Um dos objetivos do presidente Vladimir Putin com sua invasão à Ucrânia era subverter o equilíbrio de poder militar na Europa. Ele pode ter alcançado esse objetivo, mas certamente não da maneira que imaginou.
Em vez de fortalecer a Rússia e empurrar a Otan de volta às suas fronteiras na era soviética, Putin encara uma aliança mais unida agora do que em qualquer outro momento desde a desintegração da União Soviética, mais determinada em afrontar o revanchismo russo e — com duas grandes potências norte-europeias, Suécia e Finlândia, buscando adesão — mais formidável enquanto adversário. Na cúpula da Otan, esta semana em Madri, o caminho parece aberto para a expansão e o envolvimento desses dois países.
Mas antes de se apressar para afrontar Putin e dissuadir a Rússia de sua agressão, os Estados Unidos e seus aliados não deveriam perder de vista as fatídicas escolhas que estão prestes a fazer. Eles deveriam considerar com claridade e sensatez o que realmente pretendem que sua aliança seja e no que implica abrir as portas para Suécia e Finlândia. O coração da aliança, o Artigo 5.º de seu tratado de fundação, compromete todos os membros a acudir em defesa de qualquer membro agredido.
Responder algumas das questões existenciais da aliança também significa convencer os americanos que uma Otan expandida vale seus possíveis custos. Uma pesquisa da Eurasia Group Foundation publicada após o fim da guerra no Afeganistão constatou que o público americano se divide aproximadamente na metade em relação a entrar em guerra para acudir algum membro da Otan.
Algumas expansões da Otan ocorreram depois de sérios debates no Senado dos EUA, com legisladores levantando preocupações pertinentes a respeito da aliança. Por exemplo: se o requerimento de consenso unânime se tornou complicado demais, com dezenas de países como membros votantes. Outras preocupações incluem o custo dos acionamentos militares americanos, apesar de, ao contrário de casos de adesão de países pequenos com exércitos minúsculos, a adesão da Suécia e da Finlândia elevar significativamente o poder de fogo da Otan. Outros críticos questionaram se o Artigo 5.º, que declara um ato de agressão contra um membro uma agressão contra toda a aliança, priva o Senado de sua função devida em declarações de guerra.
Uma expansão impensável
Antes da guerra na Ucrânia, expandir a Otan para os países nórdicos não estava absolutamente no radar. A Suécia não entra em guerra há 200 anos, e a Finlândia cultivava havia muito uma política de não alinhamento militar, apesar de ambos os países integrarem a União Europeia. Mas a invasão russa transformou atitudes públicas acentuadamente e dramaticamente. Ambos os países enviaram imediatamente suprimentos e armas para a Ucrânia. Pesquisas de opinião pública constataram apoio de 65% na Finlândia pela adesão à Otan e de 57% na Suécia. Ambos os países possuem poderosas Forças Armadas, que poderiam facilmente ser integradas às operações da Otan, e ambos os países são democracias fortes, um prerrequisito para aderir à aliança.
O processo de adesão à Otan não é automático. Novos Estados-membros precisam de consentimento unânime de todos os 30 Estados-membros já existentes. Nos EUA, a expansão requererá o apoio de pelo menos 67 senadores. Ainda assim, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou esperar que o processo de adesão dos dois países seja rápido, especialmente após a Turquia ter abandonado suas objeções na terça-feira. Suécia e Finlândia já integram a Parceria para a Paz, que equivale a um status de membro-associado.
A discussão na cúpula a respeito de uma Otan maior e mais poderosa transcorre tendo como pano de fundo a criação de um novo documento estratégico-conceitual para a aliança — uma visão para sua trajetória na próxima década. Até um ano atrás, esse documento tendia a ter como foco principal a China, as mudanças climáticas e cibersegurança — certamente prioridades importantes, mas sobrepujadas pelos atuais eventos, que criam uma oportunidade para a aliança colocar foco em sua missão fundamental, de salvaguardar a liberdade e a segurança na Europa por meios políticos e militares. A estratégia atualizada também envolve, sabiamente, formas mais novas de guerra, como guerra cibernética, uso de inteligência artificial e desinformação.
As mudanças na Otan ajudarão os Estados-membros europeus a voltar sua atenção para os desafios de segurança que o continente enfrenta e também deverá sublinhar que todos os membros têm de pagar a parte que lhe corresponde nessa conta. Por anos, presidentes americanos pediram para a Europa gastar mais com sua própria defesa. Os países da Otan têm uma meta de investir o equivalente a 2% de seu PIB em defesa. Mesmo assim, poucas nações atendem a essa modesta meta, o que leva a uma sensação generalizada de que os americanos têm subsidiado a defesa europeia e liberam os governos do continente para gastar mais com coisas como generosos Estados de bem-estar social. Donald Trump, por mais intempestivo que tenha sido como estadista, não estava errado em ralhar contra os parceiros da Otan por não arcarem com sua parte nos custos de defesa.
O preço do subinvestimento militar europeu ficou evidente quando tanques e peças de artilharia da Rússia começaram a avançar. Dias antes da guerra começar, a Alemanha anunciou que aumentaria seu gasto militar em US$ 105 bilhões, uma injeção de dinheiro muito necessária para uma força de combate há muito negligenciada. “Por muito tempo, acreditamos que a força econômica fosse suficiente. Mas os eventos das semanas recentes mostraram que também precisamos de um Exército forte”, afirmou ao Times um oficial militar alemão aposentado.
O governo russo alertou para sérias consequências se a Finlândia e a Suécia aderirem à aliança, incluindo a mobilização de tropas adicionais para a região do Mar Báltico, apesar de também ter dado sinais de que se resignaria diante da expansão. A Finlândia e a Rússia compartilham uma fronteira de 1,3 mil quilômetros, e a Península de Kola é lar da Frota do Norte da Marinha russa. São Petersburgo é a segunda maior metrópole da Rússia, localizada a meros 160 quilômetros da fronteira finlandesa. E ainda, a Rússia já viola o espaço aéreo de seus vizinhos e conduz fulminantes ciberataques. Além disso, Putin provavelmente tem em conta que ambos os países já estão integrados há muito tempo com a Otan, mesmo que não sejam membros formais.
Suécia e Finlândia trarão para a aliança militares altamente profissionais e equipamentos modernos, particularmente submarinos e caças de combate. (A Finlândia ajuda a construir caças F-35, a próxima geração de aeronaves de combate, integrando um consórcio que envolve os EUA e mais de uma dezena de países.) Forças finlandesas e suecas já realizam exercícios militares com tropas da Otan, e grande parte de seus equipamentos é interoperável. E ambos os países estão na linha de frente dos esforços europeus de combater a torrente de desinformação que jorra da Rússia.
Não é preciso ser aliado de Putin nem endossar suas ações para entender por que um líder russo se preocuparia com uma aliança militar em expansão nas fronteiras de seu país. Mas a lista de provocações russas (interferência eleitoral nos EUA, no Reino Unido e na Espanha; as invasões da Crimeia e da Geórgia; e uma campanha de operações de assassinato usando armas químicas, para citar algumas poucas) ficou tão grande agora e a ameaça legítima que isso representa para a Europa ficou tão acentuada que o desejo de finlandeses e suecos de buscar proteção sob o guarda-chuva da Otan é completamente compreensível.
A escolha de Putin de fazer guerra na Ucrânia está transformando o equilíbrio de segurança na Europa, apesar de isso não ocorrer da maneira que ele imaginou. Neste momento fatídico, a Otan tem de atentar seriamente não apenas para dissuadir a Rússia, mas também em relação a si mesma, seu propósito e sua prontidão para repartir esse fardo verdadeiramente. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL