A diplomacia do governo Biden não conseguiu conter Israel e desescalar o conflito no Oriente Médio ao longo do ano recente. Mas Washington tem uma nova oportunidade de envolvimento construtivo: ajudar as Forças Armadas do Líbano a ocupar o vazio deixado pelo colapso do Hezbollah e restabelecer a soberania do governo libanês.
Enquanto Israel esmaga o Hezbollah no Líbano, críticos argumentam que os israelenses estão criando outro confuso “dia seguinte” por lá, da mesma forma que em Gaza. De acordo com as Nações Unidas, mais de 1 milhão de libaneses foram deslocados de suas residências conforme os combates escalaram no mês passado. Israel parece não ter nenhum plano para um retorno à normalidade.
E nesse sentido os Estados Unidos poderiam fazer uma diferença decisiva. Por mais de uma década, o Comando Central dos EUA, responsável pelo Oriente Médio, tem trabalhado juntamente com as Forças Armadas do Líbano para incrementar sua capacidade de recuperar o controle das fronteiras do país caso o domínio do Hezbollah se afrouxe. Esse momento parece ter chegado.
A decapitação do Hezbollah praticada por Israel — que culminou no assassinato de Hasan Nasrallah, na semana passada — criou um vácuo de segurança no Líbano. Os atordoados quadros inferiores do Hezbollah sem dúvida esperam ocupar o vazio. Mas pela primeira vez em uma geração há uma chance real das FAL assumirem o controle da segurança do país e de suas fronteiras, com a ajuda adequada.
O governo Biden percebe uma “oportunidade massiva” no Líbano, disse nesta semana uma alta autoridade ao WP. Mas para ajudar o Líbano a recuperar sua soberania, o governo Biden terá de se movimentar rapidamente e decisivamente enquanto o Hezbollah ainda estiver desarticulado.
O Pentágono tem ensaiado para desempenhar esse papel há várias décadas por meio de seu apoio às FAL. Menos de quatro meses atrás, o Pentágono recebeu o general Joseph Aoun, comandante das FAL, em Washington e no quartel-general do Comando Central dos EUA, na Flórida.
“As autoridades do governo Biden querem que as FAL preparem uma força potencialmente acionável próximo à fronteira para para monitorar uma futura zona-tampão negociada entre Israel e o Hezbollah”, noticiou o meio de imprensa Al-Monitor no momento da visita de Aoun. O enviado especial de Biden para o Líbano, Amos Hochstein, enfatizou que esse acionamento das FAL requereria “uma quantidade enorme de dinheiro”, explicando que: “É preciso recrutar, treinar e equipar (soldados), e isso leva tempo”.
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Uma missão no dia seguinte do Líbano seria arriscada para os EUA e seus parceiros. Um lembrete horripilante dos possíveis custos, devemos recordar, é o ataque a bomba contra a Embaixada Americana e o quartel dos Marines em Beirute, em 1983. Essas operações, conduzidas pelos antecessores do Hezbollah apoiados pelo Irã, tiveram o objetivo de sabotar uma “missão presencial” dos EUA vagamente definida, segundo me relataram autoridades na época. Os EUA esperavam estabilizar o Estado libanês após a traumática invasão israelense de 1982.
Qualquer presença americana no Líbano neste momento teria de ser muito limitada e bem protegida, para evitar uma reedição da catástrofe de 1983. Mas isso não quer dizer que seja impossível. O Comando Central dos EUA tem treinado regularmente com as FAL há anos, e oficiais de ambos os lados mantêm contato próximo. As forças americanas operam em outros lugares vulneráveis na região, incluindo Síria e Iraque.
Após um exercício conjunto de 11 dias, em maio de 2021, a então subsecretária-assistente da Defesa para o Oriente Médio, Dana Stroul, afirmou, “Com as FAL (…) nós estamos interessados em desenvolver uma parceria de longo prazo com uma instituição que atenda ao povo libanês, esteja comprometida com seu interesse e seja uma instituição de representatividade nacional que ofereça uma alternativa ao Hezbollah libanês”.
O experiente jornalista libanês Michael Young explicou a dinâmica após a morte de Nasrallah, em um post publicado no domingo no website Diwan, do Fundo Carnegie. Ele analisou a “lógica da resistência” do Hezbollah em função da “lógica do Estado”, afirmando que a lógica do Estado “impõe-se a um país conduzido à catástrofe por um grupo armado que desprezou o Estado libanês”.
Young escreveu que, na visão de muitos libaneses, “a única instituição nacional que conta com credibilidade e apoio generalizado é o Exército libanês”.
Ao longo deste ano de guerra, o crescente domínio tático de Israel não veio acompanhado do mesmo nível de planejamento estratégico para o dia seguinte. Em Gaza e no Líbano os israelenses estão deixando um rastro de escombros e atiçando ódio, um ambiente perfeito para guerras futuras. Uma governança estável de um futuro Estado palestino em Gaza e na Cisjordânia pode, infelizmente, enquadrar-se na categoria “difícil demais” por agora.
Mas reconstruir o Estado libanês sustentado por um Exército forte — apoiado por uma população farta da violenta fantasia de resistência do Hezbollah — é um objetivo alcançável; que requererá um esforço disciplinado e vontade política dos EUA. Uma tarefa digna para Joe Biden nos meses finais de seu mandato e quem lhe suceder./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO