Cláudia TrevisanCorrespondente / Washington
A cada semana, 13 milhões de americanos escutam Rush Limbaugh, o principal símbolo do fenômeno que impulsiona a extrema direita americana: o apresentador de rádio conservador. Como seus concorrentes, Limbaugh tem uma retórica xenófoba, anti-feminista e pró-armas, recheada de ataques ao governo, aos políticos, às elites, à mídia e aos imigrantes.
Essa visão de mundo coincide em grande parte com a propagada pelo republicano Donald Trump, celebrado pela maioria dos apresentadores como o outsider que não tem papas na língua e desafia o "sistema corrupto" encastelado em Washington. O consultor republicano Geoffrey Kabaservice acredita que o bilionário não chegaria tão longe sem a ajuda do que ele chama de "complexo de entretenimento conservador", que também abrange a internet e a rede de TV Fox News.
"Esses apresentadores aplainaram o terreno para Trump e fizeram isso levando seus ouvintes para a direita, tornando-os cínicos em relação ao processo político e substituindo as fontes tradicionais de autoridade, mesmo no Partido Republicano", disse Kabaservice, autor do livro Rule and Ruin (Governar e Arruinar), no qual descreve a perda de espaço dos moderados dentro da legenda. "Há anos Rush Limbaugh exerce mais influência no Partido Republicano do que qualquer integrante do Comitê Nacional."
Como Trump, os apresentadores descrevem os EUA como um país em franca decadência política e econômica, invadido por imigrantes e sob ataque de inimigos externos e domésticos. E, como o bilionário, eles desprezam o discurso "politicamente correto" e defendem que as coisas sejam ditas "como elas são", sem nenhuma restrição - o que na prática é uma licença para o uso de expressões racistas e sexistas.
Quase todos os programas são comandados por homens brancos que falam para uma audiência formada majoritariamente por homens brancos. Muitos se sentem ameaçados pela crescente diversidade demográfica dos EUA, o aumento do poder das mulheres e a concorrência econômica decorrente da globalização, escreveu Michael Kimmel no livro Angry White Men - American Masculinity at the End of an Era (Homens Brancos Furiosos - A Masculinidade Americana no Fim de uma Era).
"Homens brancos furiosos dominam as ondas de rádio americanas", afirmou Kimmel. Segundo ele, esse grupo é movido pelo ressentimento e o desejo de retornar ao "sonho americano" habitado por brancos com empregos estáveis em fábricas que deixaram de existir.
A maioria não tem educação superior e integra o principal pilar da emergência de Trump. Pesquisa realizada pela rede ABC na semana passada deu à democrata Hillary Clinton uma vantagem de oito pontos sobre o adversário republicano: 50% a 42%. Mas entre os homens brancos, Trump obtém 59%, enquanto a democrata registra 32%. No grupo de homens brancos sem educação superior, o bilionário consegue 67% das intenções de voto, 42 pontos porcentuais a mais que Hillary.
Em compensação, a ex-secretária de Estado obtém 58% do voto feminino, 23 pontos porcentuais acima do registrado pelo adversário, na maior distância de gênero já registrada em uma disputa presidencial americana - no universo de mulheres brancas, os candidatos aparecem empatados. Hillary também lidera entre os eleitores com educação superior, com 55% a 39%.
Limbaugh celebrizou o termo "feminazi", pelo qual equipara a prática do aborto ao genocídio. "O aborto é a principal avenida para mulheres militantes exercerem sua busca de poder e promover sua crença de que homens não são necessários", escreveu o apresentador em livro publicado em 1992.
Laura Ingraham é uma das poucas mulheres neste universo masculino de apresentadores. Mãe solteira de três filhos adotivos, ela foi uma das estrelas da convenção republicana que formalizou a candidatura de Trump em julho. Ingraham é uma estridente opositora do aborto e da imigração ilegal e defende com a mesma contundência o livre acesso dos americanos às armas. "Nós somos um país em declínio e a China é um poder em ascensão. O que isso vai significar para a liberdade, a prosperidade e a paz?", perguntou em seu programa de quarta-feira.
Além de defender Trump, os apresentadores propagam teorias conspiratórias sobre Hillary e seu marido, o ex-presidente Bill Clinton, que vão da desonestidade à prática de assassinatos. Uma das expressões mais comuns nos programas é o "número de baixas dos Clintons", em referência a pessoas supostamente ligadas ao casal que teriam morrido em circunstâncias suspeitas.
Professor de Ciência Política da Universidade do Alabama, George Hawley afirma que a emergência de Trump colocou em xeque os três pilares que tradicionalmente sustentaram o movimento conservador nos EUA: a crença no livre-mercado, o conservadorismo social e a defesa de uma política externa agressiva.
Até agora, a legenda havia conseguido manter à margem as correntes de extrema direita, disse Hawley, autor do livro Right Wing Critics of American Conservatism (Críticos de Direita do Conservadorismo Americano). O desafio pós-Trump será conciliar as duas tendências. "Sem as pessoas que estão apoiando Trump, não há como o Partido Republicano ganhar a presidência de novo."