‘Estratégia do Hamas é fazer com que Israel seja visto como um monstro’, diz Ian Bremmer


Presidente do Grupo Eurasia aponta que o grupo terrorista pode até liberar reféns sem conseguir nada em troca para criar uma imagem positiva com os países árabes

Por Daniel Gateno
Atualização:
Foto: Eurasia Group/Reprodução
Entrevista comIan BremmerPresidente e fundador do Eurasia Group

A guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas chega ao quinto dia com incertezas acerca dos próximos passos do exército israelense em relação a uma possível incursão militar terrestre na Faixa de Gaza e a negociação para a liberação dos 150 israelenses que estão no enclave palestino.

Para o diretor do grupo Eurasia, Ian Bremmer, os terroristas do Hamas têm o desejo de prejudicar a imagem dos israelenses e podem até liberar alguns civis para garantir uma boa relação com os países árabes da região.

“O desejo do Hamas é que as ruas dos países árabes protestem a favor deles. Eu não ficaria surpreso se eles liberassem os cidadãos que não têm a cidadania israelense, ou que eles liberassem os civis detidos, especialmente crianças, mulheres e idosos. O Hamas quer que Israel seja visto como um monstro”.

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Em entrevista ao Estadão, Bremmer aponta que o grupo terrorista lançou o ataque durante o final de semana para tirar a questão palestina do esquecimento. “Israel tem ignorado a situação palestina já há algum tempo, com a expansão de assentamentos na Cisjordânia e tornou a vida dos palestinos muito mais difícil”, avalia o analista.

Israelenses se escondem de foguetes na cidade de Ashkelon, perto da Faixa de Gaza  Foto: Leo Correa / AP

Para Bremmer, o ataque terrorista deve mudar a dinâmica do Oriente Médio em relação ao tema, pressionando os israelenses a resolver a questão palestina. “Por agora, um possível acordo com a Arábia Saudita está fora de cogitação, e a questão palestina deve se tornar relevante, reduzindo a chance dos países árabes aumentarem a cooperação com Israel”.

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Depois de quatro dias, não existe previsão para o fim dos bombardeios. Na sua avaliação, o que pode acontecer nos próximos dias?

O primeiro ponto é que a prioridade para Israel segue sendo a garantia de que as suas fronteiras estejam seguras e que os terroristas do Hamas sejam removidos do território. O Hamas não controla nenhum território, mas tiroteios ainda acontecem. Além disso, o Hamas possui 150 reféns, tanto soldados como civis de muitos países, então isso também é uma prioridade máxima.

A população israelense deve pressionar fortemente o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, a recuperar as pessoas que estão em Gaza. Em 2011, o governo israelense trocou mais de 1.000 prisioneiros pela soltura do soldado Gilad Shalit que estava na Faixa de Gaza.

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É necessário reconhecer a assimetria, do valor que os israelenses atribuem às vidas de civis em comparação com o Hamas. Israel deve abrir negociações para que os civis voltem ao país, através do Egito ou do Catar, e missões de busca e resgate também serão feitas pelos israelenses na Faixa de Gaza.

Um membro da segurança israelense passa por corpos cobertos de vítimas israelenses da infiltração do fim de semana por militantes palestinos no kibutz Beeri, perto da fronteira com Gaza, em 11 de outubro de 2023 Foto: Jack Guez/AFP

Mas os ataques aéreos a Gaza devem continuar, assim como a mobilização de tropas israelenses para a fronteira do país com a Faixa de Gaza. Haverá uma incursão terrestre em Gaza e isso é certo para mim. O governo israelense quer acabar com a liderança do Hamas e garantir a segurança de Israel em uma operação que teria duas fases.

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A primeira etapa seria controlar a maior parte do enclave e cercar a Cidade de Gaza, o que é possível de ser feito em alguns dias, mas depois a operação deve ocorrer dentro da cidade, de casa em casa, e será brutal e sangrenta, em condições piores do que em Faluja, no Iraque, e isso levará meses.

E depois disso os israelenses precisam saber o que fazer com Gaza, porque não querem ocupar o enclave permanentemente, mas ninguém mais quer ocupar também. Não creio que essas decisões foram tomadas pelo governo de Israel ainda porque o governo de emergência está sendo formado e será diferente do atual, que é de extrema direita.

Com a possível presença de Benny Gantz e Yair Lapid, existirão opiniões diferentes sobre a tomada de decisões.

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Uma criança olha para os cartazes do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, e de um dos líderes da oposição Benny Gantz  Foto: Ammar Awad/Reuters

Então temos que reconhecer esta violência que foi perpetrada no fim de semana sobre 1.200 israelenses mortos em um país de 10 milhões de habitantes. Esta é a pior atrocidade cometida contra os judeus em qualquer parte do mundo desde o Holocausto.

E é impossível imaginar como os israelenses irão responder a isso, ao trauma, ao estresse, ao impacto emocional dessa situação. Depois do Holocausto, disseram que nunca mais iria acontecer algo do tipo com os judeus, mas aqui estamos nós.

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É simplesmente impossível saber como os israelenses vão reagir a tudo isso, como vão processar isso nas próximas semanas e meses.

Também é necessário reconhecer que esta não é uma ameaça existencial para Israel, ao contrário do que aconteceu na guerra de Yom Kippur, em 1973, quando a segurança do país estava realmente em questão.

A segurança do país não está em questão agora, pois Israel tem a capacidade de continuar a se defender. Apesar do enorme erro de inteligência e dos valores de segurança de Israel no fim de semana, a capacidade de sobrevivência de Israel é um importante componente de resiliência para a população israelense.

Um homem anda por escombros na área de Rafah, na Faixa de Gaza  Foto: Ben Curtis/ AP

Como Israel lida com o problema a partir de agora? Mais de 150 israelenses estão na Faixa de Gaza como reféns. Uma incursão por terra é inevitável? Ou Israel deve buscar negociações para a retirada de reféns antes de lançar a primeira operação por terra em Gaza desde 2014?

Avalio que já existem negociações de terceiros com as lideranças do Hamas, não creio que Netanyahu ou qualquer líder israelense queira se envolver publicamente em qualquer negociação com o Hamas porque o grupo é terrorista.

Parte disso acontecerá antes que haja um ataque terrestre, em parte porque os israelenses vão querer ter a oportunidade de trazer as pessoas de volta em segurança e é muito mais difícil de fazer isso quando uma operação terrestre está acontecendo.

É importante para a população israelense que os civis consigam ser resgatados. É bem possível que o Hamas liberte alguns dos reféns mesmo que os israelenses não dêem nada em troca, em um gesto de boa vontade para o mundo árabe. O Hamas quer criar uma imagem positiva com o Egito e com os países do Golfo, e quer estar em uma posição mais forte. Eles querem que os israelenses sejam vistos como monstros.

O desejo do Hamas é que as ruas dos países árabes protestem a favor deles. Eu não ficaria surpreso se eles liberassem os cidadãos que não têm a cidadania israelense, ou que eles liberassem os civis detidos, especialmente crianças, mulheres e idosos.

Na sua avaliação, podemos voltar para o momento pré-2005 com Israel governando a Faixa de Gaza novamente? Ou a ideia seria permitir o retorno do Fatah ao enclave palestino?

É muito cedo para sabermos. Neste momento, há violência relativamente limitada na Cisjordânia. Mas é claro que a intenção do Hamas é exatamente a oposta, o grupo quer radicalizar os palestinos na Cisjordânia e fazê-los derrubar a Autoridade Palestina, para depois serem governados por radicais que se recusam a reconhecer o direito de Israel à existência.

A estratégia do Hamas é que os israelenses se tornem monstros. Israel tem ignorado a situação palestina já há algum tempo, com a expansão de assentamentos na Cisjordânia e tornou a vida dos palestinos muito mais difícil, principalmente na Faixa de Gaza, onde 90% da população não tem acesso à água potável e 50% vive abaixo da linha da pobreza.

É claro que isso vai piorar muito nos próximos dias, semanas e meses. Israelenses que têm ignorado os palestinos não podem mais fazer isso agora. No curto prazo, será tudo sobre a guerra, mas no longo prazo haverá uma exigência muito significativa em Israel para encontrar uma forma de resolver a questão palestina.

A única forma de fazer isso é os palestinos serem capazes de se governar, serem capazes de se defender no seu território, e eles não podem ser governados por uma organização como o Hamas, que se recusa a reconhecer o direito de existência de Israel.

Só existirá paz com ambos os lados totalmente exaustos e certamente estamos mais perto de ambos os lados ficarem exaustos do que estávamos há seis meses.

Soldados libaneses olham para uma estrada com vista para a área de fronteira com a cidade de Metulla, no norte de Israel em 9 de outubro de 2023 Foto: Mahmoud Zayyat/AFP

É possível que o Hezbollah, na fronteira do norte, e a Síria, no Golan, se juntem à guerra?

Claro, é possível. O maior perigo para Israel é o Hezbollah e não os iranianos. Teerã deixou claro que não quer participar diretamente desta guerra. O primeiro-ministro Netanyahu não mencionou o Irã em seu discurso e os americanos também disseram aos israelenses para serem cautelosos sobre isso.

Mas o Hezbollah é muito mais treinado e mais bem armado que o Hamas. Até agora tivemos algumas escaramuças, mas nada significativo. Porém, isso pode mudar.

Acho que temos que observar com mais cuidado a questão do Hezbollah, porque esse é o único fator que pode realmente expandir a guerra.

Netanyahu está enfraquecido, tentando montar um gabinete de emergência no meio de uma guerra. O que esperar sobre o seu futuro? Ele pode ter o mesmo destino de Golda Meir, que depois da guerra de Yom Kippur teve a sua carreira política acabada?

Acredito que isso deve acontecer, como aconteceu com Golda Meir. No curto prazo, teremos um governo de unidade nacional e todos estarão focados apenas na guerra, mas, no longo prazo, Netanyahu estará fora porque seu legado será esse ataque.

Israel, que historicamente é cercado de inimigos, um país que leva muito a sério a questão da segurança sobre as suas fronteiras, não pode deixar isso acontecer. O país deveria estar preparado para esse tipo de ataque e não estava.

Não é como nos Estados Unidos no 11 de setembro, onde todos ficaram totalmente surpresos.

Soldado israelense dirige tanque em uma área próxima da fronteira entre Israel e o Líbano  Foto: Ariel Schalit / AP

O que o apoio à causa palestina nos diz sobre o Oriente Médio atual? Como isso respinga nos próximos acordos de paz que Israel quer fazer com países da região? Principalmente com a Arábia Saudita.

O acordo diplomático entre Arábia Saudita e Israel está fora de questão em um futuro próximo. Não seria possível fazer isso em um ambiente como esse. No longo prazo, ainda pode acontecer, mas agora é inimaginável.

As relações diplomáticas costuradas nos Acordos de Abraão, com Marrocos, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Sudão permanecerão intactas. Há muito investimento e turismo, então não acredito que isso vá desaparecer, mas os países árabes vão se tornar muito mais anti-israelenses e teremos hostilidades contra judeus na região. Veremos muitas manifestações.

A questão palestina vai se tornar relevante e irá restringir a capacidade dos países do mundo árabe de aumentarem o relacionamento com Israel. O país estava na melhor posição geopolítica em décadas, isso nunca tinha acontecido antes.

Porém, a questão palestina estava se tornando irrelevante para a região e para os israelenses. Os palestinos não tinham nenhuma perspectiva de futuro, então o Hamas lançou esses ataques terroristas contra Israel e isso certamente levará à destruição da organização.

A guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas chega ao quinto dia com incertezas acerca dos próximos passos do exército israelense em relação a uma possível incursão militar terrestre na Faixa de Gaza e a negociação para a liberação dos 150 israelenses que estão no enclave palestino.

Para o diretor do grupo Eurasia, Ian Bremmer, os terroristas do Hamas têm o desejo de prejudicar a imagem dos israelenses e podem até liberar alguns civis para garantir uma boa relação com os países árabes da região.

“O desejo do Hamas é que as ruas dos países árabes protestem a favor deles. Eu não ficaria surpreso se eles liberassem os cidadãos que não têm a cidadania israelense, ou que eles liberassem os civis detidos, especialmente crianças, mulheres e idosos. O Hamas quer que Israel seja visto como um monstro”.

Em entrevista ao Estadão, Bremmer aponta que o grupo terrorista lançou o ataque durante o final de semana para tirar a questão palestina do esquecimento. “Israel tem ignorado a situação palestina já há algum tempo, com a expansão de assentamentos na Cisjordânia e tornou a vida dos palestinos muito mais difícil”, avalia o analista.

Israelenses se escondem de foguetes na cidade de Ashkelon, perto da Faixa de Gaza  Foto: Leo Correa / AP

Para Bremmer, o ataque terrorista deve mudar a dinâmica do Oriente Médio em relação ao tema, pressionando os israelenses a resolver a questão palestina. “Por agora, um possível acordo com a Arábia Saudita está fora de cogitação, e a questão palestina deve se tornar relevante, reduzindo a chance dos países árabes aumentarem a cooperação com Israel”.

Depois de quatro dias, não existe previsão para o fim dos bombardeios. Na sua avaliação, o que pode acontecer nos próximos dias?

O primeiro ponto é que a prioridade para Israel segue sendo a garantia de que as suas fronteiras estejam seguras e que os terroristas do Hamas sejam removidos do território. O Hamas não controla nenhum território, mas tiroteios ainda acontecem. Além disso, o Hamas possui 150 reféns, tanto soldados como civis de muitos países, então isso também é uma prioridade máxima.

A população israelense deve pressionar fortemente o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, a recuperar as pessoas que estão em Gaza. Em 2011, o governo israelense trocou mais de 1.000 prisioneiros pela soltura do soldado Gilad Shalit que estava na Faixa de Gaza.

É necessário reconhecer a assimetria, do valor que os israelenses atribuem às vidas de civis em comparação com o Hamas. Israel deve abrir negociações para que os civis voltem ao país, através do Egito ou do Catar, e missões de busca e resgate também serão feitas pelos israelenses na Faixa de Gaza.

Um membro da segurança israelense passa por corpos cobertos de vítimas israelenses da infiltração do fim de semana por militantes palestinos no kibutz Beeri, perto da fronteira com Gaza, em 11 de outubro de 2023 Foto: Jack Guez/AFP

Mas os ataques aéreos a Gaza devem continuar, assim como a mobilização de tropas israelenses para a fronteira do país com a Faixa de Gaza. Haverá uma incursão terrestre em Gaza e isso é certo para mim. O governo israelense quer acabar com a liderança do Hamas e garantir a segurança de Israel em uma operação que teria duas fases.

A primeira etapa seria controlar a maior parte do enclave e cercar a Cidade de Gaza, o que é possível de ser feito em alguns dias, mas depois a operação deve ocorrer dentro da cidade, de casa em casa, e será brutal e sangrenta, em condições piores do que em Faluja, no Iraque, e isso levará meses.

E depois disso os israelenses precisam saber o que fazer com Gaza, porque não querem ocupar o enclave permanentemente, mas ninguém mais quer ocupar também. Não creio que essas decisões foram tomadas pelo governo de Israel ainda porque o governo de emergência está sendo formado e será diferente do atual, que é de extrema direita.

Com a possível presença de Benny Gantz e Yair Lapid, existirão opiniões diferentes sobre a tomada de decisões.

Uma criança olha para os cartazes do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, e de um dos líderes da oposição Benny Gantz  Foto: Ammar Awad/Reuters

Então temos que reconhecer esta violência que foi perpetrada no fim de semana sobre 1.200 israelenses mortos em um país de 10 milhões de habitantes. Esta é a pior atrocidade cometida contra os judeus em qualquer parte do mundo desde o Holocausto.

E é impossível imaginar como os israelenses irão responder a isso, ao trauma, ao estresse, ao impacto emocional dessa situação. Depois do Holocausto, disseram que nunca mais iria acontecer algo do tipo com os judeus, mas aqui estamos nós.

É simplesmente impossível saber como os israelenses vão reagir a tudo isso, como vão processar isso nas próximas semanas e meses.

Também é necessário reconhecer que esta não é uma ameaça existencial para Israel, ao contrário do que aconteceu na guerra de Yom Kippur, em 1973, quando a segurança do país estava realmente em questão.

A segurança do país não está em questão agora, pois Israel tem a capacidade de continuar a se defender. Apesar do enorme erro de inteligência e dos valores de segurança de Israel no fim de semana, a capacidade de sobrevivência de Israel é um importante componente de resiliência para a população israelense.

Um homem anda por escombros na área de Rafah, na Faixa de Gaza  Foto: Ben Curtis/ AP

Como Israel lida com o problema a partir de agora? Mais de 150 israelenses estão na Faixa de Gaza como reféns. Uma incursão por terra é inevitável? Ou Israel deve buscar negociações para a retirada de reféns antes de lançar a primeira operação por terra em Gaza desde 2014?

Avalio que já existem negociações de terceiros com as lideranças do Hamas, não creio que Netanyahu ou qualquer líder israelense queira se envolver publicamente em qualquer negociação com o Hamas porque o grupo é terrorista.

Parte disso acontecerá antes que haja um ataque terrestre, em parte porque os israelenses vão querer ter a oportunidade de trazer as pessoas de volta em segurança e é muito mais difícil de fazer isso quando uma operação terrestre está acontecendo.

É importante para a população israelense que os civis consigam ser resgatados. É bem possível que o Hamas liberte alguns dos reféns mesmo que os israelenses não dêem nada em troca, em um gesto de boa vontade para o mundo árabe. O Hamas quer criar uma imagem positiva com o Egito e com os países do Golfo, e quer estar em uma posição mais forte. Eles querem que os israelenses sejam vistos como monstros.

O desejo do Hamas é que as ruas dos países árabes protestem a favor deles. Eu não ficaria surpreso se eles liberassem os cidadãos que não têm a cidadania israelense, ou que eles liberassem os civis detidos, especialmente crianças, mulheres e idosos.

Na sua avaliação, podemos voltar para o momento pré-2005 com Israel governando a Faixa de Gaza novamente? Ou a ideia seria permitir o retorno do Fatah ao enclave palestino?

É muito cedo para sabermos. Neste momento, há violência relativamente limitada na Cisjordânia. Mas é claro que a intenção do Hamas é exatamente a oposta, o grupo quer radicalizar os palestinos na Cisjordânia e fazê-los derrubar a Autoridade Palestina, para depois serem governados por radicais que se recusam a reconhecer o direito de Israel à existência.

A estratégia do Hamas é que os israelenses se tornem monstros. Israel tem ignorado a situação palestina já há algum tempo, com a expansão de assentamentos na Cisjordânia e tornou a vida dos palestinos muito mais difícil, principalmente na Faixa de Gaza, onde 90% da população não tem acesso à água potável e 50% vive abaixo da linha da pobreza.

É claro que isso vai piorar muito nos próximos dias, semanas e meses. Israelenses que têm ignorado os palestinos não podem mais fazer isso agora. No curto prazo, será tudo sobre a guerra, mas no longo prazo haverá uma exigência muito significativa em Israel para encontrar uma forma de resolver a questão palestina.

A única forma de fazer isso é os palestinos serem capazes de se governar, serem capazes de se defender no seu território, e eles não podem ser governados por uma organização como o Hamas, que se recusa a reconhecer o direito de existência de Israel.

Só existirá paz com ambos os lados totalmente exaustos e certamente estamos mais perto de ambos os lados ficarem exaustos do que estávamos há seis meses.

Soldados libaneses olham para uma estrada com vista para a área de fronteira com a cidade de Metulla, no norte de Israel em 9 de outubro de 2023 Foto: Mahmoud Zayyat/AFP

É possível que o Hezbollah, na fronteira do norte, e a Síria, no Golan, se juntem à guerra?

Claro, é possível. O maior perigo para Israel é o Hezbollah e não os iranianos. Teerã deixou claro que não quer participar diretamente desta guerra. O primeiro-ministro Netanyahu não mencionou o Irã em seu discurso e os americanos também disseram aos israelenses para serem cautelosos sobre isso.

Mas o Hezbollah é muito mais treinado e mais bem armado que o Hamas. Até agora tivemos algumas escaramuças, mas nada significativo. Porém, isso pode mudar.

Acho que temos que observar com mais cuidado a questão do Hezbollah, porque esse é o único fator que pode realmente expandir a guerra.

Netanyahu está enfraquecido, tentando montar um gabinete de emergência no meio de uma guerra. O que esperar sobre o seu futuro? Ele pode ter o mesmo destino de Golda Meir, que depois da guerra de Yom Kippur teve a sua carreira política acabada?

Acredito que isso deve acontecer, como aconteceu com Golda Meir. No curto prazo, teremos um governo de unidade nacional e todos estarão focados apenas na guerra, mas, no longo prazo, Netanyahu estará fora porque seu legado será esse ataque.

Israel, que historicamente é cercado de inimigos, um país que leva muito a sério a questão da segurança sobre as suas fronteiras, não pode deixar isso acontecer. O país deveria estar preparado para esse tipo de ataque e não estava.

Não é como nos Estados Unidos no 11 de setembro, onde todos ficaram totalmente surpresos.

Soldado israelense dirige tanque em uma área próxima da fronteira entre Israel e o Líbano  Foto: Ariel Schalit / AP

O que o apoio à causa palestina nos diz sobre o Oriente Médio atual? Como isso respinga nos próximos acordos de paz que Israel quer fazer com países da região? Principalmente com a Arábia Saudita.

O acordo diplomático entre Arábia Saudita e Israel está fora de questão em um futuro próximo. Não seria possível fazer isso em um ambiente como esse. No longo prazo, ainda pode acontecer, mas agora é inimaginável.

As relações diplomáticas costuradas nos Acordos de Abraão, com Marrocos, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Sudão permanecerão intactas. Há muito investimento e turismo, então não acredito que isso vá desaparecer, mas os países árabes vão se tornar muito mais anti-israelenses e teremos hostilidades contra judeus na região. Veremos muitas manifestações.

A questão palestina vai se tornar relevante e irá restringir a capacidade dos países do mundo árabe de aumentarem o relacionamento com Israel. O país estava na melhor posição geopolítica em décadas, isso nunca tinha acontecido antes.

Porém, a questão palestina estava se tornando irrelevante para a região e para os israelenses. Os palestinos não tinham nenhuma perspectiva de futuro, então o Hamas lançou esses ataques terroristas contra Israel e isso certamente levará à destruição da organização.

A guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas chega ao quinto dia com incertezas acerca dos próximos passos do exército israelense em relação a uma possível incursão militar terrestre na Faixa de Gaza e a negociação para a liberação dos 150 israelenses que estão no enclave palestino.

Para o diretor do grupo Eurasia, Ian Bremmer, os terroristas do Hamas têm o desejo de prejudicar a imagem dos israelenses e podem até liberar alguns civis para garantir uma boa relação com os países árabes da região.

“O desejo do Hamas é que as ruas dos países árabes protestem a favor deles. Eu não ficaria surpreso se eles liberassem os cidadãos que não têm a cidadania israelense, ou que eles liberassem os civis detidos, especialmente crianças, mulheres e idosos. O Hamas quer que Israel seja visto como um monstro”.

Em entrevista ao Estadão, Bremmer aponta que o grupo terrorista lançou o ataque durante o final de semana para tirar a questão palestina do esquecimento. “Israel tem ignorado a situação palestina já há algum tempo, com a expansão de assentamentos na Cisjordânia e tornou a vida dos palestinos muito mais difícil”, avalia o analista.

Israelenses se escondem de foguetes na cidade de Ashkelon, perto da Faixa de Gaza  Foto: Leo Correa / AP

Para Bremmer, o ataque terrorista deve mudar a dinâmica do Oriente Médio em relação ao tema, pressionando os israelenses a resolver a questão palestina. “Por agora, um possível acordo com a Arábia Saudita está fora de cogitação, e a questão palestina deve se tornar relevante, reduzindo a chance dos países árabes aumentarem a cooperação com Israel”.

Depois de quatro dias, não existe previsão para o fim dos bombardeios. Na sua avaliação, o que pode acontecer nos próximos dias?

O primeiro ponto é que a prioridade para Israel segue sendo a garantia de que as suas fronteiras estejam seguras e que os terroristas do Hamas sejam removidos do território. O Hamas não controla nenhum território, mas tiroteios ainda acontecem. Além disso, o Hamas possui 150 reféns, tanto soldados como civis de muitos países, então isso também é uma prioridade máxima.

A população israelense deve pressionar fortemente o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, a recuperar as pessoas que estão em Gaza. Em 2011, o governo israelense trocou mais de 1.000 prisioneiros pela soltura do soldado Gilad Shalit que estava na Faixa de Gaza.

É necessário reconhecer a assimetria, do valor que os israelenses atribuem às vidas de civis em comparação com o Hamas. Israel deve abrir negociações para que os civis voltem ao país, através do Egito ou do Catar, e missões de busca e resgate também serão feitas pelos israelenses na Faixa de Gaza.

Um membro da segurança israelense passa por corpos cobertos de vítimas israelenses da infiltração do fim de semana por militantes palestinos no kibutz Beeri, perto da fronteira com Gaza, em 11 de outubro de 2023 Foto: Jack Guez/AFP

Mas os ataques aéreos a Gaza devem continuar, assim como a mobilização de tropas israelenses para a fronteira do país com a Faixa de Gaza. Haverá uma incursão terrestre em Gaza e isso é certo para mim. O governo israelense quer acabar com a liderança do Hamas e garantir a segurança de Israel em uma operação que teria duas fases.

A primeira etapa seria controlar a maior parte do enclave e cercar a Cidade de Gaza, o que é possível de ser feito em alguns dias, mas depois a operação deve ocorrer dentro da cidade, de casa em casa, e será brutal e sangrenta, em condições piores do que em Faluja, no Iraque, e isso levará meses.

E depois disso os israelenses precisam saber o que fazer com Gaza, porque não querem ocupar o enclave permanentemente, mas ninguém mais quer ocupar também. Não creio que essas decisões foram tomadas pelo governo de Israel ainda porque o governo de emergência está sendo formado e será diferente do atual, que é de extrema direita.

Com a possível presença de Benny Gantz e Yair Lapid, existirão opiniões diferentes sobre a tomada de decisões.

Uma criança olha para os cartazes do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, e de um dos líderes da oposição Benny Gantz  Foto: Ammar Awad/Reuters

Então temos que reconhecer esta violência que foi perpetrada no fim de semana sobre 1.200 israelenses mortos em um país de 10 milhões de habitantes. Esta é a pior atrocidade cometida contra os judeus em qualquer parte do mundo desde o Holocausto.

E é impossível imaginar como os israelenses irão responder a isso, ao trauma, ao estresse, ao impacto emocional dessa situação. Depois do Holocausto, disseram que nunca mais iria acontecer algo do tipo com os judeus, mas aqui estamos nós.

É simplesmente impossível saber como os israelenses vão reagir a tudo isso, como vão processar isso nas próximas semanas e meses.

Também é necessário reconhecer que esta não é uma ameaça existencial para Israel, ao contrário do que aconteceu na guerra de Yom Kippur, em 1973, quando a segurança do país estava realmente em questão.

A segurança do país não está em questão agora, pois Israel tem a capacidade de continuar a se defender. Apesar do enorme erro de inteligência e dos valores de segurança de Israel no fim de semana, a capacidade de sobrevivência de Israel é um importante componente de resiliência para a população israelense.

Um homem anda por escombros na área de Rafah, na Faixa de Gaza  Foto: Ben Curtis/ AP

Como Israel lida com o problema a partir de agora? Mais de 150 israelenses estão na Faixa de Gaza como reféns. Uma incursão por terra é inevitável? Ou Israel deve buscar negociações para a retirada de reféns antes de lançar a primeira operação por terra em Gaza desde 2014?

Avalio que já existem negociações de terceiros com as lideranças do Hamas, não creio que Netanyahu ou qualquer líder israelense queira se envolver publicamente em qualquer negociação com o Hamas porque o grupo é terrorista.

Parte disso acontecerá antes que haja um ataque terrestre, em parte porque os israelenses vão querer ter a oportunidade de trazer as pessoas de volta em segurança e é muito mais difícil de fazer isso quando uma operação terrestre está acontecendo.

É importante para a população israelense que os civis consigam ser resgatados. É bem possível que o Hamas liberte alguns dos reféns mesmo que os israelenses não dêem nada em troca, em um gesto de boa vontade para o mundo árabe. O Hamas quer criar uma imagem positiva com o Egito e com os países do Golfo, e quer estar em uma posição mais forte. Eles querem que os israelenses sejam vistos como monstros.

O desejo do Hamas é que as ruas dos países árabes protestem a favor deles. Eu não ficaria surpreso se eles liberassem os cidadãos que não têm a cidadania israelense, ou que eles liberassem os civis detidos, especialmente crianças, mulheres e idosos.

Na sua avaliação, podemos voltar para o momento pré-2005 com Israel governando a Faixa de Gaza novamente? Ou a ideia seria permitir o retorno do Fatah ao enclave palestino?

É muito cedo para sabermos. Neste momento, há violência relativamente limitada na Cisjordânia. Mas é claro que a intenção do Hamas é exatamente a oposta, o grupo quer radicalizar os palestinos na Cisjordânia e fazê-los derrubar a Autoridade Palestina, para depois serem governados por radicais que se recusam a reconhecer o direito de Israel à existência.

A estratégia do Hamas é que os israelenses se tornem monstros. Israel tem ignorado a situação palestina já há algum tempo, com a expansão de assentamentos na Cisjordânia e tornou a vida dos palestinos muito mais difícil, principalmente na Faixa de Gaza, onde 90% da população não tem acesso à água potável e 50% vive abaixo da linha da pobreza.

É claro que isso vai piorar muito nos próximos dias, semanas e meses. Israelenses que têm ignorado os palestinos não podem mais fazer isso agora. No curto prazo, será tudo sobre a guerra, mas no longo prazo haverá uma exigência muito significativa em Israel para encontrar uma forma de resolver a questão palestina.

A única forma de fazer isso é os palestinos serem capazes de se governar, serem capazes de se defender no seu território, e eles não podem ser governados por uma organização como o Hamas, que se recusa a reconhecer o direito de existência de Israel.

Só existirá paz com ambos os lados totalmente exaustos e certamente estamos mais perto de ambos os lados ficarem exaustos do que estávamos há seis meses.

Soldados libaneses olham para uma estrada com vista para a área de fronteira com a cidade de Metulla, no norte de Israel em 9 de outubro de 2023 Foto: Mahmoud Zayyat/AFP

É possível que o Hezbollah, na fronteira do norte, e a Síria, no Golan, se juntem à guerra?

Claro, é possível. O maior perigo para Israel é o Hezbollah e não os iranianos. Teerã deixou claro que não quer participar diretamente desta guerra. O primeiro-ministro Netanyahu não mencionou o Irã em seu discurso e os americanos também disseram aos israelenses para serem cautelosos sobre isso.

Mas o Hezbollah é muito mais treinado e mais bem armado que o Hamas. Até agora tivemos algumas escaramuças, mas nada significativo. Porém, isso pode mudar.

Acho que temos que observar com mais cuidado a questão do Hezbollah, porque esse é o único fator que pode realmente expandir a guerra.

Netanyahu está enfraquecido, tentando montar um gabinete de emergência no meio de uma guerra. O que esperar sobre o seu futuro? Ele pode ter o mesmo destino de Golda Meir, que depois da guerra de Yom Kippur teve a sua carreira política acabada?

Acredito que isso deve acontecer, como aconteceu com Golda Meir. No curto prazo, teremos um governo de unidade nacional e todos estarão focados apenas na guerra, mas, no longo prazo, Netanyahu estará fora porque seu legado será esse ataque.

Israel, que historicamente é cercado de inimigos, um país que leva muito a sério a questão da segurança sobre as suas fronteiras, não pode deixar isso acontecer. O país deveria estar preparado para esse tipo de ataque e não estava.

Não é como nos Estados Unidos no 11 de setembro, onde todos ficaram totalmente surpresos.

Soldado israelense dirige tanque em uma área próxima da fronteira entre Israel e o Líbano  Foto: Ariel Schalit / AP

O que o apoio à causa palestina nos diz sobre o Oriente Médio atual? Como isso respinga nos próximos acordos de paz que Israel quer fazer com países da região? Principalmente com a Arábia Saudita.

O acordo diplomático entre Arábia Saudita e Israel está fora de questão em um futuro próximo. Não seria possível fazer isso em um ambiente como esse. No longo prazo, ainda pode acontecer, mas agora é inimaginável.

As relações diplomáticas costuradas nos Acordos de Abraão, com Marrocos, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Sudão permanecerão intactas. Há muito investimento e turismo, então não acredito que isso vá desaparecer, mas os países árabes vão se tornar muito mais anti-israelenses e teremos hostilidades contra judeus na região. Veremos muitas manifestações.

A questão palestina vai se tornar relevante e irá restringir a capacidade dos países do mundo árabe de aumentarem o relacionamento com Israel. O país estava na melhor posição geopolítica em décadas, isso nunca tinha acontecido antes.

Porém, a questão palestina estava se tornando irrelevante para a região e para os israelenses. Os palestinos não tinham nenhuma perspectiva de futuro, então o Hamas lançou esses ataques terroristas contra Israel e isso certamente levará à destruição da organização.

Entrevista por Daniel Gateno

Repórter da editoria de internacional do Estadão

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