Uma visita a Kiev sob bombardeio russo mostra por que a Ucrânia pode vencer a guerra; leia a análise


No passado, essa narrativa continha um grande elemento de bravata e ilusão, mas agora é produto de uma experiência conquistada a duras penas, principalmente com o fornecimento do armamento necessário para a contraofensiva

Por Max Boot
Atualização:

KIEV, Ucrânia — À distância, a guerra na Ucrânia pode parecer um impasse sangrento sem vencedores e nenhuma alternativa a não ser uma solução negociada. A confiança dos ucranianos de que conseguirão expulsar os invasores russos de todo o seu território, até da Crimeia (ocupada pela Rússia desde 2014), pode parecer delirante. As mesmas eminências de Washington que previram no ano passado que Kiev cairia em 72 horas afirmam agora que os ucranianos terão de se preparar para um conflito “congelado”, que deixará os criminosos de guerra de Moscou no controle de um quinto de seu território.

Mas depois de visitar Kiev durante a semana passada, com uma delegação da Renew Democracy Initiative (um grupo pró-democracia fundado pelo ex-campeão de xadrez Garry Kasparov), eu concluí que a determinação dos ucranianos de prevalecer contrariando amplas expectativas não é apenas louvável, é também eminentemente sensata. Os ucranianos aguentaram o pior que o ditador russo, Vladimir Putin, tem a oferecer — e não apenas sobreviveram, mas também prosperaram.

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Kiev não parece uma cidade sitiada. É uma metrópole agitada e vibrante, com congestionamentos de trânsito e bares e restaurantes movimentados. O prefeito Vitali Klitschko disse-nos que sua população, de 3,8 milhões antes da guerra, voltou agora para 3,6 milhões — mas passou a incluir 300 mil refugiados das regiões ucranianas devastadas pela guerra. Os subúrbios ao norte de Kiev, que o Exército russo alcançou em março de 2022, continuam repletos de edifícios chamuscados, mas é difícil se deparar com o dano da guerra dentro dos limites da capital. A cidade de Bakhmut, no leste ucraniano, palco da maior batalha terrestre dentro da Europa desde a 2.ª Guerra, fica a meros 580 quilômetros de lá, mas parece muito mais distante.

Policiais ucranianos ajudam homem que ficou ferido após ataque russo em Kiev Foto: Alex Babenko / AP

Os maiores lembretes do conflito em andamento são os frequentes ataques aéreos dos russos, que são anunciados pela voz do ator Mark Hamill no aplicativo Air Alert, instalados nos celulares de todos. (Quando soa o sinal de liberação, Hamill diz aos ucranianos, “Que a força esteja com vocês”.) De fato, na noite seguinte à nossa chegada de Varsóvia, de trem, em 16 de maio, nós testemunhamos um dos maiores ataques aéreos contra Kiev até aqui. De acordo com as autoridades ucranianas, os russos lançaram seis mísseis hipersônicos Kinzhal, nove mísseis de cruzeiro Kalibr, três mísseis balísticos Iskander e inúmeros drones de ataque Shahed.

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Os russos tinham se gabado afirmando que os mísseis Kinzhal eram tão velozes que não podiam ser impedidos. Mas seus projéteis foram destruídos totalmente pelo novo sistema de mísseis Patriot de defesa recém-adquirido — que compõe uma densa rede de defesas antiaéreas antigas, da era soviética, e novas, enviadas pelo Ocidente; incluindo os sistemas Nasam, de fabricação americana e norueguesa, e IRIS-T, alemães, que agora guardam seu território. Ainda mais notavelmente, ninguém foi morto pela barragem de fogo no início da manhã, que pode ter sido destinada a eliminar o sistema Patriot. Houve apenas dano mínimo, causado por escombros dos mísseis russos que despencaram. (Um componente do sistema Patriot acabou levemente danificado, mas foi consertado rapidamente.)

Da janela do meu quarto de hotel, no centro de Kiev, o ataque não pareceu nada demais — capaz apenas de me furtar alguns instantes de sono com o ruído das explosões do sistema Patriot interceptando os mísseis Kinzhal. O ataque contribuiu notavelmente para a habilidade ucraniana no uso a tecnologia avançada do Ocidente.

Futuro

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Pouco surpreende que os ucranianos não falem a respeito do que acontecerá “depois da guerra”; eles falam apenas do que acontecerá “depois da vitória” — confiantes a esse ponto. No passado, essa narrativa continha um grande elemento de bravata e ilusão, mas agora é produto de uma experiência conquistada a duras penas. “Nada mais pode nos surpreender, nós já vimos tudo o que eles têm”, disse-nos um oficial de alta patente. “Não há armas significativas, à parte as nucleares, que os russos não tenham usado contra a Ucrânia.” (Ele acrescentou que o uso de armas nucleares permanece uma “probabilidade baixa”, particularmente agora que os ucranianos são capazes de interceptar mísseis russos eficientemente.)

Nos últimos seis meses, o esforço de guerra russo na Ucrânia colocou foco em duas linhas principais de operações: tentar destruir a infraestrutura de fornecimento de eletricidade e gás natural para tornar impossível a vida nas cidades ucranianas e tentar romper as defesas ucranianas em Bakhmut com ondas de ataques terrestres. Nenhuma das ofensivas sucedeu conforme o planejado.

As luzes continuam acesas na Ucrânia e a vida segue fora das linhas de frente. Os contínuos ataques russos contra áreas urbanas só enfurecem cada vez os ucranianos em relação aos invasores e fortalecem sua determinação em resistir à ofensiva.

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Quanto a Bakhmut, enquanto os mercenários do Grupo Wagner, uma empresa militar privada, controlam agora grande parte da cidade arrasada em nome da Rússia, as forças ucranianas têm avançado em seu entorno nos dias recentes. Após sofrer baixas espantosas ao longo de nove meses para garantir ganhos graduais, o fundador do Wagner Group, Yevgenii Prigozhin, culpou o Ministério da Defesa russo por seu próprio insucesso, reclamando que Moscou não lhe fornecia munição suficiente de artilharia.

Yevgeny Prigozhin, o chefe do Grupo Wagner, afirmou que a Rússia tomou controle da cidade de Bakhmut  Foto: Telegram / AFP

Em uma procura similar por bodes expiatórios, as forças de segurança de Putin acabam de prender três cientistas que ajudaram a desenvolver os mísseis Kinzhal. O Kremlin parece confuso e mergulhado em um jogo de culpabilizações.

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Contraofensiva

Enquanto isso, as Forças Armadas ucranianas, ao mesmo tempo que continuam a sofrer baixas pesadas, estão cada vez mais fortes com as entregas recentes de novos sistemas de armas ocidentais. Os Patriots receberam bastante atenção, mas também foi significativo o envio, dos britânicos, dos mísseis de cruzeiro Storm Shadow, para conferir à Ucrânia uma nova capacidade ofensiva de longo alcance.

Outro avanço foi a decisão do governo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de não impedir que as nações europeias forneçam à Ucrânia caças de combate F-16, cuja capacidade é muito maior que a dos MiG-29 dos ucranianos. Ter caças F-16 permitiria aos ucranianos atacar posições russas a distâncias maiores e defender seu espaço aéreo mesmo conforme a munição de suas antigas defesas antiaéreas soviéticas diminuir. E, dentro de alguns meses, os Estados Unidos deverão enviar tanques M1 Abrams.

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Os Abrams e os F-16 não chegarão a tempo da contraofensiva que se aproxima, mas os soldados ucranianos poderão se beneficiar agora dos tanques Leopard, dos veículos de combate Bradley e de outros blindados ocidentais. A coisa não será fácil para os ucranianos — a Rússia tem 350 mil soldados dentro e no entorno da Ucrânia, disse-nos o ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov — e os ucranianos tentam amainar expectativas. Mas os russos se veem forçados a defender uma linha de frente de 965 quilômetros e não são capazes de fortificar totalmente o front. Os ucranianos terão apenas de encontrar pontos fracos e romper através dessas posições.

Mesmo se o Exército ucraniano fizer um avanço substancial, parece difícil que a guerra possa ser vencida este ano. Isso requereria uma mudança de liderança no Kremlin ou um colapso total das forças russas — e nenhuma das hipóteses é provável. Mas os ucranianos têm uma boa oportunidade de retomar a iniciativa, que eles perderam após o sucesso das contraofensivas em Kharkiv e Kherson, no ano passado — o que poderia lhes dar uma chance de retomar o controle de suas fronteiras anteriores a 2014 no próximo ano, disse-me um oficial do Exército americano que assessora os militares ucranianos.

Sim, isso exigiria libertar a Crimeia, mas Reznikov disse-nos que suas forças não planejam invadir a península fortificada. Seu objetivo é aproximar as tropas ucranianas o suficiente para interditar as linhas de abastecimento dos russos e assim forçá-los a se retirar, da mesma maneira que fizeram em Kherson no outono passado (Hemisfério Norte).

Os ucranianos podem não conseguir alcançar esse objetivo, mas certamente merecem uma chance de tentar. Conforme o ex-ministro da Defesa Andrii Zagorodniuk nos expressou, “A vitória é a única opção”. Após Putin tomar a Crimeia e fomentar uma insurgência no leste da Ucrânia, em 2014, os ucranianos tentaram negociar o fim da guerra durante o processo do Protocolo de Minsk. O único resultado foi convencer o tirano no Kremlin de que ele poderia expandir sua ofensiva impunemente.

A esperada contraofensiva ucraniana deve entrar em vigor com o fornecimento de armamentos de diversos países do Ocidente Foto: Marko Djurica/Reuters

As autoridades ucranianas mais bem informadas não iludem a si mesmas imaginando que seu país é capaz de vencer a guerra este ano. Um graduado oficial militar disse-nos que se a guerra fosse uma partida de futebol, estaria apenas no fim do primeiro tempo. Mas todos os ucranianos com que conversamos, dos mais altos generais aos soldados mais rasos, deixaram transparecer a confiança silenciosa de que uma contraofensiva bem-sucedida será capaz de produzir o cenário de uma vitória final em algum ponto do futuro não tão distante.

“Nós não consideramos esta batalha o último confronto, a luta final”, afirmou o ministro ucraniano de Relações Exteriores, Dmitro Kuleba, a respeito da contraofensiva que se aproxima. “Nós só teremos lutado nossa batalha final quando conseguirmos alcançar a expulsão total das forças russas do nosso território. Caso contrário, haverá outras.”

O papel dos EUA e seus aliados deveria ser dar aos ucranianos todo o equipamento possível — incluindo vários caças F-16 e mísseis de longo alcance — para possibilitar seu sucesso em batalha em vez de tolhê-los pressionando por negociações prematuras que podem prologar a guerra em vez de acabar com ela. Os ucranianos já superaram expectativas, e não há nenhuma razão para crer que não continuem superando — contanto que o Ocidente continue a lhes dar o infatigável apoio que necessitam, esperam e merecem. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

KIEV, Ucrânia — À distância, a guerra na Ucrânia pode parecer um impasse sangrento sem vencedores e nenhuma alternativa a não ser uma solução negociada. A confiança dos ucranianos de que conseguirão expulsar os invasores russos de todo o seu território, até da Crimeia (ocupada pela Rússia desde 2014), pode parecer delirante. As mesmas eminências de Washington que previram no ano passado que Kiev cairia em 72 horas afirmam agora que os ucranianos terão de se preparar para um conflito “congelado”, que deixará os criminosos de guerra de Moscou no controle de um quinto de seu território.

Mas depois de visitar Kiev durante a semana passada, com uma delegação da Renew Democracy Initiative (um grupo pró-democracia fundado pelo ex-campeão de xadrez Garry Kasparov), eu concluí que a determinação dos ucranianos de prevalecer contrariando amplas expectativas não é apenas louvável, é também eminentemente sensata. Os ucranianos aguentaram o pior que o ditador russo, Vladimir Putin, tem a oferecer — e não apenas sobreviveram, mas também prosperaram.

Kiev não parece uma cidade sitiada. É uma metrópole agitada e vibrante, com congestionamentos de trânsito e bares e restaurantes movimentados. O prefeito Vitali Klitschko disse-nos que sua população, de 3,8 milhões antes da guerra, voltou agora para 3,6 milhões — mas passou a incluir 300 mil refugiados das regiões ucranianas devastadas pela guerra. Os subúrbios ao norte de Kiev, que o Exército russo alcançou em março de 2022, continuam repletos de edifícios chamuscados, mas é difícil se deparar com o dano da guerra dentro dos limites da capital. A cidade de Bakhmut, no leste ucraniano, palco da maior batalha terrestre dentro da Europa desde a 2.ª Guerra, fica a meros 580 quilômetros de lá, mas parece muito mais distante.

Policiais ucranianos ajudam homem que ficou ferido após ataque russo em Kiev Foto: Alex Babenko / AP

Os maiores lembretes do conflito em andamento são os frequentes ataques aéreos dos russos, que são anunciados pela voz do ator Mark Hamill no aplicativo Air Alert, instalados nos celulares de todos. (Quando soa o sinal de liberação, Hamill diz aos ucranianos, “Que a força esteja com vocês”.) De fato, na noite seguinte à nossa chegada de Varsóvia, de trem, em 16 de maio, nós testemunhamos um dos maiores ataques aéreos contra Kiev até aqui. De acordo com as autoridades ucranianas, os russos lançaram seis mísseis hipersônicos Kinzhal, nove mísseis de cruzeiro Kalibr, três mísseis balísticos Iskander e inúmeros drones de ataque Shahed.

Os russos tinham se gabado afirmando que os mísseis Kinzhal eram tão velozes que não podiam ser impedidos. Mas seus projéteis foram destruídos totalmente pelo novo sistema de mísseis Patriot de defesa recém-adquirido — que compõe uma densa rede de defesas antiaéreas antigas, da era soviética, e novas, enviadas pelo Ocidente; incluindo os sistemas Nasam, de fabricação americana e norueguesa, e IRIS-T, alemães, que agora guardam seu território. Ainda mais notavelmente, ninguém foi morto pela barragem de fogo no início da manhã, que pode ter sido destinada a eliminar o sistema Patriot. Houve apenas dano mínimo, causado por escombros dos mísseis russos que despencaram. (Um componente do sistema Patriot acabou levemente danificado, mas foi consertado rapidamente.)

Da janela do meu quarto de hotel, no centro de Kiev, o ataque não pareceu nada demais — capaz apenas de me furtar alguns instantes de sono com o ruído das explosões do sistema Patriot interceptando os mísseis Kinzhal. O ataque contribuiu notavelmente para a habilidade ucraniana no uso a tecnologia avançada do Ocidente.

Futuro

Pouco surpreende que os ucranianos não falem a respeito do que acontecerá “depois da guerra”; eles falam apenas do que acontecerá “depois da vitória” — confiantes a esse ponto. No passado, essa narrativa continha um grande elemento de bravata e ilusão, mas agora é produto de uma experiência conquistada a duras penas. “Nada mais pode nos surpreender, nós já vimos tudo o que eles têm”, disse-nos um oficial de alta patente. “Não há armas significativas, à parte as nucleares, que os russos não tenham usado contra a Ucrânia.” (Ele acrescentou que o uso de armas nucleares permanece uma “probabilidade baixa”, particularmente agora que os ucranianos são capazes de interceptar mísseis russos eficientemente.)

Nos últimos seis meses, o esforço de guerra russo na Ucrânia colocou foco em duas linhas principais de operações: tentar destruir a infraestrutura de fornecimento de eletricidade e gás natural para tornar impossível a vida nas cidades ucranianas e tentar romper as defesas ucranianas em Bakhmut com ondas de ataques terrestres. Nenhuma das ofensivas sucedeu conforme o planejado.

As luzes continuam acesas na Ucrânia e a vida segue fora das linhas de frente. Os contínuos ataques russos contra áreas urbanas só enfurecem cada vez os ucranianos em relação aos invasores e fortalecem sua determinação em resistir à ofensiva.

Quanto a Bakhmut, enquanto os mercenários do Grupo Wagner, uma empresa militar privada, controlam agora grande parte da cidade arrasada em nome da Rússia, as forças ucranianas têm avançado em seu entorno nos dias recentes. Após sofrer baixas espantosas ao longo de nove meses para garantir ganhos graduais, o fundador do Wagner Group, Yevgenii Prigozhin, culpou o Ministério da Defesa russo por seu próprio insucesso, reclamando que Moscou não lhe fornecia munição suficiente de artilharia.

Yevgeny Prigozhin, o chefe do Grupo Wagner, afirmou que a Rússia tomou controle da cidade de Bakhmut  Foto: Telegram / AFP

Em uma procura similar por bodes expiatórios, as forças de segurança de Putin acabam de prender três cientistas que ajudaram a desenvolver os mísseis Kinzhal. O Kremlin parece confuso e mergulhado em um jogo de culpabilizações.

Contraofensiva

Enquanto isso, as Forças Armadas ucranianas, ao mesmo tempo que continuam a sofrer baixas pesadas, estão cada vez mais fortes com as entregas recentes de novos sistemas de armas ocidentais. Os Patriots receberam bastante atenção, mas também foi significativo o envio, dos britânicos, dos mísseis de cruzeiro Storm Shadow, para conferir à Ucrânia uma nova capacidade ofensiva de longo alcance.

Outro avanço foi a decisão do governo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de não impedir que as nações europeias forneçam à Ucrânia caças de combate F-16, cuja capacidade é muito maior que a dos MiG-29 dos ucranianos. Ter caças F-16 permitiria aos ucranianos atacar posições russas a distâncias maiores e defender seu espaço aéreo mesmo conforme a munição de suas antigas defesas antiaéreas soviéticas diminuir. E, dentro de alguns meses, os Estados Unidos deverão enviar tanques M1 Abrams.

Os Abrams e os F-16 não chegarão a tempo da contraofensiva que se aproxima, mas os soldados ucranianos poderão se beneficiar agora dos tanques Leopard, dos veículos de combate Bradley e de outros blindados ocidentais. A coisa não será fácil para os ucranianos — a Rússia tem 350 mil soldados dentro e no entorno da Ucrânia, disse-nos o ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov — e os ucranianos tentam amainar expectativas. Mas os russos se veem forçados a defender uma linha de frente de 965 quilômetros e não são capazes de fortificar totalmente o front. Os ucranianos terão apenas de encontrar pontos fracos e romper através dessas posições.

Mesmo se o Exército ucraniano fizer um avanço substancial, parece difícil que a guerra possa ser vencida este ano. Isso requereria uma mudança de liderança no Kremlin ou um colapso total das forças russas — e nenhuma das hipóteses é provável. Mas os ucranianos têm uma boa oportunidade de retomar a iniciativa, que eles perderam após o sucesso das contraofensivas em Kharkiv e Kherson, no ano passado — o que poderia lhes dar uma chance de retomar o controle de suas fronteiras anteriores a 2014 no próximo ano, disse-me um oficial do Exército americano que assessora os militares ucranianos.

Sim, isso exigiria libertar a Crimeia, mas Reznikov disse-nos que suas forças não planejam invadir a península fortificada. Seu objetivo é aproximar as tropas ucranianas o suficiente para interditar as linhas de abastecimento dos russos e assim forçá-los a se retirar, da mesma maneira que fizeram em Kherson no outono passado (Hemisfério Norte).

Os ucranianos podem não conseguir alcançar esse objetivo, mas certamente merecem uma chance de tentar. Conforme o ex-ministro da Defesa Andrii Zagorodniuk nos expressou, “A vitória é a única opção”. Após Putin tomar a Crimeia e fomentar uma insurgência no leste da Ucrânia, em 2014, os ucranianos tentaram negociar o fim da guerra durante o processo do Protocolo de Minsk. O único resultado foi convencer o tirano no Kremlin de que ele poderia expandir sua ofensiva impunemente.

A esperada contraofensiva ucraniana deve entrar em vigor com o fornecimento de armamentos de diversos países do Ocidente Foto: Marko Djurica/Reuters

As autoridades ucranianas mais bem informadas não iludem a si mesmas imaginando que seu país é capaz de vencer a guerra este ano. Um graduado oficial militar disse-nos que se a guerra fosse uma partida de futebol, estaria apenas no fim do primeiro tempo. Mas todos os ucranianos com que conversamos, dos mais altos generais aos soldados mais rasos, deixaram transparecer a confiança silenciosa de que uma contraofensiva bem-sucedida será capaz de produzir o cenário de uma vitória final em algum ponto do futuro não tão distante.

“Nós não consideramos esta batalha o último confronto, a luta final”, afirmou o ministro ucraniano de Relações Exteriores, Dmitro Kuleba, a respeito da contraofensiva que se aproxima. “Nós só teremos lutado nossa batalha final quando conseguirmos alcançar a expulsão total das forças russas do nosso território. Caso contrário, haverá outras.”

O papel dos EUA e seus aliados deveria ser dar aos ucranianos todo o equipamento possível — incluindo vários caças F-16 e mísseis de longo alcance — para possibilitar seu sucesso em batalha em vez de tolhê-los pressionando por negociações prematuras que podem prologar a guerra em vez de acabar com ela. Os ucranianos já superaram expectativas, e não há nenhuma razão para crer que não continuem superando — contanto que o Ocidente continue a lhes dar o infatigável apoio que necessitam, esperam e merecem. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

KIEV, Ucrânia — À distância, a guerra na Ucrânia pode parecer um impasse sangrento sem vencedores e nenhuma alternativa a não ser uma solução negociada. A confiança dos ucranianos de que conseguirão expulsar os invasores russos de todo o seu território, até da Crimeia (ocupada pela Rússia desde 2014), pode parecer delirante. As mesmas eminências de Washington que previram no ano passado que Kiev cairia em 72 horas afirmam agora que os ucranianos terão de se preparar para um conflito “congelado”, que deixará os criminosos de guerra de Moscou no controle de um quinto de seu território.

Mas depois de visitar Kiev durante a semana passada, com uma delegação da Renew Democracy Initiative (um grupo pró-democracia fundado pelo ex-campeão de xadrez Garry Kasparov), eu concluí que a determinação dos ucranianos de prevalecer contrariando amplas expectativas não é apenas louvável, é também eminentemente sensata. Os ucranianos aguentaram o pior que o ditador russo, Vladimir Putin, tem a oferecer — e não apenas sobreviveram, mas também prosperaram.

Kiev não parece uma cidade sitiada. É uma metrópole agitada e vibrante, com congestionamentos de trânsito e bares e restaurantes movimentados. O prefeito Vitali Klitschko disse-nos que sua população, de 3,8 milhões antes da guerra, voltou agora para 3,6 milhões — mas passou a incluir 300 mil refugiados das regiões ucranianas devastadas pela guerra. Os subúrbios ao norte de Kiev, que o Exército russo alcançou em março de 2022, continuam repletos de edifícios chamuscados, mas é difícil se deparar com o dano da guerra dentro dos limites da capital. A cidade de Bakhmut, no leste ucraniano, palco da maior batalha terrestre dentro da Europa desde a 2.ª Guerra, fica a meros 580 quilômetros de lá, mas parece muito mais distante.

Policiais ucranianos ajudam homem que ficou ferido após ataque russo em Kiev Foto: Alex Babenko / AP

Os maiores lembretes do conflito em andamento são os frequentes ataques aéreos dos russos, que são anunciados pela voz do ator Mark Hamill no aplicativo Air Alert, instalados nos celulares de todos. (Quando soa o sinal de liberação, Hamill diz aos ucranianos, “Que a força esteja com vocês”.) De fato, na noite seguinte à nossa chegada de Varsóvia, de trem, em 16 de maio, nós testemunhamos um dos maiores ataques aéreos contra Kiev até aqui. De acordo com as autoridades ucranianas, os russos lançaram seis mísseis hipersônicos Kinzhal, nove mísseis de cruzeiro Kalibr, três mísseis balísticos Iskander e inúmeros drones de ataque Shahed.

Os russos tinham se gabado afirmando que os mísseis Kinzhal eram tão velozes que não podiam ser impedidos. Mas seus projéteis foram destruídos totalmente pelo novo sistema de mísseis Patriot de defesa recém-adquirido — que compõe uma densa rede de defesas antiaéreas antigas, da era soviética, e novas, enviadas pelo Ocidente; incluindo os sistemas Nasam, de fabricação americana e norueguesa, e IRIS-T, alemães, que agora guardam seu território. Ainda mais notavelmente, ninguém foi morto pela barragem de fogo no início da manhã, que pode ter sido destinada a eliminar o sistema Patriot. Houve apenas dano mínimo, causado por escombros dos mísseis russos que despencaram. (Um componente do sistema Patriot acabou levemente danificado, mas foi consertado rapidamente.)

Da janela do meu quarto de hotel, no centro de Kiev, o ataque não pareceu nada demais — capaz apenas de me furtar alguns instantes de sono com o ruído das explosões do sistema Patriot interceptando os mísseis Kinzhal. O ataque contribuiu notavelmente para a habilidade ucraniana no uso a tecnologia avançada do Ocidente.

Futuro

Pouco surpreende que os ucranianos não falem a respeito do que acontecerá “depois da guerra”; eles falam apenas do que acontecerá “depois da vitória” — confiantes a esse ponto. No passado, essa narrativa continha um grande elemento de bravata e ilusão, mas agora é produto de uma experiência conquistada a duras penas. “Nada mais pode nos surpreender, nós já vimos tudo o que eles têm”, disse-nos um oficial de alta patente. “Não há armas significativas, à parte as nucleares, que os russos não tenham usado contra a Ucrânia.” (Ele acrescentou que o uso de armas nucleares permanece uma “probabilidade baixa”, particularmente agora que os ucranianos são capazes de interceptar mísseis russos eficientemente.)

Nos últimos seis meses, o esforço de guerra russo na Ucrânia colocou foco em duas linhas principais de operações: tentar destruir a infraestrutura de fornecimento de eletricidade e gás natural para tornar impossível a vida nas cidades ucranianas e tentar romper as defesas ucranianas em Bakhmut com ondas de ataques terrestres. Nenhuma das ofensivas sucedeu conforme o planejado.

As luzes continuam acesas na Ucrânia e a vida segue fora das linhas de frente. Os contínuos ataques russos contra áreas urbanas só enfurecem cada vez os ucranianos em relação aos invasores e fortalecem sua determinação em resistir à ofensiva.

Quanto a Bakhmut, enquanto os mercenários do Grupo Wagner, uma empresa militar privada, controlam agora grande parte da cidade arrasada em nome da Rússia, as forças ucranianas têm avançado em seu entorno nos dias recentes. Após sofrer baixas espantosas ao longo de nove meses para garantir ganhos graduais, o fundador do Wagner Group, Yevgenii Prigozhin, culpou o Ministério da Defesa russo por seu próprio insucesso, reclamando que Moscou não lhe fornecia munição suficiente de artilharia.

Yevgeny Prigozhin, o chefe do Grupo Wagner, afirmou que a Rússia tomou controle da cidade de Bakhmut  Foto: Telegram / AFP

Em uma procura similar por bodes expiatórios, as forças de segurança de Putin acabam de prender três cientistas que ajudaram a desenvolver os mísseis Kinzhal. O Kremlin parece confuso e mergulhado em um jogo de culpabilizações.

Contraofensiva

Enquanto isso, as Forças Armadas ucranianas, ao mesmo tempo que continuam a sofrer baixas pesadas, estão cada vez mais fortes com as entregas recentes de novos sistemas de armas ocidentais. Os Patriots receberam bastante atenção, mas também foi significativo o envio, dos britânicos, dos mísseis de cruzeiro Storm Shadow, para conferir à Ucrânia uma nova capacidade ofensiva de longo alcance.

Outro avanço foi a decisão do governo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de não impedir que as nações europeias forneçam à Ucrânia caças de combate F-16, cuja capacidade é muito maior que a dos MiG-29 dos ucranianos. Ter caças F-16 permitiria aos ucranianos atacar posições russas a distâncias maiores e defender seu espaço aéreo mesmo conforme a munição de suas antigas defesas antiaéreas soviéticas diminuir. E, dentro de alguns meses, os Estados Unidos deverão enviar tanques M1 Abrams.

Os Abrams e os F-16 não chegarão a tempo da contraofensiva que se aproxima, mas os soldados ucranianos poderão se beneficiar agora dos tanques Leopard, dos veículos de combate Bradley e de outros blindados ocidentais. A coisa não será fácil para os ucranianos — a Rússia tem 350 mil soldados dentro e no entorno da Ucrânia, disse-nos o ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov — e os ucranianos tentam amainar expectativas. Mas os russos se veem forçados a defender uma linha de frente de 965 quilômetros e não são capazes de fortificar totalmente o front. Os ucranianos terão apenas de encontrar pontos fracos e romper através dessas posições.

Mesmo se o Exército ucraniano fizer um avanço substancial, parece difícil que a guerra possa ser vencida este ano. Isso requereria uma mudança de liderança no Kremlin ou um colapso total das forças russas — e nenhuma das hipóteses é provável. Mas os ucranianos têm uma boa oportunidade de retomar a iniciativa, que eles perderam após o sucesso das contraofensivas em Kharkiv e Kherson, no ano passado — o que poderia lhes dar uma chance de retomar o controle de suas fronteiras anteriores a 2014 no próximo ano, disse-me um oficial do Exército americano que assessora os militares ucranianos.

Sim, isso exigiria libertar a Crimeia, mas Reznikov disse-nos que suas forças não planejam invadir a península fortificada. Seu objetivo é aproximar as tropas ucranianas o suficiente para interditar as linhas de abastecimento dos russos e assim forçá-los a se retirar, da mesma maneira que fizeram em Kherson no outono passado (Hemisfério Norte).

Os ucranianos podem não conseguir alcançar esse objetivo, mas certamente merecem uma chance de tentar. Conforme o ex-ministro da Defesa Andrii Zagorodniuk nos expressou, “A vitória é a única opção”. Após Putin tomar a Crimeia e fomentar uma insurgência no leste da Ucrânia, em 2014, os ucranianos tentaram negociar o fim da guerra durante o processo do Protocolo de Minsk. O único resultado foi convencer o tirano no Kremlin de que ele poderia expandir sua ofensiva impunemente.

A esperada contraofensiva ucraniana deve entrar em vigor com o fornecimento de armamentos de diversos países do Ocidente Foto: Marko Djurica/Reuters

As autoridades ucranianas mais bem informadas não iludem a si mesmas imaginando que seu país é capaz de vencer a guerra este ano. Um graduado oficial militar disse-nos que se a guerra fosse uma partida de futebol, estaria apenas no fim do primeiro tempo. Mas todos os ucranianos com que conversamos, dos mais altos generais aos soldados mais rasos, deixaram transparecer a confiança silenciosa de que uma contraofensiva bem-sucedida será capaz de produzir o cenário de uma vitória final em algum ponto do futuro não tão distante.

“Nós não consideramos esta batalha o último confronto, a luta final”, afirmou o ministro ucraniano de Relações Exteriores, Dmitro Kuleba, a respeito da contraofensiva que se aproxima. “Nós só teremos lutado nossa batalha final quando conseguirmos alcançar a expulsão total das forças russas do nosso território. Caso contrário, haverá outras.”

O papel dos EUA e seus aliados deveria ser dar aos ucranianos todo o equipamento possível — incluindo vários caças F-16 e mísseis de longo alcance — para possibilitar seu sucesso em batalha em vez de tolhê-los pressionando por negociações prematuras que podem prologar a guerra em vez de acabar com ela. Os ucranianos já superaram expectativas, e não há nenhuma razão para crer que não continuem superando — contanto que o Ocidente continue a lhes dar o infatigável apoio que necessitam, esperam e merecem. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

KIEV, Ucrânia — À distância, a guerra na Ucrânia pode parecer um impasse sangrento sem vencedores e nenhuma alternativa a não ser uma solução negociada. A confiança dos ucranianos de que conseguirão expulsar os invasores russos de todo o seu território, até da Crimeia (ocupada pela Rússia desde 2014), pode parecer delirante. As mesmas eminências de Washington que previram no ano passado que Kiev cairia em 72 horas afirmam agora que os ucranianos terão de se preparar para um conflito “congelado”, que deixará os criminosos de guerra de Moscou no controle de um quinto de seu território.

Mas depois de visitar Kiev durante a semana passada, com uma delegação da Renew Democracy Initiative (um grupo pró-democracia fundado pelo ex-campeão de xadrez Garry Kasparov), eu concluí que a determinação dos ucranianos de prevalecer contrariando amplas expectativas não é apenas louvável, é também eminentemente sensata. Os ucranianos aguentaram o pior que o ditador russo, Vladimir Putin, tem a oferecer — e não apenas sobreviveram, mas também prosperaram.

Kiev não parece uma cidade sitiada. É uma metrópole agitada e vibrante, com congestionamentos de trânsito e bares e restaurantes movimentados. O prefeito Vitali Klitschko disse-nos que sua população, de 3,8 milhões antes da guerra, voltou agora para 3,6 milhões — mas passou a incluir 300 mil refugiados das regiões ucranianas devastadas pela guerra. Os subúrbios ao norte de Kiev, que o Exército russo alcançou em março de 2022, continuam repletos de edifícios chamuscados, mas é difícil se deparar com o dano da guerra dentro dos limites da capital. A cidade de Bakhmut, no leste ucraniano, palco da maior batalha terrestre dentro da Europa desde a 2.ª Guerra, fica a meros 580 quilômetros de lá, mas parece muito mais distante.

Policiais ucranianos ajudam homem que ficou ferido após ataque russo em Kiev Foto: Alex Babenko / AP

Os maiores lembretes do conflito em andamento são os frequentes ataques aéreos dos russos, que são anunciados pela voz do ator Mark Hamill no aplicativo Air Alert, instalados nos celulares de todos. (Quando soa o sinal de liberação, Hamill diz aos ucranianos, “Que a força esteja com vocês”.) De fato, na noite seguinte à nossa chegada de Varsóvia, de trem, em 16 de maio, nós testemunhamos um dos maiores ataques aéreos contra Kiev até aqui. De acordo com as autoridades ucranianas, os russos lançaram seis mísseis hipersônicos Kinzhal, nove mísseis de cruzeiro Kalibr, três mísseis balísticos Iskander e inúmeros drones de ataque Shahed.

Os russos tinham se gabado afirmando que os mísseis Kinzhal eram tão velozes que não podiam ser impedidos. Mas seus projéteis foram destruídos totalmente pelo novo sistema de mísseis Patriot de defesa recém-adquirido — que compõe uma densa rede de defesas antiaéreas antigas, da era soviética, e novas, enviadas pelo Ocidente; incluindo os sistemas Nasam, de fabricação americana e norueguesa, e IRIS-T, alemães, que agora guardam seu território. Ainda mais notavelmente, ninguém foi morto pela barragem de fogo no início da manhã, que pode ter sido destinada a eliminar o sistema Patriot. Houve apenas dano mínimo, causado por escombros dos mísseis russos que despencaram. (Um componente do sistema Patriot acabou levemente danificado, mas foi consertado rapidamente.)

Da janela do meu quarto de hotel, no centro de Kiev, o ataque não pareceu nada demais — capaz apenas de me furtar alguns instantes de sono com o ruído das explosões do sistema Patriot interceptando os mísseis Kinzhal. O ataque contribuiu notavelmente para a habilidade ucraniana no uso a tecnologia avançada do Ocidente.

Futuro

Pouco surpreende que os ucranianos não falem a respeito do que acontecerá “depois da guerra”; eles falam apenas do que acontecerá “depois da vitória” — confiantes a esse ponto. No passado, essa narrativa continha um grande elemento de bravata e ilusão, mas agora é produto de uma experiência conquistada a duras penas. “Nada mais pode nos surpreender, nós já vimos tudo o que eles têm”, disse-nos um oficial de alta patente. “Não há armas significativas, à parte as nucleares, que os russos não tenham usado contra a Ucrânia.” (Ele acrescentou que o uso de armas nucleares permanece uma “probabilidade baixa”, particularmente agora que os ucranianos são capazes de interceptar mísseis russos eficientemente.)

Nos últimos seis meses, o esforço de guerra russo na Ucrânia colocou foco em duas linhas principais de operações: tentar destruir a infraestrutura de fornecimento de eletricidade e gás natural para tornar impossível a vida nas cidades ucranianas e tentar romper as defesas ucranianas em Bakhmut com ondas de ataques terrestres. Nenhuma das ofensivas sucedeu conforme o planejado.

As luzes continuam acesas na Ucrânia e a vida segue fora das linhas de frente. Os contínuos ataques russos contra áreas urbanas só enfurecem cada vez os ucranianos em relação aos invasores e fortalecem sua determinação em resistir à ofensiva.

Quanto a Bakhmut, enquanto os mercenários do Grupo Wagner, uma empresa militar privada, controlam agora grande parte da cidade arrasada em nome da Rússia, as forças ucranianas têm avançado em seu entorno nos dias recentes. Após sofrer baixas espantosas ao longo de nove meses para garantir ganhos graduais, o fundador do Wagner Group, Yevgenii Prigozhin, culpou o Ministério da Defesa russo por seu próprio insucesso, reclamando que Moscou não lhe fornecia munição suficiente de artilharia.

Yevgeny Prigozhin, o chefe do Grupo Wagner, afirmou que a Rússia tomou controle da cidade de Bakhmut  Foto: Telegram / AFP

Em uma procura similar por bodes expiatórios, as forças de segurança de Putin acabam de prender três cientistas que ajudaram a desenvolver os mísseis Kinzhal. O Kremlin parece confuso e mergulhado em um jogo de culpabilizações.

Contraofensiva

Enquanto isso, as Forças Armadas ucranianas, ao mesmo tempo que continuam a sofrer baixas pesadas, estão cada vez mais fortes com as entregas recentes de novos sistemas de armas ocidentais. Os Patriots receberam bastante atenção, mas também foi significativo o envio, dos britânicos, dos mísseis de cruzeiro Storm Shadow, para conferir à Ucrânia uma nova capacidade ofensiva de longo alcance.

Outro avanço foi a decisão do governo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de não impedir que as nações europeias forneçam à Ucrânia caças de combate F-16, cuja capacidade é muito maior que a dos MiG-29 dos ucranianos. Ter caças F-16 permitiria aos ucranianos atacar posições russas a distâncias maiores e defender seu espaço aéreo mesmo conforme a munição de suas antigas defesas antiaéreas soviéticas diminuir. E, dentro de alguns meses, os Estados Unidos deverão enviar tanques M1 Abrams.

Os Abrams e os F-16 não chegarão a tempo da contraofensiva que se aproxima, mas os soldados ucranianos poderão se beneficiar agora dos tanques Leopard, dos veículos de combate Bradley e de outros blindados ocidentais. A coisa não será fácil para os ucranianos — a Rússia tem 350 mil soldados dentro e no entorno da Ucrânia, disse-nos o ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov — e os ucranianos tentam amainar expectativas. Mas os russos se veem forçados a defender uma linha de frente de 965 quilômetros e não são capazes de fortificar totalmente o front. Os ucranianos terão apenas de encontrar pontos fracos e romper através dessas posições.

Mesmo se o Exército ucraniano fizer um avanço substancial, parece difícil que a guerra possa ser vencida este ano. Isso requereria uma mudança de liderança no Kremlin ou um colapso total das forças russas — e nenhuma das hipóteses é provável. Mas os ucranianos têm uma boa oportunidade de retomar a iniciativa, que eles perderam após o sucesso das contraofensivas em Kharkiv e Kherson, no ano passado — o que poderia lhes dar uma chance de retomar o controle de suas fronteiras anteriores a 2014 no próximo ano, disse-me um oficial do Exército americano que assessora os militares ucranianos.

Sim, isso exigiria libertar a Crimeia, mas Reznikov disse-nos que suas forças não planejam invadir a península fortificada. Seu objetivo é aproximar as tropas ucranianas o suficiente para interditar as linhas de abastecimento dos russos e assim forçá-los a se retirar, da mesma maneira que fizeram em Kherson no outono passado (Hemisfério Norte).

Os ucranianos podem não conseguir alcançar esse objetivo, mas certamente merecem uma chance de tentar. Conforme o ex-ministro da Defesa Andrii Zagorodniuk nos expressou, “A vitória é a única opção”. Após Putin tomar a Crimeia e fomentar uma insurgência no leste da Ucrânia, em 2014, os ucranianos tentaram negociar o fim da guerra durante o processo do Protocolo de Minsk. O único resultado foi convencer o tirano no Kremlin de que ele poderia expandir sua ofensiva impunemente.

A esperada contraofensiva ucraniana deve entrar em vigor com o fornecimento de armamentos de diversos países do Ocidente Foto: Marko Djurica/Reuters

As autoridades ucranianas mais bem informadas não iludem a si mesmas imaginando que seu país é capaz de vencer a guerra este ano. Um graduado oficial militar disse-nos que se a guerra fosse uma partida de futebol, estaria apenas no fim do primeiro tempo. Mas todos os ucranianos com que conversamos, dos mais altos generais aos soldados mais rasos, deixaram transparecer a confiança silenciosa de que uma contraofensiva bem-sucedida será capaz de produzir o cenário de uma vitória final em algum ponto do futuro não tão distante.

“Nós não consideramos esta batalha o último confronto, a luta final”, afirmou o ministro ucraniano de Relações Exteriores, Dmitro Kuleba, a respeito da contraofensiva que se aproxima. “Nós só teremos lutado nossa batalha final quando conseguirmos alcançar a expulsão total das forças russas do nosso território. Caso contrário, haverá outras.”

O papel dos EUA e seus aliados deveria ser dar aos ucranianos todo o equipamento possível — incluindo vários caças F-16 e mísseis de longo alcance — para possibilitar seu sucesso em batalha em vez de tolhê-los pressionando por negociações prematuras que podem prologar a guerra em vez de acabar com ela. Os ucranianos já superaram expectativas, e não há nenhuma razão para crer que não continuem superando — contanto que o Ocidente continue a lhes dar o infatigável apoio que necessitam, esperam e merecem. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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