THE NEW YORK TIMES — Depois de discutido e concluído, o acordo para a libertação de alguns reféns mantidos pelo Hamas resumiu-se a dois telefonemas críticos, que forçaram cada lado, em última instância, a abrir concessões difíceis.
Os israelenses insistiam que não era suficiente libertar apenas 50 dos cerca de 240 reféns, afirmando que queriam mais libertações. Naquele ponto, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, teve de convencer o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, a aceitar o que estava sobre a mesa e continuar trabalhando para recuperar o restante dos reféns.
Já os líderes do Hamas, segundo graduadas autoridades do governo americano, estavam exigindo que a pausa nos combates prevista no acordo durasse cinco dias, mesmo que os israelenses se recusassem em concordar com mais de quatro. Biden disse ao emir do Catar, que estava atuando como intermediário do contato com o Hamas, que quatro dias de cessar-fogo seria o máximo por agora.
O caminho para o acordo de libertação dos reféns, que começou nesta sexta-feira, 24, com um total de 13 israelenses e 11 estrangeiros sendo libertados pelo grupo terrorista, foi árduo e doloroso, marcado por progressos instáveis, desconfianças profundas, escolhas terríveis e momentos em que a coisa toda esteve prestes a ruir. Nenhum dos lados conseguiu exatamente o que pretendia.
Mas se o acordo for levado a cabo de forma bem-sucedida ao longo dos próximos dias — e esta dúvida ainda é importante — poderá servir como modelo para outras negociações por libertações de reféns e ampliar o cessar-fogo temporário.
“O acordo de ontem à noite é prova da incansável diplomacia e determinação de muitos indivíduos de todo o governo dos EUA em trazer americanos para a casa”, afirmou Biden quarta-feira na plataforma X, anteriormente chamada Twitter. “Agora é importante que todos os aspectos sejam plenamente implementados.”
Este relato tem como base entrevistas a graduadas autoridades do governo Biden, que falaram sob condição de anonimato para evitar perturbações nos canais de comunicação.
O esforço para a libertação dos reféns iniciou-se horas depois do ataque terrorista de 7 de outubro, quando atiradores do Hamas mataram cerca de 1,2 mil pessoas e sequestraram outras 240 em Israel.
Pouco após o ataque, o governo do Catar, um pequeno emirado do Golfo que abriga alguns líderes do Hamas mas mantém relações próximas com os EUA, informou a Casa Branca a respeito da situação dos reféns e sugeriu a possibilidade da negociação de um acordo por sua libertação. Os catarianos pediram para um pequeno grupo de autoridades americanas trabalharem juntamente com eles e os israelenses.
Leia mais
Quais serão os próximos planos militares de Israel em Gaza contra o Hamas; leia a análise
A falácia dos pedidos por ‘cessar-fogo’ entre Israel e Hamas; leia a análise
Libertação de reféns: veja o que se sabe sobre o acordo entre Israel e o grupo terrorista Hamas
Guerra Israel e Hamas tem bem mais de dois lados; leia artigo de Thomas Friedman
O conselheiro de segurança nacional do presidente Biden, Jake Sullivan, orientou o coordenador para o Oriente Médio da Casa Branca, Brett McGurk, e o subconselheiro de segurança interna Joshua Geltzer, que desde então tornou-se o principal representante do Conselho de Segurança Nacional, a tocar a negociação. Para preservar o sigilo, outras agências não foram informadas a respeito da iniciativa.
A questão era pessoal para Biden, que se reuniu com famílias de americanos que, acredita-se, estão entre os reféns em uma chamada de Zoom, em 13 de outubro. O presidente estendeu o tempo previsto da reunião para que todas as famílias tivessem chance de falar sobre os parentes desaparecidos. Autoridades do governo presentes no Salão Oval ou online na chamada descreveram-na como um dos momentos mais angustiantes da presidência de Biden.
Em 23 de outubro, as negociações da Casa Branca com o Catar levaram à libertação de duas cidadãs americanas, Natalie e Judith Raanan — com Sullivan, McGurk e Jon Finer, o subsecretário de segurança nacional, acompanhando em tempo real o que viria a ser uma viagem de várias horas de Gaza até a Ala Oeste. Sua libertação encorajou Biden e sua equipe a acreditar que o canal do Catar poderia levar à libertação de mais reféns.
Israel delegou a David Barnea, diretor do Mossad, a agência de espionagem israelense, autoridade para negociar. Barnea começou a conversar regularmente com o diretor da CIA, William Burns, a respeito dos contornos de um acordo. Biden conversou com Netanyahu em 20, 22, 23 e 25 de outubro, sempre com a libertação dos reféns como um dos principais tópicos.
O Hamas comunicou os americanos em 25 de outubro que havia concordado com os parâmetros de um acordo para libertar mulheres e crianças reféns contanto que houvesse um adiamento na invasão terrestre de Gaza planejada por Israel. Mas os israelenses não consideraram o pacto firme o suficiente para adiar a invasão. Entre outras coisas, o Hamas não forneceu prova de que os reféns ainda estavam vivos.
Mas Israel adaptou sua invasão terrestre e a dividiu em fases, de maneira que permitisse uma pausa nos combates se um acordo fosse costurado, segundo autoridades americanas. Nas três semanas seguintes, as forças israelenses entraram em Gaza e as negociações continuaram com Catar e Egito.
Num determinado momento, depois que McGurk conversou pelo telefone com o primeiro-ministro catariano, Biden insistiu que queria conversar com o próprio emir. O telefonema, que não foi revelado publicamente, ajudou dar forma ao acordo que vinha sendo negociado para libertação de mulheres e crianças na primeira fase, como parte do que viria a ser vários estágios de libertação em troca de palestinos mantidos prisioneiros por Israel.
Os israelenses insistiram que a primeira rodada de libertação incluísse todas as mulheres e crianças e exigiram provas de vida e informações de identidade. O Hamas respondeu dizendo que podia garantir que 50 reféns seriam libertados na primeira fase, mas recusou-se a produzir uma lista ou informar o critério que estava usando para determinar quem seria libertado. Em 9 de novembro, Burns encontrou-se em Doha, a capital do Catar, com o xeque Tamim bin Hamad bin Khalifa Al-Thani, o emir, e Barnea, o diretor do Mossad, para a revisão das terminologias do acordo em elaboração.
Biden telefonou para o xeque Tamim três dias depois e disse, “Basta, já chega”, segundo autoridades americanas. Os americanos e os israelenses precisavam de nomes ou dados claros de identidade dos 50 reféns que seriam libertados. Sem isso, disse Biden ao emir, não haveria base para ir adiante. Logo depois, o Hamas informou as identidades dos 50 reféns a serem libertados, mas os israelenses e os americanos acreditavam que, segundo o critério aplicado, a lista incluiria mais de 50 reféns.
Sullivan reuniu-se no dia seguinte na Casa Branca com famílias dos americanos reféns para tranquilizá-las comunicando que tudo estava sendo feito para garantir sua liberdade.
Um dia depois, Biden conversou com Netanyahu, que ainda pressionava pela libertação de mais que 50 reféns. O presidente insistiu ao primeiro-ministro que aceitasse o acordo, e então, juntos, eles continuariam trabalhando para libertar o restante dos reféns em estágios futuros. Netanyahu acabou concordando, e Dermer, seu conselheiro, telefonou posteriormente para Sullivan para resumir a fórmula preferida do gabinete de guerra israelense.
McGurk reuniu-se com Netanyahu naquele mesmo dia em Israel. Saindo de uma reunião difícil, o primeiro-ministro pegou o diplomata americano pelo braço. “Nós precisamos desse acordo”, disse Netanyahu, implorando a McGurk que fizesse o presidente Biden telefonar para o xeque Tamim para acertar os termos finais.
Horas depois, quando tudo levava a crer que o acordo sairia, as negociações brecaram bruscamente em razão de um apagão de comunicações em Gaza que impediu o contato com o Hamas. Quando as comunicações foram restabelecidas, o Hamas interrompeu a negociação citando o ataque israelense contra o Hospital Al-Shifa, em Gaza — local que, segundo afirmam os israelenses e os americanos, é usado pelo Hamas como posto militar avançado. O Hamas insistiu que as forças israelenses deixassem o hospital sem vasculhar suas instalações. Israel se recusou, mas mandou a mensagem de que manteria o hospital funcionando.
Então as negociações foram retomadas. Biden, que estava em San Francisco para reuniões não relacionadas, com líderes da região Ásia-Pacífico, telefonou para o xeque Tamim na sexta-feira e lhe disse que aquela seria a última oportunidade e que “o tempo se esgotou”, segundo uma autoridade americana. O Hamas pediu uma pausa de cinco dias nos combates, mas o presidente disse ao xeque que Israel aceitaria apenas quatro e que o Hamas deveria concordar.
McGurk, que escutava o telefonema do Oriente Médio, reuniu-se com o xeque Tamim em Doha no dia seguinte para examinar o texto do acordo. Eles incluíram Burns na reunião, pelo telefone, depois que ele conversou com o Mossad. O acordo de seis páginas previu mulheres e crianças libertadas na primeira fase, incluindo três americanas, e antecipou libertações futuras. O emir transmitiu a proposta para o Hamas no fim daquela noite.
No Cairo, na manhã seguinte, McGurk estava reunido com o diretor de inteligência do Egito, Abbas Kamel, quando um assessor americano trouxe a mensagem dos líderes do Hamas aceitando quase todos os termos. Nos dias seguintes, os detalhes finais foram acertados. Na manhã da terça-feira, o Hamas informou o Catar que tinha aprovado o acordo. O governo de Israel reuniu-se por sete horas naquela noite e também assinou.
“O acordo de hoje deverá trazer para casa mais reféns americanos”, afirmou Biden em um comunicado, pouco antes da meia-noite na Costa Leste dos EUA, na terça-feira, “e eu não vou parar até que todos sejam libertados”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO