‘Estou sendo indiciado em nome de vocês’, diz Trump aos apoiadores


O ex-presidente, que tem centrado sua pré-campanha para a presidência principalmente em seu próprios problemas pessoais, tentando convencer apoiadores a verem a si mesmos retratados em seu martírio

Por Nick Corasaniti e Trip Gabriel

THE NEW YORK TIMES — Conforme os advogados de Donald Trump ventilam vários argumentos jurídicos para defendê-lo de uma série de acusações criminais na Justiça, o ex-presidente tem se aferrado a uma defesa política: “Eu estou sendo indiciado em nome de vocês”.

Em discursos, posts em redes sociais e anúncios publicitários, Trump tem declarado repetidamente que as acusações contra ele constituem uma caça às bruxas de cunho político, definindo-se como um mártir que está apanhando dos democratas e do governo em nome de seus apoiadores.

“Eles querem tirar minha liberdade porque eu jamais deixarei eles tirarem a liberdade de vocês”, disse Trump a uma multidão num evento eleitoral em New Hampshire, na terça-feira, 8. “Eles querem me silenciar porque eu jamais deixarei eles silenciarem vocês.”

continua após a publicidade
O ex-presidente Donald Trump chega a um comício, em 5 de agosto de 2022, em Waukesha, Wisconsin.  Foto: Morry Gash / AP

Nas campanhas de 2016 e 2020, Trump apresentou-se aos eleitores como um candidato que entendia seus descontentamentos e prometia lutar pelo povo. Agora, contudo,  ele tem centrado sua pré-campanha para a disputa presidencial de 2024 em torno de seus próprios problemas — tentando convencer seus apoiadores a verem a si mesmos retratados no caso dele. O ex-presidente continua a argumentar falsamente que a eleição de 2020 lhe foi roubada e a definir sua derrota como um roubo aos seus eleitores. Trump afirma que o risco jurídico que ele enfrenta hoje, decorrente de vários indiciamentos, é o tipo de perseguição que seus apoiadores também poderiam sofrer.

E há evidência de que esta mensagem reverbera.

continua após a publicidade

Lorraine Rudd, que compareceu ao evento de pré-campanha de Trump em New Hampshire, afirmou que, após seu terceiro indiciamento, na semana passada, que contém um relato ponto a ponto, de 45 páginas, de seus esforços para reverter o resultado da eleição de 2020, ela se deu conta de que também poderia ser processada injustamente.

“Se eles podem fazer isso com ele e derrubá-lo, também podem vir atrás de mim”, afirmou Rudd, de 64 anos, moradora de Massachusetts. Ela disse que concorda firmemente com a alegação falsa de Trump de que foi ele o verdadeiro vencedor da eleição de 2020. “E aí? E se a próxima for eu?”

Em março, quando Trump anunciou sua candidatura antes dos indiciamentos, ele disse aos apoiadores, “Eu sou seu vingador”. A mudança para o atual lamento, “Eu estou sendo indiciado em nome de vocês”, sugere uma nova calibragem de sua narrativa de campanha, conforme Trump define os processos criminais a que responde como um esforço para evitar que ele retorne para a Casa Branca.

continua após a publicidade

Em junho, após ser acusado de reter documentos secretos do governo, Trump afirmou em um encontro republicano em Michigan: “Essencialmente, eu estou sendo indiciado por vocês”.

Em 3 de agosto, dia do seu terceiro indiciamento, que o acusa de trabalhar para reverter o resultado da eleição de 2020, Trump postou em sua rede social que ser acusado de fraude e obstrução em Washington era uma “honra” porque, conforme ele escreveu em letras maiúsculas, “Eu estou sendo preso para defender vocês”.

continua após a publicidade

Trump retratar-se como vítima do sistema de Justiça criminal — ecoando narrativas da época em que foi investigado em razão da influência da Rússia na campanha de 2016 e sofreu seu primeiro impeachment — tem funcionado para consolidar o apoio dos republicanos em torno dele.

Desde seu primeiro indiciamento, em março, pela Justiça de Nova York, por acusações relacionadas a pagamentos para uma estrela pornô, os eleitores republicanos têm expressado apoio a Trump em pesquisas. Os congressistas republicanos, cientes de que quase toda a base do partido aceita as mentiras de Trump a respeito da eleição de 2020, têm pedido investigações sobre o que eles qualificam como um “uso bélico” das agências de segurança federais.

E muitos dos rivais de Trump nas primárias republicanas têm repetido suas promessas de demitir o diretor do FBI e pôr fim à tradicional independência entre o Departamento de Justiça e a Casa Branca.

continua após a publicidade
O ex-presidente Donald Trump fala em um comício de campanha na Windham High School em Windham, N.H., na terça-feira, 8 de agosto de 2023.  Foto: David Degner / NYT

Na pesquisa New York Times/Siena College publicada na semana passada, anteriormente ao indiciamento mais recente de Trump, 71% dos eleitores republicanos afirmaram que o ex-presidente não cometeu nenhum crime federal grave e que os republicanos precisam apoiá-lo.

Quando um competidor sem chance de vencer a indicação republicana, o ex-deputado Will Hurd, do Texas, afirmou em um encontro de seu partido em Iowa, recentemente, que o Trump não concorre para representar as pessoas que o apoiaram em 2016 e 2020, mas “para ficar fora da prisão”, acabou vaiado.

continua após a publicidade

Em comentários públicos, advogados de Trump têm indicado que montarão uma defesa sob o argumento da livre expressão no caso mais recente, relacionado à eleição de 2020. Eles têm argumentado que as afirmações de Trump anteriores ao ataque de 11 de janeiro de 2021 foram conclamações “aspiracionais” — que incluem mentir aos eleitores a respeito de uma fraude generalizada, pressionar o então vice-presidente, Mike Pence, a ignorar a Constituição e pedir para o secretário estadual de Geórgia “encontrar” votos suficientes para ajudá-lo a vencer no Estado.

O ex-presidente e seus aliados nos meios de comunicação conservadores e no Congresso estão simultaneamente travando uma batalha para conquistar a opinião pública acusando Hunter Biden, filho do presidente Joe Biden, de má conduta em negociações de contratos e tentam atrelar alegações de práticas obscuras também ao presidente, relativas à época em que ele foi vice de Barack Obama. Investigações conduzidas pelos republicanos da Câmara não produziram nenhuma evidência de violações por parte de Biden, mas esses esforços convenceram muitos republicanos de que os indiciamentos de Trump são parte de uma conspiração para desviar a atenção do presidente e sua família.

Na terça-feira, Trump prometeu que nomeará um promotor especial para investigar os Biden, seu provável rival político caso ele vença as primárias republicanas. Trump também continuou com seus ataques pessoais contra o promotor especial Jack Smith, que montou a acusação contra Trump na Justiça federal, afirmando que ele é “transtornado”.

E sem se referir à pessoa pelo nome, Trump ofendeu a promotora distrital Fani Willis, do Condado de Fulton, Geórgia, que é negra, chamando-a de “racista”. Willis coordena uma outra investigação a respeito de supostos esforços de Trump e aliados para interferir na eleição no Estado, onde ele perdeu para o presidente Biden.

Com Trump à frente de todas as pesquisas para as primárias republicanas, alguns rivais têm sido mais diretos em questioná-lo a respeito do tema da eleição de 2020.

O governador da Flórida, Ron DeSantis, disse ser “evidente” que Trump perdeu a reeleição, em seu reconhecimento mais notório até aqui de uma realidade sobre a qual ele tergiversa há três anos. O ex-vice-presidente Mike Pence, que poderia ser uma das principais testemunhas de um julgamento com foco no 6 de Janeiro, afirmou que Trump o pressionou para “essencialmente reverter a eleição”.

Cerca de uma hora de carro a noroeste do comício de Trump naquela noite de terça-feira, o ex-governador de Nova Jersey Chris Christie, um dos críticos mais contundentes de Trump nas primárias, escarneceu das proclamações do ex-presidente.

“Enquanto eu caminho pela Ucrânia, ele é convidado a comparecer a uma corte de Washington, DC, para nos dizer que está sendo indiciado em nosso nome. Por nós! Não é muita sorte termos um líder tão altruísta e magnânimo?”, disse Christie, arrancando risos e aplausos. “Porque vocês sabem que o governo estava vindo atrás de vocês, mas acabou esbarrando em Donald Trump e dizendo, ‘OK, vamos pegá-lo em vez de vocês’.”

A narrativa de perseguição injusta do sistema de Justiça criminal, que os republicanos, como partidários da lei e da ordem, defendiam ferrenhamente no passado, tem fincado raízes profundas entre apoiadores de Trump.

Steve Vicere, que dirigiu de sua residência, na Flórida, até New Hampshire para ver Trump, afirmou que os indiciamentos são uma “distração” e representam tentativas dos democratas de impedir que Trump volte à presidência. “As liberdades mais cotidianas estão sendo sistematicamente tiradas de nós, e ninguém faz nada”, afirmou Vicere, de 54 anos.

O motorista de limusine Dean Brady, de Newmarket, New Hampshire, aceita a mensagem de Trump de que ele está apanhando no lugar de seus eleitores. “Eles nos representa”, afirmou Brady, de 60 anos. “Ele não tem motivação pessoal. Poderia deixar tudo para trás e ir cuidar da própria vida. Ele faz isso porque ama os Estados Unidos e se importa com a gente.”

Mas nem todos os eleitores republicanos compram a vitimização de Trump. Jean Davis, que compareceu a um churrasco em Iowa, no domingo, para ouvir sete rivais republicanos de Trump, afirmou que o indiciamento mais recente deveria desqualificá-lo como candidato. O marido dela, Russ Davis, que apoia DeSantis, afirmou que, se Trump vencer as primárias republicanas, suas chances de derrotar Biden serão “próximas a zero”. “Mas muita gente no Partido Republicano não consegue suportar aquela matraca”, afirmou ele. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES — Conforme os advogados de Donald Trump ventilam vários argumentos jurídicos para defendê-lo de uma série de acusações criminais na Justiça, o ex-presidente tem se aferrado a uma defesa política: “Eu estou sendo indiciado em nome de vocês”.

Em discursos, posts em redes sociais e anúncios publicitários, Trump tem declarado repetidamente que as acusações contra ele constituem uma caça às bruxas de cunho político, definindo-se como um mártir que está apanhando dos democratas e do governo em nome de seus apoiadores.

“Eles querem tirar minha liberdade porque eu jamais deixarei eles tirarem a liberdade de vocês”, disse Trump a uma multidão num evento eleitoral em New Hampshire, na terça-feira, 8. “Eles querem me silenciar porque eu jamais deixarei eles silenciarem vocês.”

O ex-presidente Donald Trump chega a um comício, em 5 de agosto de 2022, em Waukesha, Wisconsin.  Foto: Morry Gash / AP

Nas campanhas de 2016 e 2020, Trump apresentou-se aos eleitores como um candidato que entendia seus descontentamentos e prometia lutar pelo povo. Agora, contudo,  ele tem centrado sua pré-campanha para a disputa presidencial de 2024 em torno de seus próprios problemas — tentando convencer seus apoiadores a verem a si mesmos retratados no caso dele. O ex-presidente continua a argumentar falsamente que a eleição de 2020 lhe foi roubada e a definir sua derrota como um roubo aos seus eleitores. Trump afirma que o risco jurídico que ele enfrenta hoje, decorrente de vários indiciamentos, é o tipo de perseguição que seus apoiadores também poderiam sofrer.

E há evidência de que esta mensagem reverbera.

Lorraine Rudd, que compareceu ao evento de pré-campanha de Trump em New Hampshire, afirmou que, após seu terceiro indiciamento, na semana passada, que contém um relato ponto a ponto, de 45 páginas, de seus esforços para reverter o resultado da eleição de 2020, ela se deu conta de que também poderia ser processada injustamente.

“Se eles podem fazer isso com ele e derrubá-lo, também podem vir atrás de mim”, afirmou Rudd, de 64 anos, moradora de Massachusetts. Ela disse que concorda firmemente com a alegação falsa de Trump de que foi ele o verdadeiro vencedor da eleição de 2020. “E aí? E se a próxima for eu?”

Em março, quando Trump anunciou sua candidatura antes dos indiciamentos, ele disse aos apoiadores, “Eu sou seu vingador”. A mudança para o atual lamento, “Eu estou sendo indiciado em nome de vocês”, sugere uma nova calibragem de sua narrativa de campanha, conforme Trump define os processos criminais a que responde como um esforço para evitar que ele retorne para a Casa Branca.

Em junho, após ser acusado de reter documentos secretos do governo, Trump afirmou em um encontro republicano em Michigan: “Essencialmente, eu estou sendo indiciado por vocês”.

Em 3 de agosto, dia do seu terceiro indiciamento, que o acusa de trabalhar para reverter o resultado da eleição de 2020, Trump postou em sua rede social que ser acusado de fraude e obstrução em Washington era uma “honra” porque, conforme ele escreveu em letras maiúsculas, “Eu estou sendo preso para defender vocês”.

Trump retratar-se como vítima do sistema de Justiça criminal — ecoando narrativas da época em que foi investigado em razão da influência da Rússia na campanha de 2016 e sofreu seu primeiro impeachment — tem funcionado para consolidar o apoio dos republicanos em torno dele.

Desde seu primeiro indiciamento, em março, pela Justiça de Nova York, por acusações relacionadas a pagamentos para uma estrela pornô, os eleitores republicanos têm expressado apoio a Trump em pesquisas. Os congressistas republicanos, cientes de que quase toda a base do partido aceita as mentiras de Trump a respeito da eleição de 2020, têm pedido investigações sobre o que eles qualificam como um “uso bélico” das agências de segurança federais.

E muitos dos rivais de Trump nas primárias republicanas têm repetido suas promessas de demitir o diretor do FBI e pôr fim à tradicional independência entre o Departamento de Justiça e a Casa Branca.

O ex-presidente Donald Trump fala em um comício de campanha na Windham High School em Windham, N.H., na terça-feira, 8 de agosto de 2023.  Foto: David Degner / NYT

Na pesquisa New York Times/Siena College publicada na semana passada, anteriormente ao indiciamento mais recente de Trump, 71% dos eleitores republicanos afirmaram que o ex-presidente não cometeu nenhum crime federal grave e que os republicanos precisam apoiá-lo.

Quando um competidor sem chance de vencer a indicação republicana, o ex-deputado Will Hurd, do Texas, afirmou em um encontro de seu partido em Iowa, recentemente, que o Trump não concorre para representar as pessoas que o apoiaram em 2016 e 2020, mas “para ficar fora da prisão”, acabou vaiado.

Em comentários públicos, advogados de Trump têm indicado que montarão uma defesa sob o argumento da livre expressão no caso mais recente, relacionado à eleição de 2020. Eles têm argumentado que as afirmações de Trump anteriores ao ataque de 11 de janeiro de 2021 foram conclamações “aspiracionais” — que incluem mentir aos eleitores a respeito de uma fraude generalizada, pressionar o então vice-presidente, Mike Pence, a ignorar a Constituição e pedir para o secretário estadual de Geórgia “encontrar” votos suficientes para ajudá-lo a vencer no Estado.

O ex-presidente e seus aliados nos meios de comunicação conservadores e no Congresso estão simultaneamente travando uma batalha para conquistar a opinião pública acusando Hunter Biden, filho do presidente Joe Biden, de má conduta em negociações de contratos e tentam atrelar alegações de práticas obscuras também ao presidente, relativas à época em que ele foi vice de Barack Obama. Investigações conduzidas pelos republicanos da Câmara não produziram nenhuma evidência de violações por parte de Biden, mas esses esforços convenceram muitos republicanos de que os indiciamentos de Trump são parte de uma conspiração para desviar a atenção do presidente e sua família.

Na terça-feira, Trump prometeu que nomeará um promotor especial para investigar os Biden, seu provável rival político caso ele vença as primárias republicanas. Trump também continuou com seus ataques pessoais contra o promotor especial Jack Smith, que montou a acusação contra Trump na Justiça federal, afirmando que ele é “transtornado”.

E sem se referir à pessoa pelo nome, Trump ofendeu a promotora distrital Fani Willis, do Condado de Fulton, Geórgia, que é negra, chamando-a de “racista”. Willis coordena uma outra investigação a respeito de supostos esforços de Trump e aliados para interferir na eleição no Estado, onde ele perdeu para o presidente Biden.

Com Trump à frente de todas as pesquisas para as primárias republicanas, alguns rivais têm sido mais diretos em questioná-lo a respeito do tema da eleição de 2020.

O governador da Flórida, Ron DeSantis, disse ser “evidente” que Trump perdeu a reeleição, em seu reconhecimento mais notório até aqui de uma realidade sobre a qual ele tergiversa há três anos. O ex-vice-presidente Mike Pence, que poderia ser uma das principais testemunhas de um julgamento com foco no 6 de Janeiro, afirmou que Trump o pressionou para “essencialmente reverter a eleição”.

Cerca de uma hora de carro a noroeste do comício de Trump naquela noite de terça-feira, o ex-governador de Nova Jersey Chris Christie, um dos críticos mais contundentes de Trump nas primárias, escarneceu das proclamações do ex-presidente.

“Enquanto eu caminho pela Ucrânia, ele é convidado a comparecer a uma corte de Washington, DC, para nos dizer que está sendo indiciado em nosso nome. Por nós! Não é muita sorte termos um líder tão altruísta e magnânimo?”, disse Christie, arrancando risos e aplausos. “Porque vocês sabem que o governo estava vindo atrás de vocês, mas acabou esbarrando em Donald Trump e dizendo, ‘OK, vamos pegá-lo em vez de vocês’.”

A narrativa de perseguição injusta do sistema de Justiça criminal, que os republicanos, como partidários da lei e da ordem, defendiam ferrenhamente no passado, tem fincado raízes profundas entre apoiadores de Trump.

Steve Vicere, que dirigiu de sua residência, na Flórida, até New Hampshire para ver Trump, afirmou que os indiciamentos são uma “distração” e representam tentativas dos democratas de impedir que Trump volte à presidência. “As liberdades mais cotidianas estão sendo sistematicamente tiradas de nós, e ninguém faz nada”, afirmou Vicere, de 54 anos.

O motorista de limusine Dean Brady, de Newmarket, New Hampshire, aceita a mensagem de Trump de que ele está apanhando no lugar de seus eleitores. “Eles nos representa”, afirmou Brady, de 60 anos. “Ele não tem motivação pessoal. Poderia deixar tudo para trás e ir cuidar da própria vida. Ele faz isso porque ama os Estados Unidos e se importa com a gente.”

Mas nem todos os eleitores republicanos compram a vitimização de Trump. Jean Davis, que compareceu a um churrasco em Iowa, no domingo, para ouvir sete rivais republicanos de Trump, afirmou que o indiciamento mais recente deveria desqualificá-lo como candidato. O marido dela, Russ Davis, que apoia DeSantis, afirmou que, se Trump vencer as primárias republicanas, suas chances de derrotar Biden serão “próximas a zero”. “Mas muita gente no Partido Republicano não consegue suportar aquela matraca”, afirmou ele. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES — Conforme os advogados de Donald Trump ventilam vários argumentos jurídicos para defendê-lo de uma série de acusações criminais na Justiça, o ex-presidente tem se aferrado a uma defesa política: “Eu estou sendo indiciado em nome de vocês”.

Em discursos, posts em redes sociais e anúncios publicitários, Trump tem declarado repetidamente que as acusações contra ele constituem uma caça às bruxas de cunho político, definindo-se como um mártir que está apanhando dos democratas e do governo em nome de seus apoiadores.

“Eles querem tirar minha liberdade porque eu jamais deixarei eles tirarem a liberdade de vocês”, disse Trump a uma multidão num evento eleitoral em New Hampshire, na terça-feira, 8. “Eles querem me silenciar porque eu jamais deixarei eles silenciarem vocês.”

O ex-presidente Donald Trump chega a um comício, em 5 de agosto de 2022, em Waukesha, Wisconsin.  Foto: Morry Gash / AP

Nas campanhas de 2016 e 2020, Trump apresentou-se aos eleitores como um candidato que entendia seus descontentamentos e prometia lutar pelo povo. Agora, contudo,  ele tem centrado sua pré-campanha para a disputa presidencial de 2024 em torno de seus próprios problemas — tentando convencer seus apoiadores a verem a si mesmos retratados no caso dele. O ex-presidente continua a argumentar falsamente que a eleição de 2020 lhe foi roubada e a definir sua derrota como um roubo aos seus eleitores. Trump afirma que o risco jurídico que ele enfrenta hoje, decorrente de vários indiciamentos, é o tipo de perseguição que seus apoiadores também poderiam sofrer.

E há evidência de que esta mensagem reverbera.

Lorraine Rudd, que compareceu ao evento de pré-campanha de Trump em New Hampshire, afirmou que, após seu terceiro indiciamento, na semana passada, que contém um relato ponto a ponto, de 45 páginas, de seus esforços para reverter o resultado da eleição de 2020, ela se deu conta de que também poderia ser processada injustamente.

“Se eles podem fazer isso com ele e derrubá-lo, também podem vir atrás de mim”, afirmou Rudd, de 64 anos, moradora de Massachusetts. Ela disse que concorda firmemente com a alegação falsa de Trump de que foi ele o verdadeiro vencedor da eleição de 2020. “E aí? E se a próxima for eu?”

Em março, quando Trump anunciou sua candidatura antes dos indiciamentos, ele disse aos apoiadores, “Eu sou seu vingador”. A mudança para o atual lamento, “Eu estou sendo indiciado em nome de vocês”, sugere uma nova calibragem de sua narrativa de campanha, conforme Trump define os processos criminais a que responde como um esforço para evitar que ele retorne para a Casa Branca.

Em junho, após ser acusado de reter documentos secretos do governo, Trump afirmou em um encontro republicano em Michigan: “Essencialmente, eu estou sendo indiciado por vocês”.

Em 3 de agosto, dia do seu terceiro indiciamento, que o acusa de trabalhar para reverter o resultado da eleição de 2020, Trump postou em sua rede social que ser acusado de fraude e obstrução em Washington era uma “honra” porque, conforme ele escreveu em letras maiúsculas, “Eu estou sendo preso para defender vocês”.

Trump retratar-se como vítima do sistema de Justiça criminal — ecoando narrativas da época em que foi investigado em razão da influência da Rússia na campanha de 2016 e sofreu seu primeiro impeachment — tem funcionado para consolidar o apoio dos republicanos em torno dele.

Desde seu primeiro indiciamento, em março, pela Justiça de Nova York, por acusações relacionadas a pagamentos para uma estrela pornô, os eleitores republicanos têm expressado apoio a Trump em pesquisas. Os congressistas republicanos, cientes de que quase toda a base do partido aceita as mentiras de Trump a respeito da eleição de 2020, têm pedido investigações sobre o que eles qualificam como um “uso bélico” das agências de segurança federais.

E muitos dos rivais de Trump nas primárias republicanas têm repetido suas promessas de demitir o diretor do FBI e pôr fim à tradicional independência entre o Departamento de Justiça e a Casa Branca.

O ex-presidente Donald Trump fala em um comício de campanha na Windham High School em Windham, N.H., na terça-feira, 8 de agosto de 2023.  Foto: David Degner / NYT

Na pesquisa New York Times/Siena College publicada na semana passada, anteriormente ao indiciamento mais recente de Trump, 71% dos eleitores republicanos afirmaram que o ex-presidente não cometeu nenhum crime federal grave e que os republicanos precisam apoiá-lo.

Quando um competidor sem chance de vencer a indicação republicana, o ex-deputado Will Hurd, do Texas, afirmou em um encontro de seu partido em Iowa, recentemente, que o Trump não concorre para representar as pessoas que o apoiaram em 2016 e 2020, mas “para ficar fora da prisão”, acabou vaiado.

Em comentários públicos, advogados de Trump têm indicado que montarão uma defesa sob o argumento da livre expressão no caso mais recente, relacionado à eleição de 2020. Eles têm argumentado que as afirmações de Trump anteriores ao ataque de 11 de janeiro de 2021 foram conclamações “aspiracionais” — que incluem mentir aos eleitores a respeito de uma fraude generalizada, pressionar o então vice-presidente, Mike Pence, a ignorar a Constituição e pedir para o secretário estadual de Geórgia “encontrar” votos suficientes para ajudá-lo a vencer no Estado.

O ex-presidente e seus aliados nos meios de comunicação conservadores e no Congresso estão simultaneamente travando uma batalha para conquistar a opinião pública acusando Hunter Biden, filho do presidente Joe Biden, de má conduta em negociações de contratos e tentam atrelar alegações de práticas obscuras também ao presidente, relativas à época em que ele foi vice de Barack Obama. Investigações conduzidas pelos republicanos da Câmara não produziram nenhuma evidência de violações por parte de Biden, mas esses esforços convenceram muitos republicanos de que os indiciamentos de Trump são parte de uma conspiração para desviar a atenção do presidente e sua família.

Na terça-feira, Trump prometeu que nomeará um promotor especial para investigar os Biden, seu provável rival político caso ele vença as primárias republicanas. Trump também continuou com seus ataques pessoais contra o promotor especial Jack Smith, que montou a acusação contra Trump na Justiça federal, afirmando que ele é “transtornado”.

E sem se referir à pessoa pelo nome, Trump ofendeu a promotora distrital Fani Willis, do Condado de Fulton, Geórgia, que é negra, chamando-a de “racista”. Willis coordena uma outra investigação a respeito de supostos esforços de Trump e aliados para interferir na eleição no Estado, onde ele perdeu para o presidente Biden.

Com Trump à frente de todas as pesquisas para as primárias republicanas, alguns rivais têm sido mais diretos em questioná-lo a respeito do tema da eleição de 2020.

O governador da Flórida, Ron DeSantis, disse ser “evidente” que Trump perdeu a reeleição, em seu reconhecimento mais notório até aqui de uma realidade sobre a qual ele tergiversa há três anos. O ex-vice-presidente Mike Pence, que poderia ser uma das principais testemunhas de um julgamento com foco no 6 de Janeiro, afirmou que Trump o pressionou para “essencialmente reverter a eleição”.

Cerca de uma hora de carro a noroeste do comício de Trump naquela noite de terça-feira, o ex-governador de Nova Jersey Chris Christie, um dos críticos mais contundentes de Trump nas primárias, escarneceu das proclamações do ex-presidente.

“Enquanto eu caminho pela Ucrânia, ele é convidado a comparecer a uma corte de Washington, DC, para nos dizer que está sendo indiciado em nosso nome. Por nós! Não é muita sorte termos um líder tão altruísta e magnânimo?”, disse Christie, arrancando risos e aplausos. “Porque vocês sabem que o governo estava vindo atrás de vocês, mas acabou esbarrando em Donald Trump e dizendo, ‘OK, vamos pegá-lo em vez de vocês’.”

A narrativa de perseguição injusta do sistema de Justiça criminal, que os republicanos, como partidários da lei e da ordem, defendiam ferrenhamente no passado, tem fincado raízes profundas entre apoiadores de Trump.

Steve Vicere, que dirigiu de sua residência, na Flórida, até New Hampshire para ver Trump, afirmou que os indiciamentos são uma “distração” e representam tentativas dos democratas de impedir que Trump volte à presidência. “As liberdades mais cotidianas estão sendo sistematicamente tiradas de nós, e ninguém faz nada”, afirmou Vicere, de 54 anos.

O motorista de limusine Dean Brady, de Newmarket, New Hampshire, aceita a mensagem de Trump de que ele está apanhando no lugar de seus eleitores. “Eles nos representa”, afirmou Brady, de 60 anos. “Ele não tem motivação pessoal. Poderia deixar tudo para trás e ir cuidar da própria vida. Ele faz isso porque ama os Estados Unidos e se importa com a gente.”

Mas nem todos os eleitores republicanos compram a vitimização de Trump. Jean Davis, que compareceu a um churrasco em Iowa, no domingo, para ouvir sete rivais republicanos de Trump, afirmou que o indiciamento mais recente deveria desqualificá-lo como candidato. O marido dela, Russ Davis, que apoia DeSantis, afirmou que, se Trump vencer as primárias republicanas, suas chances de derrotar Biden serão “próximas a zero”. “Mas muita gente no Partido Republicano não consegue suportar aquela matraca”, afirmou ele. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.