WASHINGTON — O governo de Joe Biden lançou um amplo esforço para impedir a capacidade do Irã de produzir e enviar drones para a Rússia usar na guerra na Ucrânia — o que ecoa sua iniciativa, de anos, de cortar o acesso de Teerã a tecnologia nuclear.
Em entrevistas nos Estados Unidos, na Europa e no Oriente Médio, uma série de autoridades de inteligência, forças armadas e governos descreveram um programa americano em expansão destinado a sufocar a capacidade do Irã de fabricar drones, dificultar para os russos o lançamento de aeronaves não tripuladas “kamikaze” e — se tudo mais fracassar — fornecer aos ucranianos as defesas necessárias para derrubá-las dos céus.
A amplitude do esforço ficou mais clara nas semanas recentes. O governo americano acelerou suas movimentações para privar o Irã de componentes fabricados no Ocidente necessários para a produção dos drones que são vendidos à Rússia após ficar evidente, a partir de exames de destroços de drones interceptados, que as aeronaves são recheadas com tecnologia fabricada nos EUA.
As forças americanas estão ajudando os militares ucranianos a atacar os locais onde os drones são preparados para lançamento — uma tarefa difícil porque os russos mudam esses locais de posição, usando campos de futebol e estacionamentos. E os americanos estão se apressando para fornecer novas tecnologias aos ucranianos projetadas para dar alertas precoces sobre enxames de drones que se aproximem, para dar à Ucrânia chance de derrubá-los com o poder de fogo que o país possui, de projéteis de fuzil e metralhadoras a mísseis.
Mas as três estratégias se depararam com desafios profundos, e o esforço para extirpar dos iranianos itens críticos para os drones já está se provando tão difícil quanto o esforço de décadas para privar o Irã dos componentes necessários para construir as delicadas centrífugas que o país usa para enriquecer urânio a níveis próximos aos necessários para produzir bombas nucleares. Os iranianos, afirmaram nas semanas recentes autoridades americanas de inteligência, estão aplicando ao seu programa de drones o conhecimento que obtiveram em espalhar pelo país fábricas de centrífugas nucleares e encontrando tecnologias de “uso duplo” no mercado clandestino para contornar controles de exportação.
De fato, uma das empresas iranianas apontadas por Reino Unido, França e Alemanha como uma das principais fabricantes de um dos dois tipos de drones comprados pelos russos, a Qods Aviation, aparece há anos na lista das Nações Unidas de fornecedores dos programas nucleares e balísticos do Irã. A empresa, propriedade das Forças Armadas iranianas, expandiu suas linhas de drones apesar das ondas de sanções.
A dificuldade do governo americano em lidar com os drones fabricados no Irã chega em um momento significativo da guerra, no mesmo momento em que a Ucrânia usa seus próprios drones para atacar alvos no interior da Rússia, incluindo um ataque, nesta semana, contra uma base que abriga alguns dos bombardeiros estratégicos do país. E ocorre enquanto autoridades em Washington e Londres alertam que o Irã pode estar prestes a fornecer mísseis à Rússia, ajudando Moscou a aliviar uma escassez aguda.
Autoridades em toda a aliança ocidental afirmam estar convencidas de que Irã e Rússia, isolados pelas sanções lideradas pelos EUA, estão construindo uma nova aliança de conveniência. Uma graduada autoridade militar afirmou que essa parceria se aprofundou rapidamente após a concordância do Irã em fornecer drones aos russos, no último verão, “livrar a barra de Putin”.
O governo Biden, após abandonar esperanças de ressuscitar o acordo nuclear de 2015 com Teerã, tem adotado novas sanções a cada poucas semanas.
Aliança dos EUA com Israel
No esforço para impedir ataques de drones, os conselheiros de Biden também estão conectando um aliado com longo histórico em minar o programa nuclear iraniano: Israel.
Em uma videoconferência reservada, na última quinta-feira, as autoridades israelenses mais graduadas de segurança nacional, forças armadas e inteligência e o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, “discutiram a crescente relação militar do Irã com a Rússia, incluindo a transferência de armas que o Kremlin está acionando contra a Ucrânia mirando sua infraestrutura civil e o fornecimento russo de tecnologia militar para o Irã em troca”, afirmou a Casa Branca em um resumo da reunião. O comunicado não deu detalhes a respeito de como os dois países decidiram agir em relação à questão.
Mas o fato de o governo americano ter escolhido trazer à luz a discussão — em uma reunião trimestral que normalmente tem como foco prejudicar as capacidades nucleares do Irã — foi notável. Israel e EUA têm um longo histórico em operar conjuntamente em relação a ameaças tecnológicas que emanam de Teerã. Juntos, israelenses e americanos desenvolveram um dos mais famosos e sofisticados ciberataques já realizados, usando um código computacional posteriormente chamado de “Stuxnet” para atacar instalações de centrífugas nucleares do Irã.
Mais sobre a guerra na Ucrânia
Desde então, Israel tem feito pouco segredo sobre suas tentativas de sabotar centrais iranianas de enriquecimento de urânio.
Em um comunicado, Adrienne Watson, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, reconheceu o escopo do amplo esforço contra o programa de drones do Irã.
“Estamos buscando maneiras de alvejar a produção iraniana de vants por meio de sanções, controles de exportações e conversando com empresas privadas cujos componentes (que fabricam) sejam usados na produção”, afirmou ela, usando o acrônimo para “veículos aéreos não tripulados”.
Ela acrescentou: “Estamos analisando quais movimentos poderemos adotar em termos de controles de exportação para restringir o acesso do Irã a tecnologias usadas em drones”.
O interesse do Irã em drones remonta a mais de três décadas atrás, quando o país buscava maneiras de conseguir monitorar — e atacar — navios no Golfo Pérsico. O Mohajer I, antecessor de um dos drones vendidos atualmente para os russos, voou pela primeira vez em 1986.
O progresso foi vagaroso, mas pode ter ganhado impulso em 2011, quando a Agência Central de Inteligência (CIA) usou um RQ-170 — furtivo e desarmado — da frota do Pentágono no Afeganistão para sobrevoar o Irã, em um aparente esforço para mapear alguns dos centenas de túneis cavados pelos iranianos para esconder elementos de seu programa nuclear.
Um defeito fez a aeronave aterrissar no deserto, e o então presidente Barack Obama considerou brevemente mandar uma unidade dos Navy SEALs explodi-la antes que o equipamento caísse nas mãos de engenheiros iranianos, relataram posteriormente autoridades graduadas. Obama decidiu não arriscar, e dias depois os iranianos exibiram o drone em uma parada nas ruas de Teerã, uma vitória em propaganda.
Mas autoridades de inteligência americanas concluíram posteriormente que a aeronave fez a festa dos projetistas de drones iranianos, que foram capazes de fazer a engenharia reversa do equipamento.
Em 2016, o Irã anunciou que estava começando a desenvolver drones de ataque, alguns em cooperação com a Rússia. Muitos dos primeiros equipamentos fabricados foram fornecidos para milícias apoiadas pelo Irã, incluindo os rebeldes houthi, no Iêmen, e foram usados com mais eficácia em 2019, em ataques contra duas instalações sauditas de processamento de petróleo da Saudi Aramco, a estatal petrolífera do reino árabe.
Autoridades americanas afirmam que as experiências na Arábia Saudita e o uso desses drones contra forças americanas na Síria e outros países deu aos EUA conhecimento a respeito das capacidades dos drones iranianos e sobre o desafio de lidar com ataques kamikaze nos quais pequenos explosivos são carregados no nariz da aeronave. Mas o desdobramento da invasão à Ucrânia sublinhou que o Irã sabe produzir em massa esses drones, uma preocupação especial em um momento em que há negociações para a inauguração de uma fábrica iraniana dentro da Rússia.
Adrienne Watson, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA
O programa de Teerã tem seus próprios problemas. Os envios até aqui ocorreram esporadicamente, conforme russos e iranianos adaptaram os drones para operar no gelo do inverno ucraniano. E o Irã se deparou com problemas em cadeias de fornecimento — que os EUA buscam intensificar.
Apesar de anos de sanções sobre o setor de defesa no Irã, os drones iranianos ainda são construídos em grande medida com componentes fabricados nos EUA e em outros países do Ocidente. Quando começaram a circular fotos das placas de circuitos de drones derrubados, visivelmente repletas de chips americanos, a Casa Branca ordenou um fechamento no cerco, que incluiu ligações para as empresas cujos produtos foram descobertos. Quase todas expressaram a mesma reação: esses itens são de “uso duplo”, não possuem restrições, e sua circulação é quase impossível de ser impedida.
Washington está tentando mesmo assim.
Sanções americanas
Em setembro, o governo Biden intensificou suas sanções, identificando especificamente as empresas envolvidas na construção das aeronaves para a Rússia. A isso se seguiram outras ações, em novembro, contra empresas como a Safiran Airport Services, com base em Teerã, que é acusada de transportar os drones em nome do governo russo.
Em novembro, o Departamento do Tesouro sancionou duas empresas com base nos Emirados Árabes Unidos, importantes aliados dos EUA, acusando-as de colaborar com a Safiran.
Michael Kofman, diretor de estudos sobre Rússia do instituto de pesquisas CNA, em Arlington, Virgínia, afirmou que as sanções dificilmente seriam uma solução instantânea. “Controles de exportações surtirão um efeito, mas temos de ser realistas sobre os cronogramas em que elas funcionarão”, afirmou Kofman.
“Sanções atrasam e encarecem aquisições de componentes”, afirmou ele. “Mas países determinados colocarão suas mãos em aplicações de defesa ou ajustarão seus projetos de armas em função do que conseguirem obter, mesmo que menos confiável.”
Conforme a guerra se arrasta, EUA, Reino Unido, França e Alemanha pressionam o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, para lançar uma investigação formal para aferir se Rússia e Irã estão violando juntos os termos de uma restrição da ONU sobre exportação de armas sofisticadas do Irã.
Guterres deixou claro que sua maior prioridade é operar um acordo com a Rússia sobre exportação de grãos ucranianos, para aliviar escassez de alimentos, e seus assessores afirmam que agora não é o momento de arriscar a celebração desse pacto com uma investigação cuja conclusão parece previsível.
O Irã parece estar transportando drones para as forças russas em aeronaves de carga, com frequência através de rotas que permitem pouca oportunidade para interceptação. Resta tentar atacá-los em terra — uma tarefa nada fácil.
Até pouco mais de um mês atrás, afirmam autoridades dos governos americano e britânico, a base principal dos drones era a Crimeia. Então eles desapareceram por vários dias e reapareceram em áreas ocupadas pela Rússia na província ucraniana de Zaporizhzhia. Os movimentos foram detectados por autoridades americanas e ucranianas, algumas trabalhando lado a lado em centros de inteligência militar. Mas os drones são altamente móveis, com sistemas de lançamentos montados sobre caminhões, e os russos sabem que as aeronaves estão sendo caçadas — então as transportam para localizações mais seguras, o que torna detectar e atacar os equipamentos uma proposição difícil.
“As mudanças no local de lançamento provavelmente decorrem de preocupações da Rússia sobre vulnerabilidade na Crimeia, ao mesmo tempo que também são convenientes para o reabastecimento a partir do provável ponto de chegada na Rússia, em Astrakhan”, afirmou uma análise militar dos britânicos anteriormente este mês.
Há crescente evidência de que esta relação militar pode ser uma via de duas mãos. O Reino Unido acusou a Rússia de planejar fornecer ao Irã avançados componentes militares em troca de centenas de drones.
“O Irã se tornou um dos principais apoiadores militares da Rússia”, afirmou ao Parlamento o ministro britânico da Defesa, Ben Wallace, na semana passada. “Em troca por ter recebido mais de 300 drones-kamikaze, a Rússia tem intenção agora de fornecer ao Irã avançados componentes militares, minando a segurança do Oriente Médio e de toda a comunidade internacional — nós devemos denunciar este acordo”, afirmou Wallace.
Várias empresas americanas — incluindo a Edgesource Corporation e a BlueHalo, ambas com base na Virgínia — forneceram treinamento ou tecnologia para ajudar a detectar e abater os drones da Rússia, afirmaram autoridades americanas.
A Edgesource doou cerca de US$ 2 milhões em sistemas, incluindo um chamado Windtalkers, para ajudar a Ucrânia a localizar, identificar e rastrear drones hostis em ação a mais de 32 quilômetros de distância ao mesmo tempo que identifica os drones ucranianos no mesmo espaço aéreo, afirmou o diretor de operações da empresa, Joseph Urbaniak. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO