Opinião|Explosão de pagers, ataque de mísseis de Israel e represália do Hezbollah são continuação de guerra


Confluência de forças domésticas e externas aponta manutenção da atual tensão na Faixa de Gaza, no sul do Líbano e em outras regiões vítimas de ataques nos últimos dias

Por Sergio Abreu e Lima Florêncio

A explosão de milhares de pagers e walkie-talkies do Hezbollah, em 17 de setembro corrente, seguida do ataque de mísseis israelenses no sul do Líbano, criaram o cenário mais temido desde o 8 de outubro de 2023 – um conflito bélico de alta intensidade entre Israel e Hezbollah. Esse quadro foi agravado pela declaração do ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, de que “o centro de gravidade” do conflito, até agora localizado em Gaza (com foco no Hamas), “se movia para o norte” (fixado no Hezbollah). Como interpretar essa escalada da guerra Israel-Hamas e sua possível regionalização?

A primeira interpretação, a mais convincente, combina uma dimensão doméstica – a obsessão do premiê israelense Binyamin Netanyahu em se manter no poder -, com uma vertente externa – a decisão do Hezbollah de continuar os ataques a Israel até sua retirada da Faixa de Gaza.

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Ampla maioria de analistas sustenta que o fim do conflito levará à queda de Netanyahu. Até agora o saldo do conflito revela: destruição quase total da capacidade militar do Hamas; fracasso no resgate dos 250 reféns tomados pelos terroristas do Hamas; e elevadíssimo custo humanitário e material – cerca de 40 mil palestinos mortos, além de devastação da infraestrutura da Faixa de Gaza.

Imagem do dia 18 mostra cidadãos carregando caixões de vítimas das explosões de pagers no Líbano. Ação surpreendeu milícia xiita Hezbollah e aumentou tensões com Israel Foto: Bilal Hussein/AP

Caso Israel optasse pelo cessar fogo no atual momento, o destino de Netanyahu seria duplamente trágico. Primeiro, porque foi o início da guerra que o sustentou à frente de um governo amplamente impopular, contestado a cada semana por milhares de opositores nas ruas, e cujo saldo até agora foi negativo para a maioria da população israelense, que não teve os reféns de volta. Segundo, porque vários processos contra Netanyahu, inclusive grave acusação de corrupção em exame na Suprema Corte, teriam como desfecho sua condenação.

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A destruição militar quase total do Hamas inviabiliza continuar as investidas bélicas na Faixa de Gaza, pois seria lutar contra um inimigo militar em decomposição. Mas, ao mesmo tempo, Netanyahu não poderia aprovar um cessar-fogo, porque perderia o poder. A saída foi o prolongamento da guerra, decisão que está ligada também às eleições de 5 de novembro próximo nos EUA. A permanência da guerra é um passivo eleitoral para Kamala Harris e um dividendo eleitoral para Trump, o grande aliado de Netanyahu.

Assim, Israel transformou as hostilidades permanentes com o Hezbollah (determinado a defender o Hamas), em um conflito de grande envergadura. Parafraseando Clausewitz, é possível dizer que a atual guerra contra o Hezbollah é a continuação do conflito com o Hamas por outros meios: ataques aéreos e não terrestres; atentados individuais com explosões de pagers; anulação da comunicação entre líderes e demais membros do inimigo; e neutralização de bases de lançamento de mísseis do Hezbollah.

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A segunda interpretação se baseia na ideia de dissuasão. Os ataques israelenses buscariam convencer a liderança do Hezbollah de que o preço de continuar os ataques seria muito alto e superior ao de um acordo. Embora o argumento tenha certa lógica, é difícil imaginar que o Hezbollah, com capacidade militar superior à do exército de muitos países, com reconhecida experiência de guerra (Líbano, Síria, Iraque), com um arsenal entre 100 e 150 mil mísseis, venha a declinar de lançar forte represália militar, sobretudo diante da humilhação inédita pelo serviço de inteligência israelense.

Há indicações de que o Hezbollah tem capacidade militar suficiente para causar sérios danos à infraestrutura de portos, aeroportos e instalações estratégicas no território israelense. Além disso, não se deve esquecer que forças israelenses permaneceram 20 meses no Líbano, em confronto com o Hezbollah, e de lá saíram derrotadas.

Apesar dessa realidade do passado e do presente, Israel conta com evidente supremacia tecnológica, tanto ofensiva (demonstrada nos ataques inéditos dos últimos dias), como defensiva (interceptação de milhares de mísseis lançados pelo Hezbollah após o 7 de outubro). Aliás, essa supremacia explica a baixa intensidade das respostas, que vem sendo o padrão utilizado pelo Hezbollah desde o início do conflito.

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Assim como é difícil imaginar um Hezbollah passivo diante do humilhante ataque israelense dos últimos dias, é pouco plausível que o Irã aceite de braços cruzados a destruição de seu maior proxy na região. Nesse contexto, a pergunta chave é – até onde vai a regionalização do conflito?

A terceira interpretação se baseia na possível regionalização do conflito. O Hezbollah é uma força militar de grandes proporções e exerce domínio absoluto sobre o sul do Líbano. Embora disponha de alguma autonomia decisória em relação ao Irã, o Hezbollah integra o eixo de resistência, utilizado para contestar o status quo regional. Nessa condição, o agrupamento obedece a Teerã.

Até o momento, parece não interessar a Israel nem ao Irã uma guerra aberta, de alta intensidade e com rumo incerto. Entretanto, esse cálculo pode mudar, em função do nível de devastação que Israel venha impor ao Hezbollah, e também da capacidade desse de infligir consideráveis danos materiais e humanos a Israel. Em outros termos, embora indesejado, é possível que o conflito Israel-Hezbollah venha a escalar rumo a uma guerra Israel-Irã.

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Assim como é difícil imaginar um Hezbollah passivo diante do humilhante ataque israelense dos últimos dias, é pouco plausível que o Irã aceite de braços cruzados a destruição de seu maior proxy na região. Nesse contexto, a pergunta chave é – até onde vai a regionalização do conflito? Naturalmente, os senhores da resposta são Israel e Irã, mas ambos sofrem a influência da superpotência aliada – EUA e China.

A trajetória da guerra Israel- Hamas evidenciou a incapacidade dos EUA em conter o governo de Netanyahu – ancorado no Likud, autoritário, religioso e antidemocrático, hostilizado pela maioria da população e sem futuro político em tempos de paz. Assim, é evidente a impotência da superpotência norte-americana sobre Israel. Entretanto, não se sabe até onde vai a influência da China sobre o Irã. É bem conhecida a dependência econômica iraniana da China, grande importadora de petróleo iraniano e principal alternativa para neutralizar os efeitos das sanções norte-americanas sobre Teerã.

Imagem de 28 de outubro de 2023 mostra primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu (à esq.), ao lado do ministro da Defesa, Yoav Gallant (dir.). As duas autoridades afirmaram esta semana que Israel está entrando em nova fase de guerra Foto: Abir Sultan/AP
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As três interpretações acima não são excludentes e até se complementam em alguns pontos. O ato terrorista do grupo sunita Hamas, de 7 de outubro de 2023, com o saldo de 1.200 mortos e 250 reféns, humilhou as Forças de Defesa Israelenses (FDI) e fragilizou o governo. A reação desproporcional de Netanyahu sobre a Faixa de Gaza levou o Hezbollah a atacar Israel de forma permanente, sobretudo no Norte, o que resultou no deslocamento de cerca de 70 mil cidadãos de suas casas. Essa população deslocada, vítima do Hezbollah, reforça Netanyahu em sua política de ataques de grande envergadura contra o inimigo xiita.

Assim, na política doméstica, Netanyahu conta com o apoio desse contingente da população e do partido Likud, fiel ao extermínio do Hamas, ao radicalismo religioso e opositor de um cessar-fogo em Gaza.

No plano externo, o Hezbollah insiste em manter os ataques a Israel enquanto este permanecer ocupando Gaza. Caso concorde com um cessar-fogo, Netanyahu perde a aliança com o Likud e não ganha apoio dos liberais que o hostilizam. Ao mesmo tempo, um cessar-fogo fortalece as chances de vitória da opositora Kamala Harris e enfraquece as do aliado Trump.

Assim, a confluência de forças domésticas e externas aponta no sentido da manutenção da atual tensão na Faixa de Gaza, no sul do Líbano ocupado pelo Hezbollah e em outras regiões vítimas de ataques nos últimos dias. Talvez esse quadro permaneça refém das eleições norte-americanas em 5 de novembro. Além dessa espera pelo próximo presidente norte-americano, há um fator estrutural que favorece o atual patamar de beligerância – uma guerra aberta, de alta intensidade, entre Israel e Irã não interessa a esses dois players, nem a EUA e China, as duas superpotências que, no limite, podem impor um destino ao Oriente Médio.

A explosão de milhares de pagers e walkie-talkies do Hezbollah, em 17 de setembro corrente, seguida do ataque de mísseis israelenses no sul do Líbano, criaram o cenário mais temido desde o 8 de outubro de 2023 – um conflito bélico de alta intensidade entre Israel e Hezbollah. Esse quadro foi agravado pela declaração do ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, de que “o centro de gravidade” do conflito, até agora localizado em Gaza (com foco no Hamas), “se movia para o norte” (fixado no Hezbollah). Como interpretar essa escalada da guerra Israel-Hamas e sua possível regionalização?

A primeira interpretação, a mais convincente, combina uma dimensão doméstica – a obsessão do premiê israelense Binyamin Netanyahu em se manter no poder -, com uma vertente externa – a decisão do Hezbollah de continuar os ataques a Israel até sua retirada da Faixa de Gaza.

Ampla maioria de analistas sustenta que o fim do conflito levará à queda de Netanyahu. Até agora o saldo do conflito revela: destruição quase total da capacidade militar do Hamas; fracasso no resgate dos 250 reféns tomados pelos terroristas do Hamas; e elevadíssimo custo humanitário e material – cerca de 40 mil palestinos mortos, além de devastação da infraestrutura da Faixa de Gaza.

Imagem do dia 18 mostra cidadãos carregando caixões de vítimas das explosões de pagers no Líbano. Ação surpreendeu milícia xiita Hezbollah e aumentou tensões com Israel Foto: Bilal Hussein/AP

Caso Israel optasse pelo cessar fogo no atual momento, o destino de Netanyahu seria duplamente trágico. Primeiro, porque foi o início da guerra que o sustentou à frente de um governo amplamente impopular, contestado a cada semana por milhares de opositores nas ruas, e cujo saldo até agora foi negativo para a maioria da população israelense, que não teve os reféns de volta. Segundo, porque vários processos contra Netanyahu, inclusive grave acusação de corrupção em exame na Suprema Corte, teriam como desfecho sua condenação.

A destruição militar quase total do Hamas inviabiliza continuar as investidas bélicas na Faixa de Gaza, pois seria lutar contra um inimigo militar em decomposição. Mas, ao mesmo tempo, Netanyahu não poderia aprovar um cessar-fogo, porque perderia o poder. A saída foi o prolongamento da guerra, decisão que está ligada também às eleições de 5 de novembro próximo nos EUA. A permanência da guerra é um passivo eleitoral para Kamala Harris e um dividendo eleitoral para Trump, o grande aliado de Netanyahu.

Assim, Israel transformou as hostilidades permanentes com o Hezbollah (determinado a defender o Hamas), em um conflito de grande envergadura. Parafraseando Clausewitz, é possível dizer que a atual guerra contra o Hezbollah é a continuação do conflito com o Hamas por outros meios: ataques aéreos e não terrestres; atentados individuais com explosões de pagers; anulação da comunicação entre líderes e demais membros do inimigo; e neutralização de bases de lançamento de mísseis do Hezbollah.

A segunda interpretação se baseia na ideia de dissuasão. Os ataques israelenses buscariam convencer a liderança do Hezbollah de que o preço de continuar os ataques seria muito alto e superior ao de um acordo. Embora o argumento tenha certa lógica, é difícil imaginar que o Hezbollah, com capacidade militar superior à do exército de muitos países, com reconhecida experiência de guerra (Líbano, Síria, Iraque), com um arsenal entre 100 e 150 mil mísseis, venha a declinar de lançar forte represália militar, sobretudo diante da humilhação inédita pelo serviço de inteligência israelense.

Há indicações de que o Hezbollah tem capacidade militar suficiente para causar sérios danos à infraestrutura de portos, aeroportos e instalações estratégicas no território israelense. Além disso, não se deve esquecer que forças israelenses permaneceram 20 meses no Líbano, em confronto com o Hezbollah, e de lá saíram derrotadas.

Apesar dessa realidade do passado e do presente, Israel conta com evidente supremacia tecnológica, tanto ofensiva (demonstrada nos ataques inéditos dos últimos dias), como defensiva (interceptação de milhares de mísseis lançados pelo Hezbollah após o 7 de outubro). Aliás, essa supremacia explica a baixa intensidade das respostas, que vem sendo o padrão utilizado pelo Hezbollah desde o início do conflito.

Assim como é difícil imaginar um Hezbollah passivo diante do humilhante ataque israelense dos últimos dias, é pouco plausível que o Irã aceite de braços cruzados a destruição de seu maior proxy na região. Nesse contexto, a pergunta chave é – até onde vai a regionalização do conflito?

A terceira interpretação se baseia na possível regionalização do conflito. O Hezbollah é uma força militar de grandes proporções e exerce domínio absoluto sobre o sul do Líbano. Embora disponha de alguma autonomia decisória em relação ao Irã, o Hezbollah integra o eixo de resistência, utilizado para contestar o status quo regional. Nessa condição, o agrupamento obedece a Teerã.

Até o momento, parece não interessar a Israel nem ao Irã uma guerra aberta, de alta intensidade e com rumo incerto. Entretanto, esse cálculo pode mudar, em função do nível de devastação que Israel venha impor ao Hezbollah, e também da capacidade desse de infligir consideráveis danos materiais e humanos a Israel. Em outros termos, embora indesejado, é possível que o conflito Israel-Hezbollah venha a escalar rumo a uma guerra Israel-Irã.

Assim como é difícil imaginar um Hezbollah passivo diante do humilhante ataque israelense dos últimos dias, é pouco plausível que o Irã aceite de braços cruzados a destruição de seu maior proxy na região. Nesse contexto, a pergunta chave é – até onde vai a regionalização do conflito? Naturalmente, os senhores da resposta são Israel e Irã, mas ambos sofrem a influência da superpotência aliada – EUA e China.

A trajetória da guerra Israel- Hamas evidenciou a incapacidade dos EUA em conter o governo de Netanyahu – ancorado no Likud, autoritário, religioso e antidemocrático, hostilizado pela maioria da população e sem futuro político em tempos de paz. Assim, é evidente a impotência da superpotência norte-americana sobre Israel. Entretanto, não se sabe até onde vai a influência da China sobre o Irã. É bem conhecida a dependência econômica iraniana da China, grande importadora de petróleo iraniano e principal alternativa para neutralizar os efeitos das sanções norte-americanas sobre Teerã.

Imagem de 28 de outubro de 2023 mostra primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu (à esq.), ao lado do ministro da Defesa, Yoav Gallant (dir.). As duas autoridades afirmaram esta semana que Israel está entrando em nova fase de guerra Foto: Abir Sultan/AP

As três interpretações acima não são excludentes e até se complementam em alguns pontos. O ato terrorista do grupo sunita Hamas, de 7 de outubro de 2023, com o saldo de 1.200 mortos e 250 reféns, humilhou as Forças de Defesa Israelenses (FDI) e fragilizou o governo. A reação desproporcional de Netanyahu sobre a Faixa de Gaza levou o Hezbollah a atacar Israel de forma permanente, sobretudo no Norte, o que resultou no deslocamento de cerca de 70 mil cidadãos de suas casas. Essa população deslocada, vítima do Hezbollah, reforça Netanyahu em sua política de ataques de grande envergadura contra o inimigo xiita.

Assim, na política doméstica, Netanyahu conta com o apoio desse contingente da população e do partido Likud, fiel ao extermínio do Hamas, ao radicalismo religioso e opositor de um cessar-fogo em Gaza.

No plano externo, o Hezbollah insiste em manter os ataques a Israel enquanto este permanecer ocupando Gaza. Caso concorde com um cessar-fogo, Netanyahu perde a aliança com o Likud e não ganha apoio dos liberais que o hostilizam. Ao mesmo tempo, um cessar-fogo fortalece as chances de vitória da opositora Kamala Harris e enfraquece as do aliado Trump.

Assim, a confluência de forças domésticas e externas aponta no sentido da manutenção da atual tensão na Faixa de Gaza, no sul do Líbano ocupado pelo Hezbollah e em outras regiões vítimas de ataques nos últimos dias. Talvez esse quadro permaneça refém das eleições norte-americanas em 5 de novembro. Além dessa espera pelo próximo presidente norte-americano, há um fator estrutural que favorece o atual patamar de beligerância – uma guerra aberta, de alta intensidade, entre Israel e Irã não interessa a esses dois players, nem a EUA e China, as duas superpotências que, no limite, podem impor um destino ao Oriente Médio.

A explosão de milhares de pagers e walkie-talkies do Hezbollah, em 17 de setembro corrente, seguida do ataque de mísseis israelenses no sul do Líbano, criaram o cenário mais temido desde o 8 de outubro de 2023 – um conflito bélico de alta intensidade entre Israel e Hezbollah. Esse quadro foi agravado pela declaração do ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, de que “o centro de gravidade” do conflito, até agora localizado em Gaza (com foco no Hamas), “se movia para o norte” (fixado no Hezbollah). Como interpretar essa escalada da guerra Israel-Hamas e sua possível regionalização?

A primeira interpretação, a mais convincente, combina uma dimensão doméstica – a obsessão do premiê israelense Binyamin Netanyahu em se manter no poder -, com uma vertente externa – a decisão do Hezbollah de continuar os ataques a Israel até sua retirada da Faixa de Gaza.

Ampla maioria de analistas sustenta que o fim do conflito levará à queda de Netanyahu. Até agora o saldo do conflito revela: destruição quase total da capacidade militar do Hamas; fracasso no resgate dos 250 reféns tomados pelos terroristas do Hamas; e elevadíssimo custo humanitário e material – cerca de 40 mil palestinos mortos, além de devastação da infraestrutura da Faixa de Gaza.

Imagem do dia 18 mostra cidadãos carregando caixões de vítimas das explosões de pagers no Líbano. Ação surpreendeu milícia xiita Hezbollah e aumentou tensões com Israel Foto: Bilal Hussein/AP

Caso Israel optasse pelo cessar fogo no atual momento, o destino de Netanyahu seria duplamente trágico. Primeiro, porque foi o início da guerra que o sustentou à frente de um governo amplamente impopular, contestado a cada semana por milhares de opositores nas ruas, e cujo saldo até agora foi negativo para a maioria da população israelense, que não teve os reféns de volta. Segundo, porque vários processos contra Netanyahu, inclusive grave acusação de corrupção em exame na Suprema Corte, teriam como desfecho sua condenação.

A destruição militar quase total do Hamas inviabiliza continuar as investidas bélicas na Faixa de Gaza, pois seria lutar contra um inimigo militar em decomposição. Mas, ao mesmo tempo, Netanyahu não poderia aprovar um cessar-fogo, porque perderia o poder. A saída foi o prolongamento da guerra, decisão que está ligada também às eleições de 5 de novembro próximo nos EUA. A permanência da guerra é um passivo eleitoral para Kamala Harris e um dividendo eleitoral para Trump, o grande aliado de Netanyahu.

Assim, Israel transformou as hostilidades permanentes com o Hezbollah (determinado a defender o Hamas), em um conflito de grande envergadura. Parafraseando Clausewitz, é possível dizer que a atual guerra contra o Hezbollah é a continuação do conflito com o Hamas por outros meios: ataques aéreos e não terrestres; atentados individuais com explosões de pagers; anulação da comunicação entre líderes e demais membros do inimigo; e neutralização de bases de lançamento de mísseis do Hezbollah.

A segunda interpretação se baseia na ideia de dissuasão. Os ataques israelenses buscariam convencer a liderança do Hezbollah de que o preço de continuar os ataques seria muito alto e superior ao de um acordo. Embora o argumento tenha certa lógica, é difícil imaginar que o Hezbollah, com capacidade militar superior à do exército de muitos países, com reconhecida experiência de guerra (Líbano, Síria, Iraque), com um arsenal entre 100 e 150 mil mísseis, venha a declinar de lançar forte represália militar, sobretudo diante da humilhação inédita pelo serviço de inteligência israelense.

Há indicações de que o Hezbollah tem capacidade militar suficiente para causar sérios danos à infraestrutura de portos, aeroportos e instalações estratégicas no território israelense. Além disso, não se deve esquecer que forças israelenses permaneceram 20 meses no Líbano, em confronto com o Hezbollah, e de lá saíram derrotadas.

Apesar dessa realidade do passado e do presente, Israel conta com evidente supremacia tecnológica, tanto ofensiva (demonstrada nos ataques inéditos dos últimos dias), como defensiva (interceptação de milhares de mísseis lançados pelo Hezbollah após o 7 de outubro). Aliás, essa supremacia explica a baixa intensidade das respostas, que vem sendo o padrão utilizado pelo Hezbollah desde o início do conflito.

Assim como é difícil imaginar um Hezbollah passivo diante do humilhante ataque israelense dos últimos dias, é pouco plausível que o Irã aceite de braços cruzados a destruição de seu maior proxy na região. Nesse contexto, a pergunta chave é – até onde vai a regionalização do conflito?

A terceira interpretação se baseia na possível regionalização do conflito. O Hezbollah é uma força militar de grandes proporções e exerce domínio absoluto sobre o sul do Líbano. Embora disponha de alguma autonomia decisória em relação ao Irã, o Hezbollah integra o eixo de resistência, utilizado para contestar o status quo regional. Nessa condição, o agrupamento obedece a Teerã.

Até o momento, parece não interessar a Israel nem ao Irã uma guerra aberta, de alta intensidade e com rumo incerto. Entretanto, esse cálculo pode mudar, em função do nível de devastação que Israel venha impor ao Hezbollah, e também da capacidade desse de infligir consideráveis danos materiais e humanos a Israel. Em outros termos, embora indesejado, é possível que o conflito Israel-Hezbollah venha a escalar rumo a uma guerra Israel-Irã.

Assim como é difícil imaginar um Hezbollah passivo diante do humilhante ataque israelense dos últimos dias, é pouco plausível que o Irã aceite de braços cruzados a destruição de seu maior proxy na região. Nesse contexto, a pergunta chave é – até onde vai a regionalização do conflito? Naturalmente, os senhores da resposta são Israel e Irã, mas ambos sofrem a influência da superpotência aliada – EUA e China.

A trajetória da guerra Israel- Hamas evidenciou a incapacidade dos EUA em conter o governo de Netanyahu – ancorado no Likud, autoritário, religioso e antidemocrático, hostilizado pela maioria da população e sem futuro político em tempos de paz. Assim, é evidente a impotência da superpotência norte-americana sobre Israel. Entretanto, não se sabe até onde vai a influência da China sobre o Irã. É bem conhecida a dependência econômica iraniana da China, grande importadora de petróleo iraniano e principal alternativa para neutralizar os efeitos das sanções norte-americanas sobre Teerã.

Imagem de 28 de outubro de 2023 mostra primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu (à esq.), ao lado do ministro da Defesa, Yoav Gallant (dir.). As duas autoridades afirmaram esta semana que Israel está entrando em nova fase de guerra Foto: Abir Sultan/AP

As três interpretações acima não são excludentes e até se complementam em alguns pontos. O ato terrorista do grupo sunita Hamas, de 7 de outubro de 2023, com o saldo de 1.200 mortos e 250 reféns, humilhou as Forças de Defesa Israelenses (FDI) e fragilizou o governo. A reação desproporcional de Netanyahu sobre a Faixa de Gaza levou o Hezbollah a atacar Israel de forma permanente, sobretudo no Norte, o que resultou no deslocamento de cerca de 70 mil cidadãos de suas casas. Essa população deslocada, vítima do Hezbollah, reforça Netanyahu em sua política de ataques de grande envergadura contra o inimigo xiita.

Assim, na política doméstica, Netanyahu conta com o apoio desse contingente da população e do partido Likud, fiel ao extermínio do Hamas, ao radicalismo religioso e opositor de um cessar-fogo em Gaza.

No plano externo, o Hezbollah insiste em manter os ataques a Israel enquanto este permanecer ocupando Gaza. Caso concorde com um cessar-fogo, Netanyahu perde a aliança com o Likud e não ganha apoio dos liberais que o hostilizam. Ao mesmo tempo, um cessar-fogo fortalece as chances de vitória da opositora Kamala Harris e enfraquece as do aliado Trump.

Assim, a confluência de forças domésticas e externas aponta no sentido da manutenção da atual tensão na Faixa de Gaza, no sul do Líbano ocupado pelo Hezbollah e em outras regiões vítimas de ataques nos últimos dias. Talvez esse quadro permaneça refém das eleições norte-americanas em 5 de novembro. Além dessa espera pelo próximo presidente norte-americano, há um fator estrutural que favorece o atual patamar de beligerância – uma guerra aberta, de alta intensidade, entre Israel e Irã não interessa a esses dois players, nem a EUA e China, as duas superpotências que, no limite, podem impor um destino ao Oriente Médio.

A explosão de milhares de pagers e walkie-talkies do Hezbollah, em 17 de setembro corrente, seguida do ataque de mísseis israelenses no sul do Líbano, criaram o cenário mais temido desde o 8 de outubro de 2023 – um conflito bélico de alta intensidade entre Israel e Hezbollah. Esse quadro foi agravado pela declaração do ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, de que “o centro de gravidade” do conflito, até agora localizado em Gaza (com foco no Hamas), “se movia para o norte” (fixado no Hezbollah). Como interpretar essa escalada da guerra Israel-Hamas e sua possível regionalização?

A primeira interpretação, a mais convincente, combina uma dimensão doméstica – a obsessão do premiê israelense Binyamin Netanyahu em se manter no poder -, com uma vertente externa – a decisão do Hezbollah de continuar os ataques a Israel até sua retirada da Faixa de Gaza.

Ampla maioria de analistas sustenta que o fim do conflito levará à queda de Netanyahu. Até agora o saldo do conflito revela: destruição quase total da capacidade militar do Hamas; fracasso no resgate dos 250 reféns tomados pelos terroristas do Hamas; e elevadíssimo custo humanitário e material – cerca de 40 mil palestinos mortos, além de devastação da infraestrutura da Faixa de Gaza.

Imagem do dia 18 mostra cidadãos carregando caixões de vítimas das explosões de pagers no Líbano. Ação surpreendeu milícia xiita Hezbollah e aumentou tensões com Israel Foto: Bilal Hussein/AP

Caso Israel optasse pelo cessar fogo no atual momento, o destino de Netanyahu seria duplamente trágico. Primeiro, porque foi o início da guerra que o sustentou à frente de um governo amplamente impopular, contestado a cada semana por milhares de opositores nas ruas, e cujo saldo até agora foi negativo para a maioria da população israelense, que não teve os reféns de volta. Segundo, porque vários processos contra Netanyahu, inclusive grave acusação de corrupção em exame na Suprema Corte, teriam como desfecho sua condenação.

A destruição militar quase total do Hamas inviabiliza continuar as investidas bélicas na Faixa de Gaza, pois seria lutar contra um inimigo militar em decomposição. Mas, ao mesmo tempo, Netanyahu não poderia aprovar um cessar-fogo, porque perderia o poder. A saída foi o prolongamento da guerra, decisão que está ligada também às eleições de 5 de novembro próximo nos EUA. A permanência da guerra é um passivo eleitoral para Kamala Harris e um dividendo eleitoral para Trump, o grande aliado de Netanyahu.

Assim, Israel transformou as hostilidades permanentes com o Hezbollah (determinado a defender o Hamas), em um conflito de grande envergadura. Parafraseando Clausewitz, é possível dizer que a atual guerra contra o Hezbollah é a continuação do conflito com o Hamas por outros meios: ataques aéreos e não terrestres; atentados individuais com explosões de pagers; anulação da comunicação entre líderes e demais membros do inimigo; e neutralização de bases de lançamento de mísseis do Hezbollah.

A segunda interpretação se baseia na ideia de dissuasão. Os ataques israelenses buscariam convencer a liderança do Hezbollah de que o preço de continuar os ataques seria muito alto e superior ao de um acordo. Embora o argumento tenha certa lógica, é difícil imaginar que o Hezbollah, com capacidade militar superior à do exército de muitos países, com reconhecida experiência de guerra (Líbano, Síria, Iraque), com um arsenal entre 100 e 150 mil mísseis, venha a declinar de lançar forte represália militar, sobretudo diante da humilhação inédita pelo serviço de inteligência israelense.

Há indicações de que o Hezbollah tem capacidade militar suficiente para causar sérios danos à infraestrutura de portos, aeroportos e instalações estratégicas no território israelense. Além disso, não se deve esquecer que forças israelenses permaneceram 20 meses no Líbano, em confronto com o Hezbollah, e de lá saíram derrotadas.

Apesar dessa realidade do passado e do presente, Israel conta com evidente supremacia tecnológica, tanto ofensiva (demonstrada nos ataques inéditos dos últimos dias), como defensiva (interceptação de milhares de mísseis lançados pelo Hezbollah após o 7 de outubro). Aliás, essa supremacia explica a baixa intensidade das respostas, que vem sendo o padrão utilizado pelo Hezbollah desde o início do conflito.

Assim como é difícil imaginar um Hezbollah passivo diante do humilhante ataque israelense dos últimos dias, é pouco plausível que o Irã aceite de braços cruzados a destruição de seu maior proxy na região. Nesse contexto, a pergunta chave é – até onde vai a regionalização do conflito?

A terceira interpretação se baseia na possível regionalização do conflito. O Hezbollah é uma força militar de grandes proporções e exerce domínio absoluto sobre o sul do Líbano. Embora disponha de alguma autonomia decisória em relação ao Irã, o Hezbollah integra o eixo de resistência, utilizado para contestar o status quo regional. Nessa condição, o agrupamento obedece a Teerã.

Até o momento, parece não interessar a Israel nem ao Irã uma guerra aberta, de alta intensidade e com rumo incerto. Entretanto, esse cálculo pode mudar, em função do nível de devastação que Israel venha impor ao Hezbollah, e também da capacidade desse de infligir consideráveis danos materiais e humanos a Israel. Em outros termos, embora indesejado, é possível que o conflito Israel-Hezbollah venha a escalar rumo a uma guerra Israel-Irã.

Assim como é difícil imaginar um Hezbollah passivo diante do humilhante ataque israelense dos últimos dias, é pouco plausível que o Irã aceite de braços cruzados a destruição de seu maior proxy na região. Nesse contexto, a pergunta chave é – até onde vai a regionalização do conflito? Naturalmente, os senhores da resposta são Israel e Irã, mas ambos sofrem a influência da superpotência aliada – EUA e China.

A trajetória da guerra Israel- Hamas evidenciou a incapacidade dos EUA em conter o governo de Netanyahu – ancorado no Likud, autoritário, religioso e antidemocrático, hostilizado pela maioria da população e sem futuro político em tempos de paz. Assim, é evidente a impotência da superpotência norte-americana sobre Israel. Entretanto, não se sabe até onde vai a influência da China sobre o Irã. É bem conhecida a dependência econômica iraniana da China, grande importadora de petróleo iraniano e principal alternativa para neutralizar os efeitos das sanções norte-americanas sobre Teerã.

Imagem de 28 de outubro de 2023 mostra primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu (à esq.), ao lado do ministro da Defesa, Yoav Gallant (dir.). As duas autoridades afirmaram esta semana que Israel está entrando em nova fase de guerra Foto: Abir Sultan/AP

As três interpretações acima não são excludentes e até se complementam em alguns pontos. O ato terrorista do grupo sunita Hamas, de 7 de outubro de 2023, com o saldo de 1.200 mortos e 250 reféns, humilhou as Forças de Defesa Israelenses (FDI) e fragilizou o governo. A reação desproporcional de Netanyahu sobre a Faixa de Gaza levou o Hezbollah a atacar Israel de forma permanente, sobretudo no Norte, o que resultou no deslocamento de cerca de 70 mil cidadãos de suas casas. Essa população deslocada, vítima do Hezbollah, reforça Netanyahu em sua política de ataques de grande envergadura contra o inimigo xiita.

Assim, na política doméstica, Netanyahu conta com o apoio desse contingente da população e do partido Likud, fiel ao extermínio do Hamas, ao radicalismo religioso e opositor de um cessar-fogo em Gaza.

No plano externo, o Hezbollah insiste em manter os ataques a Israel enquanto este permanecer ocupando Gaza. Caso concorde com um cessar-fogo, Netanyahu perde a aliança com o Likud e não ganha apoio dos liberais que o hostilizam. Ao mesmo tempo, um cessar-fogo fortalece as chances de vitória da opositora Kamala Harris e enfraquece as do aliado Trump.

Assim, a confluência de forças domésticas e externas aponta no sentido da manutenção da atual tensão na Faixa de Gaza, no sul do Líbano ocupado pelo Hezbollah e em outras regiões vítimas de ataques nos últimos dias. Talvez esse quadro permaneça refém das eleições norte-americanas em 5 de novembro. Além dessa espera pelo próximo presidente norte-americano, há um fator estrutural que favorece o atual patamar de beligerância – uma guerra aberta, de alta intensidade, entre Israel e Irã não interessa a esses dois players, nem a EUA e China, as duas superpotências que, no limite, podem impor um destino ao Oriente Médio.

Opinião por Sergio Abreu e Lima Florêncio

é colunista da Interesse Nacional, economista, diplomata e professor de história da política externa brasileira no Instituto Rio Branco. Foi embaixador do Brasil no México, no Equador e membro da delegação brasileira permanente em Genebra.

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