TAIPÉ, Taiwan — Países europeus tradicionalmente se mantiveram distantes de Taiwan por receio de provocar Pequim, que se opõe a qualquer contato com a ilha sobre a qual reivindica território.
Mas um frenesi diplomático incomum sugere que uma sutil mudança na Europa pode estar em andamento, desencadeada, em parte, pela crescente frustração no continente com a postura agressiva da China.
Duas semanas atrás, o ministro de Relações Exteriores de Taiwan, Joseph Wu, iniciou uma ofensiva de charme na Europa, parando em Bruxelas para reuniões inéditas, apesar de informais, com eurodeputados. O Parlamento Europeu apoiou predominantemente uma resolução pedindo por um estreitamento de laços com Taiwan, que a Casa descreveu como um “parceiro e aliado democrático no Indo-Pacífico”.
Então, na semana passada, o Parlamento Europeu mandou pela primeira vez uma delegação formal visitar a ilha, desafiando ameaças de retaliação de Pequim.
“Viemos aqui com uma mensagem muito simples e clara: ‘vocês não estão sós”, disse o eurodeputado francês Raphaël Glucksmann, líder da delegação, à presidente taiwanesa, Tsai Ing-wen, em uma reunião em Taipé, quinta-feira passada. “A Europa está ao seu lado.”
Até um ano atrás, uma intensificação no engajamento diplomático entre a União Europeia e Taiwan parecia improvável. Naquela época. Europa e China estavam finalmente e rapidamente finalizando um acordo adormecido havia muito tempo, para facilitar que suas empresas operassem em ambos os territórios, atingindo o que foi visto brevemente como uma vitória geopolítica de Pequim.
Mas a assertividade cada vez mais intensa do autoritarismo do líder da China, Xi Jinping, alimentou desconfiança e também alguma aversão. Os eurodeputados bloquearam o pacto de investimento, citando violações de direitos humanos na China e sanções. Agora, preocupações a respeito da repressão do Partido Comunista Chinês em Hong Kong, a maneira com que seu governo lida com a pandemia de coronavírus e sua estratégia de intimidação contra Taiwan, com aviões militares, parece também ter engendrado uma crescente disposição na Europa de reavaliação — e fortalecimento — de laços com a ilha.
“Pela primeira vez na história, de uma maneira muito significativa, houve uma sutil, mas detectável, mudança nas percepções europeias sobre Taiwan”, afirmou Janka Oertel, diretora do Programa para Ásia do Conselho Europeu de Relações Exteriores. “Houve uma evidente conscientização de que a situação em Taiwan é preocupante para os europeus não apenas de uma perspectiva de valores, mas também da perspectiva da arquitetura da segurança regional.”
Certamente, os interesses europeus na China são enormes, e o foco em Taiwan é esforço de uma minoria. A Europa não demonstrou nenhuma intenção de abandonar sua tradicional política reconhecimento da posição de Pequim de que só existe um governo chinês.
A Europa está ao mesmo tempo relutante e mal equipada para se envolver militarmente no Indo-Pacífico, em comparação ao intenso foco de Washington em impedir a China de atacar Taiwan. A recente controvérsia a respeito de a Austrália ter dispensado um importante contrato de compra de submarinos franceses em favor de um pacto similar com os Estados Unidos (apoiado pelo Reino Unido) enfureceu muitos não apenas em Paris, mas também em Bruxelas.
A França, lar de Glucksmann, possui pelo menos 1,5 milhão de cidadãos vivendo no Ido-Pacífico e cerca de 8 mil soldados estacionados permanentemente na região. Mas nenhum outro país europeu tem nem pretende ter uma presença militar constante por lá como a dos Estados Unidos. Reino Unido e Alemanha são mais ambivalentes a respeito de Taiwan: um navio militar alemão decidiu evitar passar pelo Estreito de Taiwan depois de um alerta de Pequim, enquanto os britânicos mandaram um de seus novos porta-aviões atravessar o estreito em setembro.
Ainda assim, para muitos em Taiwan e também na Europa, a ilha pareceria um parceiro natural para a UE, que se orgulha de sua “união de valores”. Taiwan é uma democracia florescente, com Judiciário independente e fortes salvaguardas para direitos individuais e meio ambiente.
Taiwan também tem trabalhado para polir sua imagem global com sua resposta à pandemia. Com o vírus amplamente sob controle em seu território, Taiwan enviou milhões de máscaras para vários países, incluindo da Europa, o que lhe rendeu elogios de autoridades de todo o continente.
Mais recentemente, uma continuada escassez de semicondutores ressaltou a importância de Taiwan como elo indispensável da cadeia global de fornecimento dos chips usados em todo tipo de equipamento, de iPhones a carros alemãs.
“Democracias unidas por chips são uma fórmula de sucesso na Europa”, afirmou Theresa Fallon, diretora do Centro para Estudos de Rússia, Europa e Ásia, um instituto de pesquisa em Bruxelas.
Taiwan tem buscado valer-se de seus pontos fortes. A delegação do Parlamento Europeu passou grande parte de sua viagem de três dias a Taiwan reunindo-se com grupos de pesquisa em políticas e organizações não governamentais para discutir maneiras de combater desinformação. Glucksmann, que foi um dos eurodeputados sancionados por Pequim este ano por criticar os registros em direitos humanos da China, afirmou que a Europa tem colocado o foco mais tradicionalmente na interferência russa, em vez da China.
“Não cooperar com Taiwan é um erro, porque onde podemos encontrar mais conhecimento a respeito do regime chinês do que aqui?”, afirmou Glucksmann durante uma entrevista em Taipé.
Taiwan também tem conseguido promover laços comerciais com a Europa. A ilha enviou uma delegação de 66 autoridades e líderes empresariais para República Checa, Eslováquia e Lituânia, para discutir investimentos e cooperação industrial.
Os objetivos principais de Taiwan são tanto alcançar um acordo de investimento bilateral com a Europa quanto institucionalizar laços para combater os esforços da China para isolar diplomaticamente a ilha. Nos anos recentes, Pequim tem continuado a arrancar parceiros diplomáticos formais de Taiwan. Dos 15 aliados remanescentes de Taiwan, somente um, o Vaticano, fica na Europa. Mas Taiwan conquistou uma pequena vitória quando a Lituânia decidiu avançar com planos de abrir um escritório de representação no início do ano que vem em Taipé, a capital taiwanesa, apesar da indignação chinesa.
“Taiwan está se esforçando vigorosamente em atrair a União Europeia para diversificar suas exportações e diminuir sua dependência da China”, afirmou Cho Chung-hung, professor e diretor do Instituto de Estudos Europeus da Universidade Tamkang, na Nova Taipé.“Taiwan está tentando aproveitar a oportunidade para criar relações mais sustentáveis e normalizadas com a Europa.”
Pequim tem protestado e reagido contra cada ato de proximidade com Taiwan, o que incluiu retirar seu embaixador na Lituânia, em agosto. Mas a China pode estar apreensiva em relação a colocar em perigo seu acesso ao mercado europeu e, desta maneira, empurrar o bloco na direção dos Estados Unidos. No mês passado, Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, que representa os 27 países do bloco, conversou com Xi, o líder chinês, pela primeira vez desde maio, quando o pacto de investimento estagnou. Depois do telefonema, Michel tuitou que ambos os lados haviam concordado em realizar uma cúpula virtual proximamente.
Apesar do telefonema, as relações entre Pequim e União Europeia dificilmente melhorarão no curto prazo. A China não está disposta a recuar em temas que considera de interesse crucial, como Taiwan e Xinjiang, que são focos de tensão, afirmou Shi Yinhong, professor de relações internacionais da Universidade Renmin, em Pequim.
A respeito das recentes ações e apoio da Europa a Taiwan, o professor Shi afirmou, “É isso que a China detesta; isso não deixa o governo chinês nada satisfeito”. “Mas não parece haver maneira de evitar isso no futuro próximo”, afirmou ele.
Ainda resta saber quanto do apoio europeu a Taiwan não passa de mera retórica. Eurodeputados são mais flexíveis do que seus colegas do Conselho Europeu e da Comissão Europeia para fazer gestos políticos robustos a favor de Taiwan, o novo governo da Alemanha e as próximas eleições na França serão cruciais para moldar a relação da região tanto com Pequim quanto com Taipé.
“A UE está passando por um momento de autorreflexão”, afirmou Zsuzsa Anna Ferenczy, pesquisadora que vive em Taipé e ex-conselheira política do Parlamento Europeu. “'Que tipo de relação queremos com a China?’ e ‘Que tipo de relação estamos dispostos a manter com Taiwan?’. Essas são duas grandes questões que ainda precisam ser consideradas.”/ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL