THE WASHINGTON POST - Agências de espionagem dos EUA obtiveram informações em meados de junho indicando que o chefe do Grupo Wagner, Yevgeniy Prigozhin, estava planejando uma ação armada contra o comando de defesa russo - que ele acusa de atrapalhar a guerra na Ucrânia. Casa Branca e outras agências governamentais foram informados com urgência para que não fossem pegos de surpresa, disseram vários oficiais dos EUA no sábado, 24.
A natureza exata e o momento da execução dos planos de Prigozhin não ficaram claros até pouco antes de sua surpreendente tomada de um comando militar e avanço com tanques em direção a Moscou na sexta, 23, disseram autoridades. Mas “havia sinais suficientes para informar a liderança que algo estava acontecendo”, disse um oficial dos EUA, quevfalou sob condição de anonimato.
Nas últimas duas semanas, houve uma “alta preocupação” sobre o que poderia acontecer - se o presidente russo Vladimir Putin permaneceria no poder e o que instabilidades poderiam significar para o controle do arsenal nuclear da Rússia, disse o oficial.
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O principal temor era que a instabilidade que pudesse resultar de uma “guerra civil” russa, disseram autoridades. Além da Casa Branca, altos funcionários do Pentágono, do Departamento de Estado e do Congresso foram informados da situação.
Um gatilho para Prigozhin, disseram as autoridades, foi uma ordem de 10 de junho do Ministério da Defesa russo de que todos os destacamentos de voluntários teriam que assinar contratos com o governo. Embora a ordem não mencionasse o Grupo Wagner pelo nome, a implicação era clara: uma tomada do governo pelo controle das tropas mercenárias de Prigozhin.
Oficiais militares ucranianos também estavam observando Prigozhin após o anúncio de 10 de junho e cada vez mais acreditavam que ele poderia mobilizar suas forças contra Moscou. Prigozhin havia protestado publicamente contra a ordem do Ministério da Defesa, e os oficiais ucranianos levaram a sério a possibilidade de ele agir contra posições russas, diz uma fonte do governo ucraniano.
Mas o momento de um movimento era incerto, disse o funcionário ucraniano.
Prigozhin é comumente conhecido como “o chef de Putin” devido aos seus contratos de fornecimento de alimentos para o Kremlin. Nos EUA, ele está sob acusação criminal supostamente interferir nas eleições presidenciais de 2016. Mas a verdadeira identidade de Prigozhin - e futuro - está ligada às suas forças mercenárias. Documentos de inteligência vazados obtidos pelo The Washington Post no início deste ano mostram o Grupo Wagner construindo um verdadeiro império na África, onde Prigozhin fornece segurança para regimes governamentais, às vezes em troca de direitos sob minérios valiosos.
Na Ucrânia, os combatentes do Grupo Wagner conseguiram sair vitoriosos na longa e sangrenta batalha pela cidade de Bakhmut, mas isso teve um alto custo: 20 mil soldados das forças de Prigozhin foram mortos. Durante os combates, Prigozhin reclamou que o Ministério da Defesa russo não estava fornecendo equipamento e suprimentos necessários para lutar. Ele havia ameaçado retirar suas forças por completo do combate. Os documentos vazados mostram líderes russos preocupados, principalmente com os ataques verbais de Prigozhin.
“As tensões entre o Grupo Wagner e o Ministério da Defesa Russo não são segredo”, diz um alto funcionário da administração Biden. “Todos nós vimos Prigozhin criticar publicamente, advertir e até ameaçar o exército russo em várias ocasiões”.
Falta de ação de Putin
Agências de inteligência dos EUA acreditam que Putin também foi informado de que Prigozhin estava tramando algo. E, embora não esteja claro exatamente quando ele foi informado, foi “definitivamente há mais de 24 horas”, disse o primeiro funcionário dos EUA.
Ainda não está claro por que o presidente russo não tomou medidas para impedir a tomada do comando militar por Prigozhin. O chefe dos mercenários chegou a cerca de 100 km da capital antes de recuar depois de fechar um acordo intermediado pelo Presidente da Belarus, Alexander Lukashenko, um aliado de Putin. O acordo prevê o abandono das acusações criminais contra Prigozhin.
A falta de ação de Putin refletiu uma falta de coordenação de alto nível no governo russo e provavelmente rivalidades internas, supõem funcionários dos EUA.
Prigozhin enfrentou pouca resistência quando ele e suas forças marcharam para Rostov-on-Don e assumiram o controle do quartel-general do Distrito Militar do Sul. “Se Prigozhin pretendia criar uma divisão entre o comando das Forças Armadas da Federação Russa e o Kremlin, ele falhou”, diz uma das fontes, o que significa que a rebelião de 24 horas não parece, por enquanto, ter desencadeado uma ruptura mais ampla entre o círculo íntimo de Putin.
Analistas, no entanto, dizem que isso parece ser o desafio mais sério a Putin nas mais de duas décadas em que ele serviu como líder supremo da Rússia. O último desafio significativo foi em 2011, quando dezenas de milhares de russos saíram às ruas em Moscou para protestar contra o que autoridades europeias e dos EUA concluíram serem eleições parlamentares fraudadas.
Analistas de inteligência estão observando para ver o que acontece a seguir. Embora Prigozhin tenha recuado, Putin foi enfraquecido, disseram autoridades. Imagens de tanques do Grupo Wagner percorrendo a rodovia M4 russa em direção a Moscou apareceram nas redes sociais, e Putin fez um discurso televisionado à nação no sábado, dizendo que havia uma “insurreição armada”.
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Membros da elite russa questionarão sua liderança, perguntando como ele pode ter deixado isso acontecer e por que não o impediu antes, dizem autoridades. “Isso provavelmente assustou os russos comuns”, diz um primeiro funcionário dos EUA.
Quanto a Prigozhin, o Kremlin disse no sábado que ele estava indo para a Belarus como parte do acordo mediado por Lukashenko. Seu futuro além disso é incerto. Ele tem um núcleo sólido de tropas leais, e muitos daqueles que lutaram e morreram na Ucrânia eram condenados que esperavam conquistar a liberdade ao ir para a batalha.
As autoridades dizem ter certeza de que ele manterá sua liderança junto ao Grupo Wagner. /TRADUÇÃO DE BRUNO ROMANI