Esposa de Navalni vira herdeira política do opositor e convoca os russos contra Putin


A esposa do mais famoso líder da oposição russa evitava há muito os holofotes, mas a morte dele na prisão pode tornar isso impossível. ‘Não tenho o direito de desistir’, disse ela.

Por Neil MacFarquhar

THE NEW YORK TIMES – Era agosto de 2020, e Yulia Navalnaya, mulher do mais famoso líder da oposição russa, caminhava pelos corredores desgastados e lúgubres de um hospital de província na Rússia, procurando o quarto onde seu marido jazia em coma.

Alexei Navalni tinha desmaiado depois de ser exposto ao que a equipe médica alemã de investigação descreveu como uma dose quase fatal do agente paralisante Novichok, e a mulher, impedida de circular pelo hospital por policiais ameaçadores, recorreu à câmera do celular de um dos assessores dele.

“Exigimos a libertação imediata de Alexei, pois no momento estou no hospital, e há mais policiais e agentes do governo do que médico”, disse ela calmamente em um momento emocionante incluído no documentário “Navalni”, ganhador do Oscar.

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O líder da oposição russa Alexei Navalni, à esquerda, e sua esposa Yulia após um comício em Moscou, na Rússia, em 2013 Foto: Evgeny Feldman, Arquivo/AP Photo

Houve outro momento desse tipo na segunda feira, quando, sob circunstâncias ainda mais trágicas, Navalnaya encarou uma câmera três dias depois de o governo russo ter anunciado que seu marido tinha morrido em uma brutal colônia penal no Ártico. A viúva dele responsabilizou o presidente russo, Vladimir Putin, pela morte dele, e anunciou que daria prosseguimento à luta do marido, conclamando os russos a se unirem a ela.

“Ao matar Alexei, Putin matou metade de mim, metade do meu coração e metade da minha alma”, disse Navalnaya em um breve discurso gravado publicado nas redes sociais. “Mas ainda me resta outra metade, que está me dizendo que não tenho o direito de desistir.”

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Por mais de duas décadas, Navalnaya se manteve distante de qualquer papel político para si, dizendo que seu propósito na vida era apoiar o marido e proteger os dois filhos do casal. “Vejo que minha tarefa é não deixar que nada mude na nossa família: as crianças foram crianças, e o lar era um lar”, disse ela em rara entrevista concedida em 2021 à edição russa da Harper’s Bazaar.

Isso mudou na segunda feira.

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Navalnaya enfrenta um desafio distinto ao tentar unir um desiludido movimento de oposição no exterior, com centenas de milhares de seus defensores levados ao exílio por um Kremlin cada vez mais repressor que respondeu com pesadas sentenças de prisão a qualquer crítica direcionada à sua invasão da Ucrânia. O movimento político do marido dela e sua fundação, que denunciava a corrupção nos altos escalões, foram declarados organizações extremistas em 2021 e proibidos de atuar na Rússia.

Sem ignorar as dificuldades, amigos e colegas acreditam que Navalnaya, 47 anos, tem chance de sucesso graças à sua combinação de inteligência, atitude, determinação, resiliência, pragmatismo e carisma.

Ela é também uma figura feminina de destaque em um país no qual as mulheres na política são uma raridade, apesar dos seus muitos feitos em outras áreas. Além da ampla autoridade moral que ela herda com a morte do marido, dizem os analistas, ela pode se beneficiar de um abismo geracional na Rússia, onde a população mais jovem, pós-soviética, parece aceitar mais a igualdade de gêneros.

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Imagem tirada de um vídeo divulgado pela equipe de Navalni após a morte do opositor russo: Yulia Navalnaya, viúva do líder da oposição, prometeu continuar o trabalho do marido  Foto: Equipe Navalny / via AP

Assim que Navalnaya fez sua declaração na segunda feira, a máquina de propaganda russa entrou em ação, tentando retratá-la como marionete das agências de espionagem ocidentais e como alguém que vive frequentando resorts e festas de celebridades.

Navalnaya nasceu em Moscou em uma família de classe média. A mãe trabalhava para um ministério do governo e o pai era funcionário de um instituto de pesquisas. Os dois logo se divorciaram, e o pai morreu quando ela tinha 18 anos. Ela se formou em relações internacionais e trabalhou brevemente em um banco antes de conhecer Alexei em 1998, casando-se em 2000. Ambos eram cristãos ortodoxos da igreja russa.

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A filha, Daria, atualmente estudando na Califórnia, nasceu em 2001, e o filho, Zakhar, em 2008. Ele estuda na Alemanha, onde Navalnaya mora.

Yulia Navalnaya, ao centro, ladeada por seus filhos enquanto aceita o Oscar de Melhor Documentário por 'Navalni', na premiação em em Los Angeles, em 12 de março de 2023 Foto: Todd Heisler/The New York Times

Mesmo sem uma participação abertamente política, Navalnaya sempre aparecia ao lado do marido. Esteve com ele nas manifestações e durante suas muitas visitas ao tribunal e sentenças de prisão. Esteve com ele novamente em 2013 durante a campanha pela prefeitura de Moscou, e em 2017, quando um ataque com uma tintura química verde quase o deixou cego de um olho.

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Em 2020, quando Navalni foi envenenado, ela exigiu de Putin publicamente que o marido fosse enviado de ambulância aérea para a Alemanha, e ao longo dos 18 dias que ele passou em coma, ela ficou ao seu lado, conversando com o marido e tocando algumas de suas músicas favoritas, como “Perfect Day”, do Duran Duran. “Yulia, você me salvou”, escreveu ele nas redes sociais depois de recuperar a consciência.

A própria Navalnaya foi alvo de uma tentativa de envenenamento em Kaliningrado alguns meses antes, que teria como provável alvo o marido, de acordo com amigos, mas ela não comentou o episódio.

O líder da oposição russa Alexei Navalni é mostrado em uma tela de monitor via link de vídeo da colônia penal nº 2 (IK-2) em Pokrov, na região de Vladimir, durante uma audiência de um recurso contra a sentença do tribunal de Lefortovsky no tribunal da cidade de Moscou, em Moscou, Rússia, 24 de maio de 2022. Foto: Yuri Kochetkov / EFE

Mesmo tendo tantas ocasiões para chorar, Navalnaya disse em entrevista concedida a um popular canal do YouTube em 2021 que sempre lutava para manter a compostura em público, até para não dar esse gosto às autoridades do governo russo. “Isso não pode nos derrubar”, disse ela. “Eles nos querem no chão.”

Amigos e colegas a descreveram como protetora de Navalni, sua confidente, o ombro no qual ele podia chorar e sua conselheira mais próxima.

“O político Alexei Navalni era, na verdade, formado por duas pessoas: Yulia e Alexei”, disse Yevgenia Albats, destacada jornalista russa atualmente na Universidade Harvard. Altos, atraentes e sempre deixando publicamente em evidência o forte elo entre os dois, “eles sempre pareceram ser um casal de Hollywood”, disse Mikhail Zygar, jornalista e historiador russo.

Flores e uma foto do líder da oposição russa Alexei Navalni são colocadas perto do consulado russo em Frankfurt, Alemanha, sábado, 17 de fevereiro de 2024.  Foto: Michael Probst / AP

Navalni era famoso pelos enfrentamentos públicos contra políticos, jornalistas e outros, e a mulher sempre rechaçou duramente todos que o atacaram. Mas, no geral, a bagagem política dela é muito menor, o que significa que ela tem mais chance de fazer a fraturada oposição russa trabalhar em conjunto, disse Zygar.

Navalnaya foi comparada a outras mulheres que assumiram estandartes políticos antes empunhados por maridos assassinados ou aprisionados. Entre elas estão Corazon Aquino, cujo marido foi morto a tiros ao desembarcar nas Filipinas vindo do exílio em 1983; ela derrotou o despótico presidente Ferdinand Marcos. Há também o caso de Sviatlana Tsikhanouskaya, que liderou a oposição na eleição presidencial de Belarus em 2020 depois que o marido foi preso. Ela foi obrigada a se exilar.

Vista geral da colônia penal IK-3, onde o líder da oposição russa Alexei Navalni cumpriu sua pena e onde morreu, no assentamento Kharp, região de Yamal-Nenets, Rússia, em 18 de fevereiro de 2024.  Foto: Anatoly Maltsev / EFE

Finalmente, os analistas indicaram que uma “pessoa normal” dotada de autoridade moral pode ter sucesso onde um político profissional fracassou.

“Ela quer concluir a tarefa que, tragicamente Alexei deixou incompleta: tornar a Rússia um país livre, democrático, pacífico e próspero”, disse Sergei Guriev, amigo da família e importante economista russo, reitor do Instituto de Estudos Políticos de Paris. “Ela também vai mostrar a Putin que eliminar Alexei não destruirá a causa dele.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES – Era agosto de 2020, e Yulia Navalnaya, mulher do mais famoso líder da oposição russa, caminhava pelos corredores desgastados e lúgubres de um hospital de província na Rússia, procurando o quarto onde seu marido jazia em coma.

Alexei Navalni tinha desmaiado depois de ser exposto ao que a equipe médica alemã de investigação descreveu como uma dose quase fatal do agente paralisante Novichok, e a mulher, impedida de circular pelo hospital por policiais ameaçadores, recorreu à câmera do celular de um dos assessores dele.

“Exigimos a libertação imediata de Alexei, pois no momento estou no hospital, e há mais policiais e agentes do governo do que médico”, disse ela calmamente em um momento emocionante incluído no documentário “Navalni”, ganhador do Oscar.

O líder da oposição russa Alexei Navalni, à esquerda, e sua esposa Yulia após um comício em Moscou, na Rússia, em 2013 Foto: Evgeny Feldman, Arquivo/AP Photo

Houve outro momento desse tipo na segunda feira, quando, sob circunstâncias ainda mais trágicas, Navalnaya encarou uma câmera três dias depois de o governo russo ter anunciado que seu marido tinha morrido em uma brutal colônia penal no Ártico. A viúva dele responsabilizou o presidente russo, Vladimir Putin, pela morte dele, e anunciou que daria prosseguimento à luta do marido, conclamando os russos a se unirem a ela.

“Ao matar Alexei, Putin matou metade de mim, metade do meu coração e metade da minha alma”, disse Navalnaya em um breve discurso gravado publicado nas redes sociais. “Mas ainda me resta outra metade, que está me dizendo que não tenho o direito de desistir.”

Por mais de duas décadas, Navalnaya se manteve distante de qualquer papel político para si, dizendo que seu propósito na vida era apoiar o marido e proteger os dois filhos do casal. “Vejo que minha tarefa é não deixar que nada mude na nossa família: as crianças foram crianças, e o lar era um lar”, disse ela em rara entrevista concedida em 2021 à edição russa da Harper’s Bazaar.

Isso mudou na segunda feira.

Navalnaya enfrenta um desafio distinto ao tentar unir um desiludido movimento de oposição no exterior, com centenas de milhares de seus defensores levados ao exílio por um Kremlin cada vez mais repressor que respondeu com pesadas sentenças de prisão a qualquer crítica direcionada à sua invasão da Ucrânia. O movimento político do marido dela e sua fundação, que denunciava a corrupção nos altos escalões, foram declarados organizações extremistas em 2021 e proibidos de atuar na Rússia.

Sem ignorar as dificuldades, amigos e colegas acreditam que Navalnaya, 47 anos, tem chance de sucesso graças à sua combinação de inteligência, atitude, determinação, resiliência, pragmatismo e carisma.

Ela é também uma figura feminina de destaque em um país no qual as mulheres na política são uma raridade, apesar dos seus muitos feitos em outras áreas. Além da ampla autoridade moral que ela herda com a morte do marido, dizem os analistas, ela pode se beneficiar de um abismo geracional na Rússia, onde a população mais jovem, pós-soviética, parece aceitar mais a igualdade de gêneros.

Imagem tirada de um vídeo divulgado pela equipe de Navalni após a morte do opositor russo: Yulia Navalnaya, viúva do líder da oposição, prometeu continuar o trabalho do marido  Foto: Equipe Navalny / via AP

Assim que Navalnaya fez sua declaração na segunda feira, a máquina de propaganda russa entrou em ação, tentando retratá-la como marionete das agências de espionagem ocidentais e como alguém que vive frequentando resorts e festas de celebridades.

Navalnaya nasceu em Moscou em uma família de classe média. A mãe trabalhava para um ministério do governo e o pai era funcionário de um instituto de pesquisas. Os dois logo se divorciaram, e o pai morreu quando ela tinha 18 anos. Ela se formou em relações internacionais e trabalhou brevemente em um banco antes de conhecer Alexei em 1998, casando-se em 2000. Ambos eram cristãos ortodoxos da igreja russa.

A filha, Daria, atualmente estudando na Califórnia, nasceu em 2001, e o filho, Zakhar, em 2008. Ele estuda na Alemanha, onde Navalnaya mora.

Yulia Navalnaya, ao centro, ladeada por seus filhos enquanto aceita o Oscar de Melhor Documentário por 'Navalni', na premiação em em Los Angeles, em 12 de março de 2023 Foto: Todd Heisler/The New York Times

Mesmo sem uma participação abertamente política, Navalnaya sempre aparecia ao lado do marido. Esteve com ele nas manifestações e durante suas muitas visitas ao tribunal e sentenças de prisão. Esteve com ele novamente em 2013 durante a campanha pela prefeitura de Moscou, e em 2017, quando um ataque com uma tintura química verde quase o deixou cego de um olho.

Em 2020, quando Navalni foi envenenado, ela exigiu de Putin publicamente que o marido fosse enviado de ambulância aérea para a Alemanha, e ao longo dos 18 dias que ele passou em coma, ela ficou ao seu lado, conversando com o marido e tocando algumas de suas músicas favoritas, como “Perfect Day”, do Duran Duran. “Yulia, você me salvou”, escreveu ele nas redes sociais depois de recuperar a consciência.

A própria Navalnaya foi alvo de uma tentativa de envenenamento em Kaliningrado alguns meses antes, que teria como provável alvo o marido, de acordo com amigos, mas ela não comentou o episódio.

O líder da oposição russa Alexei Navalni é mostrado em uma tela de monitor via link de vídeo da colônia penal nº 2 (IK-2) em Pokrov, na região de Vladimir, durante uma audiência de um recurso contra a sentença do tribunal de Lefortovsky no tribunal da cidade de Moscou, em Moscou, Rússia, 24 de maio de 2022. Foto: Yuri Kochetkov / EFE

Mesmo tendo tantas ocasiões para chorar, Navalnaya disse em entrevista concedida a um popular canal do YouTube em 2021 que sempre lutava para manter a compostura em público, até para não dar esse gosto às autoridades do governo russo. “Isso não pode nos derrubar”, disse ela. “Eles nos querem no chão.”

Amigos e colegas a descreveram como protetora de Navalni, sua confidente, o ombro no qual ele podia chorar e sua conselheira mais próxima.

“O político Alexei Navalni era, na verdade, formado por duas pessoas: Yulia e Alexei”, disse Yevgenia Albats, destacada jornalista russa atualmente na Universidade Harvard. Altos, atraentes e sempre deixando publicamente em evidência o forte elo entre os dois, “eles sempre pareceram ser um casal de Hollywood”, disse Mikhail Zygar, jornalista e historiador russo.

Flores e uma foto do líder da oposição russa Alexei Navalni são colocadas perto do consulado russo em Frankfurt, Alemanha, sábado, 17 de fevereiro de 2024.  Foto: Michael Probst / AP

Navalni era famoso pelos enfrentamentos públicos contra políticos, jornalistas e outros, e a mulher sempre rechaçou duramente todos que o atacaram. Mas, no geral, a bagagem política dela é muito menor, o que significa que ela tem mais chance de fazer a fraturada oposição russa trabalhar em conjunto, disse Zygar.

Navalnaya foi comparada a outras mulheres que assumiram estandartes políticos antes empunhados por maridos assassinados ou aprisionados. Entre elas estão Corazon Aquino, cujo marido foi morto a tiros ao desembarcar nas Filipinas vindo do exílio em 1983; ela derrotou o despótico presidente Ferdinand Marcos. Há também o caso de Sviatlana Tsikhanouskaya, que liderou a oposição na eleição presidencial de Belarus em 2020 depois que o marido foi preso. Ela foi obrigada a se exilar.

Vista geral da colônia penal IK-3, onde o líder da oposição russa Alexei Navalni cumpriu sua pena e onde morreu, no assentamento Kharp, região de Yamal-Nenets, Rússia, em 18 de fevereiro de 2024.  Foto: Anatoly Maltsev / EFE

Finalmente, os analistas indicaram que uma “pessoa normal” dotada de autoridade moral pode ter sucesso onde um político profissional fracassou.

“Ela quer concluir a tarefa que, tragicamente Alexei deixou incompleta: tornar a Rússia um país livre, democrático, pacífico e próspero”, disse Sergei Guriev, amigo da família e importante economista russo, reitor do Instituto de Estudos Políticos de Paris. “Ela também vai mostrar a Putin que eliminar Alexei não destruirá a causa dele.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES – Era agosto de 2020, e Yulia Navalnaya, mulher do mais famoso líder da oposição russa, caminhava pelos corredores desgastados e lúgubres de um hospital de província na Rússia, procurando o quarto onde seu marido jazia em coma.

Alexei Navalni tinha desmaiado depois de ser exposto ao que a equipe médica alemã de investigação descreveu como uma dose quase fatal do agente paralisante Novichok, e a mulher, impedida de circular pelo hospital por policiais ameaçadores, recorreu à câmera do celular de um dos assessores dele.

“Exigimos a libertação imediata de Alexei, pois no momento estou no hospital, e há mais policiais e agentes do governo do que médico”, disse ela calmamente em um momento emocionante incluído no documentário “Navalni”, ganhador do Oscar.

O líder da oposição russa Alexei Navalni, à esquerda, e sua esposa Yulia após um comício em Moscou, na Rússia, em 2013 Foto: Evgeny Feldman, Arquivo/AP Photo

Houve outro momento desse tipo na segunda feira, quando, sob circunstâncias ainda mais trágicas, Navalnaya encarou uma câmera três dias depois de o governo russo ter anunciado que seu marido tinha morrido em uma brutal colônia penal no Ártico. A viúva dele responsabilizou o presidente russo, Vladimir Putin, pela morte dele, e anunciou que daria prosseguimento à luta do marido, conclamando os russos a se unirem a ela.

“Ao matar Alexei, Putin matou metade de mim, metade do meu coração e metade da minha alma”, disse Navalnaya em um breve discurso gravado publicado nas redes sociais. “Mas ainda me resta outra metade, que está me dizendo que não tenho o direito de desistir.”

Por mais de duas décadas, Navalnaya se manteve distante de qualquer papel político para si, dizendo que seu propósito na vida era apoiar o marido e proteger os dois filhos do casal. “Vejo que minha tarefa é não deixar que nada mude na nossa família: as crianças foram crianças, e o lar era um lar”, disse ela em rara entrevista concedida em 2021 à edição russa da Harper’s Bazaar.

Isso mudou na segunda feira.

Navalnaya enfrenta um desafio distinto ao tentar unir um desiludido movimento de oposição no exterior, com centenas de milhares de seus defensores levados ao exílio por um Kremlin cada vez mais repressor que respondeu com pesadas sentenças de prisão a qualquer crítica direcionada à sua invasão da Ucrânia. O movimento político do marido dela e sua fundação, que denunciava a corrupção nos altos escalões, foram declarados organizações extremistas em 2021 e proibidos de atuar na Rússia.

Sem ignorar as dificuldades, amigos e colegas acreditam que Navalnaya, 47 anos, tem chance de sucesso graças à sua combinação de inteligência, atitude, determinação, resiliência, pragmatismo e carisma.

Ela é também uma figura feminina de destaque em um país no qual as mulheres na política são uma raridade, apesar dos seus muitos feitos em outras áreas. Além da ampla autoridade moral que ela herda com a morte do marido, dizem os analistas, ela pode se beneficiar de um abismo geracional na Rússia, onde a população mais jovem, pós-soviética, parece aceitar mais a igualdade de gêneros.

Imagem tirada de um vídeo divulgado pela equipe de Navalni após a morte do opositor russo: Yulia Navalnaya, viúva do líder da oposição, prometeu continuar o trabalho do marido  Foto: Equipe Navalny / via AP

Assim que Navalnaya fez sua declaração na segunda feira, a máquina de propaganda russa entrou em ação, tentando retratá-la como marionete das agências de espionagem ocidentais e como alguém que vive frequentando resorts e festas de celebridades.

Navalnaya nasceu em Moscou em uma família de classe média. A mãe trabalhava para um ministério do governo e o pai era funcionário de um instituto de pesquisas. Os dois logo se divorciaram, e o pai morreu quando ela tinha 18 anos. Ela se formou em relações internacionais e trabalhou brevemente em um banco antes de conhecer Alexei em 1998, casando-se em 2000. Ambos eram cristãos ortodoxos da igreja russa.

A filha, Daria, atualmente estudando na Califórnia, nasceu em 2001, e o filho, Zakhar, em 2008. Ele estuda na Alemanha, onde Navalnaya mora.

Yulia Navalnaya, ao centro, ladeada por seus filhos enquanto aceita o Oscar de Melhor Documentário por 'Navalni', na premiação em em Los Angeles, em 12 de março de 2023 Foto: Todd Heisler/The New York Times

Mesmo sem uma participação abertamente política, Navalnaya sempre aparecia ao lado do marido. Esteve com ele nas manifestações e durante suas muitas visitas ao tribunal e sentenças de prisão. Esteve com ele novamente em 2013 durante a campanha pela prefeitura de Moscou, e em 2017, quando um ataque com uma tintura química verde quase o deixou cego de um olho.

Em 2020, quando Navalni foi envenenado, ela exigiu de Putin publicamente que o marido fosse enviado de ambulância aérea para a Alemanha, e ao longo dos 18 dias que ele passou em coma, ela ficou ao seu lado, conversando com o marido e tocando algumas de suas músicas favoritas, como “Perfect Day”, do Duran Duran. “Yulia, você me salvou”, escreveu ele nas redes sociais depois de recuperar a consciência.

A própria Navalnaya foi alvo de uma tentativa de envenenamento em Kaliningrado alguns meses antes, que teria como provável alvo o marido, de acordo com amigos, mas ela não comentou o episódio.

O líder da oposição russa Alexei Navalni é mostrado em uma tela de monitor via link de vídeo da colônia penal nº 2 (IK-2) em Pokrov, na região de Vladimir, durante uma audiência de um recurso contra a sentença do tribunal de Lefortovsky no tribunal da cidade de Moscou, em Moscou, Rússia, 24 de maio de 2022. Foto: Yuri Kochetkov / EFE

Mesmo tendo tantas ocasiões para chorar, Navalnaya disse em entrevista concedida a um popular canal do YouTube em 2021 que sempre lutava para manter a compostura em público, até para não dar esse gosto às autoridades do governo russo. “Isso não pode nos derrubar”, disse ela. “Eles nos querem no chão.”

Amigos e colegas a descreveram como protetora de Navalni, sua confidente, o ombro no qual ele podia chorar e sua conselheira mais próxima.

“O político Alexei Navalni era, na verdade, formado por duas pessoas: Yulia e Alexei”, disse Yevgenia Albats, destacada jornalista russa atualmente na Universidade Harvard. Altos, atraentes e sempre deixando publicamente em evidência o forte elo entre os dois, “eles sempre pareceram ser um casal de Hollywood”, disse Mikhail Zygar, jornalista e historiador russo.

Flores e uma foto do líder da oposição russa Alexei Navalni são colocadas perto do consulado russo em Frankfurt, Alemanha, sábado, 17 de fevereiro de 2024.  Foto: Michael Probst / AP

Navalni era famoso pelos enfrentamentos públicos contra políticos, jornalistas e outros, e a mulher sempre rechaçou duramente todos que o atacaram. Mas, no geral, a bagagem política dela é muito menor, o que significa que ela tem mais chance de fazer a fraturada oposição russa trabalhar em conjunto, disse Zygar.

Navalnaya foi comparada a outras mulheres que assumiram estandartes políticos antes empunhados por maridos assassinados ou aprisionados. Entre elas estão Corazon Aquino, cujo marido foi morto a tiros ao desembarcar nas Filipinas vindo do exílio em 1983; ela derrotou o despótico presidente Ferdinand Marcos. Há também o caso de Sviatlana Tsikhanouskaya, que liderou a oposição na eleição presidencial de Belarus em 2020 depois que o marido foi preso. Ela foi obrigada a se exilar.

Vista geral da colônia penal IK-3, onde o líder da oposição russa Alexei Navalni cumpriu sua pena e onde morreu, no assentamento Kharp, região de Yamal-Nenets, Rússia, em 18 de fevereiro de 2024.  Foto: Anatoly Maltsev / EFE

Finalmente, os analistas indicaram que uma “pessoa normal” dotada de autoridade moral pode ter sucesso onde um político profissional fracassou.

“Ela quer concluir a tarefa que, tragicamente Alexei deixou incompleta: tornar a Rússia um país livre, democrático, pacífico e próspero”, disse Sergei Guriev, amigo da família e importante economista russo, reitor do Instituto de Estudos Políticos de Paris. “Ela também vai mostrar a Putin que eliminar Alexei não destruirá a causa dele.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES – Era agosto de 2020, e Yulia Navalnaya, mulher do mais famoso líder da oposição russa, caminhava pelos corredores desgastados e lúgubres de um hospital de província na Rússia, procurando o quarto onde seu marido jazia em coma.

Alexei Navalni tinha desmaiado depois de ser exposto ao que a equipe médica alemã de investigação descreveu como uma dose quase fatal do agente paralisante Novichok, e a mulher, impedida de circular pelo hospital por policiais ameaçadores, recorreu à câmera do celular de um dos assessores dele.

“Exigimos a libertação imediata de Alexei, pois no momento estou no hospital, e há mais policiais e agentes do governo do que médico”, disse ela calmamente em um momento emocionante incluído no documentário “Navalni”, ganhador do Oscar.

O líder da oposição russa Alexei Navalni, à esquerda, e sua esposa Yulia após um comício em Moscou, na Rússia, em 2013 Foto: Evgeny Feldman, Arquivo/AP Photo

Houve outro momento desse tipo na segunda feira, quando, sob circunstâncias ainda mais trágicas, Navalnaya encarou uma câmera três dias depois de o governo russo ter anunciado que seu marido tinha morrido em uma brutal colônia penal no Ártico. A viúva dele responsabilizou o presidente russo, Vladimir Putin, pela morte dele, e anunciou que daria prosseguimento à luta do marido, conclamando os russos a se unirem a ela.

“Ao matar Alexei, Putin matou metade de mim, metade do meu coração e metade da minha alma”, disse Navalnaya em um breve discurso gravado publicado nas redes sociais. “Mas ainda me resta outra metade, que está me dizendo que não tenho o direito de desistir.”

Por mais de duas décadas, Navalnaya se manteve distante de qualquer papel político para si, dizendo que seu propósito na vida era apoiar o marido e proteger os dois filhos do casal. “Vejo que minha tarefa é não deixar que nada mude na nossa família: as crianças foram crianças, e o lar era um lar”, disse ela em rara entrevista concedida em 2021 à edição russa da Harper’s Bazaar.

Isso mudou na segunda feira.

Navalnaya enfrenta um desafio distinto ao tentar unir um desiludido movimento de oposição no exterior, com centenas de milhares de seus defensores levados ao exílio por um Kremlin cada vez mais repressor que respondeu com pesadas sentenças de prisão a qualquer crítica direcionada à sua invasão da Ucrânia. O movimento político do marido dela e sua fundação, que denunciava a corrupção nos altos escalões, foram declarados organizações extremistas em 2021 e proibidos de atuar na Rússia.

Sem ignorar as dificuldades, amigos e colegas acreditam que Navalnaya, 47 anos, tem chance de sucesso graças à sua combinação de inteligência, atitude, determinação, resiliência, pragmatismo e carisma.

Ela é também uma figura feminina de destaque em um país no qual as mulheres na política são uma raridade, apesar dos seus muitos feitos em outras áreas. Além da ampla autoridade moral que ela herda com a morte do marido, dizem os analistas, ela pode se beneficiar de um abismo geracional na Rússia, onde a população mais jovem, pós-soviética, parece aceitar mais a igualdade de gêneros.

Imagem tirada de um vídeo divulgado pela equipe de Navalni após a morte do opositor russo: Yulia Navalnaya, viúva do líder da oposição, prometeu continuar o trabalho do marido  Foto: Equipe Navalny / via AP

Assim que Navalnaya fez sua declaração na segunda feira, a máquina de propaganda russa entrou em ação, tentando retratá-la como marionete das agências de espionagem ocidentais e como alguém que vive frequentando resorts e festas de celebridades.

Navalnaya nasceu em Moscou em uma família de classe média. A mãe trabalhava para um ministério do governo e o pai era funcionário de um instituto de pesquisas. Os dois logo se divorciaram, e o pai morreu quando ela tinha 18 anos. Ela se formou em relações internacionais e trabalhou brevemente em um banco antes de conhecer Alexei em 1998, casando-se em 2000. Ambos eram cristãos ortodoxos da igreja russa.

A filha, Daria, atualmente estudando na Califórnia, nasceu em 2001, e o filho, Zakhar, em 2008. Ele estuda na Alemanha, onde Navalnaya mora.

Yulia Navalnaya, ao centro, ladeada por seus filhos enquanto aceita o Oscar de Melhor Documentário por 'Navalni', na premiação em em Los Angeles, em 12 de março de 2023 Foto: Todd Heisler/The New York Times

Mesmo sem uma participação abertamente política, Navalnaya sempre aparecia ao lado do marido. Esteve com ele nas manifestações e durante suas muitas visitas ao tribunal e sentenças de prisão. Esteve com ele novamente em 2013 durante a campanha pela prefeitura de Moscou, e em 2017, quando um ataque com uma tintura química verde quase o deixou cego de um olho.

Em 2020, quando Navalni foi envenenado, ela exigiu de Putin publicamente que o marido fosse enviado de ambulância aérea para a Alemanha, e ao longo dos 18 dias que ele passou em coma, ela ficou ao seu lado, conversando com o marido e tocando algumas de suas músicas favoritas, como “Perfect Day”, do Duran Duran. “Yulia, você me salvou”, escreveu ele nas redes sociais depois de recuperar a consciência.

A própria Navalnaya foi alvo de uma tentativa de envenenamento em Kaliningrado alguns meses antes, que teria como provável alvo o marido, de acordo com amigos, mas ela não comentou o episódio.

O líder da oposição russa Alexei Navalni é mostrado em uma tela de monitor via link de vídeo da colônia penal nº 2 (IK-2) em Pokrov, na região de Vladimir, durante uma audiência de um recurso contra a sentença do tribunal de Lefortovsky no tribunal da cidade de Moscou, em Moscou, Rússia, 24 de maio de 2022. Foto: Yuri Kochetkov / EFE

Mesmo tendo tantas ocasiões para chorar, Navalnaya disse em entrevista concedida a um popular canal do YouTube em 2021 que sempre lutava para manter a compostura em público, até para não dar esse gosto às autoridades do governo russo. “Isso não pode nos derrubar”, disse ela. “Eles nos querem no chão.”

Amigos e colegas a descreveram como protetora de Navalni, sua confidente, o ombro no qual ele podia chorar e sua conselheira mais próxima.

“O político Alexei Navalni era, na verdade, formado por duas pessoas: Yulia e Alexei”, disse Yevgenia Albats, destacada jornalista russa atualmente na Universidade Harvard. Altos, atraentes e sempre deixando publicamente em evidência o forte elo entre os dois, “eles sempre pareceram ser um casal de Hollywood”, disse Mikhail Zygar, jornalista e historiador russo.

Flores e uma foto do líder da oposição russa Alexei Navalni são colocadas perto do consulado russo em Frankfurt, Alemanha, sábado, 17 de fevereiro de 2024.  Foto: Michael Probst / AP

Navalni era famoso pelos enfrentamentos públicos contra políticos, jornalistas e outros, e a mulher sempre rechaçou duramente todos que o atacaram. Mas, no geral, a bagagem política dela é muito menor, o que significa que ela tem mais chance de fazer a fraturada oposição russa trabalhar em conjunto, disse Zygar.

Navalnaya foi comparada a outras mulheres que assumiram estandartes políticos antes empunhados por maridos assassinados ou aprisionados. Entre elas estão Corazon Aquino, cujo marido foi morto a tiros ao desembarcar nas Filipinas vindo do exílio em 1983; ela derrotou o despótico presidente Ferdinand Marcos. Há também o caso de Sviatlana Tsikhanouskaya, que liderou a oposição na eleição presidencial de Belarus em 2020 depois que o marido foi preso. Ela foi obrigada a se exilar.

Vista geral da colônia penal IK-3, onde o líder da oposição russa Alexei Navalni cumpriu sua pena e onde morreu, no assentamento Kharp, região de Yamal-Nenets, Rússia, em 18 de fevereiro de 2024.  Foto: Anatoly Maltsev / EFE

Finalmente, os analistas indicaram que uma “pessoa normal” dotada de autoridade moral pode ter sucesso onde um político profissional fracassou.

“Ela quer concluir a tarefa que, tragicamente Alexei deixou incompleta: tornar a Rússia um país livre, democrático, pacífico e próspero”, disse Sergei Guriev, amigo da família e importante economista russo, reitor do Instituto de Estudos Políticos de Paris. “Ela também vai mostrar a Putin que eliminar Alexei não destruirá a causa dele.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES – Era agosto de 2020, e Yulia Navalnaya, mulher do mais famoso líder da oposição russa, caminhava pelos corredores desgastados e lúgubres de um hospital de província na Rússia, procurando o quarto onde seu marido jazia em coma.

Alexei Navalni tinha desmaiado depois de ser exposto ao que a equipe médica alemã de investigação descreveu como uma dose quase fatal do agente paralisante Novichok, e a mulher, impedida de circular pelo hospital por policiais ameaçadores, recorreu à câmera do celular de um dos assessores dele.

“Exigimos a libertação imediata de Alexei, pois no momento estou no hospital, e há mais policiais e agentes do governo do que médico”, disse ela calmamente em um momento emocionante incluído no documentário “Navalni”, ganhador do Oscar.

O líder da oposição russa Alexei Navalni, à esquerda, e sua esposa Yulia após um comício em Moscou, na Rússia, em 2013 Foto: Evgeny Feldman, Arquivo/AP Photo

Houve outro momento desse tipo na segunda feira, quando, sob circunstâncias ainda mais trágicas, Navalnaya encarou uma câmera três dias depois de o governo russo ter anunciado que seu marido tinha morrido em uma brutal colônia penal no Ártico. A viúva dele responsabilizou o presidente russo, Vladimir Putin, pela morte dele, e anunciou que daria prosseguimento à luta do marido, conclamando os russos a se unirem a ela.

“Ao matar Alexei, Putin matou metade de mim, metade do meu coração e metade da minha alma”, disse Navalnaya em um breve discurso gravado publicado nas redes sociais. “Mas ainda me resta outra metade, que está me dizendo que não tenho o direito de desistir.”

Por mais de duas décadas, Navalnaya se manteve distante de qualquer papel político para si, dizendo que seu propósito na vida era apoiar o marido e proteger os dois filhos do casal. “Vejo que minha tarefa é não deixar que nada mude na nossa família: as crianças foram crianças, e o lar era um lar”, disse ela em rara entrevista concedida em 2021 à edição russa da Harper’s Bazaar.

Isso mudou na segunda feira.

Navalnaya enfrenta um desafio distinto ao tentar unir um desiludido movimento de oposição no exterior, com centenas de milhares de seus defensores levados ao exílio por um Kremlin cada vez mais repressor que respondeu com pesadas sentenças de prisão a qualquer crítica direcionada à sua invasão da Ucrânia. O movimento político do marido dela e sua fundação, que denunciava a corrupção nos altos escalões, foram declarados organizações extremistas em 2021 e proibidos de atuar na Rússia.

Sem ignorar as dificuldades, amigos e colegas acreditam que Navalnaya, 47 anos, tem chance de sucesso graças à sua combinação de inteligência, atitude, determinação, resiliência, pragmatismo e carisma.

Ela é também uma figura feminina de destaque em um país no qual as mulheres na política são uma raridade, apesar dos seus muitos feitos em outras áreas. Além da ampla autoridade moral que ela herda com a morte do marido, dizem os analistas, ela pode se beneficiar de um abismo geracional na Rússia, onde a população mais jovem, pós-soviética, parece aceitar mais a igualdade de gêneros.

Imagem tirada de um vídeo divulgado pela equipe de Navalni após a morte do opositor russo: Yulia Navalnaya, viúva do líder da oposição, prometeu continuar o trabalho do marido  Foto: Equipe Navalny / via AP

Assim que Navalnaya fez sua declaração na segunda feira, a máquina de propaganda russa entrou em ação, tentando retratá-la como marionete das agências de espionagem ocidentais e como alguém que vive frequentando resorts e festas de celebridades.

Navalnaya nasceu em Moscou em uma família de classe média. A mãe trabalhava para um ministério do governo e o pai era funcionário de um instituto de pesquisas. Os dois logo se divorciaram, e o pai morreu quando ela tinha 18 anos. Ela se formou em relações internacionais e trabalhou brevemente em um banco antes de conhecer Alexei em 1998, casando-se em 2000. Ambos eram cristãos ortodoxos da igreja russa.

A filha, Daria, atualmente estudando na Califórnia, nasceu em 2001, e o filho, Zakhar, em 2008. Ele estuda na Alemanha, onde Navalnaya mora.

Yulia Navalnaya, ao centro, ladeada por seus filhos enquanto aceita o Oscar de Melhor Documentário por 'Navalni', na premiação em em Los Angeles, em 12 de março de 2023 Foto: Todd Heisler/The New York Times

Mesmo sem uma participação abertamente política, Navalnaya sempre aparecia ao lado do marido. Esteve com ele nas manifestações e durante suas muitas visitas ao tribunal e sentenças de prisão. Esteve com ele novamente em 2013 durante a campanha pela prefeitura de Moscou, e em 2017, quando um ataque com uma tintura química verde quase o deixou cego de um olho.

Em 2020, quando Navalni foi envenenado, ela exigiu de Putin publicamente que o marido fosse enviado de ambulância aérea para a Alemanha, e ao longo dos 18 dias que ele passou em coma, ela ficou ao seu lado, conversando com o marido e tocando algumas de suas músicas favoritas, como “Perfect Day”, do Duran Duran. “Yulia, você me salvou”, escreveu ele nas redes sociais depois de recuperar a consciência.

A própria Navalnaya foi alvo de uma tentativa de envenenamento em Kaliningrado alguns meses antes, que teria como provável alvo o marido, de acordo com amigos, mas ela não comentou o episódio.

O líder da oposição russa Alexei Navalni é mostrado em uma tela de monitor via link de vídeo da colônia penal nº 2 (IK-2) em Pokrov, na região de Vladimir, durante uma audiência de um recurso contra a sentença do tribunal de Lefortovsky no tribunal da cidade de Moscou, em Moscou, Rússia, 24 de maio de 2022. Foto: Yuri Kochetkov / EFE

Mesmo tendo tantas ocasiões para chorar, Navalnaya disse em entrevista concedida a um popular canal do YouTube em 2021 que sempre lutava para manter a compostura em público, até para não dar esse gosto às autoridades do governo russo. “Isso não pode nos derrubar”, disse ela. “Eles nos querem no chão.”

Amigos e colegas a descreveram como protetora de Navalni, sua confidente, o ombro no qual ele podia chorar e sua conselheira mais próxima.

“O político Alexei Navalni era, na verdade, formado por duas pessoas: Yulia e Alexei”, disse Yevgenia Albats, destacada jornalista russa atualmente na Universidade Harvard. Altos, atraentes e sempre deixando publicamente em evidência o forte elo entre os dois, “eles sempre pareceram ser um casal de Hollywood”, disse Mikhail Zygar, jornalista e historiador russo.

Flores e uma foto do líder da oposição russa Alexei Navalni são colocadas perto do consulado russo em Frankfurt, Alemanha, sábado, 17 de fevereiro de 2024.  Foto: Michael Probst / AP

Navalni era famoso pelos enfrentamentos públicos contra políticos, jornalistas e outros, e a mulher sempre rechaçou duramente todos que o atacaram. Mas, no geral, a bagagem política dela é muito menor, o que significa que ela tem mais chance de fazer a fraturada oposição russa trabalhar em conjunto, disse Zygar.

Navalnaya foi comparada a outras mulheres que assumiram estandartes políticos antes empunhados por maridos assassinados ou aprisionados. Entre elas estão Corazon Aquino, cujo marido foi morto a tiros ao desembarcar nas Filipinas vindo do exílio em 1983; ela derrotou o despótico presidente Ferdinand Marcos. Há também o caso de Sviatlana Tsikhanouskaya, que liderou a oposição na eleição presidencial de Belarus em 2020 depois que o marido foi preso. Ela foi obrigada a se exilar.

Vista geral da colônia penal IK-3, onde o líder da oposição russa Alexei Navalni cumpriu sua pena e onde morreu, no assentamento Kharp, região de Yamal-Nenets, Rússia, em 18 de fevereiro de 2024.  Foto: Anatoly Maltsev / EFE

Finalmente, os analistas indicaram que uma “pessoa normal” dotada de autoridade moral pode ter sucesso onde um político profissional fracassou.

“Ela quer concluir a tarefa que, tragicamente Alexei deixou incompleta: tornar a Rússia um país livre, democrático, pacífico e próspero”, disse Sergei Guriev, amigo da família e importante economista russo, reitor do Instituto de Estudos Políticos de Paris. “Ela também vai mostrar a Putin que eliminar Alexei não destruirá a causa dele.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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