A destruição parcial da represa de Kakhovka, no sul da Ucrânia, pela qual Moscou e Kiev se culpam mutuamente, causou inundações em cerca de 20 localidades na terça-feira, 6, e forçou a retirada de 17 mil pessoas da região.
“Até o momento, 24 localidades na Ucrânia foram inundadas”, disse o ministro do Interior, Igor Klimenko, e mais de 17.000 civis tiveram que ser evacuados das áreas inundadas, de acordo com o procurador-geral.
A usina hidrelétrica da barragem, tomada pelos russos no início de sua ofensiva na Ucrânia há mais de um ano, também está “completamente destruída”, anunciou o chefe da operadora hidrelétrica ucraniana Ukrhydroenergo.
“Mais de 40.000 pessoas podem estar em áreas inundadas. As autoridades ucranianas evacuaram mais de 17.000 pessoas. Infelizmente, mais de 25.000 civis estão no território sob controle russo”, disse o promotor ucraniano Andrii Kostin no Twitter.
Um alto funcionário instalado pelos russos na parte da região de Kherson que está o seu controle anunciou a evacuação de cerca de 900 pessoas das áreas ocupadas próximas ao rio Dnipro. Após a destruição, o Conselho de Segurança da ONU convocou uma reunião de emergência nesta terça-feira, atendendo a uma solicitação da Rússia e da Ucrânia, de acordo com fontes diplomáticas.
Troca de acusações
O presidente ucraniano Volodimir Zelenski acusou a Rússia de “explodir” a represa depois de colocar minas. A Rússia está “explodindo” a barragem depois de colocar minas. “É basicamente impossível [explodi-la] de uma forma ou de outra a partir do exterior, com bombardeios”, como alega Moscou, acrescentou Zelenski, especificando que a explosão ocorreu na madrugada da terça-feira.
“O mundo deve reagir”, disse Zelenski, que afirmou ao enviado especial do Papa Francisco em Kiev que um cessar-fogo na Ucrânia “não levará à paz”. Pouco depois, a Rússia respondeu pedindo a “condenação” da Ucrânia pela destruição da represa.
“Pedimos à comunidade internacional que condene as ações criminosas das autoridades ucranianas, que são cada vez mais desumanas e representam uma séria ameaça à segurança regional e global”, disse o Ministério das Relações Exteriores da Rússia em um comunicado.
Guerra na Ucrânia
De acordo com o governo ucraniano, a destruição é uma tentativa dos russos de “desacelerar” a ofensiva de seu exército. Na segunda-feira, a Ucrânia alegou ter ganhado terreno perto da cidade de Bakhmut, no leste do país, ao mesmo tempo em que minimizou a escala das “ações ofensivas” em outras partes da linha de frente. Por sua vez, a Rússia afirma que está repelindo esses ataques em larga escala, embora tenha reconhecido na terça-feira que 71 de seus soldados foram mortos nos últimos dias.
Impacto na contraofensiva ucraniana
As autoridades ucranianas afirmam estar preparando há meses uma grande contraofensiva para forçar a retirada das tropas russas. A destruição parcial da represa gera temores sobre as consequências para a usina nuclear de Zaporiyia, localizada 150 km rio acima, pois ela garante seu resfriamento. No entanto, “não há perigo nuclear imediato”, ressaltou a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), acrescentando que seus especialistas na instalação estão monitorando a situação.
Assim como a represa, a usina está localizada em uma área ocupada pelas forças russas desde sua invasão em fevereiro de 2022. O diretor da usina, Yuri Chernichuk, nomeado pelos ocupantes russos, disse que “no momento não há ameaças” à segurança da instalação.
Na cidade de Kherson, os moradores temem as consequências. “A inundação está bem diante de nossos olhos. Ninguém sabe o que pode acontecer daqui para frente. Um bom russo é um russo morto, não posso dizer mais nada”, disse Viktor, um morador, à AFP.
A destruição parcial da represa é “o maior desastre ambiental causado pelo homem na Europa em décadas”, disse Zelenski, acusando a Rússia de ser culpada de “ecocídio brutal”. “A Rússia será responsabilizada por esse crime de guerra que constitui a destruição de uma infraestrutura civil”, disse o chefe do Conselho Europeu, Charles Michel, enquanto o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, denunciou o “ato ultrajante”.
A barragem de Kakhovka, construída na década de 1950 no auge da era soviética, tem valor estratégico, pois fornece água para o Canal da Crimeia do Norte, que se origina no sul da Ucrânia e atravessa toda a península da Crimeia, sob controle russo desde 2014. /AFP