ANCARA - Resultados preliminares da eleição na Turquia divulgados nesta segunda, 15, pela agência estatal Anadolu indicam, por uma estreita margem, um segundo turno entre o presidente Recep Tayyip Erdogan e o lider da oposição Kemal Kilicdaroglu. Com quase 98% das urnas apuradas, Erdogan tem 49,3% dos votos e o rival, 44,9%. O nacionalista Sinan Ogan tem 5,3%.
O chefe da comissão eleitoral, Ahmet Yener disse no começo da noite que os resultados oficiais devem ser divulgados na madrugada. Ao longo do dia, discrepâncias entre os números da apuração divulgados pela imprensa estatal, alinhada a Erdogan, e a privada, provocaram protestos da oposição, que alegou liderar a disputa.
Durante a tarde, a agência privada Anka divulgou números ligeiramente diferentes da Anadolu, com Erdogan com 48% e Kilicdaroglu com 46%. Se nenhum candidato receber mais de 50% dos votos, o vencedor será determinado no segundo turno em 28 de maio.
Especialistas acreditam que a intenção de voto em Kilicdaroglu estava superestimada e um voto envergonhado em Erdogan se manifestou na reta final da disputa. O apoio do terceiro colocado na disputa deve ser decisivo num eventual segundo turno, ainda de acordo com especialistas. Ele tirou votos importantes de um eleitorado tradicionalmente afinado com Erdogan, de quem ele é mais próximo.
Animosidade e denúncias
Nos dois lados opostos da disputa, o dia foi de tensão, animosidade e denúncias de irregularidades.
Kilicdaroglu acusou partidários de Erdogan de exigir recontagens desnecessárias em Ancara e Istambul para atrasar a apuração. Seu vice, Ekrem Imamoglu, disse à imprensa internacional que havia registros de 7,5 milhões de votos não contabilizados em áreas onde a coalizão opositora é mais forte.
Erdogan, por sua vez, mobilizou seus partidários por meio das redes sociais e pediu que eles fiquem alertas contra “usurpadores da vontade nacional”.
Antes da votação, o presidente há 20 anos no poder, prometeu resultar o resultado da eleição. Nas últimas semanas, no entanto, seu governo liberou diversas benesses para eleitores, na esperança de reverter uma queda nas pesquisas eleitorais, motivada pelo mau momento da economia, alto do custo de vida e pela lentidão na resposta ao terremoto que matou 50 mil pessoas em fevereiro.
Nas eleições parlamentares, as pesquisas consideram improvável que a coligação do partido de Erdogan, o islamita AKP, com o ultranacionalista MHP renove a sua maioria absoluta. Os resultados da nova composição do Parlamento turco devem ser conhecidos ao longo da madrugada.
Para entender as eleições turcas
As contradições do sistema político turco
“As eleições não são justas, mas são livres. E por isso ainda existe a perspectiva de mudança política na Turquia”, explica o cientista político Sinan Ulgen, diretor da consultoria Edam, com base em Istambul. “Hoje, essa chance é maior que nunca.”
No poder desde 2002, entre mandatos como premiê e presidente – a Turquia mudou seu sistema de governo em 2017–, Erdogan erodiu boa parte das instituições democráticas. Ele atacou a independência do Judiciário, a imprensa livre e a autonomia universitária. Kilicdaroglu promete desfazer todas essas mudanças.
Mas a Turquia é um país politicamente contraditório. Longe de ser uma democracia plena, também não configura uma autocracia da estirpe da Venezuela ou da Rússia. Isso ocorre porque a política eleitoral é uma parte importante da identidade nacional turca. Nem Erdogan e seus partidários ousam mexer demais nos fundamentos do Estado turco, criados por Mustafa Kemal Ataturk, a partir de 1923.
Na primeira metade do século 20, a Turquia passou por um processo de secularização e modernização política. A partir de 1945, o país adotou um regime multipartidário, com eleições regulares, apesar de ter sofrido com golpes de Estado durante a Guerra Fria.
Aliado ou inimigo?
Essa ambiguidade política também se reflete na política externa turca. No front diplomático, o país é um aliado de peso para qualquer potência por ser um ponto de ligação estratégica entre a Europa e a Ásia, além de ter laços econômicos com o mundo islâmico e fazer parte da Otan.
Nos últimos anos, Erdogan se afastou dos EUA e de seus aliados da aliança atlântica e se aproximou da Rússia de Vladimir Putin, apesar da histórica proximidade turca com o Ocidente.
Erdogan ainda viveu às turras com os Estados Unidos sobre a política para a Síria e tem criticado o presidente Joe Biden em seus discursos.
Mais recentemente ele atrasou a entrada da Finlândia na Otan e ainda se recusa a aceitar a Suécia no bloco. Tudo isso, às vezes, deixou os líderes ocidentais se perguntando de que lado Erdogan realmente está. /NYT E AP