Exército afasta Mugabe, o grande ditador africano


O mundo deixou muitas vezes o Zimbábue abandonado à própria sorte, mas chegou a hora de estender uma mão e ajudar o país a sair do abismo em que o ditador o jogou

Por THE ECONOMIST

Calígula quis fazer de seu cavalo um cônsul. Robert Mugabe quis fazer da mulher, Grace, sua sucessora na presidência do Zimbábue. A comparação é um tanto injusta. O cavalo de Calígula nunca fez extravagantes viagens de compras enquanto os romanos morriam de fome, nem foi acusado de tentar estrangular alguém com um cabo elétrico num quarto de hotel.

+ Mugabe: de herói nacional a déspota disposto a matar pelo poder

A única qualificação de Grace Mugabe para altos cargos é seu casamento com Mugabe, 41 anos mais velho que ela, com quem iniciou um caso enquanto a primeira mulher do ditador estava morrendo. As ambições da primeira-dama foram frustradas nesta semana, quando o Exército tomou o poder insistindo que não se tratava de um golpe, mas deixando claro que se tratava.

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Mugabe e sua mulher Grace, conhecida por suas extravagantes compras em lojas do exterior Foto: Tsvangirayi Mukwazhi/AP

Assim, envolta em sordidez, termina a era de um dos grandes ditadores africanos. Mugabe desgovernou o Zimbábue por 37 anos. Mesmo que lhe permitam manter o título de presidente, seu poder já se foi. Aos 93 anos, fragilizado e desmemoriado, Mugabe perdeu o controle do país que conseguiu arruinar. O que causa espanto – e vergonha – é que tenha durado tanto no poder. Há muito a se aprender com o fracasso de sua revolução.

O golpe vai melhorar a situação? É difícil ser otimista. Golpes nunca seguem a via da legalidade e, geralmente, espalham miséria. Os generais e a velha guarda do partido, orquestradores da atual rebelião, não são reformistas: são parte do sistema deteriorado que Mugabe criou. Muitos se beneficiaram da situação. Agora, agiram não por princípios, mas para impedir que Grace e seus jovens apoiadores ocupassem seu lugar no esquema. 

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Emmerson Mnangagwa, de 75 anos, vice-presidente deposto que pode assumir o poder, é um antigo seguidor de Mugabe e, sob todos os aspectos, tão nefasto quanto o ex-chefe. Era ministro da Segurança por ocasião dos massacre dos ndebeles. Durante uma campanha eleitoral, em 2000, seus seguidores incendiaram a casa de um oponente. O grupo de conspiradores que comanda tem as mãos manchadas de sangue e não faz exatamente o gênero salvador da pátria.

Mas há um fio de esperança. A elite dominante do Zimbábue costumava seguir alguma forma de democracia e até foi derrotada em eleições, apesar da fraude em grande escala. Mnangagwa pode ser um bruto, mas é pragmático e não tem o complexo de Messias que levou Mugabe a perder o contato com a realidade. 

Ele sabe que os cofres públicos estão vazios e o Zimbábue precisa urgentemente da ajuda de doadores como o FMI. Está antenado na oposição e fala em acabar com algumas deploráveis políticas de Mugabe, como a exigência de que toda empresa acima de certo tamanho tenha como proprietária uma maioria de zimbabuanos (na prática, marajás do partido dominante).

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Está prevista eleição para meados do próximo ano. Um governo de transição seria condição desejável para uma votação livre e limpa. Os exilados, cujas remessas de dinheiro vêm salvando um incontável número de zimbabuanos da pobreza extrema, deveriam ser autorizados a votar. As urnas deveriam ser monitoradas por observadores da ONU e da União Europeia. 

Há duas lições a serem tiradas da degradante carreira de Mugabe. A primeira é que políticas erradas e sustentadas pela corrupção podem arruinar um país com uma rapidez alarmante e continuar com sua trilha de destruição mesmo quando não resta nada a ser arruinado.

A Venezuela, culturalmente, tem pouco em comum com o Zimbábue, mas também está colhendo resultados desastrosos por ter assumido uma versão latina da mugabenomics. Em contraste, Botswana, vizinho do Zimbábue e com cultura semelhante, porém bem governado, tinha mais ou menos a mesma riqueza do Zimbábue em 1980 e hoje é sete vezes mais rico.

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A segunda lição tirada da ditadura de Mugabe é que, apesar de todas as desilusões, a democracia continua sendo o melhor antídoto contra maus governantes. Se os zimbabuanos tivessem tido escolha, teriam varrido Mugabe do poder há muito tempo.

Se houver uma votação séria agora, o sucessor começará seu governo com legitimidade real. O mundo deixou muitas vezes o Zimbábue abandonado à própria sorte. É hora de estender uma mão que ajude o país a sair do abismo em que Mugabe o jogou. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ  © 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.  PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO  ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM  WWW.ECONOMIST.COM 

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O presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, fez sua primeira aparição pública nesta sexta-feira após o golpe militar desta semana. O chefe de Estado participou de uma cerimônia de entrega de diplomas universitários em Harare.

Calígula quis fazer de seu cavalo um cônsul. Robert Mugabe quis fazer da mulher, Grace, sua sucessora na presidência do Zimbábue. A comparação é um tanto injusta. O cavalo de Calígula nunca fez extravagantes viagens de compras enquanto os romanos morriam de fome, nem foi acusado de tentar estrangular alguém com um cabo elétrico num quarto de hotel.

+ Mugabe: de herói nacional a déspota disposto a matar pelo poder

A única qualificação de Grace Mugabe para altos cargos é seu casamento com Mugabe, 41 anos mais velho que ela, com quem iniciou um caso enquanto a primeira mulher do ditador estava morrendo. As ambições da primeira-dama foram frustradas nesta semana, quando o Exército tomou o poder insistindo que não se tratava de um golpe, mas deixando claro que se tratava.

Mugabe e sua mulher Grace, conhecida por suas extravagantes compras em lojas do exterior Foto: Tsvangirayi Mukwazhi/AP

Assim, envolta em sordidez, termina a era de um dos grandes ditadores africanos. Mugabe desgovernou o Zimbábue por 37 anos. Mesmo que lhe permitam manter o título de presidente, seu poder já se foi. Aos 93 anos, fragilizado e desmemoriado, Mugabe perdeu o controle do país que conseguiu arruinar. O que causa espanto – e vergonha – é que tenha durado tanto no poder. Há muito a se aprender com o fracasso de sua revolução.

O golpe vai melhorar a situação? É difícil ser otimista. Golpes nunca seguem a via da legalidade e, geralmente, espalham miséria. Os generais e a velha guarda do partido, orquestradores da atual rebelião, não são reformistas: são parte do sistema deteriorado que Mugabe criou. Muitos se beneficiaram da situação. Agora, agiram não por princípios, mas para impedir que Grace e seus jovens apoiadores ocupassem seu lugar no esquema. 

Emmerson Mnangagwa, de 75 anos, vice-presidente deposto que pode assumir o poder, é um antigo seguidor de Mugabe e, sob todos os aspectos, tão nefasto quanto o ex-chefe. Era ministro da Segurança por ocasião dos massacre dos ndebeles. Durante uma campanha eleitoral, em 2000, seus seguidores incendiaram a casa de um oponente. O grupo de conspiradores que comanda tem as mãos manchadas de sangue e não faz exatamente o gênero salvador da pátria.

Mas há um fio de esperança. A elite dominante do Zimbábue costumava seguir alguma forma de democracia e até foi derrotada em eleições, apesar da fraude em grande escala. Mnangagwa pode ser um bruto, mas é pragmático e não tem o complexo de Messias que levou Mugabe a perder o contato com a realidade. 

Ele sabe que os cofres públicos estão vazios e o Zimbábue precisa urgentemente da ajuda de doadores como o FMI. Está antenado na oposição e fala em acabar com algumas deploráveis políticas de Mugabe, como a exigência de que toda empresa acima de certo tamanho tenha como proprietária uma maioria de zimbabuanos (na prática, marajás do partido dominante).

Está prevista eleição para meados do próximo ano. Um governo de transição seria condição desejável para uma votação livre e limpa. Os exilados, cujas remessas de dinheiro vêm salvando um incontável número de zimbabuanos da pobreza extrema, deveriam ser autorizados a votar. As urnas deveriam ser monitoradas por observadores da ONU e da União Europeia. 

Há duas lições a serem tiradas da degradante carreira de Mugabe. A primeira é que políticas erradas e sustentadas pela corrupção podem arruinar um país com uma rapidez alarmante e continuar com sua trilha de destruição mesmo quando não resta nada a ser arruinado.

A Venezuela, culturalmente, tem pouco em comum com o Zimbábue, mas também está colhendo resultados desastrosos por ter assumido uma versão latina da mugabenomics. Em contraste, Botswana, vizinho do Zimbábue e com cultura semelhante, porém bem governado, tinha mais ou menos a mesma riqueza do Zimbábue em 1980 e hoje é sete vezes mais rico.

A segunda lição tirada da ditadura de Mugabe é que, apesar de todas as desilusões, a democracia continua sendo o melhor antídoto contra maus governantes. Se os zimbabuanos tivessem tido escolha, teriam varrido Mugabe do poder há muito tempo.

Se houver uma votação séria agora, o sucessor começará seu governo com legitimidade real. O mundo deixou muitas vezes o Zimbábue abandonado à própria sorte. É hora de estender uma mão que ajude o país a sair do abismo em que Mugabe o jogou. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ  © 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.  PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO  ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM  WWW.ECONOMIST.COM 

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O presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, fez sua primeira aparição pública nesta sexta-feira após o golpe militar desta semana. O chefe de Estado participou de uma cerimônia de entrega de diplomas universitários em Harare.

Calígula quis fazer de seu cavalo um cônsul. Robert Mugabe quis fazer da mulher, Grace, sua sucessora na presidência do Zimbábue. A comparação é um tanto injusta. O cavalo de Calígula nunca fez extravagantes viagens de compras enquanto os romanos morriam de fome, nem foi acusado de tentar estrangular alguém com um cabo elétrico num quarto de hotel.

+ Mugabe: de herói nacional a déspota disposto a matar pelo poder

A única qualificação de Grace Mugabe para altos cargos é seu casamento com Mugabe, 41 anos mais velho que ela, com quem iniciou um caso enquanto a primeira mulher do ditador estava morrendo. As ambições da primeira-dama foram frustradas nesta semana, quando o Exército tomou o poder insistindo que não se tratava de um golpe, mas deixando claro que se tratava.

Mugabe e sua mulher Grace, conhecida por suas extravagantes compras em lojas do exterior Foto: Tsvangirayi Mukwazhi/AP

Assim, envolta em sordidez, termina a era de um dos grandes ditadores africanos. Mugabe desgovernou o Zimbábue por 37 anos. Mesmo que lhe permitam manter o título de presidente, seu poder já se foi. Aos 93 anos, fragilizado e desmemoriado, Mugabe perdeu o controle do país que conseguiu arruinar. O que causa espanto – e vergonha – é que tenha durado tanto no poder. Há muito a se aprender com o fracasso de sua revolução.

O golpe vai melhorar a situação? É difícil ser otimista. Golpes nunca seguem a via da legalidade e, geralmente, espalham miséria. Os generais e a velha guarda do partido, orquestradores da atual rebelião, não são reformistas: são parte do sistema deteriorado que Mugabe criou. Muitos se beneficiaram da situação. Agora, agiram não por princípios, mas para impedir que Grace e seus jovens apoiadores ocupassem seu lugar no esquema. 

Emmerson Mnangagwa, de 75 anos, vice-presidente deposto que pode assumir o poder, é um antigo seguidor de Mugabe e, sob todos os aspectos, tão nefasto quanto o ex-chefe. Era ministro da Segurança por ocasião dos massacre dos ndebeles. Durante uma campanha eleitoral, em 2000, seus seguidores incendiaram a casa de um oponente. O grupo de conspiradores que comanda tem as mãos manchadas de sangue e não faz exatamente o gênero salvador da pátria.

Mas há um fio de esperança. A elite dominante do Zimbábue costumava seguir alguma forma de democracia e até foi derrotada em eleições, apesar da fraude em grande escala. Mnangagwa pode ser um bruto, mas é pragmático e não tem o complexo de Messias que levou Mugabe a perder o contato com a realidade. 

Ele sabe que os cofres públicos estão vazios e o Zimbábue precisa urgentemente da ajuda de doadores como o FMI. Está antenado na oposição e fala em acabar com algumas deploráveis políticas de Mugabe, como a exigência de que toda empresa acima de certo tamanho tenha como proprietária uma maioria de zimbabuanos (na prática, marajás do partido dominante).

Está prevista eleição para meados do próximo ano. Um governo de transição seria condição desejável para uma votação livre e limpa. Os exilados, cujas remessas de dinheiro vêm salvando um incontável número de zimbabuanos da pobreza extrema, deveriam ser autorizados a votar. As urnas deveriam ser monitoradas por observadores da ONU e da União Europeia. 

Há duas lições a serem tiradas da degradante carreira de Mugabe. A primeira é que políticas erradas e sustentadas pela corrupção podem arruinar um país com uma rapidez alarmante e continuar com sua trilha de destruição mesmo quando não resta nada a ser arruinado.

A Venezuela, culturalmente, tem pouco em comum com o Zimbábue, mas também está colhendo resultados desastrosos por ter assumido uma versão latina da mugabenomics. Em contraste, Botswana, vizinho do Zimbábue e com cultura semelhante, porém bem governado, tinha mais ou menos a mesma riqueza do Zimbábue em 1980 e hoje é sete vezes mais rico.

A segunda lição tirada da ditadura de Mugabe é que, apesar de todas as desilusões, a democracia continua sendo o melhor antídoto contra maus governantes. Se os zimbabuanos tivessem tido escolha, teriam varrido Mugabe do poder há muito tempo.

Se houver uma votação séria agora, o sucessor começará seu governo com legitimidade real. O mundo deixou muitas vezes o Zimbábue abandonado à própria sorte. É hora de estender uma mão que ajude o país a sair do abismo em que Mugabe o jogou. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ  © 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.  PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO  ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM  WWW.ECONOMIST.COM 

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