Estilista ajuda primeira vice-presidente negra da Colômbia a usar roupa como instrumento político


Desde sua campanha e eleição, Francia Márquez tem usado sua crescente proeminência para ressaltar sua herança afro-colombiana

Por Diana Durán

THE WASHINGTON POST - Esteban Sinisterra Paz tinha 5 anos quando homens armados disseram para sua família - e para todos os outros moradores de seu pequeno vilarejo, Santa Bárbara de Iscuandé, de predominância afro-colombiana - que era hora de partir. Qualquer um que ficasse, eles alertaram, seria morto.

Sinisterra, seus pais e três irmãs entraram em um barco e desceram o Rio Iscuandé. A embarcação os levou a um local seguro: a casa de sua avó, que era costureira; o lugar em que ele testemunhou pela primeira vez a magia dos tecidos sendo transformados em roupas.

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Sinisterra cresceu ajudando sua tia a costurar vestidos e sua avó a fazer colchas com os retalhos que a tia não fosse precisar. Aos 14 anos, ele começou a sonhar em fundar uma marca de moda.

Esteban Sinisterra Paz tinha 5 anos quando ele e sua família tiveram de deixar a pequena cidade de Santa Bárbara de Iscuandé para fujar do conflito armado colombiano  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Agora, aos 23 anos, ele virou o estilista pessoal da mulher que se tornará a primeira negra a ocupar a vice-presidência da Colômbia. Francia Márquez, uma dona de casa que virou ambientalista e advogada, assumirá a função juntamente com o presidente-eleito, Gustavo Petro, em agosto.

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Ao longo da campanha e desde a eleição, Márquez tem usado sua crescente proeminência para ressaltar sua herança afro-colombiana. Nesse intuito, Sinisterra é seu parceiro. A vice-presidente-eleita, trabalhando juntamente com Sinisterra e a consultora de moda Diana Rojas, chama a atenção para cores vívidas e intricados padrões incomuns na arena política local, onde poucos políticos negros chegaram ao gabinete de governo nacional e poucas mulheres vestem roupas que fogem ao padrão tradicional profissional.

“O guarda-roupa de Márquez tem sido um veículo para ela compartilhar sua origem e sua cultura”, afirmou a artista visual Mona Herbe, em Bogotá. “Nos discursos, ela mencionou com clareza problemas que fazem seu povo sofrer, como racismo, marginalização, injustiças e precariedades. Mas com suas roupas, ela manda mensagens sobre a beleza, a complexidade e a riqueza de seus ancestrais.”

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Márquez, que antes da campanha era adepta do jeans com camiseta, descreveu uma viagem que fez em 2019 para a Ilha de Goreia, no Senegal, porto a partir do qual africanos escravizados eram mandados para as Américas.

Discurso inovador

“Vemos pessoas usando roupas coloridas o tempo todo”, disse ela ao Washington Post antes da eleição. “Os desenhos nos tecidos têm vários significados. Então, para mim, representar isso em uma campanha política é também falar a respeito da linguagem da memória, que foi apagada de nós, nos foi negada. Me visto dessa maneira de propósito.”

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E há o possível benefício de isso ajudá-la a se conectar com a substancial comunidade afro-caribenha da Colômbia — oficialmente 6,2% da população, mas acredita-se que seja maior.

Márquez também estava fomentando uma controvérsia - novamente. Ela passou a campanha falando de sua negritude e denunciando o racismo na Colômbia. Esse é um discurso inovador em um país que há gerações identifica seu povo como uma mesma raça “mestiça”, mesmo enquanto comunidades afro-colombianas e indígenas apresentam índices desproporcionais de pobreza, violência e deslocamentos forçados.

“O problema que as pessoas têm com Francia é o fato dela ser uma mulher negra que não se comporta segundo os padrões, que sabe que é negra e sabe o que isso significa em termos históricos”, afirmou o antropólogo Eduardo Restrepo.

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Vice-presidente eleita da Colômbia, Francia Márquez, chama a atenção para cores vívidas e intricados padrões incomuns na arena política local  Foto: Carlos Ortega/EFE

Márquez e Sinisterra têm muito em comum. Ambos são afro-colombianos nascidos na costa do Pacífico; ambos estão entre as cerca de 8 milhões de pessoas que sofreram deslocamentos forçados durante as décadas de conflito sangrento na Colômbia. Em seus discursos de campanha, Márquez com frequência falou diretamente aos “zés-ninguém”: os pobres, os excluídos, os indígenas e os afro-colombianos.

“Eu também sou um zé-ninguém”, afirmou Sinisterra. “Mas nós nos levantamos para resistir e chegar ao poder.”

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Deu trabalho transformar o guarda-roupa

“Não foi fácil convencê-la a abrir mão do jeans”, afirmou Rojas. Quando Márquez começou a campanha na chapa presidencial, ela não quis usar terninhos de duas peças. Elas concordaram: elas queriam cor.

“Eu queria que estilistas do sudoeste do país tivessem uma chance”, afirmou Rojas. Grande parte da população dessa região é negra. Sinisterra, que Márquez já conhecia, foi recomendado por muita gente. “Dentro da nossa comunidade, ela sempre foi uma líder, uma inspiração”, afirmou Sinisterra. “Eu já tinha fabricado roupas para ela.”

Sinisterra começou a trabalhar com estampas de inspiração africana depois do deslocamento forçado de sua família, em 2004.

“Nós, o povo dos pequenos vilarejos, queremos mostrar nossas expressões culturais em cidades grandes, como Buenaventura e Cali”, afirmou ele, mencionando duas cidades em que viveu. “No meu caso, eu passei a querer mostrar isso quando me dei conta, depois de sofrer preconceito, de que sou um homem negro. Na minha cidade-natal, eu não tinha consciência que era negro — eu era apenas um cara normal.”

Esteban Sinisterra Paz lançou sua marca de moda, Esteban African, para comprar comida e suprir outras necessidades básicas  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Em Santa Bárbara de Iscuandé, um vilarejo feito de casas de madeira com telhados de zinco, todos eram negros. E quase todos eram pobres.

Eles não sabiam quem eram os homens armados que os forçaram a fugir, mas souberam acatar sua ameaça. Naquela época, mostram os registros, cultivos ilegais de coca começavam a cobrir os campos de Nariño, o Departamento em que eles viviam, na fronteira com o Equador. Massacres, assassinatos e deslocamentos forçados tornaram-se comuns quando grupos paramilitares e guerrilheiros começaram a lutar pelo território.

Sinisterra lançou sua marca de moda, Esteban African, para comprar comida e suprir outras necessidades básicas. Os pais dele não tinham treinamento em nenhum ofício. Eles compravam e vendiam mercadorias para sustentar os quatro filhos, mas o dinheiro era escasso. Sinisterra e seus primos recolhiam garrafas de aguardente para vender por trocados.

Sinisterra pensava que conseguiria um bom sustento com a moda. Inicialmente, moda masculina.

Coisa de mulher

O pai dele não gostou da ideia: trabalhar com as agulhas era coisa de mulher, afirmava ele. Então, Sinisterra se candidatou para a faculdade de serviço social. Ele queria ficar em paz com o pai e se tornar o primeiro na família a frequentar a universidade.

Sinisterra tem se virado entre os estudos na faculdade e sua linha de moda. Falta um semestre para ele se tornar um trabalhador de serviço social que por acaso também é um estilista cujo pequeno ateliê fica na casa dos pais, em um bairro de classe trabalhadora no leste de Cali. É lá que ele guarda seus tecidos, duas máquinas de costura, uma tábua de passar roupas — e as vívidas e coloridas peças feitas a mão para pronta entrega.

Tecidos com estampas africanas são a matéria-prima de Sinisterra. “Para mim, os mais bonitos e representativos são os tecidos de Kente, cujas estampas homenageiam mulheres ganenses colhendo os frutos da terra”, afirmou ele. “É um pouco parecido com as cestas feitas pelas mulheres no pacífico para coletar o que o oceano provê.”

Sinisterra criou para Márquez principalmente trajes de várias peças, para ela poder combiná-las de maneiras distintas, como preferir, criando a ilusão de estar com uma roupa diferente todos os dias. “Sou uma mulher pobre”, afirma Márquez repetidamente.

As heranças da África e da costa colombiana no Pacífico estão em cada saia, top ou jaqueta.

Sinisterra montou seu pequeno ateliê na casa dos pais, em um bairro de classe trabalhadora no leste de Cali  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Sinisterra afirma que Márquez recebeu doações de tecidos, mas pagou por todas as peças que ele fabricou. Ele não revela quanto. “Ela é minha irmã. Decidimos apoiar a aspiração política dela”, afirmou Sinisterra. “É algo que vai além de questões econômicas. Temos de apoiar uns aos outros.”

O trabalho tem chamado atenção para o negócio de Sinisterra. Ele afirma ter conseguido clientes na política, no mundo artístico e na academia. Mas ele não deu detalhes.

Sinisterra foi convidado para a cerimônia de posse presidencial, em 7 de agosto.

“No dia que Francia assumir, quero vê-la enchendo de orgulho todas as pessoas que a apoiaram investindo tempo e esforço nesse projeto coletivo, lindo e cheio de significado”, afirmou ele. “Espero que ela encha de orgulho crianças que às vezes acreditam que pessoas negras não têm oportunidade de ocupar posições tão importantes.”

Sinisterra também está louco para ver que traje Márquez selecionou para a posse, entre os três que ele lhe enviou. E ainda não sabe com que roupa vai à festa. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE WASHINGTON POST - Esteban Sinisterra Paz tinha 5 anos quando homens armados disseram para sua família - e para todos os outros moradores de seu pequeno vilarejo, Santa Bárbara de Iscuandé, de predominância afro-colombiana - que era hora de partir. Qualquer um que ficasse, eles alertaram, seria morto.

Sinisterra, seus pais e três irmãs entraram em um barco e desceram o Rio Iscuandé. A embarcação os levou a um local seguro: a casa de sua avó, que era costureira; o lugar em que ele testemunhou pela primeira vez a magia dos tecidos sendo transformados em roupas.

Sinisterra cresceu ajudando sua tia a costurar vestidos e sua avó a fazer colchas com os retalhos que a tia não fosse precisar. Aos 14 anos, ele começou a sonhar em fundar uma marca de moda.

Esteban Sinisterra Paz tinha 5 anos quando ele e sua família tiveram de deixar a pequena cidade de Santa Bárbara de Iscuandé para fujar do conflito armado colombiano  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Agora, aos 23 anos, ele virou o estilista pessoal da mulher que se tornará a primeira negra a ocupar a vice-presidência da Colômbia. Francia Márquez, uma dona de casa que virou ambientalista e advogada, assumirá a função juntamente com o presidente-eleito, Gustavo Petro, em agosto.

Ao longo da campanha e desde a eleição, Márquez tem usado sua crescente proeminência para ressaltar sua herança afro-colombiana. Nesse intuito, Sinisterra é seu parceiro. A vice-presidente-eleita, trabalhando juntamente com Sinisterra e a consultora de moda Diana Rojas, chama a atenção para cores vívidas e intricados padrões incomuns na arena política local, onde poucos políticos negros chegaram ao gabinete de governo nacional e poucas mulheres vestem roupas que fogem ao padrão tradicional profissional.

“O guarda-roupa de Márquez tem sido um veículo para ela compartilhar sua origem e sua cultura”, afirmou a artista visual Mona Herbe, em Bogotá. “Nos discursos, ela mencionou com clareza problemas que fazem seu povo sofrer, como racismo, marginalização, injustiças e precariedades. Mas com suas roupas, ela manda mensagens sobre a beleza, a complexidade e a riqueza de seus ancestrais.”

Márquez, que antes da campanha era adepta do jeans com camiseta, descreveu uma viagem que fez em 2019 para a Ilha de Goreia, no Senegal, porto a partir do qual africanos escravizados eram mandados para as Américas.

Discurso inovador

“Vemos pessoas usando roupas coloridas o tempo todo”, disse ela ao Washington Post antes da eleição. “Os desenhos nos tecidos têm vários significados. Então, para mim, representar isso em uma campanha política é também falar a respeito da linguagem da memória, que foi apagada de nós, nos foi negada. Me visto dessa maneira de propósito.”

E há o possível benefício de isso ajudá-la a se conectar com a substancial comunidade afro-caribenha da Colômbia — oficialmente 6,2% da população, mas acredita-se que seja maior.

Márquez também estava fomentando uma controvérsia - novamente. Ela passou a campanha falando de sua negritude e denunciando o racismo na Colômbia. Esse é um discurso inovador em um país que há gerações identifica seu povo como uma mesma raça “mestiça”, mesmo enquanto comunidades afro-colombianas e indígenas apresentam índices desproporcionais de pobreza, violência e deslocamentos forçados.

“O problema que as pessoas têm com Francia é o fato dela ser uma mulher negra que não se comporta segundo os padrões, que sabe que é negra e sabe o que isso significa em termos históricos”, afirmou o antropólogo Eduardo Restrepo.

Vice-presidente eleita da Colômbia, Francia Márquez, chama a atenção para cores vívidas e intricados padrões incomuns na arena política local  Foto: Carlos Ortega/EFE

Márquez e Sinisterra têm muito em comum. Ambos são afro-colombianos nascidos na costa do Pacífico; ambos estão entre as cerca de 8 milhões de pessoas que sofreram deslocamentos forçados durante as décadas de conflito sangrento na Colômbia. Em seus discursos de campanha, Márquez com frequência falou diretamente aos “zés-ninguém”: os pobres, os excluídos, os indígenas e os afro-colombianos.

“Eu também sou um zé-ninguém”, afirmou Sinisterra. “Mas nós nos levantamos para resistir e chegar ao poder.”

Deu trabalho transformar o guarda-roupa

“Não foi fácil convencê-la a abrir mão do jeans”, afirmou Rojas. Quando Márquez começou a campanha na chapa presidencial, ela não quis usar terninhos de duas peças. Elas concordaram: elas queriam cor.

“Eu queria que estilistas do sudoeste do país tivessem uma chance”, afirmou Rojas. Grande parte da população dessa região é negra. Sinisterra, que Márquez já conhecia, foi recomendado por muita gente. “Dentro da nossa comunidade, ela sempre foi uma líder, uma inspiração”, afirmou Sinisterra. “Eu já tinha fabricado roupas para ela.”

Sinisterra começou a trabalhar com estampas de inspiração africana depois do deslocamento forçado de sua família, em 2004.

“Nós, o povo dos pequenos vilarejos, queremos mostrar nossas expressões culturais em cidades grandes, como Buenaventura e Cali”, afirmou ele, mencionando duas cidades em que viveu. “No meu caso, eu passei a querer mostrar isso quando me dei conta, depois de sofrer preconceito, de que sou um homem negro. Na minha cidade-natal, eu não tinha consciência que era negro — eu era apenas um cara normal.”

Esteban Sinisterra Paz lançou sua marca de moda, Esteban African, para comprar comida e suprir outras necessidades básicas  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Em Santa Bárbara de Iscuandé, um vilarejo feito de casas de madeira com telhados de zinco, todos eram negros. E quase todos eram pobres.

Eles não sabiam quem eram os homens armados que os forçaram a fugir, mas souberam acatar sua ameaça. Naquela época, mostram os registros, cultivos ilegais de coca começavam a cobrir os campos de Nariño, o Departamento em que eles viviam, na fronteira com o Equador. Massacres, assassinatos e deslocamentos forçados tornaram-se comuns quando grupos paramilitares e guerrilheiros começaram a lutar pelo território.

Sinisterra lançou sua marca de moda, Esteban African, para comprar comida e suprir outras necessidades básicas. Os pais dele não tinham treinamento em nenhum ofício. Eles compravam e vendiam mercadorias para sustentar os quatro filhos, mas o dinheiro era escasso. Sinisterra e seus primos recolhiam garrafas de aguardente para vender por trocados.

Sinisterra pensava que conseguiria um bom sustento com a moda. Inicialmente, moda masculina.

Coisa de mulher

O pai dele não gostou da ideia: trabalhar com as agulhas era coisa de mulher, afirmava ele. Então, Sinisterra se candidatou para a faculdade de serviço social. Ele queria ficar em paz com o pai e se tornar o primeiro na família a frequentar a universidade.

Sinisterra tem se virado entre os estudos na faculdade e sua linha de moda. Falta um semestre para ele se tornar um trabalhador de serviço social que por acaso também é um estilista cujo pequeno ateliê fica na casa dos pais, em um bairro de classe trabalhadora no leste de Cali. É lá que ele guarda seus tecidos, duas máquinas de costura, uma tábua de passar roupas — e as vívidas e coloridas peças feitas a mão para pronta entrega.

Tecidos com estampas africanas são a matéria-prima de Sinisterra. “Para mim, os mais bonitos e representativos são os tecidos de Kente, cujas estampas homenageiam mulheres ganenses colhendo os frutos da terra”, afirmou ele. “É um pouco parecido com as cestas feitas pelas mulheres no pacífico para coletar o que o oceano provê.”

Sinisterra criou para Márquez principalmente trajes de várias peças, para ela poder combiná-las de maneiras distintas, como preferir, criando a ilusão de estar com uma roupa diferente todos os dias. “Sou uma mulher pobre”, afirma Márquez repetidamente.

As heranças da África e da costa colombiana no Pacífico estão em cada saia, top ou jaqueta.

Sinisterra montou seu pequeno ateliê na casa dos pais, em um bairro de classe trabalhadora no leste de Cali  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Sinisterra afirma que Márquez recebeu doações de tecidos, mas pagou por todas as peças que ele fabricou. Ele não revela quanto. “Ela é minha irmã. Decidimos apoiar a aspiração política dela”, afirmou Sinisterra. “É algo que vai além de questões econômicas. Temos de apoiar uns aos outros.”

O trabalho tem chamado atenção para o negócio de Sinisterra. Ele afirma ter conseguido clientes na política, no mundo artístico e na academia. Mas ele não deu detalhes.

Sinisterra foi convidado para a cerimônia de posse presidencial, em 7 de agosto.

“No dia que Francia assumir, quero vê-la enchendo de orgulho todas as pessoas que a apoiaram investindo tempo e esforço nesse projeto coletivo, lindo e cheio de significado”, afirmou ele. “Espero que ela encha de orgulho crianças que às vezes acreditam que pessoas negras não têm oportunidade de ocupar posições tão importantes.”

Sinisterra também está louco para ver que traje Márquez selecionou para a posse, entre os três que ele lhe enviou. E ainda não sabe com que roupa vai à festa. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE WASHINGTON POST - Esteban Sinisterra Paz tinha 5 anos quando homens armados disseram para sua família - e para todos os outros moradores de seu pequeno vilarejo, Santa Bárbara de Iscuandé, de predominância afro-colombiana - que era hora de partir. Qualquer um que ficasse, eles alertaram, seria morto.

Sinisterra, seus pais e três irmãs entraram em um barco e desceram o Rio Iscuandé. A embarcação os levou a um local seguro: a casa de sua avó, que era costureira; o lugar em que ele testemunhou pela primeira vez a magia dos tecidos sendo transformados em roupas.

Sinisterra cresceu ajudando sua tia a costurar vestidos e sua avó a fazer colchas com os retalhos que a tia não fosse precisar. Aos 14 anos, ele começou a sonhar em fundar uma marca de moda.

Esteban Sinisterra Paz tinha 5 anos quando ele e sua família tiveram de deixar a pequena cidade de Santa Bárbara de Iscuandé para fujar do conflito armado colombiano  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Agora, aos 23 anos, ele virou o estilista pessoal da mulher que se tornará a primeira negra a ocupar a vice-presidência da Colômbia. Francia Márquez, uma dona de casa que virou ambientalista e advogada, assumirá a função juntamente com o presidente-eleito, Gustavo Petro, em agosto.

Ao longo da campanha e desde a eleição, Márquez tem usado sua crescente proeminência para ressaltar sua herança afro-colombiana. Nesse intuito, Sinisterra é seu parceiro. A vice-presidente-eleita, trabalhando juntamente com Sinisterra e a consultora de moda Diana Rojas, chama a atenção para cores vívidas e intricados padrões incomuns na arena política local, onde poucos políticos negros chegaram ao gabinete de governo nacional e poucas mulheres vestem roupas que fogem ao padrão tradicional profissional.

“O guarda-roupa de Márquez tem sido um veículo para ela compartilhar sua origem e sua cultura”, afirmou a artista visual Mona Herbe, em Bogotá. “Nos discursos, ela mencionou com clareza problemas que fazem seu povo sofrer, como racismo, marginalização, injustiças e precariedades. Mas com suas roupas, ela manda mensagens sobre a beleza, a complexidade e a riqueza de seus ancestrais.”

Márquez, que antes da campanha era adepta do jeans com camiseta, descreveu uma viagem que fez em 2019 para a Ilha de Goreia, no Senegal, porto a partir do qual africanos escravizados eram mandados para as Américas.

Discurso inovador

“Vemos pessoas usando roupas coloridas o tempo todo”, disse ela ao Washington Post antes da eleição. “Os desenhos nos tecidos têm vários significados. Então, para mim, representar isso em uma campanha política é também falar a respeito da linguagem da memória, que foi apagada de nós, nos foi negada. Me visto dessa maneira de propósito.”

E há o possível benefício de isso ajudá-la a se conectar com a substancial comunidade afro-caribenha da Colômbia — oficialmente 6,2% da população, mas acredita-se que seja maior.

Márquez também estava fomentando uma controvérsia - novamente. Ela passou a campanha falando de sua negritude e denunciando o racismo na Colômbia. Esse é um discurso inovador em um país que há gerações identifica seu povo como uma mesma raça “mestiça”, mesmo enquanto comunidades afro-colombianas e indígenas apresentam índices desproporcionais de pobreza, violência e deslocamentos forçados.

“O problema que as pessoas têm com Francia é o fato dela ser uma mulher negra que não se comporta segundo os padrões, que sabe que é negra e sabe o que isso significa em termos históricos”, afirmou o antropólogo Eduardo Restrepo.

Vice-presidente eleita da Colômbia, Francia Márquez, chama a atenção para cores vívidas e intricados padrões incomuns na arena política local  Foto: Carlos Ortega/EFE

Márquez e Sinisterra têm muito em comum. Ambos são afro-colombianos nascidos na costa do Pacífico; ambos estão entre as cerca de 8 milhões de pessoas que sofreram deslocamentos forçados durante as décadas de conflito sangrento na Colômbia. Em seus discursos de campanha, Márquez com frequência falou diretamente aos “zés-ninguém”: os pobres, os excluídos, os indígenas e os afro-colombianos.

“Eu também sou um zé-ninguém”, afirmou Sinisterra. “Mas nós nos levantamos para resistir e chegar ao poder.”

Deu trabalho transformar o guarda-roupa

“Não foi fácil convencê-la a abrir mão do jeans”, afirmou Rojas. Quando Márquez começou a campanha na chapa presidencial, ela não quis usar terninhos de duas peças. Elas concordaram: elas queriam cor.

“Eu queria que estilistas do sudoeste do país tivessem uma chance”, afirmou Rojas. Grande parte da população dessa região é negra. Sinisterra, que Márquez já conhecia, foi recomendado por muita gente. “Dentro da nossa comunidade, ela sempre foi uma líder, uma inspiração”, afirmou Sinisterra. “Eu já tinha fabricado roupas para ela.”

Sinisterra começou a trabalhar com estampas de inspiração africana depois do deslocamento forçado de sua família, em 2004.

“Nós, o povo dos pequenos vilarejos, queremos mostrar nossas expressões culturais em cidades grandes, como Buenaventura e Cali”, afirmou ele, mencionando duas cidades em que viveu. “No meu caso, eu passei a querer mostrar isso quando me dei conta, depois de sofrer preconceito, de que sou um homem negro. Na minha cidade-natal, eu não tinha consciência que era negro — eu era apenas um cara normal.”

Esteban Sinisterra Paz lançou sua marca de moda, Esteban African, para comprar comida e suprir outras necessidades básicas  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Em Santa Bárbara de Iscuandé, um vilarejo feito de casas de madeira com telhados de zinco, todos eram negros. E quase todos eram pobres.

Eles não sabiam quem eram os homens armados que os forçaram a fugir, mas souberam acatar sua ameaça. Naquela época, mostram os registros, cultivos ilegais de coca começavam a cobrir os campos de Nariño, o Departamento em que eles viviam, na fronteira com o Equador. Massacres, assassinatos e deslocamentos forçados tornaram-se comuns quando grupos paramilitares e guerrilheiros começaram a lutar pelo território.

Sinisterra lançou sua marca de moda, Esteban African, para comprar comida e suprir outras necessidades básicas. Os pais dele não tinham treinamento em nenhum ofício. Eles compravam e vendiam mercadorias para sustentar os quatro filhos, mas o dinheiro era escasso. Sinisterra e seus primos recolhiam garrafas de aguardente para vender por trocados.

Sinisterra pensava que conseguiria um bom sustento com a moda. Inicialmente, moda masculina.

Coisa de mulher

O pai dele não gostou da ideia: trabalhar com as agulhas era coisa de mulher, afirmava ele. Então, Sinisterra se candidatou para a faculdade de serviço social. Ele queria ficar em paz com o pai e se tornar o primeiro na família a frequentar a universidade.

Sinisterra tem se virado entre os estudos na faculdade e sua linha de moda. Falta um semestre para ele se tornar um trabalhador de serviço social que por acaso também é um estilista cujo pequeno ateliê fica na casa dos pais, em um bairro de classe trabalhadora no leste de Cali. É lá que ele guarda seus tecidos, duas máquinas de costura, uma tábua de passar roupas — e as vívidas e coloridas peças feitas a mão para pronta entrega.

Tecidos com estampas africanas são a matéria-prima de Sinisterra. “Para mim, os mais bonitos e representativos são os tecidos de Kente, cujas estampas homenageiam mulheres ganenses colhendo os frutos da terra”, afirmou ele. “É um pouco parecido com as cestas feitas pelas mulheres no pacífico para coletar o que o oceano provê.”

Sinisterra criou para Márquez principalmente trajes de várias peças, para ela poder combiná-las de maneiras distintas, como preferir, criando a ilusão de estar com uma roupa diferente todos os dias. “Sou uma mulher pobre”, afirma Márquez repetidamente.

As heranças da África e da costa colombiana no Pacífico estão em cada saia, top ou jaqueta.

Sinisterra montou seu pequeno ateliê na casa dos pais, em um bairro de classe trabalhadora no leste de Cali  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Sinisterra afirma que Márquez recebeu doações de tecidos, mas pagou por todas as peças que ele fabricou. Ele não revela quanto. “Ela é minha irmã. Decidimos apoiar a aspiração política dela”, afirmou Sinisterra. “É algo que vai além de questões econômicas. Temos de apoiar uns aos outros.”

O trabalho tem chamado atenção para o negócio de Sinisterra. Ele afirma ter conseguido clientes na política, no mundo artístico e na academia. Mas ele não deu detalhes.

Sinisterra foi convidado para a cerimônia de posse presidencial, em 7 de agosto.

“No dia que Francia assumir, quero vê-la enchendo de orgulho todas as pessoas que a apoiaram investindo tempo e esforço nesse projeto coletivo, lindo e cheio de significado”, afirmou ele. “Espero que ela encha de orgulho crianças que às vezes acreditam que pessoas negras não têm oportunidade de ocupar posições tão importantes.”

Sinisterra também está louco para ver que traje Márquez selecionou para a posse, entre os três que ele lhe enviou. E ainda não sabe com que roupa vai à festa. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE WASHINGTON POST - Esteban Sinisterra Paz tinha 5 anos quando homens armados disseram para sua família - e para todos os outros moradores de seu pequeno vilarejo, Santa Bárbara de Iscuandé, de predominância afro-colombiana - que era hora de partir. Qualquer um que ficasse, eles alertaram, seria morto.

Sinisterra, seus pais e três irmãs entraram em um barco e desceram o Rio Iscuandé. A embarcação os levou a um local seguro: a casa de sua avó, que era costureira; o lugar em que ele testemunhou pela primeira vez a magia dos tecidos sendo transformados em roupas.

Sinisterra cresceu ajudando sua tia a costurar vestidos e sua avó a fazer colchas com os retalhos que a tia não fosse precisar. Aos 14 anos, ele começou a sonhar em fundar uma marca de moda.

Esteban Sinisterra Paz tinha 5 anos quando ele e sua família tiveram de deixar a pequena cidade de Santa Bárbara de Iscuandé para fujar do conflito armado colombiano  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Agora, aos 23 anos, ele virou o estilista pessoal da mulher que se tornará a primeira negra a ocupar a vice-presidência da Colômbia. Francia Márquez, uma dona de casa que virou ambientalista e advogada, assumirá a função juntamente com o presidente-eleito, Gustavo Petro, em agosto.

Ao longo da campanha e desde a eleição, Márquez tem usado sua crescente proeminência para ressaltar sua herança afro-colombiana. Nesse intuito, Sinisterra é seu parceiro. A vice-presidente-eleita, trabalhando juntamente com Sinisterra e a consultora de moda Diana Rojas, chama a atenção para cores vívidas e intricados padrões incomuns na arena política local, onde poucos políticos negros chegaram ao gabinete de governo nacional e poucas mulheres vestem roupas que fogem ao padrão tradicional profissional.

“O guarda-roupa de Márquez tem sido um veículo para ela compartilhar sua origem e sua cultura”, afirmou a artista visual Mona Herbe, em Bogotá. “Nos discursos, ela mencionou com clareza problemas que fazem seu povo sofrer, como racismo, marginalização, injustiças e precariedades. Mas com suas roupas, ela manda mensagens sobre a beleza, a complexidade e a riqueza de seus ancestrais.”

Márquez, que antes da campanha era adepta do jeans com camiseta, descreveu uma viagem que fez em 2019 para a Ilha de Goreia, no Senegal, porto a partir do qual africanos escravizados eram mandados para as Américas.

Discurso inovador

“Vemos pessoas usando roupas coloridas o tempo todo”, disse ela ao Washington Post antes da eleição. “Os desenhos nos tecidos têm vários significados. Então, para mim, representar isso em uma campanha política é também falar a respeito da linguagem da memória, que foi apagada de nós, nos foi negada. Me visto dessa maneira de propósito.”

E há o possível benefício de isso ajudá-la a se conectar com a substancial comunidade afro-caribenha da Colômbia — oficialmente 6,2% da população, mas acredita-se que seja maior.

Márquez também estava fomentando uma controvérsia - novamente. Ela passou a campanha falando de sua negritude e denunciando o racismo na Colômbia. Esse é um discurso inovador em um país que há gerações identifica seu povo como uma mesma raça “mestiça”, mesmo enquanto comunidades afro-colombianas e indígenas apresentam índices desproporcionais de pobreza, violência e deslocamentos forçados.

“O problema que as pessoas têm com Francia é o fato dela ser uma mulher negra que não se comporta segundo os padrões, que sabe que é negra e sabe o que isso significa em termos históricos”, afirmou o antropólogo Eduardo Restrepo.

Vice-presidente eleita da Colômbia, Francia Márquez, chama a atenção para cores vívidas e intricados padrões incomuns na arena política local  Foto: Carlos Ortega/EFE

Márquez e Sinisterra têm muito em comum. Ambos são afro-colombianos nascidos na costa do Pacífico; ambos estão entre as cerca de 8 milhões de pessoas que sofreram deslocamentos forçados durante as décadas de conflito sangrento na Colômbia. Em seus discursos de campanha, Márquez com frequência falou diretamente aos “zés-ninguém”: os pobres, os excluídos, os indígenas e os afro-colombianos.

“Eu também sou um zé-ninguém”, afirmou Sinisterra. “Mas nós nos levantamos para resistir e chegar ao poder.”

Deu trabalho transformar o guarda-roupa

“Não foi fácil convencê-la a abrir mão do jeans”, afirmou Rojas. Quando Márquez começou a campanha na chapa presidencial, ela não quis usar terninhos de duas peças. Elas concordaram: elas queriam cor.

“Eu queria que estilistas do sudoeste do país tivessem uma chance”, afirmou Rojas. Grande parte da população dessa região é negra. Sinisterra, que Márquez já conhecia, foi recomendado por muita gente. “Dentro da nossa comunidade, ela sempre foi uma líder, uma inspiração”, afirmou Sinisterra. “Eu já tinha fabricado roupas para ela.”

Sinisterra começou a trabalhar com estampas de inspiração africana depois do deslocamento forçado de sua família, em 2004.

“Nós, o povo dos pequenos vilarejos, queremos mostrar nossas expressões culturais em cidades grandes, como Buenaventura e Cali”, afirmou ele, mencionando duas cidades em que viveu. “No meu caso, eu passei a querer mostrar isso quando me dei conta, depois de sofrer preconceito, de que sou um homem negro. Na minha cidade-natal, eu não tinha consciência que era negro — eu era apenas um cara normal.”

Esteban Sinisterra Paz lançou sua marca de moda, Esteban African, para comprar comida e suprir outras necessidades básicas  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Em Santa Bárbara de Iscuandé, um vilarejo feito de casas de madeira com telhados de zinco, todos eram negros. E quase todos eram pobres.

Eles não sabiam quem eram os homens armados que os forçaram a fugir, mas souberam acatar sua ameaça. Naquela época, mostram os registros, cultivos ilegais de coca começavam a cobrir os campos de Nariño, o Departamento em que eles viviam, na fronteira com o Equador. Massacres, assassinatos e deslocamentos forçados tornaram-se comuns quando grupos paramilitares e guerrilheiros começaram a lutar pelo território.

Sinisterra lançou sua marca de moda, Esteban African, para comprar comida e suprir outras necessidades básicas. Os pais dele não tinham treinamento em nenhum ofício. Eles compravam e vendiam mercadorias para sustentar os quatro filhos, mas o dinheiro era escasso. Sinisterra e seus primos recolhiam garrafas de aguardente para vender por trocados.

Sinisterra pensava que conseguiria um bom sustento com a moda. Inicialmente, moda masculina.

Coisa de mulher

O pai dele não gostou da ideia: trabalhar com as agulhas era coisa de mulher, afirmava ele. Então, Sinisterra se candidatou para a faculdade de serviço social. Ele queria ficar em paz com o pai e se tornar o primeiro na família a frequentar a universidade.

Sinisterra tem se virado entre os estudos na faculdade e sua linha de moda. Falta um semestre para ele se tornar um trabalhador de serviço social que por acaso também é um estilista cujo pequeno ateliê fica na casa dos pais, em um bairro de classe trabalhadora no leste de Cali. É lá que ele guarda seus tecidos, duas máquinas de costura, uma tábua de passar roupas — e as vívidas e coloridas peças feitas a mão para pronta entrega.

Tecidos com estampas africanas são a matéria-prima de Sinisterra. “Para mim, os mais bonitos e representativos são os tecidos de Kente, cujas estampas homenageiam mulheres ganenses colhendo os frutos da terra”, afirmou ele. “É um pouco parecido com as cestas feitas pelas mulheres no pacífico para coletar o que o oceano provê.”

Sinisterra criou para Márquez principalmente trajes de várias peças, para ela poder combiná-las de maneiras distintas, como preferir, criando a ilusão de estar com uma roupa diferente todos os dias. “Sou uma mulher pobre”, afirma Márquez repetidamente.

As heranças da África e da costa colombiana no Pacífico estão em cada saia, top ou jaqueta.

Sinisterra montou seu pequeno ateliê na casa dos pais, em um bairro de classe trabalhadora no leste de Cali  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Sinisterra afirma que Márquez recebeu doações de tecidos, mas pagou por todas as peças que ele fabricou. Ele não revela quanto. “Ela é minha irmã. Decidimos apoiar a aspiração política dela”, afirmou Sinisterra. “É algo que vai além de questões econômicas. Temos de apoiar uns aos outros.”

O trabalho tem chamado atenção para o negócio de Sinisterra. Ele afirma ter conseguido clientes na política, no mundo artístico e na academia. Mas ele não deu detalhes.

Sinisterra foi convidado para a cerimônia de posse presidencial, em 7 de agosto.

“No dia que Francia assumir, quero vê-la enchendo de orgulho todas as pessoas que a apoiaram investindo tempo e esforço nesse projeto coletivo, lindo e cheio de significado”, afirmou ele. “Espero que ela encha de orgulho crianças que às vezes acreditam que pessoas negras não têm oportunidade de ocupar posições tão importantes.”

Sinisterra também está louco para ver que traje Márquez selecionou para a posse, entre os três que ele lhe enviou. E ainda não sabe com que roupa vai à festa. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE WASHINGTON POST - Esteban Sinisterra Paz tinha 5 anos quando homens armados disseram para sua família - e para todos os outros moradores de seu pequeno vilarejo, Santa Bárbara de Iscuandé, de predominância afro-colombiana - que era hora de partir. Qualquer um que ficasse, eles alertaram, seria morto.

Sinisterra, seus pais e três irmãs entraram em um barco e desceram o Rio Iscuandé. A embarcação os levou a um local seguro: a casa de sua avó, que era costureira; o lugar em que ele testemunhou pela primeira vez a magia dos tecidos sendo transformados em roupas.

Sinisterra cresceu ajudando sua tia a costurar vestidos e sua avó a fazer colchas com os retalhos que a tia não fosse precisar. Aos 14 anos, ele começou a sonhar em fundar uma marca de moda.

Esteban Sinisterra Paz tinha 5 anos quando ele e sua família tiveram de deixar a pequena cidade de Santa Bárbara de Iscuandé para fujar do conflito armado colombiano  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Agora, aos 23 anos, ele virou o estilista pessoal da mulher que se tornará a primeira negra a ocupar a vice-presidência da Colômbia. Francia Márquez, uma dona de casa que virou ambientalista e advogada, assumirá a função juntamente com o presidente-eleito, Gustavo Petro, em agosto.

Ao longo da campanha e desde a eleição, Márquez tem usado sua crescente proeminência para ressaltar sua herança afro-colombiana. Nesse intuito, Sinisterra é seu parceiro. A vice-presidente-eleita, trabalhando juntamente com Sinisterra e a consultora de moda Diana Rojas, chama a atenção para cores vívidas e intricados padrões incomuns na arena política local, onde poucos políticos negros chegaram ao gabinete de governo nacional e poucas mulheres vestem roupas que fogem ao padrão tradicional profissional.

“O guarda-roupa de Márquez tem sido um veículo para ela compartilhar sua origem e sua cultura”, afirmou a artista visual Mona Herbe, em Bogotá. “Nos discursos, ela mencionou com clareza problemas que fazem seu povo sofrer, como racismo, marginalização, injustiças e precariedades. Mas com suas roupas, ela manda mensagens sobre a beleza, a complexidade e a riqueza de seus ancestrais.”

Márquez, que antes da campanha era adepta do jeans com camiseta, descreveu uma viagem que fez em 2019 para a Ilha de Goreia, no Senegal, porto a partir do qual africanos escravizados eram mandados para as Américas.

Discurso inovador

“Vemos pessoas usando roupas coloridas o tempo todo”, disse ela ao Washington Post antes da eleição. “Os desenhos nos tecidos têm vários significados. Então, para mim, representar isso em uma campanha política é também falar a respeito da linguagem da memória, que foi apagada de nós, nos foi negada. Me visto dessa maneira de propósito.”

E há o possível benefício de isso ajudá-la a se conectar com a substancial comunidade afro-caribenha da Colômbia — oficialmente 6,2% da população, mas acredita-se que seja maior.

Márquez também estava fomentando uma controvérsia - novamente. Ela passou a campanha falando de sua negritude e denunciando o racismo na Colômbia. Esse é um discurso inovador em um país que há gerações identifica seu povo como uma mesma raça “mestiça”, mesmo enquanto comunidades afro-colombianas e indígenas apresentam índices desproporcionais de pobreza, violência e deslocamentos forçados.

“O problema que as pessoas têm com Francia é o fato dela ser uma mulher negra que não se comporta segundo os padrões, que sabe que é negra e sabe o que isso significa em termos históricos”, afirmou o antropólogo Eduardo Restrepo.

Vice-presidente eleita da Colômbia, Francia Márquez, chama a atenção para cores vívidas e intricados padrões incomuns na arena política local  Foto: Carlos Ortega/EFE

Márquez e Sinisterra têm muito em comum. Ambos são afro-colombianos nascidos na costa do Pacífico; ambos estão entre as cerca de 8 milhões de pessoas que sofreram deslocamentos forçados durante as décadas de conflito sangrento na Colômbia. Em seus discursos de campanha, Márquez com frequência falou diretamente aos “zés-ninguém”: os pobres, os excluídos, os indígenas e os afro-colombianos.

“Eu também sou um zé-ninguém”, afirmou Sinisterra. “Mas nós nos levantamos para resistir e chegar ao poder.”

Deu trabalho transformar o guarda-roupa

“Não foi fácil convencê-la a abrir mão do jeans”, afirmou Rojas. Quando Márquez começou a campanha na chapa presidencial, ela não quis usar terninhos de duas peças. Elas concordaram: elas queriam cor.

“Eu queria que estilistas do sudoeste do país tivessem uma chance”, afirmou Rojas. Grande parte da população dessa região é negra. Sinisterra, que Márquez já conhecia, foi recomendado por muita gente. “Dentro da nossa comunidade, ela sempre foi uma líder, uma inspiração”, afirmou Sinisterra. “Eu já tinha fabricado roupas para ela.”

Sinisterra começou a trabalhar com estampas de inspiração africana depois do deslocamento forçado de sua família, em 2004.

“Nós, o povo dos pequenos vilarejos, queremos mostrar nossas expressões culturais em cidades grandes, como Buenaventura e Cali”, afirmou ele, mencionando duas cidades em que viveu. “No meu caso, eu passei a querer mostrar isso quando me dei conta, depois de sofrer preconceito, de que sou um homem negro. Na minha cidade-natal, eu não tinha consciência que era negro — eu era apenas um cara normal.”

Esteban Sinisterra Paz lançou sua marca de moda, Esteban African, para comprar comida e suprir outras necessidades básicas  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Em Santa Bárbara de Iscuandé, um vilarejo feito de casas de madeira com telhados de zinco, todos eram negros. E quase todos eram pobres.

Eles não sabiam quem eram os homens armados que os forçaram a fugir, mas souberam acatar sua ameaça. Naquela época, mostram os registros, cultivos ilegais de coca começavam a cobrir os campos de Nariño, o Departamento em que eles viviam, na fronteira com o Equador. Massacres, assassinatos e deslocamentos forçados tornaram-se comuns quando grupos paramilitares e guerrilheiros começaram a lutar pelo território.

Sinisterra lançou sua marca de moda, Esteban African, para comprar comida e suprir outras necessidades básicas. Os pais dele não tinham treinamento em nenhum ofício. Eles compravam e vendiam mercadorias para sustentar os quatro filhos, mas o dinheiro era escasso. Sinisterra e seus primos recolhiam garrafas de aguardente para vender por trocados.

Sinisterra pensava que conseguiria um bom sustento com a moda. Inicialmente, moda masculina.

Coisa de mulher

O pai dele não gostou da ideia: trabalhar com as agulhas era coisa de mulher, afirmava ele. Então, Sinisterra se candidatou para a faculdade de serviço social. Ele queria ficar em paz com o pai e se tornar o primeiro na família a frequentar a universidade.

Sinisterra tem se virado entre os estudos na faculdade e sua linha de moda. Falta um semestre para ele se tornar um trabalhador de serviço social que por acaso também é um estilista cujo pequeno ateliê fica na casa dos pais, em um bairro de classe trabalhadora no leste de Cali. É lá que ele guarda seus tecidos, duas máquinas de costura, uma tábua de passar roupas — e as vívidas e coloridas peças feitas a mão para pronta entrega.

Tecidos com estampas africanas são a matéria-prima de Sinisterra. “Para mim, os mais bonitos e representativos são os tecidos de Kente, cujas estampas homenageiam mulheres ganenses colhendo os frutos da terra”, afirmou ele. “É um pouco parecido com as cestas feitas pelas mulheres no pacífico para coletar o que o oceano provê.”

Sinisterra criou para Márquez principalmente trajes de várias peças, para ela poder combiná-las de maneiras distintas, como preferir, criando a ilusão de estar com uma roupa diferente todos os dias. “Sou uma mulher pobre”, afirma Márquez repetidamente.

As heranças da África e da costa colombiana no Pacífico estão em cada saia, top ou jaqueta.

Sinisterra montou seu pequeno ateliê na casa dos pais, em um bairro de classe trabalhadora no leste de Cali  Foto: Charlie Cordero/For The Washington Post

Sinisterra afirma que Márquez recebeu doações de tecidos, mas pagou por todas as peças que ele fabricou. Ele não revela quanto. “Ela é minha irmã. Decidimos apoiar a aspiração política dela”, afirmou Sinisterra. “É algo que vai além de questões econômicas. Temos de apoiar uns aos outros.”

O trabalho tem chamado atenção para o negócio de Sinisterra. Ele afirma ter conseguido clientes na política, no mundo artístico e na academia. Mas ele não deu detalhes.

Sinisterra foi convidado para a cerimônia de posse presidencial, em 7 de agosto.

“No dia que Francia assumir, quero vê-la enchendo de orgulho todas as pessoas que a apoiaram investindo tempo e esforço nesse projeto coletivo, lindo e cheio de significado”, afirmou ele. “Espero que ela encha de orgulho crianças que às vezes acreditam que pessoas negras não têm oportunidade de ocupar posições tão importantes.”

Sinisterra também está louco para ver que traje Márquez selecionou para a posse, entre os três que ele lhe enviou. E ainda não sabe com que roupa vai à festa. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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