TIJUANA, MÉXICO - A entrada recorde de imigrantes nos Estados Unidos sobrecarregou os serviços de fronteira nos Estados da Califórnia, Novo México, Arizona e Texas nesta sexta-feira, 12, com o fim do Título 42, legislação que permitia a Washington expulsar e mandar de volta os imigrantes para o México em razão da pandemia. Em alguns lugares ao longo da fronteira, milhares de pessoas de vários países distantes, incluindo Venezuela, Peru, Brasil, Gana e Tailândia, esperavam em filas ordenadas para se entregar aos agentes da Patrulha de Fronteira dos EUA e pedir asilo.
A Guarda de Fronteira apreendeu em média 8.750 migrantes por dia nesta semana, mais que o dobro do pico da crise de 2019, quando um número recorde de famílias centro-americanas superou o governo Trump. Nos últimos dois dias, em toda a fronteira sul mais de 11.000 migrantes cruzaram por dia a fronteira sul ilegalmente, segundo dados internos obtidos pelo The New York Times. As instalações migratórias que processam a situação desses imigrantes já tem 25 mil pessoas detidas, 10 mil a mais do que sua capacidade máxima.
A situação piorou exponencialmente com o fim da validade do chamado Título 42, regra ativada durante a pandemia que permite a expulsão automática de quase todos aqueles que chegam sem visto ou documentação necessária para entrar no país. A regra foi criada há três anos, no governo Donald Trump.
Críticos dizem que a medida usava a pandemia como pretexto para expulsar os imigrantes. Agora, com a expectativa de que vão poder voltar a pedir asilo nos Estados Unidos, imigrantes chegam em grande número a cidades mexicanas. Famílias, com crianças pequenas, aguardam uma chance pelas ruas e por abrigos ao longo da fronteira. Com isso, cidades americanas fronteiriças temem o colapso dos serviços de fronteira e se preparam com o aumento de policiamento e decretos de emergência.
Após o seu fim, os Estados Unidos advertiram que continuarão a expulsar os migrantes que tentarem entrar no País sem utilizar “canais legais” a partir de sexta-feira, apesar de as restrições fronteiriças decretadas durante a pandemia já não estarem em vigor.
As autoridades norte-americanas esforçaram-se por manter a ordem ao longo da fronteira na quinta-feira, enquanto os imigrantes atravessavam o Rio Grande, faziam fila nas pontes internacionais, enchiam os centros de processamento de imigração e se amontoavam nos passeios das cidades fronteiriças americanas.
O Secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas, foi duro na noite de quinta-feira, dizendo numa declaração que as pessoas que chegassem à fronteira ilegalmente seriam “presumivelmente inelegíveis para asilo”.
“Não acreditem nas mentiras dos contrabandistas”, acrescentou. “A fronteira não está aberta”
Texas em estado de emergência
É o caso de algumas cidades, principalmente no Texas, o fluxo de imigrantes já satura centros de triagem do governo, além de Igrejas e ONGs que prestam auxílio aos milhares de latino-americanos que têm chegado à região. Ali, a Guarda Nacional faz de tudo para tentar impedir novas travessias, com a colocação de arame farpado e barreiras físicas em uma das margens do Rio Grande.
Em Brownsville, Laredo e El Paso, autoridades locais declararam estado de emergência, o que lhes permite buscar mais recursos do governo federal para transportar e abrigar os recém-chegados.
Só em Brownsville, cerca de 2.000 pessoas já cruzaram nos últimos dias, um padrão que o chefe da Patrulha de Fronteira, Raul Ortiz, disse não ver há uma década. “Está sobrecarregando nossa capacidade”, disse Eddie Treviño, juiz do condado de Cameron, que inclui Brownsville. “Não se sabe o que vai acontecer depois que o Título 42 expirar.”
Para entender
El Paso tomou medidas adicionais, fechando temporariamente uma rua perto de um abrigo para migrantes no centro da cidade. As autoridades da área de El Paso esperavam evitar uma crise de imigração como a que viram no final do ano passado, quando uma onda de migrantes sobrecarregou os abrigos da região, levando a um aumento alarmante de pessoas dormindo nas ruas com as temperaturas abaixo de zero.
Mas nos últimos dias, o número de migrantes superou o número dos que cruzaram em dezembro. Milhares de pessoas estavam lotando abrigos e as ruas. A cidade transformou duas escolas vazias em abrigos e um centro de acolhimento. “Nunca vimos isso antes”, disse Oscar Leeser, prefeito de El Paso, na quarta-feira.
Drama por trás das grades
San Diego, na Califórnia, também se prepara para um influxo de migrantes entrando a partir de meia noite, já que mais de 15 mil deles se concentram na cidade mexicana de Tijuana e com várias centenas chegando todos os dias na esperança de cruzar para os Estados Unidos quando o Título 42 cair.
Voluntários passavam suprimentos de água e barras de proteínas através do muro para o acampamento, disseram os migrantes, mas a comida já não era suficiente. Alguns guardas mexicanos monitoravam a situação à distância. Um disse ao NYT que a intenção era impedir que as pessoas passassem comida para os migrantes, como parte dos esforços para fazê-los partir.
Quando um entregador de comida de aplicativo chegou, os guardas inicialmente o impediram de fazer a entrega, mas eventualmente ele foi autorizado a entregar a comida. Outro entregador com um refrigerador cheio de frango também chegou e começou a vender refeições pela cerca. Os migrantes gritavam pedindo por mais comida e ele prometeu que iria voltar.
Segundo Lucero, a Patrulha de Fronteira dos EUA ofereceu 200 consultas de asilo por dia para migrantes em Tijuana, e o número aumentaria para 240 quando o Título 42 for suspenso - o que ele disse não ser suficiente com o crescente número de pessoas que inundam a cidade.
Brian Ferguson, porta-voz do Gabinete de Serviços de Emergência do Governador da Califórnia, disse que as autoridades estaduais estavam preocupadas que um grande aumento de migrantes pudesse sobrecarregar abrigos e hospitais para sem-teto não apenas em San Diego, mas em toda a Califórnia. “Esta é uma questão absolutamente estadual”, disse ele.
Confusão
Em abrigos do lado mexicano e ao longo das ruas de Ciudad Juarez, os migrantes enfrentam uma escolha: atravessar agora ou esperar que a situação tensa passe.
Severino Ismael Martinez Santiago, diretor do abrigo Pan de Vida em Ciudad Juarez, a cidade fronteiriça mexicana em frente a El Paso, disse que muitos migrantes estão confusos sobre o que a suspensão das regras do Título 42 significaria para seus esforços para obter entrada legal nos Estados Unidos. “Eles estão mal informados. Eles acreditam que quando o Título 42 terminar, as portas para os Estados Unidos serão abertas e eles poderão cruzar”, disse Martinez. “Mas isso está longe da verdade. Será muito pior para eles.”
O major Sean Storrud, da Guarda Nacional do Texas, disse que suas tropas explicaram aos migrantes as consequências da travessia ilegal. “Os migrantes realmente não sabem o que vai acontecer”, disse Storrud.
Funcionários do governo de Joe Biden dizem que aumentarão as deportações e imporão novas restrições aos requerentes de asilo que cruzarem ilegalmente quando o Título 42 for suspenso.
Na quarta-feira, a Segurança Interna anunciou uma regra para tornar extremamente difícil para quem viaja por outro país, como o México, se qualificar para o asilo. Também introduziu toque de recolher com rastreamento por GPS para famílias libertadas nos EUA antes das triagens iniciais de asilo. As famílias que não comparecerem às entrevistas de triagem serão localizadas pelas autoridades de imigração e deportadas.
Ao mesmo tempo, o governo introduziu novos caminhos legais para entrada. Até 30 mil pessoas por mês do Haiti, Cuba, Nicarágua e Venezuela podem entrar caso se cadastrem online com um patrocinador financeiro e entrarem por um aeroporto. Centros de processamento estão abrindo na Guatemala, Colômbia e outros lugares. Até mil podem entrar diariamente por meio de travessias terrestres com o México, se conseguirem um horário em um aplicativo online.
Funcionários da Casa Branca disseram que trabalharam durante meses para se preparar para um provável influxo, ordenando 1.500 soldados para a fronteira. O secretário de segurança interna, Alejandro N. Mayorkas, pediu paciência nesta quinta. “Nos preparamos para este momento por quase dois anos”, disse ele, “e nosso plano dará resultados”.
No entanto, em resposta ao governo de Joe Biden, os republicanos aprovaram na Câmara uma lei que endurece o controle policial na fronteira. O projeto, no entanto, ainda precisa passar pelo Senado, controlado pelos democratas, onde sua aprovação é improvável./AP, NYT e W.POST