Em um futuro próximo, “Top Gun” pode ter uma nova versão. Em aproximadamente um ano, pilotos de caça dos EUA vão começar a voar com capacetes equipados com viseiras de realidade aumentada, capazes de projetar réplicas digitais de caças inimigos em seu campo de visão. Será a primeira vez que os pilotos poderão decolar e praticar no ar manobras contra aeronaves altamente avançadas, projetadas por países como China e Rússia.
O investimento de bilhões de dólares feito pelos militares americanos em realidade virtual também inclui gastos com inteligência artificial e algoritmos para modernizar a maneira como as guerras são combatidas.
A solução de treinamento de pilotos, criada pela startup de tecnologia militar Red6, será usada primeiro na Força Aérea americana, como parte de um contrato de US$ 70 milhões (R$ 363,4 milhões) da empresa com os militares. Tanto a companhia quanto ex-oficiais das Forças Armadas dos EUA dizem que a tecnologia será uma maneira segura, barata e realista de garantir que os pilotos estejam preparados para enfrentar os melhores aviões de combate do mundo.
“Melhor, mais rápido, mais barato. É assim que treinaremos (pilotos) no futuro”, disse Daniel Robinson, fundador e executivo-chefe da Red6.
Por décadas, a forma como os EUA treinam seus pilotos de caça mudou pouco. Aviadores da Força Aérea e da Marinha geralmente começam o treinamento voando em um jato Northrop T-38, muitas vezes usando um programa semelhante ao que existe desde a década de 1960. A partir daí, eles treinam nos aviões que voarão durante suas carreiras, como caças F-22 ou F-35.
Um componente crucial para o treinamento é imitar a batalha. Para isso, os militares fornecem aos seus pilotos uma combinação de simuladores de voo e horas de voo real para aprimorar suas habilidades. O programa Strike Fighter Tactics Instructor da Marinha, amplamente conhecido como Top Gun, inspirou a franquia de filmes de grande sucesso, que apresentou a milhões de pessoas parte das técnicas do treinamento de pilotos.
Mas os militares enfrentam problemas significativos no treinamento de pilotos de caça. O uso de simuladores não pode replicar a sensação de estar no ar e manobrar contra um oponente, embora sejam econômicos, disse o presidente do conselho da Red6 e general aposentado da Força Aérea Mike Holmes. Por outro lado, colocar pilotos no ar para treinar é caro – variando de US$ 15.000 a US$ 100.000 (entre cerca de R$ 77.880 e R$ 519.230) por hora de voo, dependendo da aeronave – e perigoso. Os acidentes com pilotos estão aumentando, com 72 no ano fiscal de 2020, indicam relatórios.
Além disso, quando os pilotos sobem no ar para aprimorar suas técnicas de combate, os militares normalmente contratam oponentes para a luta. No entanto, as empresas que fingem ser agressoras geralmente contam com aeronaves que não são tão sofisticadas quanto os caças de quinta geração usados pelos militares chineses e russos.
Holmes disse que isso é preocupante. Por duas décadas, os pilotos treinaram para lutar contra alvos no Oriente Médio. Mas agora, China e Rússia são prioridades mais altas, e os Estados Unidos estão menos preparados para lutar contra esquadrões de caças cada vez mais capazes e altamente avançados.
Para Lembrar
“Para nos mantermos relevantes, teremos que subir o patamar do nosso treinamento nos próximos anos”, disse Holmes.
Robinson, um ex-piloto de caça da Royal Air Force do Reino Unido, disse que a ideia para o Red6 e seu programa de treinamento usando realidade aumentada ocorreu em 2017. Foi quando conheceu o cofundador da empresa, Glenn Snyder, que criou um sistema de realidade virtual para ajudar a treinar pilotos de corrida simulando várias pistas de automobilismo.
Robinson disse que procurou a Força Aérea dos EUA, que reconheceu que estava procurando maneiras melhores e mais baratas de treinar pilotos. A partir daí, Robinson e sua equipe começaram a adaptar a tecnologia de realidade virtual de corrida de carros à simulação de voo.
Os capacetes usados no treinamento se assemelham aos normais, mas as viseiras exibem cenários de luta aos quais os pilotos podem reagir no ar – tudo isso enquanto observam o mundo ao seu redor. Eles usam dados de uma empresa privada de inteligência militar e de agências de inteligência do governo dos EUA, para garantir que seus modelos digitais de simulação estejam próximos da vida real.
Permitir que os pilotos treinem contra simulações precisas no ar, em vez de outros pilotos humanos, seria mais seguro para os pilotos, disse Robinson.
Em agosto de 2021, a Red6 recebeu um contrato de US$ 70 milhões por cinco anos com a Força Aérea para implantar a tecnologia. No futuro, o sistema também poderá ser usado por outros braços das Forças Armadas, incluindo a Marinha, disseram funcionários da empresa.
Charlie Plumb, um aviador naval aposentado que voou no programa Top Gun e está no conselho consultivo do Red6, disse que simular cenários de combate com aeronaves inimigas avançadas no ar é imperativo para manter os pilotos seguros em situações de combate da vida real.
Plumb, que pilotou um caça F-4 e foi abatido, torturado e mantido em cativeiro no Vietnã por mais de seis anos, disse que um treinamento melhor o teria ajudado. Na Guerra do Vietnã, grande parte dos combates aéreos aconteceu em altitudes baixas, o que exigia que os pilotos tivessem melhor domínio de virar bruscamente para a esquerda e para a direita enquanto se posicionavam para disparar mísseis contra o inimigo.
“Eu não sabia como fazer isso”, disse ele. Plumb não tem participação financeira na empresa.
Mark Cancian, um coronel aposentado do Corpo de Fuzileiros Navais, disse que uma ferramenta de treinamento de realidade aumentada que permite que os pilotos treinem no ar contra simulações de aeronaves inimigas é um investimento consciente e sensato do orçamento. “É certamente promissor”, disse Cancian, consultor sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
Ele acrescentou que a tecnologia ainda exigirá testes de segurança.
Sorin Adam Matei, professor da Purdue University que estuda a interseção entre tecnologia e operações militares, era mais cético quanto ao valor da tecnologia. Quando se trata de realidade aumentada, disse ele, é mais importante criar soluções para soldados de infantaria do que para pilotos.
“Com pilotos, realidade aumentada... é e não é grande coisa”, disse ele. “Gostaríamos que nossos pilotos tomassem decisões antes… eles precisam olhar para baixo e ver que há um avião abaixo deles”.