política externa americana e relações internacionais na London Review of Books, no Guardian e em outros veículos.

O maior deslize do presidente Vladimir Putin até aqui na Ucrânia foi dar ao Ocidente a impressão de que a Rússia poderia perder a guerra. O ataque inicial contra Kiev tropeçou e fracassou. O colosso russo não pareceu nem de perto tão formidável como se vislumbrara. A guerra subitamente pareceu um enfrentamento entre uma massa desencantada de russos incompetentes e ucranianos patriotas superenergizados e habilidosos.

Tais expectativas naturalmente elevaram os objetivos de guerra ucranianos. O presidente Volodmir Zelenski já foi do campo favorável a um acordo de paz na Ucrânia. “Garantias de segurança e neutralidade, status não nuclear do nosso Estado. Estamos prontos para negociar”, declarou ele um mês após o início do conflito. Agora Zelenski conclama uma vitória completa: a reconquista de cada centímetro de território ocupado pela Rússia, incluindo a Crimeia. Pesquisas indicam que os ucranianos não se conformarão com nada menos do que isso. Enquanto as batalhas ocorrem em Donetsk e Luhansk, os líderes ucranianos e alguns de seus apoiadores no Ocidente já sonham em julgamentos em estilo Nuremberg para Putin e seu alto-escalão em Moscou.

O problema é que a Ucrânia tem apenas uma maneira certeira de alcançar esse feito no curto prazo: envolvimento direto da Otan na guerra. Somente o acionamento total, em estilo Tempestade no Deserto, de tropas e armamentos da Otan e dos Estados Unidos seria capaz de produzir uma vitória ampla da Ucrânia em um futuro próximo. (Sem dizer que tal acionamento muito provavelmente aumentaria as chances de uma das perspectivas mais sombrias da guerra: quanto mais a Rússia perder, mais provável será que ela apele para armas nucleares.)

Um tanque Leopard 2 é operado por um soldado ucraniano durante exibição na base militar de Swietoszow, Polônia, em 13 de Fevereiro Foto: Maciek Nabrdalik/The New York Times

Na ausência do envolvimento da Otan, o Exército ucraniano é capaz de manter sua linha e retomar território, como fez em Kharkiv e Kherson, mas uma vitória completa é quase impossível. Se a Rússia mal consegue avançar algumas centenas de metros por dia em Bakhmut, sob um custo-médio de 50 a 70 homens, já que os ucranianos estão tão bem entrincheirados, seriam os ucranianos capazes de avançar melhor do que os russos, que estão igualmente bem entrincheirados em toda a região entre a Rússia e a margem oriental do Delta do Dnipro, incluindo a linha costeira do Mar de Azov e o istmo que leva à Crimeia? O que tem sido um moedor de carne em uma direção tende a virar um moedor de carne na outra.

Além disso, a Rússia transformou quase completamente seu Estado em uma economia de guerra, enquanto os EUA ainda precisam atender necessidades de produção para suprir seus parceiros estrangeiros. A guerra já consumiu 13 anos de fabricação de mísseis Stinger terra-ar e cinco anos de mísseis Javelin, e os EUA têm uma entrega de US$ 19 bilhões em armas para Taiwan atrasada. Reportagens de veículos de comunicação ocidentais têm colocado o foco sobre homens russos evitando as ordens de convocação militar, mas o Kremlin ainda tem muitos soldados a que recorrer mesmo após a conscrição de 300 mil homens em setembro.

O debate a respeito de mandar equipamentos pesados de guerra para a Ucrânia — que tem consumido particularmente a imprensa alemã — é, nesse sentido, irrelevante. Não está claro quando todos os tanques Leopard 1 e 2 e M1 Abrams prometidos pela Otan estarão operacionais. A Ucrânia pediu entre 300 e 500 tanques, e a Otan prometeu apenas cerca de 200.

Faz sentido que Zelenski venha apostando tanto de sua diplomacia nesses envios de armamentos: ele precisa transmitir para o Kremlin a mensagem de que a Ucrânia está preparada para um conflito longo e árduo. Mas em termos de equipamentos prontos para uso em combate nos próximos seis meses, muito pouco do que foi prometido será acionável. Se Zelenski quiser completar sua autoimagem de um Winston Churchill antes cedo que tarde, ele quererá apressar a chegada do dia em que poderá brindar a entrada da Otan — ou seja, dos EUA — no conflito.

O problema para Kiev é que — à parte as garantias públicas — Washington não tem nenhum interesse em entrar na guerra diretamente. O general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, já expressou a visão de que uma vitória total a curto prazo é impossível tanto para a Rússia quanto para a Ucrânia. O presidente Joe Biden e seu conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan, têm sido inflexíveis a respeito de evitar a entrada dos EUA no conflito. O público americano também não mostra nenhum apetite pelo envolvimento direto. Os EUA podem até ter interesse em manter a guerra transcorrendo enquanto ela reduzir a capacidade da Rússia operar em outras partes do mundo, aumentar o valor das exportações de energia dos EUA e servir como um conveniente ensaio-geral para união de aliados e a coordenação da guerra econômica contra Pequim.

Menos notado é que os objetivos de guerra do Kremlin podem ter sido — por necessidade — reduzidos. Aparentemente conformado com sua incapacidade de promover mudança de regime em Kiev e capturar uma fatia maior do território ucraniano, o Kremlin parece agora com foco principalmente em manter suas posições em Luhansk e Donetsk para garantir um acesso terrestre à Crimeia. Tratam-se de territórios que, mesmo na melhor das circunstâncias, seria difícil para a Ucrânia reincorporar.

Do jeito que a coisa vai, o futuro econômico da Ucrânia parece viável mesmo sem os territórios atualmente ocupados pela Rússia. A Ucrânia não virou um país sem acesso ao mar, Kiev continua controlando sete dos oito oblasts com o maior PIB per capita. A Ucrânia arriscaria colocar sua posição em perigo em uma contraofensiva. Paradoxalmente, a continuação da guerra também serve aos interesses russos: permite a Moscou mais chances de agredir a Ucrânia até que ela se torne um Estado-tampão, tornando-a ainda menos atraente enquanto candidata a adesão à Otan e à União Europeia.

O historiador Stephen Kotkin argumentou recentemente que seria melhor para os ucranianos definir sua vitória como a adesão à União Europeia em vez da recaptura completa do território ucraniano. E além do mais, exceto pelos países que permaneceram neutros durante a Guerra Fria, cada caso histórico de entrada na UE foi precedido de adesão à Otan, que desde os anos 90 tem atuado como uma agência de classificação de risco na Europa, garantindo que os países sejam seguros para o investimento. Isso dificilmente passa despercebido pela população ucraniana: pesquisas (a maioria das quais excluem Luhansk e Donetsk desde 2014) mostram que o interesse na adesão do país à Otan parece ter saltado desde o início do conflito.

Em última instância, somente Washington tem poder para decidir quanto da Ucrânia pretende trazer para baixo de seu guarda-chuva. A verdadeira relutância oficial em incluir a Ucrânia na Otan raramente foi mais clara, e o apoio público a Kiev nunca foi tão ornado. Nesse meio-tempo, líderes europeus logo poderão se encontrar na indesejável posição de convencer os ucranianos que acesso ao mercado comum e a um plano europeu de recuperação econômica é uma troca razoável pela “vitória completa”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Thomas Meaney é pesquisador da Sociedade Max Planck radicado em Göttingen, Alemanha. Ele escreve sobre política externa americana e relações internacionais na London Review of Books, no Guardian e em outros veículos.

O maior deslize do presidente Vladimir Putin até aqui na Ucrânia foi dar ao Ocidente a impressão de que a Rússia poderia perder a guerra. O ataque inicial contra Kiev tropeçou e fracassou. O colosso russo não pareceu nem de perto tão formidável como se vislumbrara. A guerra subitamente pareceu um enfrentamento entre uma massa desencantada de russos incompetentes e ucranianos patriotas superenergizados e habilidosos.

Tais expectativas naturalmente elevaram os objetivos de guerra ucranianos. O presidente Volodmir Zelenski já foi do campo favorável a um acordo de paz na Ucrânia. “Garantias de segurança e neutralidade, status não nuclear do nosso Estado. Estamos prontos para negociar”, declarou ele um mês após o início do conflito. Agora Zelenski conclama uma vitória completa: a reconquista de cada centímetro de território ocupado pela Rússia, incluindo a Crimeia. Pesquisas indicam que os ucranianos não se conformarão com nada menos do que isso. Enquanto as batalhas ocorrem em Donetsk e Luhansk, os líderes ucranianos e alguns de seus apoiadores no Ocidente já sonham em julgamentos em estilo Nuremberg para Putin e seu alto-escalão em Moscou.

O problema é que a Ucrânia tem apenas uma maneira certeira de alcançar esse feito no curto prazo: envolvimento direto da Otan na guerra. Somente o acionamento total, em estilo Tempestade no Deserto, de tropas e armamentos da Otan e dos Estados Unidos seria capaz de produzir uma vitória ampla da Ucrânia em um futuro próximo. (Sem dizer que tal acionamento muito provavelmente aumentaria as chances de uma das perspectivas mais sombrias da guerra: quanto mais a Rússia perder, mais provável será que ela apele para armas nucleares.)

Um tanque Leopard 2 é operado por um soldado ucraniano durante exibição na base militar de Swietoszow, Polônia, em 13 de Fevereiro Foto: Maciek Nabrdalik/The New York Times

Na ausência do envolvimento da Otan, o Exército ucraniano é capaz de manter sua linha e retomar território, como fez em Kharkiv e Kherson, mas uma vitória completa é quase impossível. Se a Rússia mal consegue avançar algumas centenas de metros por dia em Bakhmut, sob um custo-médio de 50 a 70 homens, já que os ucranianos estão tão bem entrincheirados, seriam os ucranianos capazes de avançar melhor do que os russos, que estão igualmente bem entrincheirados em toda a região entre a Rússia e a margem oriental do Delta do Dnipro, incluindo a linha costeira do Mar de Azov e o istmo que leva à Crimeia? O que tem sido um moedor de carne em uma direção tende a virar um moedor de carne na outra.

Além disso, a Rússia transformou quase completamente seu Estado em uma economia de guerra, enquanto os EUA ainda precisam atender necessidades de produção para suprir seus parceiros estrangeiros. A guerra já consumiu 13 anos de fabricação de mísseis Stinger terra-ar e cinco anos de mísseis Javelin, e os EUA têm uma entrega de US$ 19 bilhões em armas para Taiwan atrasada. Reportagens de veículos de comunicação ocidentais têm colocado o foco sobre homens russos evitando as ordens de convocação militar, mas o Kremlin ainda tem muitos soldados a que recorrer mesmo após a conscrição de 300 mil homens em setembro.

O debate a respeito de mandar equipamentos pesados de guerra para a Ucrânia — que tem consumido particularmente a imprensa alemã — é, nesse sentido, irrelevante. Não está claro quando todos os tanques Leopard 1 e 2 e M1 Abrams prometidos pela Otan estarão operacionais. A Ucrânia pediu entre 300 e 500 tanques, e a Otan prometeu apenas cerca de 200.

Faz sentido que Zelenski venha apostando tanto de sua diplomacia nesses envios de armamentos: ele precisa transmitir para o Kremlin a mensagem de que a Ucrânia está preparada para um conflito longo e árduo. Mas em termos de equipamentos prontos para uso em combate nos próximos seis meses, muito pouco do que foi prometido será acionável. Se Zelenski quiser completar sua autoimagem de um Winston Churchill antes cedo que tarde, ele quererá apressar a chegada do dia em que poderá brindar a entrada da Otan — ou seja, dos EUA — no conflito.

O problema para Kiev é que — à parte as garantias públicas — Washington não tem nenhum interesse em entrar na guerra diretamente. O general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, já expressou a visão de que uma vitória total a curto prazo é impossível tanto para a Rússia quanto para a Ucrânia. O presidente Joe Biden e seu conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan, têm sido inflexíveis a respeito de evitar a entrada dos EUA no conflito. O público americano também não mostra nenhum apetite pelo envolvimento direto. Os EUA podem até ter interesse em manter a guerra transcorrendo enquanto ela reduzir a capacidade da Rússia operar em outras partes do mundo, aumentar o valor das exportações de energia dos EUA e servir como um conveniente ensaio-geral para união de aliados e a coordenação da guerra econômica contra Pequim.

Menos notado é que os objetivos de guerra do Kremlin podem ter sido — por necessidade — reduzidos. Aparentemente conformado com sua incapacidade de promover mudança de regime em Kiev e capturar uma fatia maior do território ucraniano, o Kremlin parece agora com foco principalmente em manter suas posições em Luhansk e Donetsk para garantir um acesso terrestre à Crimeia. Tratam-se de territórios que, mesmo na melhor das circunstâncias, seria difícil para a Ucrânia reincorporar.

Do jeito que a coisa vai, o futuro econômico da Ucrânia parece viável mesmo sem os territórios atualmente ocupados pela Rússia. A Ucrânia não virou um país sem acesso ao mar, Kiev continua controlando sete dos oito oblasts com o maior PIB per capita. A Ucrânia arriscaria colocar sua posição em perigo em uma contraofensiva. Paradoxalmente, a continuação da guerra também serve aos interesses russos: permite a Moscou mais chances de agredir a Ucrânia até que ela se torne um Estado-tampão, tornando-a ainda menos atraente enquanto candidata a adesão à Otan e à União Europeia.

O historiador Stephen Kotkin argumentou recentemente que seria melhor para os ucranianos definir sua vitória como a adesão à União Europeia em vez da recaptura completa do território ucraniano. E além do mais, exceto pelos países que permaneceram neutros durante a Guerra Fria, cada caso histórico de entrada na UE foi precedido de adesão à Otan, que desde os anos 90 tem atuado como uma agência de classificação de risco na Europa, garantindo que os países sejam seguros para o investimento. Isso dificilmente passa despercebido pela população ucraniana: pesquisas (a maioria das quais excluem Luhansk e Donetsk desde 2014) mostram que o interesse na adesão do país à Otan parece ter saltado desde o início do conflito.

Em última instância, somente Washington tem poder para decidir quanto da Ucrânia pretende trazer para baixo de seu guarda-chuva. A verdadeira relutância oficial em incluir a Ucrânia na Otan raramente foi mais clara, e o apoio público a Kiev nunca foi tão ornado. Nesse meio-tempo, líderes europeus logo poderão se encontrar na indesejável posição de convencer os ucranianos que acesso ao mercado comum e a um plano europeu de recuperação econômica é uma troca razoável pela “vitória completa”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Thomas Meaney é pesquisador da Sociedade Max Planck radicado em Göttingen, Alemanha. Ele escreve sobre política externa americana e relações internacionais na London Review of Books, no Guardian e em outros veículos.

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