Os Estados Unidos anunciaram nesta quarta-feira, 4, um amplo esforço para reprimir as campanhas de influência russas nas eleições de 2024, enquanto tentam coibir o uso da mídia estatal e de sites de notícias falsas pelo Kremlin para influenciar os eleitores americanos.
As ações incluem sanções, indiciamentos e apreensão de domínios da web que, segundo autoridades americanas, o Kremlin usa para espalhar propaganda e desinformação sobre a Ucrânia, que a Rússia invadiu há mais de dois anos.
O procurador-geral Merrick Garland detalhou as ações tomadas pelo Departamento de Justiça. Elas incluem a acusação de dois funcionários russos da RT, a emissora estatal, que usaram uma empresa no Tennessee para espalhar conteúdo, e a derrubada de uma campanha de influência russa conhecida como Doppelgänger.
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“O povo americano tem o direito de saber quando uma potência estrangeira se envolve em atividades políticas ou tenta influenciar o discurso público”, disse Garland.
O Departamento do Tesouro dos EUA impôs sanções à ANO Dialog, uma organização sem fins lucrativos russa que ajuda a administrar a rede Doppelgänger, bem como à editora-chefe da RT, Margarita Simonyan, e seus adjuntos.
O Departamento de Estado americano ofereceu uma recompensa de US$ 10 milhões por informações relativas à interferência estrangeira na eleição americana. O departamento disse especificamente que estava buscando informações sobre um grupo conhecido como Russian Angry Hackers Did It, ou RaHDit.
O Departamento de Estado também disse que designaria cinco veículos de notícias russos financiados pelo Estado, incluindo RT, Ruptly e Sputnik, como missões de governos estrangeiros e restringiria a emissão de vistos para pessoas que trabalham para instituições de mídia apoiadas pelo Kremlin.
Influência a favor de Trump
Autoridades americanas intensificaram seus alertas sobre os esforços russos de influência eleitoral. Agências de espionagem americanas avaliaram que o Kremlin favorece o ex-presidente Donald Trump em detrimento da vice-presidente Kamala Harris na disputa de novembro, vendo-o como mais cético em relação ao apoio dos EUA à Ucrânia.
Os Estados Unidos foram pegos desprevenidos em 2016, quando suas agências de espionagem ficaram sabendo de esforços russos para influenciar a votação em nome de Trump e demoraram a alertar o público. Em eleições subsequentes, os oficiais de inteligência dos EUA denunciaram de forma mais agressiva os esforços russos, chineses e iranianos para influenciar as eleições americanas.
Autoridades dizem que lutar contra a interferência eleitoral tem sido mais difícil este ano. Alguns americanos, particularmente os apoiadores de Trump, enxergam as acusações de que a Rússia está espalhando desinformação como tentativas de minar suas visões.
16 milhões de visualizações
Garland disse que as acusações anunciadas na quarta-feira não eram o fim do caso: “A investigação está em andamento”.
O Departamento de Justiça e o FBI também têm investigado diversos americanos acusados de espalhar conscientemente narrativas falsas do Kremlin. No entanto, as autoridades enfatizaram que não estão tentando restringir a liberdade de expressão. Americanos que apenas repetem ou compartilham histórias que veem na mídia estatal russa não estão sendo investigados como parte desses esforços, segundo as autoridades.
As autoridades dizem que a RT espalhou desinformação por meio de bots e outros meios, mas que estão analisando mais de perto como o Kremlin e suas agências de espionagem influenciam a eleição.
Quando as notícias das acusações foram divulgadas, a RT postou uma resposta sarcástica em seu site de Anna Belkina, sua editora-chefe adjunta. “Há três certezas na vida: morte, impostos e a interferência da RT nas eleições americanas”, dizia o comunicado.
As acusações feitas na quarta-feira indiciaram dois funcionários russos da RT, Kostiantyn Kalashnikov e Elena Afanasyeva, por conspiração para violar a Lei de Registro de Agentes Estrangeiros. Eles são acusados de gastar US$ 10 milhões para pagar secretamente uma empresa não identificada do Tennessee para espalhar quase 2 mil vídeos em inglês no YouTube, TikTok, Instagram e X.
Especialistas em desinformação há muito tempo lutam para medir a eficácia das campanhas de influência russas, mas autoridades do Departamento de Justiça disseram que os vídeos, a maioria dos quais apoia os objetivos do governo russo, ganharam 16 milhões de visualizações no YouTube.
Garland disse que os vídeos eram “frequentemente consistentes com o interesse da Rússia em amplificar as divisões domésticas dos EUA para enfraquecer a oposição dos EUA aos principais interesses russos, particularmente sua guerra em andamento na Ucrânia”. A empresa do Tennessee, ele disse, nunca revelou seus laços com o governo russo.
Após um ataque terrorista em uma casa de shows em Moscou em março, Elena Afanasyeva, da RT, orientou a empresa a se concentrar na falsa narrativa de que a Ucrânia era responsável.
Autoridades do Departamento de Justiça se recusaram a identificar a empresa, mas a que está na acusação usa o mesmo slogan da Tenet Media, uma empresa registrada no Tennessee que publica vídeos e outros conteúdos amplamente favoráveis a Trump. A empresa — e seus comentaristas mais proeminentes — não responderam imediatamente aos pedidos de comentários.
A acusação não acusa diretamente a empresa de irregularidades, mas afirma que ela tinha ligações com a RT e que seus fundadores se referiam ao patrocinador como “os russos”.
Críticos das medidas dos EUA disseram que as acusações levantaram questões de liberdade de expressão e a possibilidade de que o governo Biden estivesse tentando censurar comentários pró-Rússia.
Os Estados Unidos já tomaram medidas contra organizações russas que acreditam estar tentando influenciar a política americana. Em março, o Departamento do Tesouro impôs sanções a um grupo russo que auxiliou esforços para criar sites de notícias falsas que espalham desinformação e, em julho, apreendeu dois domínios da internet que também vincularam à RT e ao Serviço de Segurança Federal, um sucessor da KGB soviética.
A ação do Departamento de Justiça se baseia nisso, dizendo que estava apreendendo mais 32 domínios que eram usados para espalhar secretamente propaganda russa. De acordo com o depoimento do governo, a campanha Doppelgänger é comandada por Sergei Kiriyenko, um ex-primeiro-ministro que agora é o primeiro vice-chefe de gabinete do presidente Vladimir Putin.
Christopher Wray, diretor do FBI, disse que os sites de notícias falsas foram apreendidos pelo governo ao meio-dia.
“Quando descobrimos que adversários no exterior estão tentando esconder quem são e de onde vem sua propaganda, como parte de campanhas para semear deliberadamente a discórdia, continuaremos a fazer tudo o que pudermos para expor sua mão oculta e atrapalhar seus esforços”, disse Wray.
Garland disse que um documento de planejamento interno russo declarou que “o objetivo da campanha é garantir o resultado preferido da Rússia na eleição”.
O documento, produzido para a Social Design Agency, delineou planos para influenciar os eleitores dos EUA sem identificar que o conteúdo vinha do governo russo.
Ele estabelece um plano para atingir eleitores em estados indecisos, bem como eleitores em Estados conservadores como Alabama, Texas e Kansas. O documento diz que cidadãos americanos de ascendência hispânica, judeus e jogadores de videogame também seriam alvos.
O objetivo, de acordo com o documento e a acusação, era pressionar os americanos a apoiar a ideia de que os Estados Unidos deveriam se concentrar em “resolver seus problemas domésticos em vez de desperdiçar dinheiro na Ucrânia”.
O Departamento de Justiça bloqueia os nomes dos candidatos apoiados pelos russos, mas o documento diz que “faz sentido que a Rússia faça o máximo esforço” para garantir que a visão do Partido Republicano, e em particular as opiniões dos apoiadores de Trump, “conquistem a opinião pública dos EUA”.