Para aqueles perplexos com o motivo que levou tantos americanos a aparentemente votarem contra os valores da democracia liberal, Balint Magyar tem uma formulação útil. “A democracia liberal”, ele diz, “oferece restrições morais sem solucionar problemas” — muitas regras, poucas mudanças — enquanto “o populismo oferece solução de problemas sem restrições morais”. Magyar, um estudioso da autocracia, não está interessado em chamar Donald Trump de fascista. Ele vê o apelo do presidente eleito em termos de algo mais primitivo: “Trump promete que não é necessário pensar nas outras pessoas”.
Em todo o mundo, autocratas populistas aproveitaram o poder eletrizante dessa promessa para transformar seus países em veículos para sua própria vontade singular. Vladimir Putin e Viktor Orban juraram restaurar um passado mais simples e ordenado, no qual os homens eram homens e estavam no comando. O que eles entregaram foi permissão para abandonar as inibições sociais, para amplificar as queixas do próprio grupo e acumular ódio em relação aos outros, diversos, particularmente os grupos que não podem falar por si mesmos. Magyar chama isso de “egoísmo coletivo moralmente irrestrito”.
O primeiro mandato de Trump e suas ações nos quatro anos seguintes acompanharam o histórico inicial de Putin e Orban de maneiras importantes. Olhar atentamente para suas trajetórias, através das lentes das teorias de Magyar, dá uma noção assustadoramente clara de onde o segundo mandato de Trump pode levar.
Telefonei para Magyar para perguntar a respeito desse padrão no final do inverno de 2021, quando ficou claro para mim que Trump concorreria à reeleição. Magyar é húngaro e estudou extensivamente a autocracia de Orban. Como Trump, Orban foi expulso do cargo (em 2002, em uma votação que seus apoiadores disseram ter sido fraudulenta); ele só recuperou o poder oito anos depois. Nesse ínterim, ele consolidou seu movimento, posicionando a si mesmo e seu partido como os únicos representantes verdadeiros do povo húngaro. Concluiu-se que o governo em exercício era ilegítimo e que qualquer um que o apoiasse não fazia parte do país. Quando Orban foi reeleito, ele realizou o que Magyar chama de “avanço autocrático”, mudando leis e práticas para que não pudesse ser destituído novamente. Ajudou o fato de ele ter uma supermaioria no parlamento. Trump, da mesma forma, passou quatro anos atacando o governo Biden e a votação que o levou à Casa Branca como fraudulentos e se posicionando como a única voz verdadeira do povo. Ele também está retornando com um poder tríplice — a presidência e ambas as câmaras do Congresso. Ele também pode remodelar rapidamente o governo americano à sua imagem.
Trump e seus apoiadores demonstraram tremenda hostilidade às instituições cívicas — o judiciário, a mídia, universidades, muitas organizações sem fins lucrativos, alguns grupos religiosos — que buscam definir e impor nossas obrigações uns em relação aos outros. Autocratas como Orban e Putin rejeitam esse processo deliberativo, reivindicando para si o direito exclusivo de definir essas obrigações. Se esses dois líderes e o próprio primeiro mandato de Trump forem alguma indicação, ele provavelmente começará se livrando de especialistas, reguladores e outros servidores públicos que ele vê como supérfluos, eliminando empregos que ele acha que simplesmente não deveriam existir. Podemos esperar que as autoridades de asilo estejam no topo dessa lista.
Um grande alvo fora do governo serão as universidades. Na Hungria, a Universidade Centro-Europeia, uma instituição pioneira de pesquisa e educação (e lar acadêmico de Magyar), foi forçada ao exílio. Para entender o que pode acontecer com as universidades públicas nos Estados Unidos, observe a Flórida, onde a administração do governador Ron DeSantis efetivamente transformou o sistema universitário estadual em um braço altamente policiado de seu governo. O ataque do movimento Maga às universidades privadas está em andamento há algum tempo; mais recentemente, ele impulsionou as audiências do Congresso envolvendo antissemitismo, em cuja esteira meia dúzia de presidentes de faculdades perderam seus empregos. Fique atento a movimentos para retirar financiamento federal e isenções fiscais de universidades privadas. Sob esse tipo de pressão financeira, até mesmo as maiores e mais ricas universidades cortarão empregos e fecharão departamentos; faculdades menores de artes liberais sairão do mercado.
Grupos da sociedade civil — especialmente aqueles que servem ou defendem imigrantes, pessoas anteriormente encarceradas, pessoas L.G.B.T.Q., mulheres e grupos vulneráveis — serão atacados. Em seguida eles podem vir atrás dos sindicatos.
Em um artigo opinativo no Washington Post, o editor do Times, A.G. Sulzberger, expôs alguns cenários prováveis para uma guerra do governo Trump contra a mídia. Eu acrescentaria que, como Orban — e como o primeiro governo Trump — este presidente recompensará a mídia leal com acesso privilegiado e atacará a mídia crítica mirando outros negócios de seus proprietários. Essa é uma tática particularmente eficaz, que já vimos em ação antes mesmo de Trump ser reeleito, quando os proprietários bilionários do Los Angeles Times e do Washington Post decidiram anular os endossos presidenciais de suas publicações (explicando sua decisão, os proprietários citaram razões não relacionadas a uma deferência a Trump).
Fascistas
A campanha de Kamala Harris, é claro, tentou alertar os americanos para isso e muito mais, rotulando Trump como fascista. Mas Magyar descreve os movimentos fascistas como “impulsionados pela ideologia” de uma forma que Trump não é. Tomemos, a título de comparação, Jaroslaw Kaczynski, o ex-primeiro-ministro da Polônia, que buscou severas restrições ao aborto mesmo quando as pesquisas mostraram que essas políticas poderiam custar-lhe o cargo. Trump, por outro lado, fez campanha contra o direito ao aborto quando isso convinha aos seus objetivos, e então se posicionou como um defensor dos direitos reprodutivos quando o contexto mudou.
Não fiquei convencido com essa distinção. Para usar a formulação de George Orwell, o rosto de um político cresce para se ajustar à sua máscara ideológica. Talvez não haja melhor exemplo disso do que Vladimir Putin, antes um cínico sem convicções políticas, que agora está travando uma guerra custosa e desastrosa em nome de uma ideologia (por mais incoerente que seja) de sua própria invenção. E é somente em retrospectiva que os fascistas europeus do século XX parecem ter sido movidos por uma ideologia coerente: muitos de seus contemporâneos descreveram suas crenças como uma miscelânea. O filósofo de Yale, Jason Stanley, autor do livro “How Fascism Works”, argumentou que os fascistas são definidos menos por crenças políticas do que pela maneira como fazem política: traficando medo e ódio em relação ao “outro”, afirmando a supremacia do “nós” sobre o “eles”. Tudo isso descreve Trump, não?
Eu apresentei essa perspectiva a Magyar, sem sucesso. Veja o apetite da família Trump para lucrar com seu cargo político, ele disse. Isso não é algo pelo qual os fascistas são conhecidos. Os nazistas, por exemplo: “quando eles tiraram propriedades dos judeus, eles não as colocaram em seus próprios bolsos”, disse. “Eles as colocaram no orçamento do estado.” Orban, por outro lado, é conhecido por ser extraordinariamente rico; há rumores de que Putin seria o homem mais rico da Rússia. Para se tornar o homem mais rico dos EUA, Trump teria que acumular mais capital do que Elon Musk ou Jeff Bezos, o que parece quase impossível. Putin resolveu exatamente esse problema extorquindo seus aliados ricos e roubando seus inimigos ricos.
Medo e ódio
Orban usou o medo e o ódio aos imigrantes para declarar estado de emergência quando refugiados do Oriente Médio começaram a chegar à Europa em 2015 (mais tarde, ele usou a pandemia de Covid-19 e a guerra da Rússia contra a Ucrânia como pretextos para adotar poderes de emergência). Trump, durante seu primeiro mandato, declarou uma emergência nacional em conexão com a chegada de requerentes de asilo na fronteira sul dos Estados Unidos. O presidente Biden suspendeu essa emergência nacional em 2021. Mas os Estados Unidos estão sob uma emergência nacional permanente desde 14 de setembro de 2001, quando o presidente George W. Bush a declarou em resposta aos ataques de 11 de setembro. Todos os presidentes subsequentes, incluindo Barack Obama e Joe Biden, renovaram essa emergência nacional anualmente. Essa é apenas uma das dezenas de emergências nacionais atualmente em vigor, a maioria delas durando anos.
Saiba mais
No caso de Orban, os poderes de emergência deram a ele controle expandido das forças armadas, incluindo a opção de mobilizar os militares internamente. Nos Estados Unidos, o presidente, sob certas circunstâncias, já tem esse poder. Mas um estado de emergência oferece uma série adicional de “poderes extraordinários”. Isso inclui a capacidade de redirecionar fundos federais, como Trump fez para financiar a construção do muro na fronteira. E o arsenal de poder se estende à restrição de comunicações eletrônicas e — talvez de interesse particular para Trump — maneiras de exercer pressão sobre negócios privados. Orban usou disposições semelhantes da lei húngara para exercer “supervisão estatal” sobre empresas privadas. Na Hungria, Orban é o estado.
Avanço autocrático
Magyar descreve o avanço autocrático como a transição do império da lei para a lei do império. Quando Putin fez campanha para presidente em 2000, seu slogan era “Ditadura da Lei”. Lembro-me de uma faixa com essa frase decorando uma seção eleitoral na Chechênia sitiada. Ele passou a governar por decreto, como Orban faz agora e como Trump fez em seu primeiro mandato — e disse que pretende fazer em seu segundo.
Ao ler os escritos de Magyar sobre esse período, fiquei impressionado principalmente com o clima que parecia acompanhar as ações de Orban. Todos nós nos lembramos disso do primeiro mandato de Trump, a sensação de tudo estar acontecendo ao mesmo tempo e da total impossibilidade de focar no existencialmente ameaçador, ou distingui-lo do trivial — se é que essa distinção existe. Não é apenas o que os autocratas fazem para encenar sua revolução, é também como eles fazem isso: aprovando legislação (ou assinando ordens executivas) rapidamente, sem nenhuma discussão, às vezes tarde da noite, em lotes, ao mesmo tempo desqualificando e deslegitimando qualquer oposição.
Quanto aos detalhes, sabemos menos do que pensamos que sabemos. Se Trump tivesse sido eleito para um segundo mandato em 2020, Magyar diz que esperaria que ele tentasse revogar a 22ª Emenda, que estabeleceu um limite de dois mandatos para presidentes. Acho que ele ainda pode tentar fazer isso, abrindo caminho para concorrer novamente aos 82 anos. Muito foi escrito a respeito do Projeto 2025 como uma espécie de projeto legislativo para a segunda presidência de Trump. O historiador Rick Perlstein, em uma série de artigos no American Prospect, argumentou que parte dessa cobertura é enganosa. O Projeto 2025 é um documento vasto e complicado, cheio de recomendações contraditórias aparentemente feitas por pessoas com crenças e pautas diferentes. Consistente com a teoria de autocracia de Magyar, o documento é mais um reflexo do clã de pessoas que dão poder a Trump e recebem poder ele do que um documento ideológico. Não é um projeto para uma mudança legislativa coerente, mas ainda é um projeto: um projeto para pisotear o sistema de governo como ele é atualmente constituído, um projeto de destruição. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL