EUA e seus aliados querem fazer a Rússia sangrar, mas não deveriam; leia artigo


Apresentada como uma resposta decorrente do senso-comum à agressão russa, a mudança ocasiona, na realidade, uma escalada significativa

Por Tom Stevenson*
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - A guerra na Ucrânia entrou em uma nova fase.

Não é nenhum segredo que a invasão inicial não caminhou bem para a Rússia. Esperando vitórias fáceis, o Exército russo infligiu uma destruição terrível, especialmente em seus bombardeios contra cidades, mas fracassou, em grande parte, em tomar território além do sudeste da Ucrânia. A resistência ucraniana foi feroz. Depois de seis semanas, as forças russas — superadas em contingente — foram obrigadas a recuar de Kiev e seus subúrbios.

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Na esperança de conquistar novas vitórias, a Rússia concentra agora suas forças no sul e no leste da Ucrânia. As principais batalhas ocorrem em pequenas cidades e vilarejos ao longo do Rio Donets. A Rússia fala em extirpar o Exército ucraniano do Donbas, mas até agora suas forças progrediram vagarosamente, avançando a partir da costa do Mar Negro.

Em resposta, os Estados Unidos e seus aliados também mudaram sua posição. No início, o apoio do Ocidente à Ucrânia foi projetado principalmente para a defesa do país contra a invasão. Agora, essa ajuda tem uma ambição maior: enfraquecer a própria Rússia. Apresentada como uma resposta decorrente do senso-comum à agressão russa, a mudança ocasiona, na realidade, uma escalada significativa.

Ao expandir o apoio à Ucrânia por todo o tabuleiro do conflito e engavetar qualquer esforço diplomático para impedir a guerra, os EUA e seus aliados elevaram enormemente o risco de um confronto ainda maior, assumindo um risco completamente desalinhado com qualquer tipo de ganho estratégico realista.

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O foco mais limitado da Rússia provou-se mais administrável para suas Forças Armadas. O cerco sangrento a Mariupol está, segundo propósitos práticos, completo agora, e a Rússia garante sua posição na cidade de Izium enquanto bombardeia cidades menores. Mas esses avanços, que cobraram um preço, são limitados. A probabilidade de conquistas territoriais da Rússia ocorrerem além da Crimeia e do Donbas é remota neste momento.

A mudança de uma conquista generalizada para uma conquista limitada já é uma concessão por parte da Rússia. A liderança russa colocou a culpa sobre um único fator: alega estar lutando não apenas contra a Ucrânia, mas contra o sistema da Otan no Leste Europeu. Não se trata mais de presunções e táticas destrambelhadas. Ainda assim, não há como negar que EUA, Reino Unido, Polônia e outros membros europeus da Otan são partes deste conflito desde seu início.

O presidente americano, Joe Biden, fala sobre as consequências da guerra na Ucrânia em evento em Illinois, EUA Foto: Andrew Harnik / AP
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A ajuda não se resume apenas a transportes militares e caminhões carregados com dezenas de toneladas de armamento antiaéreo e antitanque para os combatentes ucranianos. Os EUA também forneceram informações de inteligência em tempo real, segundo relatos, informando posições de alvos entre as forças russas. Apesar do Pentágono contestar a amplitude do compartilhamento de inteligência, os vazamentos sobre este tema foram notavelmente reveladores. Sabemos agora que os EUA forneceram o dado de rastreamento que permitiu o ataque que afundou o Moskva, o principal navio de guerra da esquadra russa no Mar Negro. De maneira ainda mais impressionante, as agências de inteligência americanas forneceram posições de alvo para assassinatos de generais russos no campo de batalha.

Esta já é uma forma significativa de participação na guerra. Mas desde então os EUA mudaram sua estratégia para pressionar a Rússia ainda mais. A resposta inicial dos EUA à invasão foi simples: abastecer os defensores e aplicar o singular armamento financeiro americano sobre a economia russa. A nova estratégia — chame-a de “fazer a Rússia sangrar”— é bem diferente. A ideia subjacente é que os EUA e seus aliados devem buscar recuperar das ruínas de Kharkiv e Kramatorsk mais do que a sobrevivência da Ucrânia enquanto Estado ou alguma frustração simbólica da agressão russa.

Autoridades graduadas deixaram isso bem claro. O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, afirmou que o objetivo é “ver a Rússia enfraquecida”. A presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, afirmou que a Ucrânia está defendendo “a democracia com ‘D’ maiúsculo”. A secretária de Exterior britânica, Liz Truss, foi explícita a respeito de ampliar o conflito para retomar território ucraniano anexado à Rússia, como a Crimeia, quando falou em expulsar a Rússia de “toda a Ucrânia”. Isso significa tanto uma expansão no campo de batalha quanto uma transformação da guerra.

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Os líderes da França e da Alemanha mostraram apoio à Ucrânia no Portão de Brandemburgo. Em Paris, a Torre Eiffel também ganhou as cores da Ucrânia.

Enquanto o objetivo inicial do Ocidente foi no início a defesa contra a invasão, agora o objetivo virou uma estratégia de desgaste permanente da Rússia. Os contornos dessa nova política começaram a emergir em 13 de abril, quando o Pentágono solicitou que as oito maiores fabricantes de armamentos dos EUA se preparassem para envios de armas em grande escala. O resultado foi a promessa feita em 28 de abril pelo presidente Joe Biden, de que os EUA forneceriam uma ajuda militar quatro vezes maior para a Ucrânia do que havia enviado desde o início do conflito — uma promessa validada pela proposta de um pacote de ajuda de US$ 39,8 bilhões para a Ucrânia.

Essa mudança de estratégia coincidiu com o abandono dos esforços diplomáticos. As negociações entre Ucrânia e Rússia sempre foram tensas, mas tiveram lampejos de esperança. Agora, pararam completamente. A Rússia tem responsabilidade nisso, sem dúvida. Mas os canais diplomáticos entre os europeus e Moscou foram cortados, e não existe nenhum esforço sério por parte dos EUA em buscar avanços diplomáticos, muito menos algum cessar-fogo.

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Quando estive na Ucrânia durante as primeiras semanas da guerra, até nacionalistas ucranianos aguerridos expressavam visões muito mais pragmáticas do que as posições hoje rotineiras nos EUA. Conversas sobre um status neutro para a Ucrânia e plebiscitos com monitoramento internacional em Donetsk e Luhansk foram substituídas por grandiloquências e torcidas.

A guerra já era bastante perigosa e destrutiva em sua forma original. A combinação entre objetivos estratégicos ampliados e negociações interrompidas a tornou ainda mais perigosa. No presente, a única mensagem para a Rússia é: não há saída. Apesar de o presidente Vladimir Putin não ter declarado uma convocação geral de conscritos em seu discurso do Dia da Vitória, em 9 de maio, uma escalada convencional desse tipo ainda é possível.

Armas nucleares permeiam a discussão em tom casual, incluindo na TV russa. O risco de cidades serem reduzidas a poeira atômica continuará baixo enquanto não houver nenhum acionamento de tropas da Otan dentro da Ucrânia, mas a probabilidade de acidentes e erros de cálculo não pode ser descartada. E este conflito transcorre em um momento em que a maioria dos acordos sobre controle de armas da época da Guerra Fria entre EUA e Rússia andam caducando.

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Uma Rússia enfraquecida já era um resultado provável desta guerra antes da mudança de política dos EUA. A posição econômica da Rússia se deteriorou. Distante da superpotência exportadora de commodities, sua diminuta indústria doméstica está em dificuldades e depende de importações de tecnologias atualmente inacessíveis.

Além disso, a invasão levou diretamente a um aumento no gasto militar em potências europeias de segundo e terceiro escalão. O número de soldados da Otan presentes no Leste Europeu cresceu dez vezes, e uma expansão da aliança ao norte é provável. Um rearmamento geral da Europa está em andamento e orientado não pelo desejo de autonomia em relação ao poder americano, mas a serviço dele. Para os EUA, isso deveria ser sucesso o suficiente. Não é claro o que mais há para ganhar ao enfraquecer a Rússia — além das fantasias sobre mudança de regime.

O futuro da Ucrânia depende da maneira que os combates transcorrerem no Donbas e talvez no sul. A destruição física do leste já está em operação. As baixas entre os ucranianos não são insignificantes; estimativas sobre a quantidade de mortos e feridos variam amplamente, mas os números certamente estão na casa das dezenas de milhares. A Rússia destruiu completamente a noção de ancestralidade compartilhada com os ucranianos ainda existente antes da invasão.

Mas quanto mais longa for a guerra, pior será o estrago na Ucrânia e maior será o risco de escalada. Um resultado militar decisivo no leste ucraniano poderá se provar fugidio. Mas um resultado menos dramático, de um impasse em constante deterioração, dificilmente seria melhor. Uma perpetuação da guerra, como na Síria, é perigosa demais com dois participantes armados com bombas nucleares.

Esforços diplomáticos deveriam ser o elemento central de uma nova estratégia para a Ucrânia. Em vez disso, os limites da guerra estão sendo ampliados, e a guerra em si remete a uma luta entre democracia e autocracia, na qual o Donbas é a fronteira da liberdade. Isso não é apenas uma extravagância declamatória. É uma irresponsabilidade. Os riscos são evidentes. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* É jornalista especializado em energia, defesa e geopolítica. Trabalhou na Ucrânia durante as primeiras semanas da guerra.

THE NEW YORK TIMES - A guerra na Ucrânia entrou em uma nova fase.

Não é nenhum segredo que a invasão inicial não caminhou bem para a Rússia. Esperando vitórias fáceis, o Exército russo infligiu uma destruição terrível, especialmente em seus bombardeios contra cidades, mas fracassou, em grande parte, em tomar território além do sudeste da Ucrânia. A resistência ucraniana foi feroz. Depois de seis semanas, as forças russas — superadas em contingente — foram obrigadas a recuar de Kiev e seus subúrbios.

Na esperança de conquistar novas vitórias, a Rússia concentra agora suas forças no sul e no leste da Ucrânia. As principais batalhas ocorrem em pequenas cidades e vilarejos ao longo do Rio Donets. A Rússia fala em extirpar o Exército ucraniano do Donbas, mas até agora suas forças progrediram vagarosamente, avançando a partir da costa do Mar Negro.

Em resposta, os Estados Unidos e seus aliados também mudaram sua posição. No início, o apoio do Ocidente à Ucrânia foi projetado principalmente para a defesa do país contra a invasão. Agora, essa ajuda tem uma ambição maior: enfraquecer a própria Rússia. Apresentada como uma resposta decorrente do senso-comum à agressão russa, a mudança ocasiona, na realidade, uma escalada significativa.

Ao expandir o apoio à Ucrânia por todo o tabuleiro do conflito e engavetar qualquer esforço diplomático para impedir a guerra, os EUA e seus aliados elevaram enormemente o risco de um confronto ainda maior, assumindo um risco completamente desalinhado com qualquer tipo de ganho estratégico realista.

O foco mais limitado da Rússia provou-se mais administrável para suas Forças Armadas. O cerco sangrento a Mariupol está, segundo propósitos práticos, completo agora, e a Rússia garante sua posição na cidade de Izium enquanto bombardeia cidades menores. Mas esses avanços, que cobraram um preço, são limitados. A probabilidade de conquistas territoriais da Rússia ocorrerem além da Crimeia e do Donbas é remota neste momento.

A mudança de uma conquista generalizada para uma conquista limitada já é uma concessão por parte da Rússia. A liderança russa colocou a culpa sobre um único fator: alega estar lutando não apenas contra a Ucrânia, mas contra o sistema da Otan no Leste Europeu. Não se trata mais de presunções e táticas destrambelhadas. Ainda assim, não há como negar que EUA, Reino Unido, Polônia e outros membros europeus da Otan são partes deste conflito desde seu início.

O presidente americano, Joe Biden, fala sobre as consequências da guerra na Ucrânia em evento em Illinois, EUA Foto: Andrew Harnik / AP

A ajuda não se resume apenas a transportes militares e caminhões carregados com dezenas de toneladas de armamento antiaéreo e antitanque para os combatentes ucranianos. Os EUA também forneceram informações de inteligência em tempo real, segundo relatos, informando posições de alvos entre as forças russas. Apesar do Pentágono contestar a amplitude do compartilhamento de inteligência, os vazamentos sobre este tema foram notavelmente reveladores. Sabemos agora que os EUA forneceram o dado de rastreamento que permitiu o ataque que afundou o Moskva, o principal navio de guerra da esquadra russa no Mar Negro. De maneira ainda mais impressionante, as agências de inteligência americanas forneceram posições de alvo para assassinatos de generais russos no campo de batalha.

Esta já é uma forma significativa de participação na guerra. Mas desde então os EUA mudaram sua estratégia para pressionar a Rússia ainda mais. A resposta inicial dos EUA à invasão foi simples: abastecer os defensores e aplicar o singular armamento financeiro americano sobre a economia russa. A nova estratégia — chame-a de “fazer a Rússia sangrar”— é bem diferente. A ideia subjacente é que os EUA e seus aliados devem buscar recuperar das ruínas de Kharkiv e Kramatorsk mais do que a sobrevivência da Ucrânia enquanto Estado ou alguma frustração simbólica da agressão russa.

Autoridades graduadas deixaram isso bem claro. O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, afirmou que o objetivo é “ver a Rússia enfraquecida”. A presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, afirmou que a Ucrânia está defendendo “a democracia com ‘D’ maiúsculo”. A secretária de Exterior britânica, Liz Truss, foi explícita a respeito de ampliar o conflito para retomar território ucraniano anexado à Rússia, como a Crimeia, quando falou em expulsar a Rússia de “toda a Ucrânia”. Isso significa tanto uma expansão no campo de batalha quanto uma transformação da guerra.

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Os líderes da França e da Alemanha mostraram apoio à Ucrânia no Portão de Brandemburgo. Em Paris, a Torre Eiffel também ganhou as cores da Ucrânia.

Enquanto o objetivo inicial do Ocidente foi no início a defesa contra a invasão, agora o objetivo virou uma estratégia de desgaste permanente da Rússia. Os contornos dessa nova política começaram a emergir em 13 de abril, quando o Pentágono solicitou que as oito maiores fabricantes de armamentos dos EUA se preparassem para envios de armas em grande escala. O resultado foi a promessa feita em 28 de abril pelo presidente Joe Biden, de que os EUA forneceriam uma ajuda militar quatro vezes maior para a Ucrânia do que havia enviado desde o início do conflito — uma promessa validada pela proposta de um pacote de ajuda de US$ 39,8 bilhões para a Ucrânia.

Essa mudança de estratégia coincidiu com o abandono dos esforços diplomáticos. As negociações entre Ucrânia e Rússia sempre foram tensas, mas tiveram lampejos de esperança. Agora, pararam completamente. A Rússia tem responsabilidade nisso, sem dúvida. Mas os canais diplomáticos entre os europeus e Moscou foram cortados, e não existe nenhum esforço sério por parte dos EUA em buscar avanços diplomáticos, muito menos algum cessar-fogo.

Quando estive na Ucrânia durante as primeiras semanas da guerra, até nacionalistas ucranianos aguerridos expressavam visões muito mais pragmáticas do que as posições hoje rotineiras nos EUA. Conversas sobre um status neutro para a Ucrânia e plebiscitos com monitoramento internacional em Donetsk e Luhansk foram substituídas por grandiloquências e torcidas.

A guerra já era bastante perigosa e destrutiva em sua forma original. A combinação entre objetivos estratégicos ampliados e negociações interrompidas a tornou ainda mais perigosa. No presente, a única mensagem para a Rússia é: não há saída. Apesar de o presidente Vladimir Putin não ter declarado uma convocação geral de conscritos em seu discurso do Dia da Vitória, em 9 de maio, uma escalada convencional desse tipo ainda é possível.

Armas nucleares permeiam a discussão em tom casual, incluindo na TV russa. O risco de cidades serem reduzidas a poeira atômica continuará baixo enquanto não houver nenhum acionamento de tropas da Otan dentro da Ucrânia, mas a probabilidade de acidentes e erros de cálculo não pode ser descartada. E este conflito transcorre em um momento em que a maioria dos acordos sobre controle de armas da época da Guerra Fria entre EUA e Rússia andam caducando.

Uma Rússia enfraquecida já era um resultado provável desta guerra antes da mudança de política dos EUA. A posição econômica da Rússia se deteriorou. Distante da superpotência exportadora de commodities, sua diminuta indústria doméstica está em dificuldades e depende de importações de tecnologias atualmente inacessíveis.

Além disso, a invasão levou diretamente a um aumento no gasto militar em potências europeias de segundo e terceiro escalão. O número de soldados da Otan presentes no Leste Europeu cresceu dez vezes, e uma expansão da aliança ao norte é provável. Um rearmamento geral da Europa está em andamento e orientado não pelo desejo de autonomia em relação ao poder americano, mas a serviço dele. Para os EUA, isso deveria ser sucesso o suficiente. Não é claro o que mais há para ganhar ao enfraquecer a Rússia — além das fantasias sobre mudança de regime.

O futuro da Ucrânia depende da maneira que os combates transcorrerem no Donbas e talvez no sul. A destruição física do leste já está em operação. As baixas entre os ucranianos não são insignificantes; estimativas sobre a quantidade de mortos e feridos variam amplamente, mas os números certamente estão na casa das dezenas de milhares. A Rússia destruiu completamente a noção de ancestralidade compartilhada com os ucranianos ainda existente antes da invasão.

Mas quanto mais longa for a guerra, pior será o estrago na Ucrânia e maior será o risco de escalada. Um resultado militar decisivo no leste ucraniano poderá se provar fugidio. Mas um resultado menos dramático, de um impasse em constante deterioração, dificilmente seria melhor. Uma perpetuação da guerra, como na Síria, é perigosa demais com dois participantes armados com bombas nucleares.

Esforços diplomáticos deveriam ser o elemento central de uma nova estratégia para a Ucrânia. Em vez disso, os limites da guerra estão sendo ampliados, e a guerra em si remete a uma luta entre democracia e autocracia, na qual o Donbas é a fronteira da liberdade. Isso não é apenas uma extravagância declamatória. É uma irresponsabilidade. Os riscos são evidentes. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* É jornalista especializado em energia, defesa e geopolítica. Trabalhou na Ucrânia durante as primeiras semanas da guerra.

THE NEW YORK TIMES - A guerra na Ucrânia entrou em uma nova fase.

Não é nenhum segredo que a invasão inicial não caminhou bem para a Rússia. Esperando vitórias fáceis, o Exército russo infligiu uma destruição terrível, especialmente em seus bombardeios contra cidades, mas fracassou, em grande parte, em tomar território além do sudeste da Ucrânia. A resistência ucraniana foi feroz. Depois de seis semanas, as forças russas — superadas em contingente — foram obrigadas a recuar de Kiev e seus subúrbios.

Na esperança de conquistar novas vitórias, a Rússia concentra agora suas forças no sul e no leste da Ucrânia. As principais batalhas ocorrem em pequenas cidades e vilarejos ao longo do Rio Donets. A Rússia fala em extirpar o Exército ucraniano do Donbas, mas até agora suas forças progrediram vagarosamente, avançando a partir da costa do Mar Negro.

Em resposta, os Estados Unidos e seus aliados também mudaram sua posição. No início, o apoio do Ocidente à Ucrânia foi projetado principalmente para a defesa do país contra a invasão. Agora, essa ajuda tem uma ambição maior: enfraquecer a própria Rússia. Apresentada como uma resposta decorrente do senso-comum à agressão russa, a mudança ocasiona, na realidade, uma escalada significativa.

Ao expandir o apoio à Ucrânia por todo o tabuleiro do conflito e engavetar qualquer esforço diplomático para impedir a guerra, os EUA e seus aliados elevaram enormemente o risco de um confronto ainda maior, assumindo um risco completamente desalinhado com qualquer tipo de ganho estratégico realista.

O foco mais limitado da Rússia provou-se mais administrável para suas Forças Armadas. O cerco sangrento a Mariupol está, segundo propósitos práticos, completo agora, e a Rússia garante sua posição na cidade de Izium enquanto bombardeia cidades menores. Mas esses avanços, que cobraram um preço, são limitados. A probabilidade de conquistas territoriais da Rússia ocorrerem além da Crimeia e do Donbas é remota neste momento.

A mudança de uma conquista generalizada para uma conquista limitada já é uma concessão por parte da Rússia. A liderança russa colocou a culpa sobre um único fator: alega estar lutando não apenas contra a Ucrânia, mas contra o sistema da Otan no Leste Europeu. Não se trata mais de presunções e táticas destrambelhadas. Ainda assim, não há como negar que EUA, Reino Unido, Polônia e outros membros europeus da Otan são partes deste conflito desde seu início.

O presidente americano, Joe Biden, fala sobre as consequências da guerra na Ucrânia em evento em Illinois, EUA Foto: Andrew Harnik / AP

A ajuda não se resume apenas a transportes militares e caminhões carregados com dezenas de toneladas de armamento antiaéreo e antitanque para os combatentes ucranianos. Os EUA também forneceram informações de inteligência em tempo real, segundo relatos, informando posições de alvos entre as forças russas. Apesar do Pentágono contestar a amplitude do compartilhamento de inteligência, os vazamentos sobre este tema foram notavelmente reveladores. Sabemos agora que os EUA forneceram o dado de rastreamento que permitiu o ataque que afundou o Moskva, o principal navio de guerra da esquadra russa no Mar Negro. De maneira ainda mais impressionante, as agências de inteligência americanas forneceram posições de alvo para assassinatos de generais russos no campo de batalha.

Esta já é uma forma significativa de participação na guerra. Mas desde então os EUA mudaram sua estratégia para pressionar a Rússia ainda mais. A resposta inicial dos EUA à invasão foi simples: abastecer os defensores e aplicar o singular armamento financeiro americano sobre a economia russa. A nova estratégia — chame-a de “fazer a Rússia sangrar”— é bem diferente. A ideia subjacente é que os EUA e seus aliados devem buscar recuperar das ruínas de Kharkiv e Kramatorsk mais do que a sobrevivência da Ucrânia enquanto Estado ou alguma frustração simbólica da agressão russa.

Autoridades graduadas deixaram isso bem claro. O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, afirmou que o objetivo é “ver a Rússia enfraquecida”. A presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, afirmou que a Ucrânia está defendendo “a democracia com ‘D’ maiúsculo”. A secretária de Exterior britânica, Liz Truss, foi explícita a respeito de ampliar o conflito para retomar território ucraniano anexado à Rússia, como a Crimeia, quando falou em expulsar a Rússia de “toda a Ucrânia”. Isso significa tanto uma expansão no campo de batalha quanto uma transformação da guerra.

Seu navegador não suporta esse video.

Os líderes da França e da Alemanha mostraram apoio à Ucrânia no Portão de Brandemburgo. Em Paris, a Torre Eiffel também ganhou as cores da Ucrânia.

Enquanto o objetivo inicial do Ocidente foi no início a defesa contra a invasão, agora o objetivo virou uma estratégia de desgaste permanente da Rússia. Os contornos dessa nova política começaram a emergir em 13 de abril, quando o Pentágono solicitou que as oito maiores fabricantes de armamentos dos EUA se preparassem para envios de armas em grande escala. O resultado foi a promessa feita em 28 de abril pelo presidente Joe Biden, de que os EUA forneceriam uma ajuda militar quatro vezes maior para a Ucrânia do que havia enviado desde o início do conflito — uma promessa validada pela proposta de um pacote de ajuda de US$ 39,8 bilhões para a Ucrânia.

Essa mudança de estratégia coincidiu com o abandono dos esforços diplomáticos. As negociações entre Ucrânia e Rússia sempre foram tensas, mas tiveram lampejos de esperança. Agora, pararam completamente. A Rússia tem responsabilidade nisso, sem dúvida. Mas os canais diplomáticos entre os europeus e Moscou foram cortados, e não existe nenhum esforço sério por parte dos EUA em buscar avanços diplomáticos, muito menos algum cessar-fogo.

Quando estive na Ucrânia durante as primeiras semanas da guerra, até nacionalistas ucranianos aguerridos expressavam visões muito mais pragmáticas do que as posições hoje rotineiras nos EUA. Conversas sobre um status neutro para a Ucrânia e plebiscitos com monitoramento internacional em Donetsk e Luhansk foram substituídas por grandiloquências e torcidas.

A guerra já era bastante perigosa e destrutiva em sua forma original. A combinação entre objetivos estratégicos ampliados e negociações interrompidas a tornou ainda mais perigosa. No presente, a única mensagem para a Rússia é: não há saída. Apesar de o presidente Vladimir Putin não ter declarado uma convocação geral de conscritos em seu discurso do Dia da Vitória, em 9 de maio, uma escalada convencional desse tipo ainda é possível.

Armas nucleares permeiam a discussão em tom casual, incluindo na TV russa. O risco de cidades serem reduzidas a poeira atômica continuará baixo enquanto não houver nenhum acionamento de tropas da Otan dentro da Ucrânia, mas a probabilidade de acidentes e erros de cálculo não pode ser descartada. E este conflito transcorre em um momento em que a maioria dos acordos sobre controle de armas da época da Guerra Fria entre EUA e Rússia andam caducando.

Uma Rússia enfraquecida já era um resultado provável desta guerra antes da mudança de política dos EUA. A posição econômica da Rússia se deteriorou. Distante da superpotência exportadora de commodities, sua diminuta indústria doméstica está em dificuldades e depende de importações de tecnologias atualmente inacessíveis.

Além disso, a invasão levou diretamente a um aumento no gasto militar em potências europeias de segundo e terceiro escalão. O número de soldados da Otan presentes no Leste Europeu cresceu dez vezes, e uma expansão da aliança ao norte é provável. Um rearmamento geral da Europa está em andamento e orientado não pelo desejo de autonomia em relação ao poder americano, mas a serviço dele. Para os EUA, isso deveria ser sucesso o suficiente. Não é claro o que mais há para ganhar ao enfraquecer a Rússia — além das fantasias sobre mudança de regime.

O futuro da Ucrânia depende da maneira que os combates transcorrerem no Donbas e talvez no sul. A destruição física do leste já está em operação. As baixas entre os ucranianos não são insignificantes; estimativas sobre a quantidade de mortos e feridos variam amplamente, mas os números certamente estão na casa das dezenas de milhares. A Rússia destruiu completamente a noção de ancestralidade compartilhada com os ucranianos ainda existente antes da invasão.

Mas quanto mais longa for a guerra, pior será o estrago na Ucrânia e maior será o risco de escalada. Um resultado militar decisivo no leste ucraniano poderá se provar fugidio. Mas um resultado menos dramático, de um impasse em constante deterioração, dificilmente seria melhor. Uma perpetuação da guerra, como na Síria, é perigosa demais com dois participantes armados com bombas nucleares.

Esforços diplomáticos deveriam ser o elemento central de uma nova estratégia para a Ucrânia. Em vez disso, os limites da guerra estão sendo ampliados, e a guerra em si remete a uma luta entre democracia e autocracia, na qual o Donbas é a fronteira da liberdade. Isso não é apenas uma extravagância declamatória. É uma irresponsabilidade. Os riscos são evidentes. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* É jornalista especializado em energia, defesa e geopolítica. Trabalhou na Ucrânia durante as primeiras semanas da guerra.

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