Quatro ex-ministros de Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela, divulgaram uma carta aberta com críticas ao presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Divulgada nesta quinta-feira, 1º, a carta pede que o governo brasileiro seja solidário com os venezuelanos e rebate as declarações de Lula sobre o país nesta semana.
O documento foi assinado pelos ex-ministros Rodrigo Cabezas (Finanças), Héctor Navarro (Educação), Ana Elisa Osorio (Meio Ambiente) e Oly Millan (Economia Popular). Todos estiveram nas gestões de Chávez, que presidiu a Venezuela entre 1999 e 2013, ano em que faleceu, aos 58 anos.
“Sempre fomos militantes da esquerda democrática e progressista. A partir desse ideal, ousamos exigir, Presidente Lula da Silva, que Vossa Excelência e seu governo demonstrem solidariedade e coerência com uma solução democrática para a crise política, econômica e humanitária na Venezuela”, diz a carta, após listar uma série de violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura de Nicolás Maduro, sucessor de Chávez.
A motivação da carta foram as declarações de Lula sobre a situação política da Venezuela nesta semana, durante a visita de Maduro à Brasília. Lula disse na segunda-feira a Maduro para “construir a narrativa” em contrapartida a “que eles têm contado contra você”. No dia seguinte, o presidente brasileiro afirmou que foi mal interpretado e que ele quis dizer que há uma narrativa que tenta construir Chávez como “um demônio”.
Na carta, os ex-ministros afirmam que a situação política na Venezuela não se trata de uma “narrativa construída”. “Fazemos isso como uma obrigação, depois de ouvir de Vossa Excelência palavras que justificam, talvez sem querer, a autocracia que governa a Venezuela”, dizem. “A deriva autoritária e, portanto, antidemocrática do Sr. Nicolás Maduro não é uma ‘narrativa construída’, não responde a nenhum plano de propaganda daqueles que se opõem a ele e, o que é mais grave do ponto de vista humano, deixou e continua deixando muitas vítimas”, acrescentam.
As autoridades citam os diversos processos contra Maduro para apurar violações de direitos humanos como justificativas do porquê o consideram autoritário e antidemocrático. “Neste exato momento, há 281 presos políticos na Venezuela, de acordo com a ONG Foro Penal”, citam junto com fechamentos de centenas de jornais, rádios e canais de televisão e o banimento de partidos políticos de oposição por parte do Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela, aparelhado pelo chavismo.
“Como se não bastasse o que resumimos nas linhas anteriores, os casos de corrupção que foram revelados nas últimas semanas, com valores de várias dezenas de bilhões de dólares (que desapareceram nas mãos de administradores) em um país em que os hospitais não funcionam e a educação está em um de seus piores momentos por falta de recursos, falam, sem espaço para justificativas demagógicas, de um governo, o de Nicolás Maduro, divorciado dos interesses do povo, especialmente dos trabalhadores”, acrescenta a carta.
Reações a Lula
As declarações de Lula, dadas durante a cúpula com líderes sul-americanos em Brasília no início desta semana, já haviam sido criticadas durante o encontro. Os presidentes do Chile, o centro-esquerdista Gabriel Boric, e do Uruguai, Luis Lacalle Pou, de centro-direita, se pronunciaram em discordância do presidente brasileiro.
“Não se pode varrer para debaixo do tapete ou fazer vista grossa sobre princípios importantes. Respeitosamente, discordo do que Lula disse ontem. Não é uma narrativa, é uma realidade, é séria e tive a oportunidade de ver-la nos olhos e na dor de centenas de milhares de venezuelanos que vivem na nossa pátria e que exigem uma posição firme e clara”, afirmou Boric, cobrando respeito aos direitos humanos, independentemente da linha política do governante de turno.
Lacalle Pou, por sua vez, se disse surpreso com as declarações de Lula. “Fiquei surpreso quando se disse que o que acontece na Venezuela é uma narrativa. Vocês sabem o que nós pensamos da Venezuela e do governo da Venezuela”, reagiu o uruguaio. “Se há tantos grupos no mundo tentando mediar a volta da democracia plena na Venezuela, para que haja respeito aos direitos humanos, para que não haja presos políticos, o pior que podemos fazer é tapar o sol com um dedo. Vamos dar o nome que tem e vamos ajudar.”
Lula reagiu às críticas na terça-feira e disse que foi mal interpretado. “O que eu disse, na verdade, é que desde que o Chávez tomou posse, foi construída narrativa contra Chávez em que ele é um demônio, a partir daí começa a jogar todo mundo contra ele. Foi assim comigo, a quantidade de mentira nos meus processos. Uma narrativa vendendo uma mentira que depois ninguém conseguiu provar”, declarou.
Depois da reunião, Maduro minimizou as críticas dos dois presidentes sul-americanos. “Isso é normal. Eles têm uma visão, nós temos outra. Há união na diversidade. Isso é a América do Sul, e sempre haverá debate”, disse o chefe do regime chavista. “O espírito unitário sul-americano reinou hoje. Sempre haverá diferenças de critério, propostas e ideias. Mais importante é que houve debate com muita tolerância e franqueza.”