WASHINGTON – Agências de inteligência dos Estados Unidos acreditam que integrantes do governo ucraniano autorizaram o atentado que matou Daria Dugina, filha do ideólogo Alexander Dugin, guru de Putin, em agosto. Caso confirmado, o fato faz parte de uma atuação secreta de ucranianos e pode agravar a guerra com a Rússia.
As autoridades americanas não informaram quais membros do governo teriam autorizado a missão, quem realizou o ataque ou se o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, teria conhecimento.
O consentimento de autoridades do país foi compartilhada dentro do governo dos EUA na semana passada. O governo americano não estava ciente do fato, mas, após a descoberta do suposto envolvimento, teria repreendido os ucranianos. Não se sabe o que a Ucrânia respondeu.
Logo após o assassinato, a Ucrânia negou envolvimento no atentado. Além disso, autoridades do alto escalão do país reiteraram as negações nas diversas vezes em que foram questionados.
Embora a Rússia não tenha feito uma retaliação direta ao assassinato, os Estados Unidos estão preocupados que tais ataques – embora de alto valor simbólico – possam provocar Moscou a realizar ataques contra altos funcionários ucranianos. Autoridades americanas ficaram frustradas com a falta de transparência da Ucrânia sobre seus planos militares e secretos, especialmente em solo russo.
Desde o início da guerra, os serviços de segurança da Ucrânia demonstraram capacidade de chegar à Rússia para realizar operações de sabotagem. O assassinato de Dugina, no entanto, seria uma das operações mais ousadas até o momento – mostrando que a Ucrânia pode se aproximar muito de russos proeminentes.
Algumas autoridades americanas suspeitam que o pai de Dugina, Alexander Dugin, um ultranacionalista russo e um dos principais proponentes de uma Rússia agressiva e imperialista, foi o verdadeiro alvo da operação. Segundo as autoridades, os autores acreditavam que ele estaria no veículo com a filha.
Morte de Daria Dugina
Planos secretos da Ucrânia
Embora o Pentágono e as agências de espionagem americanas tenham compartilhado informações secretas do campo de batalha com os ucranianos, ajudando-os a se concentrar em postos de comando russos, linhas de suprimentos e outros alvos importantes, os ucranianos nem sempre disseram às autoridades americanas o que planejam fazer.
Os Estados Unidos pressionaram a Ucrânia a compartilhar mais sobre seus planos de guerra. No início da guerra, oficiais dos EUA reconheceram que muitas vezes sabiam mais sobre os planos de guerra russos – graças aos seus intensos esforços de espionagem – do que sobre as intenções de Kiev.
Desde então, a cooperação de informações entre os dois países aumentou. Há alguns meses, por exemplo, a Ucrânia compartilhou com os EUA e o Reino Unido seus planos para a contraofensiva militar desenvolvida em setembro.
As autoridades dos EUA também não têm uma visão completa das disputas internas do governo ucraniano, que inclui militares, serviços de segurança e o gabinete de Zelenski – fato que sugere que algumas partes do governo ucraniano podem não estar cientes do envolvimento no assassinato de Dugina.
Ao ser questionado sobre a informação da inteligência dos EUA na terça-feira, 4, Mikhailo Podoliak, um dos assessores mais atuantes do presidente da Ucrânia, reiterou as negações de envolvimento no assassinato de Dugina. “Mais uma vez, vou sublinhar que qualquer assassinato durante a guerra em algum país ou outro deve trazer algum tipo de significado prático”, disse Podoliak ao The New York Times. “Deve cumprir algum propósito específico, tático ou estratégico. Alguém como Dugina não é um alvo tático ou estratégico para a Ucrânia”, acrescentou.
“Temos outros alvos no território da Ucrânia”, continuou Podoliak, “quero dizer colaboracionistas e representantes do comando russo, que podem ter valor para membros de nossos serviços especiais trabalhando neste programa, mas certamente não Dugina”.
Embora os detalhes sobre atos de sabotagem em território controlado pela Rússia sejam desconhecidos, o governo ucraniano reconhece discretamente a participação em mortes de autoridades russas na Ucrânia e a sabotagem de fábricas e depósitos de armas russos.
Segundo um alto oficial militar do país declarou sob anonimato, as forças ucranianas fizeram ataques e assassinatos com a ajuda de combatentes locais a colaboradores ucranianos acusados e oficiais russos em territórios ucranianos ocupados. Entre esses está, por exemplo, o chefe designado pela Rússia para tomar conta da região ocupada de Kherson, que foi envenenado em agosto e precisou ir para Moscou para ser tratado com urgência.
Os países tradicionalmente não discutem as ações secretas de outras nações, por medo de ter suas próprias operações reveladas, mas algumas autoridades americanas acreditam que é crucial coibir o que consideram aventureirismo perigoso, particularmente assassinatos políticos.
Envolvimento não afetou relação entre EUA e Ucrânia
Ainda assim, as autoridades americanas nos últimos dias se esforçaram para insistir que as relações entre os dois governos permaneçam fortes. As preocupações dos EUA sobre as agressivas operações secretas da Ucrânia dentro da Rússia não levaram a nenhuma mudança conhecida no fornecimento de informações, apoio militar e diplomático ao governo de Zelenski ou aos serviços de segurança da Ucrânia.
No sábado, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse ao chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, que o governo de Joe Biden “continuará a apoiar os esforços da Ucrânia para recuperar o controle do território, fortalecendo auxílio militar e diplomático”.
Funcionários do Departamento de Estado, Conselho de Segurança Nacional, Pentágono e CIA se recusaram a comentar sobre a avaliação de inteligência.
Investigação russa
A Rússia iniciou uma investigação logo após o assassinato de Dugina e considerou-o um ato terrorista. Segundo o serviço de inteligência da Rússia, o FSB, o serviço de inteligência da Ucrânia foi responsável.
Um dia após o ataque, o FSB disse que agentes ucranianos contrataram uma ucraniana, que entrou na Rússia em julho, alugou um apartamento onde Dugina morava e fugiu do país logo após o atentado.
Ilia Ponomarev, um ex-membro da Duma russa que votou contra a anexação da Crimeia, afirmou que um grupo formado por combatentes pró-ucranianos e anti-Putin que opera na Rússia, conhecido como Exército Nacional Republicano, foi o responsável pelo assassinato. Autoridades em Washington têm sido céticas em relação às alegações do russo.