Esmeraldas à venda: Como o Taleban busca tirar a economia do Afeganistão do buraco


Desde que tomou o poder, Taleban diz que assinou acordos com investidores para extrair pedras preciosas e minerais valiosos — uma salvação potencialmente lucrativa para uma economia fraca

Por David Zucchino

Em um auditório frio no Afeganistão, montes de esmeraldas verdes recém-extraídas reluziam sob fortes lâmpadas de mesa enquanto barbudos negociantes de pedras preciosas inspecionavam sua pureza e qualidade.

Um leiloeiro pediu lances para o primeiro lote, que pesava 256 quilates. Com isso, o leilão semanal de pedras preciosas do Taleban teve início.

Essas vendas, na província de Panjshir, rica em esmeraldas, no leste do Afeganistão, são parte de um esforço do governo do Taleban para lucrar com o vasto potencial da exploração de minerais e pedras preciosas do país.

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Funcionários da província inspecionam uma esmeralda durante um leilão semanal em Bazarak, capital da província de Panjshir, no Afeganistão. Foto: Elise Blanchard/The New York Times

Desde que tomou o poder em agosto de 2021, o Taleban diz que assinou acordos com dezenas de investidores para extrair pedras preciosas, ouro, cobre, ferro e outros minerais valiosos, como cromita. Esses tesouros enterrados oferecem uma salvação potencialmente lucrativa para uma economia fraca.

A China liderou o caminho em investimentos sob sua Iniciativa Cinturão e Rota, um esforço agressivo para espalhar a influência chinesa em todo o mundo. Investidores russos e iranianos também assinaram licenças de mineração, preenchendo o vazio deixado pela caótica retirada dos EUA em 2021.

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O governo dos EUA estima que pelo menos US$ 1 trilhão em recursos minerais esteja sob a paisagem acidentada do Afeganistão. O país é rico em cobre, ouro, zinco, cromita, cobalto, lítio e minerais industriais, bem como em pedras preciosas e semipreciosas como esmeraldas, rubis, safiras, granadas e lápis-lazúli.

O Afeganistão também possui um tesouro em elementos terras raras, de acordo com o Escritório do Inspetor Geral Especial para a Reconstrução do Afeganistão, uma agência dos EUA que fechará este ano. Esses elementos são usados em uma variedade de tecnologias modernas, como telefones celulares, laptops e veículos elétricos.

Proprietários de minas e funcionários do governo local durante um leilão semanal em Bazarak Foto: Elise Blanchard/The New York Times
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O Taleban está tentando fazer o que os Estados Unidos não conseguiram durante seus 20 anos de ocupação. O governo dos EUA gastou quase um bilhão de dólares para desenvolver projetos de mineração no Afeganistão, mas “o progresso tangível foi insignificante e não se sustentou”, concluiu o inspetor-geral especial em um relatório publicado em janeiro de 2023.

Muitos dos obstáculos daquela época ainda afetam essa atividade: falta de segurança, infraestrutura precária, corrupção, inconsistência nas políticas e regulamentações governamentais e rotatividade frequente de funcionários do governo.

O Taleban está tentando mesmo assim, desesperado por fontes de receita após a rápida perda da ajuda ao Afeganistão com a retirada dos EUA.

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Durante a guerra, os Estados Unidos forneceram cerca de US$ 143 bilhões em ajuda humanitária e de desenvolvimento ao Afeganistão, apoiando o governo alinhado aos EUA. Desde 2021, os americanos deram US$ 2,6 bilhões em ajuda desse tipo, entregues por um prestador privado em pacotes de dinheiro embalados em plástico em voos para Cabul, de acordo com o inspetor geral especial.

Um homem corta e lustra esmeraldas em Cabul. Foto: Elise Blanchard/The New York Times

A economia afegã encolheu 26% nos dois anos mais recentes, informou o Banco Mundial em abril. O declínio acentuado na ajuda internacional, disse o banco, deixou o Afeganistão “sem nenhum motor interno de crescimento”.

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Além disso, a proibição do Taleban à produção de ópio custou aos agricultores US$ 1,3 bilhão em renda, ou 8% do produto interno bruto do Afeganistão, disse o Banco Mundial. A proibição levou à perda de 450.000 empregos e reduziu as terras cultivadas com papoulas em 95%, informou o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.

A mineração pode ajudar a substituir as papoulas como uma fonte de receita estável. Turquia e Catar, juntamente com China e Irã, investiram em minas de ferro, cobre, ouro e cimento. Empresas usbeques assinaram acordos para extrair petróleo no norte do Afeganistão, de acordo com o Ministério de Minas e Petróleo.

Rahmatullah Sharifi, negociante de pedras preciosas, pesa esmeraldas na sua loja em Cabul Foto: Elise Blanchard/The New York Times
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O Taleban já está cobrando impostos sobre as vendas de esmeraldas.

Sob o governo anterior, o comércio de esmeraldas era corrupto e liberado para todos. Senhores da guerra e negociantes com conexões políticas dominavam o comércio, e a cobrança de impostos era aleatória, na melhor das hipóteses.

Mas, como o governo Taleban instituiu os leilões semanais de esmeraldas, ele passou a controlar e taxar todas as vendas. Os negociantes que compram esmeraldas nos leilões só recebem as pedras depois de pagarem a taxa de 10%.

O Taleban também está taxando outras pedras preciosas, incluindo rubis e safiras.

Rahmatullah Sharifi, um negociante de pedras preciosas que comprou dois conjuntos de esmeraldas no leilão, disse que não se importava em pagar o imposto.

“O governo precisa do dinheiro para desenvolver o país”, disse ele. “A questão é: eles vão gastá-lo para ajudar o povo afegão?”

Na província de Panjshir, de onde a maioria das esmeraldas afegãs são extraídas, o governo emitiu 560 licenças de esmeraldas para investidores estrangeiros e afegãos, disse Hamayoon Afghan, porta-voz do Ministério de Minas e Petróleo.

Um antigo prédio de quatro andares que serve de mercado de pedras preciosas, abrigando dezenas de lojas em uma movimentada rua comercial de Cabul. Foto: Elise Blanchard/The New York Times

O ministério também concedeu licenças para minerar rubis nas províncias de Panjshir e Cabul, disse Afghan, e há planos em andamento para licenças de esmeraldas e pedras preciosas em outras três províncias.

Mas muitas licenças novas são para minas que ainda não foram abertas. E muitas minas existentes são prejudicadas pela infraestrutura precária e escassez de engenheiros experientes e especialistas técnicos.

Afghan admitiu que o país precisava de mais engenheiros e técnicos. Investidores estrangeiros trazem especialistas experientes, disse ele, e são obrigados por licenças a empregar afegãos e ensinar-lhes habilidades técnicas e de engenharia.

A maioria das esmeraldas compradas nos leilões semanais é revendida a compradores estrangeiros, disseram os negociantes. Entre os negociantes que compraram esmeraldas em um dia de novembro estava Haji Ghazi, que vende pedras preciosas em uma pequena sala parecida com uma cela dentro de um labirinto escuro de lojas no centro de Cabul.

Dois dias após o leilão, Ghazi trancou a porta de sua loja, fechou as cortinas e destrancou um cofre antigo. Ele retirou vários esconderijos de esmeraldas e rubis, cada um embrulhado em uma folha de papel branca.

Um antigo prédio de quatro andares em uma movimentada rua comercial em Cabul serve como um mercado de pedras preciosas, abrigando dezenas de lojas semelhantes a celas.

O maior conjunto de esmeraldas de Ghazi valia talvez US$ 250.000, ele disse. Ele estimou que um conjunto muito menor de rubis brilhantes valia US$ 20.000.

Em um canto, Ghazi empilhou grandes pedaços de rocha com grossos veios azuis de lápis-lazúli, uma pedra semipreciosa. Grande parte do suprimento mundial de lápis-lazúli é extraído no norte do Afeganistão.

Ghazi vende a maioria de suas pedras preciosas para compradores dos Emirados Árabes Unidos, Índia, Irã e Tailândia. Ele disse que sentia falta dos dias anteriores à tomada do poder pelo Taleban, quando a ocupação trazia compradores ansiosos dos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Austrália.

Em uma loja adjacente, Azizullah Niyazi acendeu uma luminária de mesa para iluminar uma coleção de lápis-lazúli, rubis, safiras e esmeraldas espalhadas em uma pequena mesa. Ele ainda estava esperando seu primeiro cliente da manhã.

Niyazi disse que as vendas não eram tão robustas quanto durante os 13 anos em que ele tinha permissão para vender pedras preciosas um dia por semana em uma pequena loja em uma base militar da coalizão dos EUA. Seus lucros dispararam quando soldados e empreiteiros civis faziam fila para comprar pedras preciosas toda sexta feira — e eles raramente pechinchavam o preço, ao contrário dos compradores afegãos ou árabes, disse. Ele pagou um imposto de 7% sobre seus lucros, disse.

Esmeraldas e outras pedras preciosas numa loja no centro de Cabul Foto: Elise Blanchard/The New York Times

Hoje em dia, Niyazi precisa viajar para aumentar as vendas: ele disse que abriu uma loja na China, que visitava regularmente. Em Cabul, ele vende para compradores de Dubai, Emirados Árabes Unidos, bem como do Paquistão, Irã e um punhado de outros países.

Ele tem poucos clientes locais.

“Poucos afegãos podem pagar US$ 1.000 ou US$ 2.000 por uma pedra para fazer um anel”, disse ele, dando de ombros./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Em um auditório frio no Afeganistão, montes de esmeraldas verdes recém-extraídas reluziam sob fortes lâmpadas de mesa enquanto barbudos negociantes de pedras preciosas inspecionavam sua pureza e qualidade.

Um leiloeiro pediu lances para o primeiro lote, que pesava 256 quilates. Com isso, o leilão semanal de pedras preciosas do Taleban teve início.

Essas vendas, na província de Panjshir, rica em esmeraldas, no leste do Afeganistão, são parte de um esforço do governo do Taleban para lucrar com o vasto potencial da exploração de minerais e pedras preciosas do país.

Funcionários da província inspecionam uma esmeralda durante um leilão semanal em Bazarak, capital da província de Panjshir, no Afeganistão. Foto: Elise Blanchard/The New York Times

Desde que tomou o poder em agosto de 2021, o Taleban diz que assinou acordos com dezenas de investidores para extrair pedras preciosas, ouro, cobre, ferro e outros minerais valiosos, como cromita. Esses tesouros enterrados oferecem uma salvação potencialmente lucrativa para uma economia fraca.

A China liderou o caminho em investimentos sob sua Iniciativa Cinturão e Rota, um esforço agressivo para espalhar a influência chinesa em todo o mundo. Investidores russos e iranianos também assinaram licenças de mineração, preenchendo o vazio deixado pela caótica retirada dos EUA em 2021.

O governo dos EUA estima que pelo menos US$ 1 trilhão em recursos minerais esteja sob a paisagem acidentada do Afeganistão. O país é rico em cobre, ouro, zinco, cromita, cobalto, lítio e minerais industriais, bem como em pedras preciosas e semipreciosas como esmeraldas, rubis, safiras, granadas e lápis-lazúli.

O Afeganistão também possui um tesouro em elementos terras raras, de acordo com o Escritório do Inspetor Geral Especial para a Reconstrução do Afeganistão, uma agência dos EUA que fechará este ano. Esses elementos são usados em uma variedade de tecnologias modernas, como telefones celulares, laptops e veículos elétricos.

Proprietários de minas e funcionários do governo local durante um leilão semanal em Bazarak Foto: Elise Blanchard/The New York Times

O Taleban está tentando fazer o que os Estados Unidos não conseguiram durante seus 20 anos de ocupação. O governo dos EUA gastou quase um bilhão de dólares para desenvolver projetos de mineração no Afeganistão, mas “o progresso tangível foi insignificante e não se sustentou”, concluiu o inspetor-geral especial em um relatório publicado em janeiro de 2023.

Muitos dos obstáculos daquela época ainda afetam essa atividade: falta de segurança, infraestrutura precária, corrupção, inconsistência nas políticas e regulamentações governamentais e rotatividade frequente de funcionários do governo.

O Taleban está tentando mesmo assim, desesperado por fontes de receita após a rápida perda da ajuda ao Afeganistão com a retirada dos EUA.

Durante a guerra, os Estados Unidos forneceram cerca de US$ 143 bilhões em ajuda humanitária e de desenvolvimento ao Afeganistão, apoiando o governo alinhado aos EUA. Desde 2021, os americanos deram US$ 2,6 bilhões em ajuda desse tipo, entregues por um prestador privado em pacotes de dinheiro embalados em plástico em voos para Cabul, de acordo com o inspetor geral especial.

Um homem corta e lustra esmeraldas em Cabul. Foto: Elise Blanchard/The New York Times

A economia afegã encolheu 26% nos dois anos mais recentes, informou o Banco Mundial em abril. O declínio acentuado na ajuda internacional, disse o banco, deixou o Afeganistão “sem nenhum motor interno de crescimento”.

Além disso, a proibição do Taleban à produção de ópio custou aos agricultores US$ 1,3 bilhão em renda, ou 8% do produto interno bruto do Afeganistão, disse o Banco Mundial. A proibição levou à perda de 450.000 empregos e reduziu as terras cultivadas com papoulas em 95%, informou o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.

A mineração pode ajudar a substituir as papoulas como uma fonte de receita estável. Turquia e Catar, juntamente com China e Irã, investiram em minas de ferro, cobre, ouro e cimento. Empresas usbeques assinaram acordos para extrair petróleo no norte do Afeganistão, de acordo com o Ministério de Minas e Petróleo.

Rahmatullah Sharifi, negociante de pedras preciosas, pesa esmeraldas na sua loja em Cabul Foto: Elise Blanchard/The New York Times

O Taleban já está cobrando impostos sobre as vendas de esmeraldas.

Sob o governo anterior, o comércio de esmeraldas era corrupto e liberado para todos. Senhores da guerra e negociantes com conexões políticas dominavam o comércio, e a cobrança de impostos era aleatória, na melhor das hipóteses.

Mas, como o governo Taleban instituiu os leilões semanais de esmeraldas, ele passou a controlar e taxar todas as vendas. Os negociantes que compram esmeraldas nos leilões só recebem as pedras depois de pagarem a taxa de 10%.

O Taleban também está taxando outras pedras preciosas, incluindo rubis e safiras.

Rahmatullah Sharifi, um negociante de pedras preciosas que comprou dois conjuntos de esmeraldas no leilão, disse que não se importava em pagar o imposto.

“O governo precisa do dinheiro para desenvolver o país”, disse ele. “A questão é: eles vão gastá-lo para ajudar o povo afegão?”

Na província de Panjshir, de onde a maioria das esmeraldas afegãs são extraídas, o governo emitiu 560 licenças de esmeraldas para investidores estrangeiros e afegãos, disse Hamayoon Afghan, porta-voz do Ministério de Minas e Petróleo.

Um antigo prédio de quatro andares que serve de mercado de pedras preciosas, abrigando dezenas de lojas em uma movimentada rua comercial de Cabul. Foto: Elise Blanchard/The New York Times

O ministério também concedeu licenças para minerar rubis nas províncias de Panjshir e Cabul, disse Afghan, e há planos em andamento para licenças de esmeraldas e pedras preciosas em outras três províncias.

Mas muitas licenças novas são para minas que ainda não foram abertas. E muitas minas existentes são prejudicadas pela infraestrutura precária e escassez de engenheiros experientes e especialistas técnicos.

Afghan admitiu que o país precisava de mais engenheiros e técnicos. Investidores estrangeiros trazem especialistas experientes, disse ele, e são obrigados por licenças a empregar afegãos e ensinar-lhes habilidades técnicas e de engenharia.

A maioria das esmeraldas compradas nos leilões semanais é revendida a compradores estrangeiros, disseram os negociantes. Entre os negociantes que compraram esmeraldas em um dia de novembro estava Haji Ghazi, que vende pedras preciosas em uma pequena sala parecida com uma cela dentro de um labirinto escuro de lojas no centro de Cabul.

Dois dias após o leilão, Ghazi trancou a porta de sua loja, fechou as cortinas e destrancou um cofre antigo. Ele retirou vários esconderijos de esmeraldas e rubis, cada um embrulhado em uma folha de papel branca.

Um antigo prédio de quatro andares em uma movimentada rua comercial em Cabul serve como um mercado de pedras preciosas, abrigando dezenas de lojas semelhantes a celas.

O maior conjunto de esmeraldas de Ghazi valia talvez US$ 250.000, ele disse. Ele estimou que um conjunto muito menor de rubis brilhantes valia US$ 20.000.

Em um canto, Ghazi empilhou grandes pedaços de rocha com grossos veios azuis de lápis-lazúli, uma pedra semipreciosa. Grande parte do suprimento mundial de lápis-lazúli é extraído no norte do Afeganistão.

Ghazi vende a maioria de suas pedras preciosas para compradores dos Emirados Árabes Unidos, Índia, Irã e Tailândia. Ele disse que sentia falta dos dias anteriores à tomada do poder pelo Taleban, quando a ocupação trazia compradores ansiosos dos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Austrália.

Em uma loja adjacente, Azizullah Niyazi acendeu uma luminária de mesa para iluminar uma coleção de lápis-lazúli, rubis, safiras e esmeraldas espalhadas em uma pequena mesa. Ele ainda estava esperando seu primeiro cliente da manhã.

Niyazi disse que as vendas não eram tão robustas quanto durante os 13 anos em que ele tinha permissão para vender pedras preciosas um dia por semana em uma pequena loja em uma base militar da coalizão dos EUA. Seus lucros dispararam quando soldados e empreiteiros civis faziam fila para comprar pedras preciosas toda sexta feira — e eles raramente pechinchavam o preço, ao contrário dos compradores afegãos ou árabes, disse. Ele pagou um imposto de 7% sobre seus lucros, disse.

Esmeraldas e outras pedras preciosas numa loja no centro de Cabul Foto: Elise Blanchard/The New York Times

Hoje em dia, Niyazi precisa viajar para aumentar as vendas: ele disse que abriu uma loja na China, que visitava regularmente. Em Cabul, ele vende para compradores de Dubai, Emirados Árabes Unidos, bem como do Paquistão, Irã e um punhado de outros países.

Ele tem poucos clientes locais.

“Poucos afegãos podem pagar US$ 1.000 ou US$ 2.000 por uma pedra para fazer um anel”, disse ele, dando de ombros./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Em um auditório frio no Afeganistão, montes de esmeraldas verdes recém-extraídas reluziam sob fortes lâmpadas de mesa enquanto barbudos negociantes de pedras preciosas inspecionavam sua pureza e qualidade.

Um leiloeiro pediu lances para o primeiro lote, que pesava 256 quilates. Com isso, o leilão semanal de pedras preciosas do Taleban teve início.

Essas vendas, na província de Panjshir, rica em esmeraldas, no leste do Afeganistão, são parte de um esforço do governo do Taleban para lucrar com o vasto potencial da exploração de minerais e pedras preciosas do país.

Funcionários da província inspecionam uma esmeralda durante um leilão semanal em Bazarak, capital da província de Panjshir, no Afeganistão. Foto: Elise Blanchard/The New York Times

Desde que tomou o poder em agosto de 2021, o Taleban diz que assinou acordos com dezenas de investidores para extrair pedras preciosas, ouro, cobre, ferro e outros minerais valiosos, como cromita. Esses tesouros enterrados oferecem uma salvação potencialmente lucrativa para uma economia fraca.

A China liderou o caminho em investimentos sob sua Iniciativa Cinturão e Rota, um esforço agressivo para espalhar a influência chinesa em todo o mundo. Investidores russos e iranianos também assinaram licenças de mineração, preenchendo o vazio deixado pela caótica retirada dos EUA em 2021.

O governo dos EUA estima que pelo menos US$ 1 trilhão em recursos minerais esteja sob a paisagem acidentada do Afeganistão. O país é rico em cobre, ouro, zinco, cromita, cobalto, lítio e minerais industriais, bem como em pedras preciosas e semipreciosas como esmeraldas, rubis, safiras, granadas e lápis-lazúli.

O Afeganistão também possui um tesouro em elementos terras raras, de acordo com o Escritório do Inspetor Geral Especial para a Reconstrução do Afeganistão, uma agência dos EUA que fechará este ano. Esses elementos são usados em uma variedade de tecnologias modernas, como telefones celulares, laptops e veículos elétricos.

Proprietários de minas e funcionários do governo local durante um leilão semanal em Bazarak Foto: Elise Blanchard/The New York Times

O Taleban está tentando fazer o que os Estados Unidos não conseguiram durante seus 20 anos de ocupação. O governo dos EUA gastou quase um bilhão de dólares para desenvolver projetos de mineração no Afeganistão, mas “o progresso tangível foi insignificante e não se sustentou”, concluiu o inspetor-geral especial em um relatório publicado em janeiro de 2023.

Muitos dos obstáculos daquela época ainda afetam essa atividade: falta de segurança, infraestrutura precária, corrupção, inconsistência nas políticas e regulamentações governamentais e rotatividade frequente de funcionários do governo.

O Taleban está tentando mesmo assim, desesperado por fontes de receita após a rápida perda da ajuda ao Afeganistão com a retirada dos EUA.

Durante a guerra, os Estados Unidos forneceram cerca de US$ 143 bilhões em ajuda humanitária e de desenvolvimento ao Afeganistão, apoiando o governo alinhado aos EUA. Desde 2021, os americanos deram US$ 2,6 bilhões em ajuda desse tipo, entregues por um prestador privado em pacotes de dinheiro embalados em plástico em voos para Cabul, de acordo com o inspetor geral especial.

Um homem corta e lustra esmeraldas em Cabul. Foto: Elise Blanchard/The New York Times

A economia afegã encolheu 26% nos dois anos mais recentes, informou o Banco Mundial em abril. O declínio acentuado na ajuda internacional, disse o banco, deixou o Afeganistão “sem nenhum motor interno de crescimento”.

Além disso, a proibição do Taleban à produção de ópio custou aos agricultores US$ 1,3 bilhão em renda, ou 8% do produto interno bruto do Afeganistão, disse o Banco Mundial. A proibição levou à perda de 450.000 empregos e reduziu as terras cultivadas com papoulas em 95%, informou o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.

A mineração pode ajudar a substituir as papoulas como uma fonte de receita estável. Turquia e Catar, juntamente com China e Irã, investiram em minas de ferro, cobre, ouro e cimento. Empresas usbeques assinaram acordos para extrair petróleo no norte do Afeganistão, de acordo com o Ministério de Minas e Petróleo.

Rahmatullah Sharifi, negociante de pedras preciosas, pesa esmeraldas na sua loja em Cabul Foto: Elise Blanchard/The New York Times

O Taleban já está cobrando impostos sobre as vendas de esmeraldas.

Sob o governo anterior, o comércio de esmeraldas era corrupto e liberado para todos. Senhores da guerra e negociantes com conexões políticas dominavam o comércio, e a cobrança de impostos era aleatória, na melhor das hipóteses.

Mas, como o governo Taleban instituiu os leilões semanais de esmeraldas, ele passou a controlar e taxar todas as vendas. Os negociantes que compram esmeraldas nos leilões só recebem as pedras depois de pagarem a taxa de 10%.

O Taleban também está taxando outras pedras preciosas, incluindo rubis e safiras.

Rahmatullah Sharifi, um negociante de pedras preciosas que comprou dois conjuntos de esmeraldas no leilão, disse que não se importava em pagar o imposto.

“O governo precisa do dinheiro para desenvolver o país”, disse ele. “A questão é: eles vão gastá-lo para ajudar o povo afegão?”

Na província de Panjshir, de onde a maioria das esmeraldas afegãs são extraídas, o governo emitiu 560 licenças de esmeraldas para investidores estrangeiros e afegãos, disse Hamayoon Afghan, porta-voz do Ministério de Minas e Petróleo.

Um antigo prédio de quatro andares que serve de mercado de pedras preciosas, abrigando dezenas de lojas em uma movimentada rua comercial de Cabul. Foto: Elise Blanchard/The New York Times

O ministério também concedeu licenças para minerar rubis nas províncias de Panjshir e Cabul, disse Afghan, e há planos em andamento para licenças de esmeraldas e pedras preciosas em outras três províncias.

Mas muitas licenças novas são para minas que ainda não foram abertas. E muitas minas existentes são prejudicadas pela infraestrutura precária e escassez de engenheiros experientes e especialistas técnicos.

Afghan admitiu que o país precisava de mais engenheiros e técnicos. Investidores estrangeiros trazem especialistas experientes, disse ele, e são obrigados por licenças a empregar afegãos e ensinar-lhes habilidades técnicas e de engenharia.

A maioria das esmeraldas compradas nos leilões semanais é revendida a compradores estrangeiros, disseram os negociantes. Entre os negociantes que compraram esmeraldas em um dia de novembro estava Haji Ghazi, que vende pedras preciosas em uma pequena sala parecida com uma cela dentro de um labirinto escuro de lojas no centro de Cabul.

Dois dias após o leilão, Ghazi trancou a porta de sua loja, fechou as cortinas e destrancou um cofre antigo. Ele retirou vários esconderijos de esmeraldas e rubis, cada um embrulhado em uma folha de papel branca.

Um antigo prédio de quatro andares em uma movimentada rua comercial em Cabul serve como um mercado de pedras preciosas, abrigando dezenas de lojas semelhantes a celas.

O maior conjunto de esmeraldas de Ghazi valia talvez US$ 250.000, ele disse. Ele estimou que um conjunto muito menor de rubis brilhantes valia US$ 20.000.

Em um canto, Ghazi empilhou grandes pedaços de rocha com grossos veios azuis de lápis-lazúli, uma pedra semipreciosa. Grande parte do suprimento mundial de lápis-lazúli é extraído no norte do Afeganistão.

Ghazi vende a maioria de suas pedras preciosas para compradores dos Emirados Árabes Unidos, Índia, Irã e Tailândia. Ele disse que sentia falta dos dias anteriores à tomada do poder pelo Taleban, quando a ocupação trazia compradores ansiosos dos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Austrália.

Em uma loja adjacente, Azizullah Niyazi acendeu uma luminária de mesa para iluminar uma coleção de lápis-lazúli, rubis, safiras e esmeraldas espalhadas em uma pequena mesa. Ele ainda estava esperando seu primeiro cliente da manhã.

Niyazi disse que as vendas não eram tão robustas quanto durante os 13 anos em que ele tinha permissão para vender pedras preciosas um dia por semana em uma pequena loja em uma base militar da coalizão dos EUA. Seus lucros dispararam quando soldados e empreiteiros civis faziam fila para comprar pedras preciosas toda sexta feira — e eles raramente pechinchavam o preço, ao contrário dos compradores afegãos ou árabes, disse. Ele pagou um imposto de 7% sobre seus lucros, disse.

Esmeraldas e outras pedras preciosas numa loja no centro de Cabul Foto: Elise Blanchard/The New York Times

Hoje em dia, Niyazi precisa viajar para aumentar as vendas: ele disse que abriu uma loja na China, que visitava regularmente. Em Cabul, ele vende para compradores de Dubai, Emirados Árabes Unidos, bem como do Paquistão, Irã e um punhado de outros países.

Ele tem poucos clientes locais.

“Poucos afegãos podem pagar US$ 1.000 ou US$ 2.000 por uma pedra para fazer um anel”, disse ele, dando de ombros./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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