A inflação parece sob controle. O mercado de trabalho continua saudável. Os salários, incluindo os menores na escala, estão aumentando. Mas trata-se apenas de um período de calmaria. Uma tempestade se aproxima, e os americanos não estão preparados.
Três mudanças históricas, capazes de reformular a economia dos Estados Unidos, irromperão nos próximos anos: uma população mais velha, a ascensão da inteligência artificial e uma reconfiguração da economia global.
O que não deveria causar muita surpresa, já que esses elementos evoluem lentamente e à vista de todos. O que não foi completamente compreendido é como essas mudanças em combinação deverão transformar as vidas dos trabalhadores de maneiras que não eram vistas desde o fim dos anos 70, quando a desigualdade salarial aumentou e os salários menores estagnaram ou até baixaram.
Juntos, se administrados corretamente, esses desafios poderiam recriar o trabalho e ocasionar produtividade, salários e oportunidades muito maiores — algo que a revolução computacional prometeu e nunca cumpriu. Mas se não lidarmos corretamente com o atual momento, esses desafios poderiam fazer escassear empregos bons e bem pagos, assim como tornar a economia menos dinâmica. Nossas decisões ao longo dos próximos cinco a dez anos determinarão o caminho que tomaremos.
Nosso sistema disfuncional político, cada vez mais imediatista em sua visão para o país, dificilmente nos preparará para essas mudanças. E também não vemos planos abrangentes de nenhum partido para fazer os investimentos necessários para equipar a força de trabalho americana para lidar com os desafios a caminho.
A força de trabalho americana nunca envelheceu nesse ritmo. Em 2000, havia cerca de 27 americanos com idade acima de 65 anos para cada trabalhador nas idades mais produtivas, entre 20 e 49 anos. Em 2020, esse número aumentou para 39. Até 2040, terá chegado a 54. Já que essas mudanças são ocasionadas principalmente por um declínio na fecundidade, a força de trabalho americana logo também passará a crescer mais lentamente. Se a imigração aos Estados Unidos for diminuída, como parece provável, isso somente contribuirá para o problema do envelhecimento.
Leia Também:
Muitos empregos na economia, como na indústria e na construção civil, requerem força física e vigor, que começam a declinar conforme os indivíduos envelhecem — mesmo com os avanços em saúde que temos visto. Os trabalhadores normalmente alcançam seu pico de produtividade a partir dos 40 anos. Os jovens também são mais empreendedores e dispostos a assumir riscos, e muitas economias, tanto quanto a americana, precisam muito disso.
Ao longo das três décadas passadas, o Japão, a Alemanha e a Coreia do Sul envelheceram a um ritmo quase duas vezes mais rápido do que os EUA envelhecem atualmente, o que significa que nós temos modelos a seguir. A boa notícia é que as economias desses países não cresceram mais lentamente do que as economias de outras nações industrializadas, e vários de seus setores que dependem de força de trabalho, incluindo automobilístico, máquinas-ferramentas e químico, não sofreram.
A razão é simples: esses países introduziram novo maquinário, incluindo robôs industriais e outras tecnologias de automação, para assumir as tarefas que os trabalhadores mais jovens desempenhariam. Eles também investiram em treinamentos de funcionários para que os trabalhadores pudessem assumir novas funções que complementassem a automação. Os fabricantes de carros alemães treinaram operários para assumir tarefas mais técnicas, como reparos, controle de qualidade e operação digital de máquinas, ao mesmo tempo que acionaram os robôs. Como resultado, a produtividade aumentou, e os salários continuaram a subir.
Há um cenário em que a escassez de trabalhadores pode ser um trunfo para a economia americana. Os salários dos trabalhadores com menos escolaridade estagnaram ou até caíram entre 1980 e meados dos anos 2010. Escassez laboral pode elevar os salários, especialmente se combinada com investimentos corretos tanto em equipamentos quanto em pessoal.
Infelizmente, não é isso o que tem ocorrido nos EUA. O investimento em robôs cresceu rapidamente, mas não foi acompanhado de investimentos adequados nos trabalhadores. A força de trabalho continua despreparada para assumir novas funções, incluindo tarefas técnicas e de precisão avançada. Foi a escassez desse tipo de qualificação que a Taiwan Semiconductor Manufacturing Factory citou como razão para atrasos na inauguração de sua primeira fábrica de chips em território americano. Se não encontrarem maneiras de combinar novo maquinário com trabalhadores mais bem treinados, mais qualificados e mais adaptáveis, os EUA poderão fazer sofrer seu setor de manufatura, um provedor tradicional de empregos estáveis e bem pagos.
Há oportunidades similares, que também tendem a ser desperdiçadas, em relação à inteligência artificial. De acordo com seus fãs mais ardentes, a IA é a mãe de todos os saltos tecnológicos, o apogeu da era digital. Mas afora o frenesi em torno dos algoritmos superinteligentes, o desafio da IA é notavelmente similar ao desafio de se adaptar ao envelhecimento.
IA é uma tecnologia de informação. Ela não lhe fará um bolo nem cortará a grama do seu jardim. E também não assumirá a administração de empresas nem a pesquisa científica. Em vez disso, a IA é capaz de automatizar uma série de tarefas cognitivas realizadas normalmente em escritórios diante de computadores. É capaz também de fornecer informações melhores para tomadores de decisão humanos — algum dia, talvez, informações muito melhores.
Nada disso ocorrerá rapidamente. Até fevereiro de 2024, somente cerca de 5% das empresas nos EUA relataram o uso de IA, e a tecnologia em si está longe da perfeição. (A IA do Google teve dificuldades no início com perguntas sobre comer pedras ser ou não uma escolha inteligente.) Sua disseminação na economia será lenta, e seu verdadeiro impacto só será sentido em meados da década de 2030. A natureza desse impacto dependerá da preparação das empresas e dos trabalhadores.
Nós precisamos de uma estratégia nacional ampla para que a IA não apenas automatize o trabalho e escanteie trabalhadores, mas crie também novas funções e competências para cumpri-las. Não é somente em razão da desigualdade que a automação rápida com base em IA pode criar, nem pelo medo das elites tecnológicas, que a falta de emprego subsequente ocasionará revolta. Evidências sugerem que as novas tecnologias aumentam a produtividade muito mais consistentemente quando trabalham junto com os trabalhadores, permitindo-lhes desempenhar melhor suas funções e expandir-se para tarefas novas e mais sofisticadas. O molho secreto das inovadoras fábricas de automóveis de Henry Ford não foi simplesmente um uso mais disseminado de máquinas melhores, mas também uma série de funções técnicas para as quais os funcionários eram treinados, como reparos e manutenção.
A maioria de nós atualmente está envolvida em solução de problemas, seja um funcionário de escritório tomando decisões de créditos ou contratações, um cientista ou um jornalista tentando aprofundar uma questão ou um eletricista, um carpinteiro ou um artesão lidando com defeitos e outros obstáculos no mundo real. A maioria de nós é capaz de ser mais produtiva e expandir nosso campo de atuação conseguindo informações melhores.
No entanto, em maior medida do que em relação ao envelhecimento, parece que nós vamos surfar mal essa onda. A indústria está fixada em uma corrida centrada em “inteligência artificial geral”, em busca do sonho incipiente de produzir máquinas exatamente iguais aos humanos e capazes de assumir qualquer tipo de trabalho que sejamos capazes de realizar. Sua preocupação permanece usar essa tecnologia para gerar lucro com publicidade digital ou para automação.
É improvável que a promessa real da IA se concretize por conta própria. Ela requer que modelos de IA especializem-se mais e sejam mais bem alimentados por dados de alta qualidade, mais confiáveis e mais alinhados com o conhecimento existente e as capacidades de processamento de informações dos trabalhadores. Nada disso parece prioridade na agenda das gigantes da tecnologia.
Uma política óbvia para confrontar tanto o envelhecimento quanto os desafios da IA é encorajar a capacitação de trabalhadores — por exemplo, com créditos tributários ou subsídios para treinamentos, para que eles possam assumir novas tarefas e novos empregos.
Assim como os trabalhadores, nossas capacidades tecnológicas precisam se preparar. Aqui o governo federal pode desempenhar um papel importante, por exemplo por meio de uma agência federal incumbida de identificar e financiar os tipos de IA capazes de aumentar a produtividade dos trabalhadores e ajudar-nos com a escassez laboral à espreita.
A globalização pode parecer uma questão completamente diferente, mas há importantes paralelos. A era da globalização rápida e em grande medida irrestrita que se seguiu ao colapso da União Soviética acabou. Ela beneficiou os consumidores ocidentais e as corporações multinacionais, que tiveram acesso a trabalho barato no exterior; os trabalhadores, não tanto.
O que substituirá a globalização não é tão evidente. Poderia ser um sistema fragmentado, no qual países negociam com aliados e amigos, com fluxos amplamente similares aos que vemos hoje (digamos, menos da China e mais do Vietnã). Ou um sistema com tarifas elevadas e muito menos comércio. Poderia ser também uma combinação entre restrições comerciais e políticas industriais, como a Lei de Redução da Inflação e a Lei dos Chips, sancionadas pelo governo Biden, que são projetadas para encorajar mais investimento e a manufatura, especialmente de equipamentos eletrônicos avançados, carros elétricos e tecnologias de energias renováveis, para as empresas ficarem nos EUA ou se realocarem no país.
Essa mudança também é lenta e tem implicações significativas para os trabalhadores. A promessa de novas capacidades de manufatura poderia ocasionar novas oportunidades de emprego e possibilitar salários mais altos. Por outro lado, novas competências de manufatura não podem ser construídas da noite para o dia, e carências de habilidade podem sufocar a renovação industrial. Infelizmente, outra vez, os EUA e especialmente sua força de trabalho não estão prontos.
A boa notícia é que nós temos tempo, e se aproveitarmos as oportunidades apresentadas pelo envelhecimento, pela IA e pela globalização, elas poderão servir para melhorar uma à outra. As habilidades que empregadores e escolas precisam para enfrentar cada uma dessas grandes mudanças são similares. Além disso, o tipo correto de IA pode nos ajudar enormemente a navegar os desafios apresentados pelo envelhecimento e pela reformulação da globalização.
A má notícia é que esses elementos não estão recebendo a atenção que merecem, mesmo que sejam muito mais importantes para o nosso futuro do que os debates sobre manipulação de preços, impostos sobre gorjetas ou a inflação estar um ponto mais alta ou mais baixa. Se não colocarmos foco nesses fatores e não agirmos decisivamente, eles não apenas serão mal administrados, mas também poderão ocasionar um futuro mais nefasto para o emprego. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO